Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4474/16.9T8ENT-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, criou o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), visando promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta do respetivo Preâmbulo.
II.- Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários, na situação comtemplada pelo Dec.-Lei 227/2012, é a proibição de serem propostas ações judiciais sobre o credor para a satisfação do seu crédito entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – artº 18º/1 b).
III.- Demonstrando os autos que o procedimento previsto nos artigos 12º a 17º teve início mas não se mostra concluído (extinto), estamos perante uma exceção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso, nos termos dos artigos 573º/2 in fine e 578º do CPC, o que implica a absolvição da instância.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc.º 4474/16.9T8ENT-A.E1

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente:
Caixa Geral de Depósitos, S.A.

Recorridos:
(…) e (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1, a ora recorrente propôs ação executiva contra os ora recorrentes e contra a também executada (…), tendo aqueles oferecido oposição por embargos.
O Tribunal, após audiência prévia e em sede de saneador, conheceu de exceção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI, tendo decidido:
Face ao exposto, julgo procedentes os embargos deduzidos pelos executados (…) e (…), uma vez evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aqueles executados e ainda relativamente à executada (…), todos melhor identificados nos autos, e, subsequentemente, absolvo-os da instância executiva.
Custas pela exequente/embargada – artigo 527.º/1 do CPC.
Registe, notifique e dê conhecimento ao AE para, uma vez transitada em julgado a presente sentença, diligenciar pelo levantamento das penhoras realizadas e, bem assim, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 849.º/1, f), 2 e 3 do CPC.

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Não se conformando com o decidido, a embargada/exequente recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do seu recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

A. A douta sentença recorrida determinou a absolvição da instância executiva e extinção da execução quanto à embargante por entender que o facto de o exequente não ter integrado formalmente os executados no PERSI, conforme regulado no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, constitui falta de condição objectiva de procedibilidade, impedindo o exequente de instaurar acção judicial para satisfação do crédito.

B. É entendimento do recorrente que o tribunal a quo fez uma incorreta interpretação dos factos ao Direito.

C. Resulta que o exequente encetou contactos com os executados para por termo à situação de incumprimento, não tendo os mesmos pago quaisquer quantias.

D. O Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro visa estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e regularização das situações de incumprimento e cria rede extrajudicial de apoio aos clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações através do mecanismo do PARI e PERSI.

E. O diploma destina-se a obrigar as instituições de crédito a apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira dos clientes e avaliar propostas alternativas dos próprios clientes.

F. Nenhum direito legítimo dos Executados ficou prejudicado, tendo os mesmos completa consciência da situação de incumprimento aqui em crise.

G. O recorrente concretizou o plano substancial extrajudicial para por termo à situação de incumprimento não se encontrando impedido de instaurar acção para satisfação do crédito, inexistindo condição objectiva de procedibilidade.


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Os recorridos contra-alegaram concluindo:
1. Antes de mais, deverá ser considerado por procedente por provado a extemporaneidade do ora Recurso, em consequência de ter sido apresentado fora do prazo processual que a Recorrente dispunha para exercer o seu direito da recorribilidade.
Posto isto,
2. O Mmo. Juiz ad quo efetuou uma correta apreciação da legislação em vigor, quanto à obrigatoriedade do cumprimento do PERSI, o qual ficou provado, que não que a Recorrente não cumpriu quer com o envio da comunicação a que estava obrigado, quer com a integração dos Recorridos naquele mecanismo previsto no Decreto-Lei nº 227/2012, de 25.10.
3. A prova documental junta pela Recorrente não fez prova de que tenha cumprido obrigatoriedade de cumprimento do PERSI quanto aos Recorridos.
4. Pelo que, o Tribunal ad quo recorreu e corretamente em concluir que a Recorrente não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do disposto do Decreto-Lei nº 227/2012 de 25.10 quanto à aplicação do PERSI, o que conduziu à precedência da exceção dilatória inominada.
5. E consequentemente ter julgado procedente os embargos deduzidos e ter absolvido os Recorridos da instância executiva.

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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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As questões que importa decidir são:
1.- Extemporaneidade do recurso como questão prévia.
2.- A procedência da exceção inominada de procedibilidade da execução;
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
1. “Caixa Geral Depósitos S.A.” requereu execução para pagamento da quantia de € 182.030,14 contra (…), (…) e (…).
2. Para o efeito, apresentou como título executivo dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança lavrados por escritura pública em 18/01/2007, aos quais foi atribuída a seguinte identificação: Empréstimo nº PT (…) e Empréstimo nº PT (…), respectivamente.
3. Através dos referidos contratos, a exequente emprestou à executada (…) os valores de € 180.000,00 e € 20.000,00 respectivamente, para aquisição do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Salvaterra de Magos sob o nº (…) da freguesia de (…), e inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…), destinado à sua habitação própria e permanente e para financiamento de investimentos múltiplos não especificados em bens imóveis.
4. Tendo a referida executada constituído a favor da exequente duas hipotecas voluntárias sobre o referido bem, registadas pelas APs. (…) e (…) de 2007/12/13,
5. … E os demais executados se constituído, individual e solidariamente, fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia do benefício da excussão prévia.
6. No requerimento executivo consta, entre o mais, o seguinte: “(…) Os executados interromperam o pagamento das prestações dos empréstimos acima referidos em 18-03-2016 e 18-10-2016, respectivamente. Nada mais tendo pago por conta dos mesmos. (…)”.
7. Através de cartas registadas com AR, datadas de 05/11/2015 e 21/12/2015, recepcionadas pela exequente a 09/11/2015 e 22/12/2015, respectivamente, os executados, entre o mais, informaram da sua situação económica difícil e solicitaram uma reapreciação das condições dos contratos em causa.
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O Direito.
Questão prévia.
Os recorridos vieram alegar a intempestividade do recurso interposto pela recorrente, o que, a proceder, impediria o conhecimento do recurso pelo que a questão deve desde já ser conhecida.
Compulsados os autos verifica-se que foi certificada pelo sistema Citius a notificação da recorrente em 17-12-2018 (Referência: 79922345), pelo que, nos termos do artº 248º do CPC, o ilustre mandatário se considera notificado no terceiro dia útil seguinte, i.e., 20-12-2018.
Em Dezembro correu apenas um dia do prazo, uma vez que no dia 22 se iniciaram as férias judiciais, que se prolongaram até 03-01-2019, período durante o qual se suspendeu o prazo.
Após a suspensão, o prazo de 30 dias voltou a correr no dia 04-01, tendo decorrido 29 dias até ao dia 01-02-2019, dia em que foi interposto o recurso (Referência: 31413774).
Assim sendo, mostra-se cumprido o prazo a que alude o artº 638º/1 do CPC, pelo que recurso é tempestivo, improcedendo a alegação dos recorridos.
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Relativamente à impugnada procedência da exceção inominada.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10, veio instituir o Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) como uma forma de promover a concessão responsável de crédito pelas instituições financeiras, como resulta do respetivo Preâmbulo.
No artº 1º estabelecem-se os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente “a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte”.
No artigo 3º, alíneas a) e c) atribui-se ao cliente bancário o estatuto de consumidor, na aceção dada pelo nº 1 do artigo 2º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei nº 24/96, de 31-07, alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 08-04, desde que intervenha como mutuário em contrato de crédito; o contrato de crédito é o contrato celebrado entre um cliente bancário e uma instituição de crédito com sede ou sucursal em território nacional que, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo anterior, esteja incluído no âmbito de aplicação do presente diploma.
A regularização das situações de incumprimento segue um regime processual que está previsto nos artigos 12º a 17º.
A questão a dilucidar é a de saber se este processo obrigatório ope legis foi seguido e se se mostra extinto.
Caso se mostre extinto o Banco pode propor ação judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito.
Não se mostrando o procedimento extinto, o Banco está impedido de propor a ação, como estipula o artº 18º/1 b).
A recorrente alega que “encetou contactos com os executados para por termo à situação de incumprimento, não tendo os mesmos pago quaisquer quantias.”
E que “concretizou o plano substancial extrajudicial para por termo à situação de incumprimento não se encontrando impedido de instaurar ação para satisfação do crédito, inexistindo condição objetiva de procedibilidade.”
Compulsados os autos e a matéria de facto provada – não impugnada e, por isso, definitivamente fixada – resulta que, com virtualidade para se considerar integrados no processo de regularização da dívida, foram praticados os seguintes atos:
Os executados interromperam o pagamento das prestações dos empréstimos acima referidos em 18-03-2016 e 18-10-2016, respetivamente. Nada mais tendo pago por conta dos mesmos.
Através de cartas registadas com AR, datadas de 05/11/2015 e 21/12/2015, rececionadas pela exequente a 09/11/2015 e 22/12/2015, respetivamente, os executados, entre o mais, informaram da sua situação económica difícil e solicitaram uma reapreciação das condições dos contratos em causa.

Por outro lado, da correspondência trocada entre a entidade bancária e os recorridos não podemos concluir que foi observado o que dispõem os artigos 12º a 17º do Dec.-Lei 227/12.
Na verdade, o banco limitou-se a informar que os pagamentos dos mútuos haviam sido interrompidos e solicitou o seu pagamento, mas não procurou apurar das razões subjacentes ao incumprimento (artº 13º) e, apesar de genericamente ter informado que os recorridos seriam integrados no PRESI, não se mostram praticados todos os atos previsto nos artigos 14º a 17º.
O Banco credor não cumpriu as obrigações que para si decorrem do diploma em causa, não tendo dado seguimento aos procedimentos seguintes à integração automática dos ora recorridos, enquanto devedores mutuários no PERSI, não se mostrando, por isso, tal procedimento concluído, o que é bem demonstrado pela inexistência da notificação a que alude o artº 17º/3.
Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec.-Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem propostas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no procedimento e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b).
Como se vem referindo, no caso dos autos, o procedimento aqui previsto teve início mas não se mostra concluído (extinto).
O que nos leva a concluir estarmos perante uma exceção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor ao PERSI – de conhecimento oficioso e, como tal, a sua invocação pela parte ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do artº 573º/2 in fine e o artº 578º do CPC.
No mesmo sentido decidiram o Ac. desta Relação de 28-06-2018, Mata Ribeiro, Procº 2791/17.0T8STB-C.E1:
1 - Uma das garantias que é atribuída aos clientes bancários na situação comtemplada pelo Dec. Lei 227/2012 é a proibição de sobre eles serem intentadas ações judiciais, proibição esta que impende sobre o credor, para a satisfação do seu crédito, entre a data da integração do devedor no PERSI e a sua extinção – cfr. artigo 18.º, n.º 1, alínea b).
2 - A preterição de sujeição do devedor ao PERSI, por parte do Banco credor, consubstancia incumprimento de norma imperativa, a qual constitui, do ponto de vista adjetivo – com repercussões igualmente no domínio substantivo –, uma condição objetiva de procedibilidade da própria pretensão, que deve ser enquadrada com as necessárias adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias.
3 - O regime das exceções dilatórias, quer elas sejam nominadas ou inominadas, no que respeita ao seu conhecimento oficioso só tem as exceções indicadas expressamente na lei, conforme decorre do disposto no artº 578º do CPC, sendo, por tal, na generalidade, de conhecimento oficioso.
4 – A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso, e como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, está subtraída ao prazo concedido para apresentação da defesa, regendo, por isso, a última parte do n.º 2 do artº 573º do CPC, que descarta a aplicação do princípio da preclusão.

E o Ac também desta Relação de 27-04-2017, Maria João Sousa e Faro, Procº 37/15.5T8ODM-A.E1, no que concerne às exigências do PERSI, embora a situação e conclusão seja diversa (inexistência de contrato de mútuo e, por isso, não protegido pelo regime em questão):
I- No artº 14º, nº 4, do D.L. 227/2012, de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.
II- O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “ comunicação em suporte duradouro “ ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artº 364º, nº 2, do Cód. Civil.
IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artº 224º, nº 1-1ª parte, do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar (artº 342º, nº 1, do mesmo Código).
V- O regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que estabelece os princípios e regras a observar pelas instituições de crédito no “acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento” e na “regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários” só se aplica, neste último caso, quando as situações de incumprimento se reportem aos contratos de crédito” referidos no n.º 1 do artigo 2º (cfr. art.º 1º, nº 1) e também só se destina aos clientes bancários enquanto consumidores na acepção da LDC (cfr. art. 3º, alínea a)).
Assim sendo, improcedem as conclusões da apelante, devendo ser confirmada a decisão recorrida.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a sentença recorrida.


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Custas pela recorrente. – Artº 527º C.P.C.
Notifique.
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Évora, 16-05-2019

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura