Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2267/16.3T8STB-B.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO
VENDA EXECUTIVA
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A penhora de um bem em execução comum que antes fora penhorado numa execução fiscal que se mostra pendente determina a suspensão da primeira e o exequente comum deverá reclamar o seu crédito na execução fiscal.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 2267/16.3T8STB-B.E1

Tribunal da Comarca de Setúbal – Juízo Central de Execução de Setúbal – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Na presente execução proposta pelo “(…) Banco, SA” contra … e … (entretanto, por óbito desta, surge como parte …), o exequente não se conformou com o despacho que indeferiu o pedido de prosseguimento para a fase da venda.
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Por requerimento datado de 24/10/2017, o exequente solicitou que fosse ordenada a venda do imóvel penhorado nos autos.
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Após ter dirigido um pedido de informação à Autoridade Tributária, por despacho proferido em 08/06/2018, o Tribunal «a quo» indeferiu a referida pretensão com base na existência de uma penhora prévia sobre o mesmo bem ao abrigo da disciplina inscrita no artigo 794º, nº 1, do Código de Processo Civil.
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Inconformada com tal decisão, a sociedade recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«A. Na decisão recorrida, o Tribunal a quo decidiu indeferir o requerimento para venda do imóvel penhorado nos autos, por falta de fundamento legal, atendendo a que o artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é bem claro quanto à sustação da execução em caso de pendência de penhora anterior.
B. Salvo o devido respeito pela decisão do Tribunal a quo, o Recorrente entende que a mesma terá que ser substituída por outra que aprecie o circunstancialismo fáctico-jurídico do caso sub judice e reponha o respeito pelos direitos que o ora Recorrente pretende salvaguardar, bem como zele pela boa aplicação das normais e demais princípios basilares que servem de suporte ao nosso sistema jurídico.
C. Resulta claro que manter a decisão e não admitir o prosseguimento da execução para venda do imóvel sobre o qual recaem duas penhoras registadas à ordem de dois processos distintos constituiria um acérrimo ataque aos princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e da garantia do direito à propriedade privada, previstos nos arts. 18.º, n.º 2 e 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
D. De facto, constitui uma clara violação daqueles princípios, não só porque desvirtuaria os fins visados a salvaguardar na Ordem Jurídica, aplicando ao ora Recorrente uma mesma decisão aplicável a casos semelhantes, mas como premissas distintas, tratando igual o que, efectivamente, não o é; como também sujeitaria o ora Recorrente a uma intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do direito do Recorrente à satisfação do seu crédito, indelevelmente ligado ao direito à propriedade privada, sendo que, por outro lado, sempre ficaria sujeito às vicissitudes próprias da suspensão da execução fiscal, determinada pelo impedimento legal à venda do imóvel, sem que, quanto a essas, tenha a possibilidade de, por via dos competentes mecanismos legais, promover ou requerer o prosseguimento.
E. Face ao exposto, entendimento contrário, cremos, postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1, da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18.º da CRP).
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada o douta sentença, para todos os efeitos legais como é de Direito e Justiça!».
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A parte contrária não contra-alegou. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da possibilidade de venda de prédio anteriormente penhorado à ordem de processo executivo fiscal em execução entretanto sustada.
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III – Dos factos apurados:
3.1 – Factos provados:
Estão provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:
1 – O crédito que fundamenta a presente execução para pagamento de quantia certa foi concedido para aquisição de habitação própria.
2 – A fracção autónoma designada pela letra “A”, do prédio urbano sito na Avenida (…), número 6, anterior freguesia de São Julião, actual União de Freguesias de S. Julião, N. S. da Anunciada e S. Maria da Graça, concelho de Setúbal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o nº (…), inscrito anteriormente na matriz sob o artigo (…), actualmente sob o artigo (…), foi sucessivamente penhorada à ordem de uma execução fiscal e destes autos.
3 – Por se tratar da penhora mais recente, neste processo foi ordenada a sustação dos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 794º do Código de Processo Civil.
4 – Em função disso, o “(…) Banco, SA” reclamou créditos no processo de execução fiscal à ordem do qual se encontrava registada a penhora “mais antiga”.
5 – Em 12/10/2017 o “(…) Banco, SA” veio requerer o prosseguimento das diligências de venda. Funda este pedido na circunstância de, quando se encontram registadas penhoras anteriores à do exequente sobre imóveis que constituem casa de morada de família, a venda a promover pela Autoridade Tributária não ser legalmente admissível, face à disciplina vertida na Lei nº 13/2016, de 23/05.
6 – Confrontado com este requerimento, o Juízo Central de Execução de Setúbal solicitou à Autoridade Tributária e Aduaneira que informasse se o imóvel penhorado nos autos foi vendido no âmbito do processo executivo que corria termos no Serviço de Finanças de Setúbal 2 ou se essa venda foi obstaculizada pela entrada em vigor da Lei nº 13/2016, de 23/5.
7 – Em 06/03/2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira informou que o processo já se encontrava extinto mas que, no entanto, a penhora registada abrange mais 3 (três) processos executivos, todos por dívida de IMI, que ainda não se encontram extintos.
8 – Por requerimento apresentado em 04/04/2018, o “(…) Banco, SA” insistiu pela realização da venda, com o argumento de que o imóvel não irá ser vendido no âmbito do processo de execução fiscal devido à aplicação da Lei nº 13/2016, de 23/5.
9 – O despacho recorrido tem o seguinte conteúdo: «Nos termos do disposto no artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o Agente de Execução susta quanto a estes a execução.
No caso concreto, está pendente penhora anterior registada a favor da Autoridade Tributária sobre o imóvel também penhorado, em momento posterior, à ordem destes autos, pelo que esta execução foi sustada a fim de o exequente ir reclamar o seu crédito ao processo de execução fiscal.
Deste modo, mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal, tem o exequente que reclamar o seu crédito e direito a ser pago pelo produto da venda do bem penhorado no âmbito da execução fiscal.
A posição do exequente é compreensível, porém o artigo 794.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é bem claro quanto à sustação da execução em caso de pendência de penhora anterior.
Face ao exposto, por falta de fundamento legal, indefiro o requerido.
Notifique».
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IV – Fundamentação:
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2º e 10º nºs 1, 4 e 5, do Código de Processo Civil).
No caso de pluralidade de execuções sobre os mesmos bens determina o artigo 794º[1] do Código de Processo Civil que o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
Ou seja, quando se mostrem realizadas várias penhoras sobre o mesmo bem, apenas a execução onde foi efectuada e registada (quando se trate de bens ou direitos sujeitos a registo) a primitiva penhora deve prosseguir, sendo sustadas as restantes execuções[2]. Esta é a solução tradicional que foi acolhida pelo legislador português e a ela se reportavam no domínio da legislação anteriormente vigente os comentários de Alberto dos Reis[3] e de Eurico Lopes-Cardoso[4], entre outros.
Por força do artigo 794º, nº 1, do Código de Processo Civil a penhora de um bem em execução comum que antes fora penhorado numa execução fiscal que se mostra pendente determina a suspensão da primeira e o credor comum deverá reclamar o seu crédito na execução fiscal. E o aqui exequente cumpriu essa injunção.
Com o estatuído no seu nº 1 pretende-se evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e, em princípio, há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar[5].
A execução mais antiga deverá prosseguir os seus termos quanto aos bens em questão e a suspensão vigora até ao momento em que a penhora mais antiga for levantada[6].
Demonstrado no processo executivo em que sucedeu a sustação (através da pertinente certidão judicial demonstrativa do levantamento da penhora) a extinção da execução e do motivo para tal, a par da junção da certidão de direitos, ónus e encargos da qual resulte ter sido cancelada a primitiva penhora – pode ocorrer como que uma repristinação da execução, ficando prejudicada a anterior sustação e prosseguindo a execução (e o apenso de reclamação de créditos) com vista à venda executiva desse bem[7].
Para além deste cenário, existem decisões jurisprudenciais que apontam no sentido que, para haver lugar à intervenção na primeira acção, «é preciso ainda que as execuções onde foram efectuadas essas penhoras (a anterior e a posterior) estejam numa situação dinâmica, isto é, estejam em movimento, seguindo o seu curso processual normal»[8] [9].
Neste horizonte interpretativo, Rui Pinto propugna que se a execução estiver suspensa ou interrompida, o credor com penhora posterior não está sujeito ao ónus do artigo 794º, nº 2. De outro modo, violar-se-ia a garantia constitucional do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, porquanto o credor que tivesse o ónus de se apresentar numa execução já de si parada, tanto veria sustada a sua acção actual, como a já pendente[10]. E isso configuraria uma “situação de bloqueio”[11] inadmissível e atentatória do acesso ao direito e da defesa do património.
Na situação vertente nem se está perante uma hipótese de pagamento integral da penhora precedente com extinção da acção executiva nem ocorre um fenómeno de paralisia do procedimento executivo fiscal, pois o mesmo permanece activo para pagamento de IMI em dívida.
Em adição e noutra perspectiva, como bem acentua o recorrente, não pode ser exigido ao credor como condição sine qua non para a venda do imóvel que acautele o pagamento da dívida fiscal, em sub-rogação do executado, sob pena de estarmos perante uma violação do princípio da proporcionalidade.
Ainda assim, com base na disciplina introduzida pela Lei nº 13/2016, de 23/05, o exequente opina que, na situação concreta, existe uma clara violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa. Para tanto, invoca que semelhante entendimento coarctaria completamente as possibilidade de promoção da venda do imóvel por parte do ora Exequente, na medida em que o mesmo é detentor de hipoteca registada sobre o imóvel e assume a posição de credor reclamante no âmbito do processo de execução fiscal.
Efectivamente, tal como postula o nº 2 do artigo 244º[12] do Código de Procedimento e Processo Tributário, na redacção introduzida pelo citada Lei nº 13/2016, de 23/05, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.
É indiscutível que a interpretação da disciplina precipitada no nº 2 do artigo 244º do Código de Procedimento e Processo Tributário não pode ficar restrita ao seu elemento literal e tem de ser enquadrada em critérios hermenêuticos actualistas, face à evolução legislativa entretanto ocorrida, sob pena de ser criado um entrave inadmissível ao prosseguimento de qualquer acção executiva cível em que haja uma situação de sustação derivada de um concurso de bens penhorados e onde a única acção com andamento seja a execução fiscal.
Sobre a problemática da interpretação da lei, podem consultar ser consultadas as obras de Manuel de Andrade[13], Pires de Lima e Antunes Varela[14], Baptista Machado[15], Oliveira Ascensão[16], Castro Mendes[17], Menezes Cordeiro[18], Fernando Bronze[19], Castanheira Neves[20], Herbert Hart[21], Karl Engish[22] e Karl Larenz[23], entre outros.
A este propósito já se pronunciou um aresto do Tribunal da Relação de Coimbra que, no respectivo sumário, aponta que «inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (o credor reclamante, neste caso credor hipotecário, não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma), não resta alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela actuação conducente à realização da venda no processo executivo cível, distribuindo-se o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação»[24].
Tal como ali se proclama, também defendemos que um entendimento contrário postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (artigo 62º, nº 1[25], da Constituição da República Portuguesa), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente que entraria assim em colisão com as regras contidas no artigo 18º[26] da Constituição da República Portuguesa.
Noutro acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra foi decidido que a solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado artigo 244º, nº 2, que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no artigo 850º, nº 2, do Código de Processo Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias[27].
E assim tudo parecia dar inequivocamente razão ao recorrente. Porém, na situação descrita não resulta que o credor hipotecário não possa requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma. Na verdade, na resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira à solicitação do Tribunal «a quo» não está claramente afirmado que se encontram preenchidos os requisitos positivos e negativos exigidos pela lei para obviar ao prosseguimento da execução e a demonstração dessa factualidade subjacente incumbia ao aqui exequente que não carreou para os autos executivos a pertinente prova que sustenta a sua tese.
O crédito que fundamenta a presente execução para pagamento de quantia certa foi concedido para habitação própria mas aquilo que se exige para obstar ao prosseguimento da venda é que o imóvel se destine efectiva e exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.
Por outro lado, nos termos do nº 3 do artigo, a disciplina anteriormente mencionada não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fracção autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
Nesta dimensão, para obter o levantamento da sustação da execução comum e se concretize a venda no processo executivo cível, o credor hipotecário tem de demonstrar que não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar por o mesmo estar efectivamente afecto a esse fim, dado que a medida restritiva não abrange todo e qualquer prédio destinado à habitação. E é incontestável que o fim descrito na escritura de compra e venda e constituição de garantia hipotecária não é suficiente para integrar o conceito legal expresso na norma em debate.
Ou, em alternativa, ainda que essa efectividade do destino do prédio se verifique, a lei afasta a medida limitativa da venda quando o valor tributável do imóvel se enquadra na taxa máxima mencionada no nº3 do artigo 244º do Código do Procedimento e Processo Tributário.
Deste modo, para além dos casos anteriormente elencados (extinção da execução fiscal, levantamento da penhora ou inexistência de dinâmica processual), nas situações de concurso de penhoras sobre o mesmo bem, a permissão do prosseguimento das diligências destinadas à venda na instância executiva comum apenas ocorre se estiverem preenchidos e demonstrados os pressupostos fácticos exigidos pelos nºs 2 e 3 do artigo 244º do Código de Procedimento e Processo Tributário, situação em que o ónus de vir reclamar créditos na execução comum passaria a recair sobre a Fazenda Nacional.
Nesta interpretação o credor não fica indefinida e infinitamente a aguardar que o seu crédito seja ressarcido. E, a ser assim, não se estaria perante um quadro típico de intolerável compressão do exercício dos seus direitos, nomeadamente do direito do recorrente à satisfação do seu crédito e do real acesso ao direito. Com efeito, na interpretação que achamos mais conforme à Constituição da República Portuguesa, esse impedimento de venda não é absoluto mas o credor exequente comum deve demonstrar que existe obstáculo concreto legal à efectiva realização da venda do imóvel em sede de processo fiscal.
No fundo, o problema registado neste caso não é meramente interpretativo mas a ele se encontra associada temática do ónus da prova do obstáculo legalmente consagrado e se, na realidade, o credor tivesse demonstrado os elementos atrás referidos a solução do recurso seria provavelmente outra. Tudo sem embargo de, no futuro, caso haja alteração relevante na situação fáctica exigida pela norma em discussão, a sociedade exequente possa vir a demonstrar documentalmente (preferencialmente através de certidão emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira que os autos se encontram na situação prevista pelo artigo acima mencionado) ou por outro meio probatório que todos os requisitos constitutivos da sua pretensão se encontram preenchidos.
Nesta óptica, embora com fundamentação diversa, confirma-se a decisão recorrida, mantendo-se o decidido.
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V – Sumário:
1 – A penhora de um bem em execução comum que antes fora penhorado numa execução fiscal que se mostra pendente determina a suspensão da primeira e o exequente comum deverá reclamar o seu crédito na execução fiscal.
2 – Se for inviabilizado na execução fiscal qualquer mecanismo de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum não resta alternativa que não seja a do levantamento da sustação da execução comum com o objectivo de se providenciar pela realização da venda no processo executivo cível.
3 – No entanto, nos casos de concurso de penhoras sobre o mesmo bem, a permissão do prosseguimento das diligências destinadas à venda na instância executiva comum apenas ocorre se estiverem preenchidos e demonstrados os pressupostos fácticos exigidos pelos números 2 e 3 do artigo 244º do Código de Procedimento e Processo Tributário, situação em que o ónus de vir reclamar créditos na execução comum passaria a recair sobre a Fazenda Nacional, distribuindo-se então o produto da venda em conformidade com o que for determinado na sentença de graduação.
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do presente recurso a cargo do apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 06/12/2018
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Maria Peixoto Imaginário

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[1] Artigo 794.º (Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens):
1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.
3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.
[2] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 438.
[3] Processo de Execução, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 286-289.
[4] Manual da Acção Executiva, 3ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1992, pág. 484-494.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, in www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido consultar, Rui Pinto, A Ação Executiva, AAAFDL, Lisboa, 2018, pág. 813.
[7] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 438.
[8] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/04/1997, in www.dgsi.pt.
[9] Em sentido oposto, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 09/11/1999, publicado em www.dgsi.pt, já defendeu que a aplicação do disposto no nº 1 do artigo 794º «não tem como pressuposto que a execução que a execução onde foi o bem primeiramente penhorado esteja a correr termos».
[10] A Ação Executiva, AAAFDL, Lisboa, 2018, pág. 815.
[11] Isabel Menéres Campos, As questões não resolvidas da reforma da acção executiva, SJ 29, Out/Dez (2004), pág. 65.
[12] Artigo 244º (Realização da venda):
1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.
2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.
3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.
4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.
5 - A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.
6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.
[13] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª edição, Coimbra, 1987.
[14] Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1987.
[15] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra 2002.
[16] O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra 2003.
[17] Introdução ao Estudo do Direito, Dislivro, Lisboa 1994.
[18] Tratado de Direito Civil, Vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra 2012.
[19] Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra 2006.
[20] Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra 1993.
[21] O conceito de Direito, tradução Ribeiro Mendes, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1996.
[22] Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução Baptista Machado, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1977.
[23] Metodologia da Ciência do Direito, tradução José Lamego, 6ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1977.
[24] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/09/2017, in www.dgsi.pt.
[25] Artigo 62º (Direito de propriedade privada):
1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.
[26] Artigo 18º (Força jurídica):
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
[27] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/10/2017, in www.dgsi.pt.