Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3760/14.8TCLRS-A.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
ÂMBITO
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 01/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. Como deriva do n.º 1 do art.º 321.º do CPC, o pressuposto material da intervenção acessória é a titularidade, por parte do réu, de um direito de regresso relativamente a terceiro, reconduzindo-se o conteúdo desta faculdade ao jus que o Réu possui de vir a ser indemnizado por terceiro em consequência de ficar vencido na demanda e este há de provir da própria configuração jurídica da relação jurídica controvertida. A imposição dessa obrigação de responder pelo prejuízo decorrente do vencimento na causa pode decorrer da lei, de negócio jurídico ou de facto gerador de responsabilidade civil

II. Consequentemente, o n.º 2 do mesmo normativo enuncia que o âmbito da intervenção do chamado se circunscreve às questões que influam (ou possam vir a influir) no reconhecimento desse direito de regresso na acção em que este venha a ser exercido. O auxílio a prestar pelo interveniente restringe-se à discussão desses aspectos. O auxílio à defesa da chamante é, no fundo, uma defesa de si próprio, tendo todo o interesse jurídico em que a chamante obtenha ganho de causa, a fim de frustrar o exercício direito de regresso que constituiu fundamento do chamamento.

III. Resulta, pois, de tal normativo que são pressupostos do seu funcionamento, por um lado, a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro, e, por outro, a conexão entre o objecto da demanda e da configurada acção de regresso ou de indemnização.

IV. O interveniente acessório tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes principais, gozando dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que o chamante, mas a sua actividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do chamante e, havendo divergência insanável entre a parte principal e o chamado, prevalece a vontade daquela, circunscrevendo-se a intervenção acessória de terceiro às questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir da acção em que é sujeito passivo o R., chamante.

V. A relação de regresso só é apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido.

VI. A sentença proferida na “acção principal” autos constitui caso julgado, em relação ao chamado, apenas no que tange às questões decididas, de que derivou a condenação do R., ficando em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório
BB e CC propuseram acção declarativa de condenação, com processo comum, contra DD, Sociedade de Turismo Social.
A R. deduziu incidente de intervenção acessória provocada de EE, Companhia de Seguros S.A., “por ser para esta que, à data dos factos, a sua responsabilidade civil relativa à exploração se encontrava transferida, atento o disposto no artigo 321.º do CPC”.
Citada a chamada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 323.º do CPC, apresentou contestação.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se decidiu, nomeadamente que:
“Das exceções perentórias invocadas pela EE, Companhia de Seguros S.A.:
Veio a interveniente acessória, em sede de contestação, invocar:
- A prescrição do direito dos Autores no que a si diz respeito. Alega, em síntese, ter sido citada decorridos mais de três anos a contar do evento danoso;
- A extemporaneidade da reclamação para ressarcimento dos danos e
- Estar o evento em causa excluído do contrato de seguro vigente entre a interveniente e a Ré.
Pela Ré foi pugnada a improcedência das exceções invocadas.
Os autos estão coligidos com todos os elementos para que o tribunal possa conhecer da respetiva (im)procedência.
O regime da intervenção acessória provocada consta dos artigos 321.º a 324.º do Código de Processo Civil.
A função do chamado é “auxiliar o réu na defesa”, circunscrevendo-se a sua intervenção às questões “que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento.” (art. 321.º).
Estas questões são as que consubstanciam o thema decidendum, relativamente à relação entre as partes principais, relativamente à qual os intervenientes acessórios não podem ser condenados ou absolvidos. O chamamento tem como função estender os efeitos do caso julgado relativamente às questões da relação jurídica controvertida que possam ter repercussão sobre o direito de regresso do réu (art. 323.º n.º 4 do Código de Processo Civil).
Na esteira de Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil anotado, vol I. pags. 590 e 591): ““Esta circunscrição do âmbito objectivo do caso julgado no âmbito da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo mantém-se inteiramente: para a acção de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso (sublinhado nosso); assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado”.
É considerando este efeito que o legislador fez consagrar no art. 328.º n.º 2 do Código de Processo Civil que “Os assistentes gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua atividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar atos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido; havendo divergência insanável entre a parte principal e o assistente, prevalece a vontade daquela.”.
Aqui chegados, impõe-se a conclusão de que não é reconhecido ao interveniente acessório o direito de suscitar questões apenas relacionadas com a relação entre o Réu o Chamado (como sejam os factos relativos à exclusão da responsabilidade e à caducidade do direito em face da ausência de reclamação, atentas as cláusulas constantes do contrato de seguro celebrado) nem de suscitar questões não suscitadas pelo Réu (como seja a prescrição do direito dos Autores).
Em face do exposto, improcedem as exceções invocadas pela interveniente acessória.”
A chamada, não se conformando com o despacho prolatado acima transcrito dele interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“a) O Tribunal a quo ao abrigo dos artigos 321, nº 2 e 328, nº 2 do CPC veio limitar o âmbito de defesa da Interveniente/Recorrente. Entende o douto Tribunal que beneficiando do estatuto de assistente que lhe é conferido pelo artigo 323, nº 1 do CPC, que o Interveniente Acessório apenas deve acompanhar a Parte Principal nas suas alegações, sem direito a alegar outros fatos que poderão intervir inclusive na sua obrigação, ou não, de indemnizar.
b) A Interveniente/Recorrente não se conforma com aquele douto entendimento uma vez que as questões oferecidas são essenciais na medida que poderá estar em causa a legitimidade para a dedução do chamamento dado que a apólice perdeu sua eficácia por não ter sido reclamado dentro do limite temporal acordado entre o Réu e a Interveniente/Recorrente.
c) Não será justo a responsabilização da Interveniente por um sinistro que não foi participado dentro do prazo legal que foi estipulado pelas partes contraentes, pois tratar-se-á de uma violação da Cláusula de Limitação Temporal do Risco Seguro (Claims Made) prevista no regime jurídico do contrato de seguro (Cfr. artigo 139, nº 3do Decreto-lei 72/2008 de 16 de abril).
d) Em bom rigor, a ter em conta as Cláusulas Contratuais, não se poderá afirmar que há “direito de regresso” do Réu perante a Interveniente simplesmente porque a apólice não foi acionada dentro do prazo.
e) Acresce que, mesmo que se entenda que havia seguro o mesmo não estava coberto tendo em conta as exclusões contratuais do contrato de seguro celebrado entre Réu e Interveniente/Recorrente.
f) Não será justo que a Interveniente citada para contestar apenas venha, pacificamente, aderir ao articulado do Réu, sem qualquer direito de se pronunciar no que lhe aprouver como sendo a prescrição e a caducidade do direito dos AA., bem como a exclusão da responsabilidade face às cláusulas contratuais.
g) Entende-se que ao arguir às exceções em causa não se ultrapassou o limite legal imposto pelo artigo 321, nº 2 do CPC, pois da interpretação da disposição legal retira-se que a lei admite que a Interveniente/Recorrente venha trazer à discussão todas as questões que tenham, ou pudessem vir a ter repercussão em futura ação de regresso, mas no que diz respeito ao caso dos autos, as “novas questões” são relevantes na medida em que deverá ter o Tribunal em conta que o suposto direito de regresso do aqui Réu, poderá, nem sequer existir pelo fato do sinistro não ter sido participado em tempo.
Nestes termos e nos melhores de direito, requer-se à Vas Exas seja o despacho recorrido, substituindo-o por outro que permita à Interveniente Acessória, contestar a ação com total liberdade, sem a necessidade de se ater ao que previamente alegou o Réu, fazendo-se assim a tão costumada JUSTIÇA!
A R., DD - Sociedade de Turismo Social, respondeu às alegações, pugnando pela confirmação do despacho sob censura.
Dispensados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir



II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC),
A questão solvenda prende-se com os limites da intervenção do interveniente acessório.
III. Fundamentação
1.De Facto
Os factos pertinentes à resolução do presente recurso constam do antecedente relatório.
2. Do mérito do recurso

A apelante, na contestação que apresentou, sustentou a prescrição do direito dos Autores no que a si diz respeito, a extemporaneidade da participação do sinistro e a exclusão deste do contrato do seguro que vigora entre si e a Ré, sua segurada.

O despacho saneador apelado entendeu que a suscitação destas excepções peremptórias extravasa o âmbito da intervenção acessória, já que “não é reconhecido ao interveniente acessório o direito de suscitar questões apenas relacionadas com a relação entre o Réu o Chamado (como sejam os factos relativos à exclusão da responsabilidade e à caducidade do direito em face da ausência de reclamação, atentas as cláusulas constantes do contrato de seguro celebrado) nem de suscitar questões não suscitadas pelo Réu (como seja a prescrição do direito dos Autores)”, tendo assim concluído pela sua improcedência.

Atentemos no que se dispõe o art.º 321.º do CPC.

“1. O Réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar da defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.

2. A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.”

Ora, como deriva do n.º 1 do art.º 321.º do CPC, o pressuposto material da intervenção acessória é a titularidade, por parte do réu, de um direito de regresso relativamente a terceiro, reconduzindo-se o conteúdo desta faculdade ao jus que o Réu possui de vir a ser indemnizado por terceiro em consequência de ficar vencido na demanda e este há de provir da própria configuração jurídica da relação jurídica controvertida[1]. A imposição dessa obrigação de responder pelo prejuízo decorrente do vencimento na causa pode decorrer da lei, de negócio jurídico ou de facto gerador de responsabilidade civil

Consequentemente, o n.º 2 do mesmo normativo enuncia que o âmbito da intervenção do chamado se circunscreve às questões que influam (ou possam vir a influir) no reconhecimento desse direito de regresso na acção em que este venha a ser exercido. O auxílio a prestar pelo interveniente restringe-se à discussão desses aspectos[2]. O auxílio à defesa da chamante é, no fundo, uma defesa de si próprio, tendo todo o interesse jurídico em que a chamante obtenha ganho de causa, a fim de frustrar o exercício direito de regresso que constituiu fundamento do chamamento.

Resulta, pois, de tal normativo que são pressupostos do seu funcionamento, por um lado, a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro, e, por outro, a conexão entre o objecto da demanda e da configurada acção de regresso ou de indemnização.[3]

Deduzido o chamamento, o juiz, ouvida a parte contrária, aprecia, em decisão irrecorrível, a relevância do interesse que está na base do chamamento, deferindo-o quando a intervenção não perturbe indevidamente o normal andamento do processo e, face às razões invocadas, se convença da viabilidade da acção de regresso e da sua efectiva dependência das questões a decidir na causa principal (n.º 2 do art.º 322.º do CPC).

Por seu turno, dispõe o n.º 1 do art.º 323.º do CPC que ”O chamado é citado, correndo novamente a seu favor novamente para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos art.ºs 328.º e seguintes”, ou seja, o interveniente acessório tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes principais, gozando dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que o chamante, mas a sua actividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do chamante e, havendo divergência insanável entre a parte principal e o chamado, prevalece a vontade daquela (n.ºs 1 e 2 do art.º 328.º do CPC).

Como se refere no preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro “Relativamente às situações presentemente (ou seja, na redacção anterior do CPC) abordadas e tratadas sob a égide do chamamento à autoria, optou-se por acautelar os eventuais interesses legítimos que estão na base e fundam o chamamento nos quadros da intervenção acessória, admitindo, deste modo, em termos inovadores, que esta possa comportar, ao lado da “assistência”, também uma forma de intervenção (acessória) provocada ou suscitada pelo réu da causa principal.

Considera-se que a posição processual que deve corresponder ao titular da relação de regresso, meramente conexa com a controvertida – invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar na defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual efectivação da acção de regresso pelo réu da demanda anterior – e não a de parte principal: mal se compreende, na verdade, que quem não é reconhecidamente titular ou contitular da relação material controvertida (mas tão somente sujeito passivo de uma eventual acção de regresso ou indemnização configurada pelo chamante) e que, em nenhuma circunstância, poderá ser condenado caso a acção proceda (ficando tão-somente vinculado, em termos reflexos, pelo caso julgado, relativamente a certos pressupostos daquela acção de regresso, a efectivar em demanda ulterior) deva ser tratado como “parte principal”.

A fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspectiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento.

Procurou, por outro lado, operar-se uma ponderação adequada entre os interesses do autor (que normalmente não terá qualquer vantagem em ver a linearidade e celeridade da acção que intentou perturbada com a dedução de um incidente que lhe não aproveita, já que o chamado não é devedor no seu confronto, nunca podendo ser condenado mesmo que a acção proceda) e do réu, que pretende tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, nele repercutindo o prejuízo que lhe cause a perda de demanda”.

Na estrutura do incidente há, pois, a considerar duas relações jurídicas distintas: a relação material controvertida da demanda, discutida entre A. e R. e a relação jurídica conexa, que tem como titular activo o réu da causa principal e passivo o terceiro por aquele chamado a intervir, na designada acção de regresso (conceito diferente de direito de regresso, previsto nos art.ºs 497.º, n.º 2, 521.º, n.º 1 e 524.º do Cod. Civil), circunscrevendo-se a intervenção acessória de terceiro às questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir da acção em que é sujeito passivo o R., chamante, ficando a sua actividade processual subordinada à do R., sendo-lhe, por isso, vedada a prática de actos que aquele tenha perdido o direito de praticar e proibida a tomada de posição oposta à dele. Deferido o chamamento e citado o chamado, este fica, ipso facto, constituído na posição de parte acessória, ou seja, o chamado fica automaticamente constituído no processo como parte acessória, por despacho irrecorrível.[4]

Cita-se, por lapidar, o Ac. da RL de 23.02.2010[5]

“A relação de regresso constitui um mero pressuposto da admissão da chamada.

Efectivamente, a relação de regresso só é apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido.

(…)

Como sustenta Lopes do Rêgo (in Comentários ao Código de Processo Civil, pag. 252 e segs.), a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, conexo com a controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento – é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indirecto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor, pondo-se, consequentemente, a coberto de ulterior e eventual acção de regresso ou de indemnização contra ele movida pelo réu da causa principal.

O auxílio na defesa que o chamado vai prestar ao chamante limita-se à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, ou seja, a questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir com repercussão na existência e no conteúdo do direito de regresso.
(…).

Se o réu contestar a acção, a intervenção do chamado é acessória daquele, estando a sua actividade subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do assistido (art.ºs 332.º, n.º1, e 337,º, n.º 2, do CPC [actualmente art.º 323.º, 328.º do CPC]).

É esta última a situação que ocorre nos autos, pois que a ré contestou a acção, não tendo porém, deduzido a excepção peremptória da caducidade do direito da autora.
(…)

Não tendo a ré, na contestação, deduzido aquela excepção, não poderia a chamada alargar o objecto do processo, invocando essa nova questão, por a sua actuação se encontrar condicionada por a daquela.

É que o thema decidendum continua apenas a ser a relação material controvertida tal como foi delineada entre autor e réu, que o chamado não pode modificar, sob pena de agravar a posição jurídica do autor, desiderato que o legislador não pretendeu, pois que, na ponderação que fez dos interesses do réu, apenas visou tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, nele repercutindo o prejuízo que lhe cause a perda da demanda (vide preâmbulo do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12/12).

Com efeito, o chamado apenas pode complementar a actividade do assistido, mas não suprir (mediante a prática de actos que este não pratique, tendo o ónus de praticar), nem contrariar (mediante a assunção de atitude divergente da do assistido) a mesma.

Não pode por isso deduzir excepções que a parte principal não invoque ou deduza.

E não se diga que, desta forma, sai prejudicada a posição processual do chamado, face ao caso julgado formado pela decisão que vier a ser proferida na presente acção.

Na verdade, o caso julgado apenas torna assentes os pressupostos do direito de regresso relativamente às questões já decididas no anterior processo que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado, ficando em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso.

Não está, pois, a interveniente inibida de, na futura acção de regresso, alegar e provar que a atitude da parte principal (ré) - ao não deduzir a excepção da caducidade do direito da autora - a impediram de fazer uso dessa alegação e que se o tivesse feito aquela não teria sido condenada, por caducidade do direito exercitado pela autora.

(…)”.

A limitação da intervenção do chamado percebe-se melhor se tivermos em conta que a sentença só constitui caso julgado relativamente a essas mesmas questões, assim tornando incontroversos entre o chamado e o chamante os pressupostos de que depende o exercício desse direito, bem como os factos dos quais derivou a condenação deste último (cfr. n.º 4 do art.º 323.º do CPC), ou seja, o interveniente apenas fica vinculado, em regra, a aceitar os factos de que derivou a condenação do primitivo réu propriamente dito, isto é, o que implementou o chamamento.

De acordo com o disposto no art.º 332.º do CPC, a sentença proferida na causa constitui caso julgado em relação ao assistente, que é obrigado a aceitar, em qualquer causa posterior, os factos e o direito que a decisão judicial tenha estabelecido, excepto:

a) Se alegar e provar, na causa posterior, que o estado do processo no momento da sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final;

b) Se mostrar que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscpetíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave.

Com efeito, o interveniente não é condenado nesta primeira acção, apenas ficando vinculado, em regra, a aceitar os factos dos quais derivou a condenação do primitivo réu, isto é, o que implementou o chamamento. Não é condenado a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido do autor, mas estendem-se-lhe os efeitos do caso julgado da sentença final, permitindo, assim, este incidente, que se estendam ao chamado os efeitos do caso julgado da sentença, de modo a que não seja possível nem necessário que na susbsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra ele se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo. No fundo, o caso julgado torna indiscutíveis, na acção posterior, no confronto do chamado, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor.

Assim, em regra, na nova acção de indemnização em que figure como réu o chamado à intervenção, fica este vinculado ao conteúdo da respectiva sentença como prova plena dos factos nela estabelecidos relativamente ao direito definido (e só), tendo a faculdade de ali impugnar os referidos factos e o direito, se alegar e provar que a atitude do autor, ou seja, que o réu na acção anterior o impediu de fazer uso de alegações ou de meios de prova influentes na decisão final, ou que desconhecia a existência de alegações ou provas susceptíveis de influir naquela decisão, e que o autor as não usou intencionalmente.

A primeira das referidas excepções tem a ver com o facto de o chamado à intervenção não poder praticar actos que o réu chamante haja perdido o direito de praticar, e a segunda com o facto de não poder assumir, na acção, atitude oposta à dele”.[6]

“O chamamento visa, assim, impor-lhe os efeitos do caso julgado, de modo a que não seja possível nem necessário que na subsequente acção de indemnização proposta pelo réu contra o chamado se voltem a discutir as questões já decididas no anterior processo (enquanto elemento condicionante ou prejudicial da existência do direito de regresso ou indemnização), ou seja, os pressupostos concernentes à existência e ao conteúdo do direito a indemnização da titularidade do autor – cfr. Ac STJ 21-03-2006, relatado pelo Cons. Urbano Dias, in www.dgsi.pt.; Salvador da Costa, ob.cit., pags. 134 e 144.

“Esta circunscrição do âmbito objectivo do caso julgado no âmbito da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo mantém-se inteiramente: para a acção de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso (sublinhado nosso); assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado” – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol I. pags. 590 e 591”[7].

Regressando ao caso dos autos, é patente que a arguição da intempestividade da participação do sinistro e a exclusão do mesmo do âmbito do contrato de seguro são questões concernentes à relação entre o chamante e o chamado e extravasam o objecto do presente litigio, ou seja, a relação material controvertida tal como foi delineado entre A. e R.

Do que deixámos exposto resulta que a intervenção do chamado se limita à discussão das questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir da presente acção e não da eventual futura acção de regresso.

A discussão no âmbito da presente acção é apenas a que se reporta à relação material controvertida tal como delineado por A. e R., que o chamado não pode modificar nem enxertar nessa lide a discussão da relação conexa, ou seja, a relação entre o R. e a chamada.

Nos autos, como acima se referiu, não é apreciada pelo tribunal a relação de regresso, sendo certo que o chamado, nesta acção, não é condenado nem absolvido. A relação de regresso apenas foi apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória provocada e, admitida a intervenção, por despacho irrecorrível, citado o chamado, este fica, ipso facto, constituído na posição de parte acessória.

Acresce, como vimos, que a sentença proferida nos presentes autos constitui caso julgado, em relação ao chamado, apenas no que tange às questões decididas, de que derivou a condenação do R.

Note-se, aliás, que o disposto no n.º 2 do art.º 328.º do CPC é aplicável à intervenção acessória mas sempre com as necessárias adaptações (n.º 1 do art.º 323.º do mesmo diploma), o que significa que deste último preceito não se podem retirar limitações ao âmbito da defesa na acção de regresso, considerando, ainda, o escopo deste incidente que acima delineámos, ficando em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso.

Quanto à invocação da prescrição da obrigação de indemnização, há a notar que a recorrida não a invocou na sua contestação – o que implica que já não o possa fazer por eclosão de preclusão e que a mesma não lhe aproveite por força do disposto no art.º 303.º do CC – e que, contra a recorrente, não foi exercido qualquer direito por parte dos AA..

Assim, poder-se-ia desde já concluir pela manifesta inocuidade dessa invocação[8], sendo certo que a interpretação do articulado de contestação leva-nos a concluir que a arguição se mostra, antes, intrinsecamente ligada à invocação da intempestividade da participação, pelo que nem se justifica a sua autonomização nesses termos.

Há, por isso, que concluir pela confirmação do despacho apelado.

As custas serão suportadas, porque vencida, pela apelante (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).

Sumário

I. Como deriva do n.º 1 do art.º 321.º do CPC, o pressuposto material da intervenção acessória é a titularidade, por parte do réu, de um direito de regresso relativamente a terceiro, reconduzindo-se o conteúdo desta faculdade ao jus que o Réu possui de vir a ser indemnizado por terceiro em consequência de ficar vencido na demanda e este há de provir da própria configuração jurídica da relação jurídica controvertida. A imposição dessa obrigação de responder pelo prejuízo decorrente do vencimento na causa pode decorrer da lei, de negócio jurídico ou de facto gerador de responsabilidade civil

II. Consequentemente, o n.º 2 do mesmo normativo enuncia que o âmbito da intervenção do chamado se circunscreve às questões que influam (ou possam vir a influir) no reconhecimento desse direito de regresso na acção em que este venha a ser exercido. O auxílio a prestar pelo interveniente restringe-se à discussão desses aspectos. O auxílio à defesa da chamante é, no fundo, uma defesa de si próprio, tendo todo o interesse jurídico em que a chamante obtenha ganho de causa, a fim de frustrar o exercício direito de regresso que constituiu fundamento do chamamento.

III. Resulta, pois, de tal normativo que são pressupostos do seu funcionamento, por um lado, a configuração de um direito do chamante no confronto de um terceiro, e, por outro, a conexão entre o objecto da demanda e da configurada acção de regresso ou de indemnização.

IV. O interveniente acessório tem no processo a posição de auxiliar de uma das partes principais, gozando dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres que o chamante, mas a sua actividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar nem assumir atitude que esteja em oposição com a do chamante e, havendo divergência insanável entre a parte principal e o chamado, prevalece a vontade daquela, circunscrevendo-se a intervenção acessória de terceiro às questões respeitantes ao pedido ou à causa de pedir da acção em que é sujeito passivo o R., chamante.

V. A relação de regresso só é apreciada pelo tribunal para efeitos de admissibilidade do incidente de intervenção acessória, pois que o chamado não é condenado nem absolvido na acção onde aquele foi deduzido.

VI. A sentença proferida na “acção principal” autos constitui caso julgado, em relação ao chamado, apenas no que tange às questões decididas, de que derivou a condenação do R., ficando em aberto para a acção de indemnização a discussão sobre todos os outros pontos de que depende o direito de regresso.

V. Dispositivo

Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento à apelação, confirmando-se o despacho recorrido.

Custas pela apelante.

Registe.

Notifique.

Évora, 25 de Janeiro de 2017

Florbela Moreira Lança (Relatora)

Elisabete Valente (1.ª Adjunta)

Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Assim, SALVADOR DA COSTA, Os incidentes da instância, 8ª ed., Almedina, pp. 97 e 98.
[2] Assim, SALVADOR DA COSTA, op. cit, pp. 99
[3] Assim, SALVADOR DA COSTA, op. cit., pp. 106
[4] Neste sentido vide Salvador da Costa, op. cit., pp. 106
[5] Acessível em www.dgsi.pt.
[6] Salvador da Costa, op. cit., pp. 116-117
[7] Citado Ac. da RL de 23.02.2010
[8] Vide, a este respeito, o Ac. do STJ de 12.11.2013, proferido no proc. n.º 2225/07.9TJVNF.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt.