Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
34/16.3T8PTG.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO DE EMPREGO-INSERÇÃO
ACIDENTE DE TRABALHO
JUNTA DE FREGUESIA
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) O contrato de emprego e inserção, constitui um contrato que visa a inserção dos desempregados no mercado de trabalho. Diferencia-se dos contratos de trabalho em sentido estrito quanto à natureza do vínculo e à forma de pagamento, mas tem em comum a subordinação típica dos contratos de trabalho. Constitui na sua essência um contrato de trabalho especial por conta de outrem, tipicamente definido.
ii) Ocorrendo acidente durante a execução de contrato de emprego e inserção, deve ser considerado tal evento como acidente de trabalho a reparar nos termos da Lei n.º 98/2009, de 04.09.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

1. O A. instaurou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra a Junta de Freguesia de Galveias, na qualidade de ré, peticionando o pagamento da quantia global de € 57 005,53, sendo valor a liquidar em execução de sentença a título de despesas por si suportadas em tratamentos médicos e deslocações, € 16 598,81 a título de indemnização por 1.167 dias de Incapacidade Temporária Absoluta, capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 366,72 em consequência da Incapacidade Permanente Parcial com início em 6 de abril de 2018, € 40 000 a título de danos não patrimoniais, € 40 a título de despesas de deslocação.
Alega, em síntese, que, estando desempregado e inscrito no IEFP, celebrou com a ré contrato de emprego inserção pelo qual se obrigou a proceder a trabalhos agrícolas no Monte da Torre de Sepúlveda. Mais alega que, apesar do exposto, sempre desempenhou trabalhos na área da construção civil e que a sua atividade se destinou a suprir necessidades de conservação e manutenção do vasto património imobiliário da freguesia que deviam ser atendidas com preenchimento de posto de trabalho autónomo.
Alega ainda que, no decurso de tal atividade e enquanto se encontrava a proceder à limpeza e reparação de um telhado naquela herdade sofreu uma queda em altura, da qual resultaram lesões que determinaram a sua incapacidade permanente parcial para o trabalho.
Por fim, alega que o acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva da entidade empregadora, aqui ré, pela violação de regras de segurança relativas à execução de trabalhos em altura, não tendo sido observadas as mesmas, nomeadamente, no que à disponibilização de equipamentos de segurança ativa e passiva diz respeito.
Regularmente citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por exceção dilatória de ilegitimidade passiva, e por impugnação, rejeitando a existência de contrato de trabalho celebrado com o ora autor e, bem assim, pugnando pela descaraterização do acidente de trabalho em virtude da conduta negligente do autor. Termina pugnando pela improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador onde se procedeu à seleção dos temas da prova e que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva.
Procedeu-se a julgamento como consta da ata.
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supramencionadas, decide-se:
A) Julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência condenar a ré a pagar ao autor:
- Uma indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA) correspondente a um período de 1 167 dias no valor de € 22 604,79 (vinte e dois mil, seiscentos e quatro euros e setenta e nove cêntimos) à qual deverá ser deduzida a quantia de € 1 066,66 já recebidos pelo autor.
- O capital de remição da pensão, anual e vitalícia, por incapacidade permanente parcial (IPP) no valor de € 523,89 (quinhentos e vinte e três euros e oitenta e nove cêntimos), devida desde o dia 6 de abril de 2018, data da alta.
- A quantia de € 40 (quarenta euros) referente a despesas já realizadas pelo autor em deslocações, acrescida das despesas médicas, medicamentosas e de transporte do autor em virtude de tratamentos de que venha a necessitar.
- Uma indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor no montante de € 15 000 (quinze mil euros).
- Juros vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento das quantias mencionadas nos pontos anteriores.
B) Julgar a ação parcialmente improcedente, absolvendo-se a ré do pagamento ao autor do demais peticionado.
Custas a cargos de ambas as partes, na proporção dos decaimentos.
Registe e notifique.
Valor da ação: € 43 410,72 (523,89 x 11,006 + 22 604,79 + 15 000 + 40).

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação, que motivou com as conclusões seguintes:
1- A presente sentença condena a aqui recorrente no pagamento de valores indemnizatórios ao A. por entender, em suma que se carateriza a relação jurídica entre as partes como um contrato de trabalho e que o acidente ocorrido tem que ser caraterizado como Acidente de Trabalho.
2- Discordamos de tal entendimento, pelo que o recurso se subsume à interpretação do direito no caso concreto.
3- Não podemos subscrever o entendimento de que o Contrato de Emprego Inserção se carateriza como um contrato de trabalho.
4- Entendemos, isso sim, que se trata de uma relação de segurança social como resulta, aliás, do Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, de 15 de março de 2012, no processo C-157/11 – in https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62011CJ0157&from=pt
5- Autor e Ré celebraram contrato de Emprego-Inserção no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção que se encontra regulada pela Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, alterada pela Portaria n.º 20-B/2014 (doravante “Portaria”) ao abrigo de exigências/orientações do IEFP., I.P;
6- Foi o IEFP., I. P, aliás, que aprovou a candidatura da R. conforme previsto no n.º 4 do artigo 4.º da Portaria. Tal papel do IEFP., I. P, aliado ao facto de o A. continuar a depender economicamente deste instituto e ainda a eventuais ações de acompanhamento, verificação ou auditoria do IEFP., I.P, aquando da execução do contrato, conforme previsto no artigo 15.º da Portaria, demonstra que não se encontra na disponibilidade das partes a escolha do contrato e da caraterização do mesmo.
7- O contrato celebrado entre o A. e a R. previa, na sua Cláusula 3.ª, n. º1, al. d), que o A. tinha direito a receber da R. “um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário.”
8- O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, na sentença proferida no Proc. N.º 525/15.3BECTB, refere que “De facto, a entidade empregadora, nos termos do n.º 3 do artigo 14º da portaria e despacho 1573-A/2014, de 30/01, tem a obrigatoriedade de efetuar um seguro que “cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa das atividades integradas num projeto socialmente necessário”, mas não tem de ser, o referido seguro, seguro de acidentes de trabalho. Daí que, em cumprimento desta norma, a R. tenha efetuado a favor do A. um seguro de acidentes pessoais, que é, aliás, a opção tomada por todas as entidades que se candidatam à medida emprego-inserção e até sob indicação do próprio IEFP. Conclui-se, pois, do exposto e das normas legais que regem os contratos
emprego-inserção, que é o tipo de contrato celebrado entre A., R e IEFP, IP, que, no que
respeita ao Autor e na data e que sofreu o sinistro, em 26/01/2015, a Ré Freguesia de Galveias não tinha a obrigatoriedade de efetuar a seu favor seguro de acidentes de trabalho, pelo que efetou, em conformidade com a imposição legal a que estava adstrito, umseguro para cobrir os riscos da atividade exercida pelo A. no âmbito do contrato existente e que foi um seguro de acidentes pessoais conforme consta da cópia da apólice junta à PI pelo A”.
9- Contrato de Emprego-Inserção celebrado entre A. e R. como não sendo um Contrato de Trabalho como infra se demonstrará.
10- Quanto a esta temática sublinhe-se o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05/11/015, Processo n.º 503/13.7T2SNS-A.E 1, relativamente à qualificação do Contrato de Emprego-Inserção, disponível em http://www.dgsi.pt/:
“Significativo de que não estamos perante um contrato de trabalho é o de o contrato cessar, para além do termo do prazo ou da sua renovação, ou da reforma, nas situações em que o beneficiário obtiver emprego, iniciar acção de formação profissional, ou recursar, injustificadamente, os mesmos, ou ainda se perder o direito às prestações de rendimento social de inserção através do IEFP, I.P. (artigo 11.º, n.º1).
É certo que em cumprimento do n.º 2 do artigo 14.º, a entidade promotora deve efectuar um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projecto de trabalho socialmente necessário.
Atente-se que como resulta do artigo 3.º da LAT, o regime previsto na mesma abrange o trabalhador por conta de outrem; porém, não só a letra do referido n.º 2 do artigo 14.º, como não decorre do seu espírito que esse seguro seja de acidentes de trabalho.
Certamente por isso, no clausulado do contrato (cláusula 3.ª, n.º 1, alínea d)), se estabeleceu que o beneficiário do rendimento social de inserção, a aqui recorrida, tinha direito a um seguro de acidentes pessoais que cobrisse os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projecto de trabalho socialmente necessário.
Enfim, tudo para concluir que não se verifica a existência de um contrato de trabalho entre a Autora/recorrida e a Ré/recorrente: não se verificando tal contrato também não pode afirmar-se que a Autora tenha sofrido um acidente de trabalho nos termos e para os efeitos previstos na LAT e, por consequência, que tenha direito à reparação do mesmo.”
11- Refira-se, ainda, o entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, Acórdão de 08/10/2020, Processo n.º 181/19.0T8BGC.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/:
“No CT as referências são a “apólice de seguro de acidentes de trabalho” (artigos 106 e 177) ou “seguro de acidentes de trabalho” (artº 192). O artigo 283.º, inserido no capítulo
IV – Prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais-, estabelece a obrigatoriedade de seguro pela “responsabilidade pela reparação prevista neste capítulo para entidades legalmente autorizadas” (nº5). O legislador se pretendesse que estes casos ficassem a coberto da lei relativa a acidentes de trabalho tê-lo-ia dito expressamente ou de forma clara, utilizando expressão similar à que utiliza o CT. Ao integrar estes acidentes na LAT, e tendo em conta os termos do regime do “Contrato emprego-inserção”, está-se a surpreender as entidades promotoras que, tendo realizado um contrato de seguro de natureza civil, se veem confrontadas com a obrigação de reparar o sinistro nos termos da LAT, por si mesmas, já que inexiste seguro de acidentes de trabalho.”
Para concluir, referindo o seguinte:
“Por todo o exposto, concorda-se inteiramente com o despacho recorrido, quando diz que «(o) que interessa para a qualificação de determinado evento como acidente de trabalho é que este reúna os pressupostos substantivos de tal qualificação e que a vítima seja um trabalhador por conta de outrem, isto é, vinculado por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado, ou que se encontre numa das situações definidas no art.4º da Lei 7/2009 de 12/02, sendo indiferente que a pessoa que beneficia da atividade do sinistrado tenha contratado ou não seguro na modalidade de acidentes de trabalho.
Daí que o acidente que a sinistrada D. S. sofreu, embora possa ter ocorrido no desempenho da sua actividade e na execução do dito Contrato Emprego-Inserção, não possa qualificar-se como acidente de trabalho para efeitos de a colocar a coberto do regime especial de reparação previsto na Lei 98/2009 de 4/09, precisamente porque aquela não reúne as condições necessárias para que lhe seja extensível a protecção conferida em caso de acidente de trabalho, ou seja, não pode ser qualificada como trabalhadora por contra de outrem.”
12- A R. é denominada, ao longo de toda a Portaria, como sendo “entidade promotora”.
13- A terminologia usada pelo Código de Trabalho (doravante “CT”) para classificar aquele “por conta de quem se trabalha” é “empregador”.
14- A terminologia usada pela LTFP para classificar aquele “por conta de quem se constitui o vínculo de emprego público” é “empregador público”.
15- Em momento algum, a letra do CT ou da LTFP se referem à figura do empregador como sendo este uma “entidade promotora”.
16- “Entidade promotora” e “empregador” são duas realidades bastantes distintas.
17- O que se pretende da R. é que promova “a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências sócio-profissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho” – tal como dispõe o artigo 4.º, al. a) da Portaria.
18- A classificação da R., nessa qualidade, parece, desde logo, afastar a existência de um contrato de trabalho ou até, refira-se uma vez que estamos diante uma entidade pública, constituição de vínculo de emprego público.
19- O A. é considerado, nesta Medida de Emprego-Inserção como “desempregado” e “beneficiário” ao invés de “trabalhador” como o seria no âmbito de um contrato de trabalho, no âmbito do CT e LTPF.
20- A leitura da Portaria é bastante clara quanto a esta temática.
21- O A. manteve o seu subsídio de desemprego ao qual acumulou a bolsa complementar.
22- Falta ao A., igualmente, a dependência económica para se concluir pela existência de um contrato de trabalho.
23- O A. não tinha direito a subsídio de férias.
24- O A., àquela data, dependia economicamente do IEFP., I.P., que assumia o pagamento do valor correspondente ao subsídio de desemprego, cabendo à entidade promotora, aqui R., pagar apenas a bolsa correspondente a 20% do IAS, repete-se.
25- Não podemos concordar, igualmente com a caraterização do acidente de trabalho no âmbito do contrato de Emprego-Inserção, na medida em que no âmbito do contrato de Emprego-Inserção celebrado entre A. e R.:
O A. era, ainda assim, desempregado e apenas beneficiário;
A R. era, apenas e só, a entidade promotora;
O A. encontrava-se vinculado ao IEFP., I. P;
O A. dispunha de horário específico para dedicar à procura ativa de emprego;
A obtenção de emprego era motivo de cessação do presente contrato;
A R. não pagava ao A. uma remuneração, mas, tão só, uma bolsa complementar;
O A. continuou a receber subsídio de desemprego;
26- Tudo conjugado e interpretado de acordo com o artigo 11.º do CT, supramencionado, leva a crer, salvo melhor opinião, pela inexistência de um contrato de trabalho uma vez que lhe faltam os seus elementos essenciais, que impedem uma qualificação enquanto tal.
27- Nem tão pouco se pode presumir a existência de um contrato de trabalho entre o A. e a R. no âmbito do exercício da atividade de pedreiro.
28- A Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (doravante “LAT”) regulamenta, por remissão do artigo 284.º do CT, o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doença profissionais.
29- O artigo 8.º do LAT define acidente de trabalho da seguinte forma:
“1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e
produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador;
b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”
30- Tudo conjugado, somos a concluir que:
Não existindo entre A. e a R. um contrato de trabalho;
Não pode ser caraterizado o acidente como acidente de trabalho.
Pelo que não poderá a Recorrente ser responsabilizada pelo pagamento de qualquer valor indemnizatório ou qualquer pensão ao A.

3. O autor apresentou recurso subordinado com a conclusões seguintes:
A) Para apuramento da indemnização por danos não patrimoniais, terá de atender-se a todo o sofrimento sofrido pelo Autor, objectivo e subjectivo, quer com a intervenção cirúrgica e tratamentos a que foi sujeito, consultas, período extensíssimo em ITA (1167 dias), o período total que estevem sem trabalhar (1801 dias), a IPP de que ficou a padecer, quer com o relevante e importante dano estético sofrido (deformidades e cicatrizes permanentes), quer com as dores sofridas, num longo e doloroso período de doença, quer com as dificuldades financeiras que atravessou e a angústia e ansiedade sofridas.
B) Sem esquecer ainda todo o sofrimento que inevitavelmente assola uma pessoa activa, robusta e saudável, com apenas 53 anos de idade, que, em consequência de um acidente, se vê incapacitada para as actividades profissionais e de lazer a que se dedicava, com repercussões sérias na sua vivência social e na sua capacidade de ganho, deixando designadamente de poder ser tirador de cortiça, onde retirava um bom rendimento nos meses de Maio a Setembro, e de poder correr e dançar.
C) Os danos que o Autor sofreu foram graves e deveram-se a culpa grave da Ré, que agiu com negligência grosseira, violando regras básicas de segurança de prevenção de quedas em altura.
D) A Ré, além do mais, é notório e está demonstrado, tem capacidade económica para pagar a indemnização justa e equitativa para ressarcimento dos danos morais sofridos pelo Autor.
E) Por último, e não menos importante, o Autor, com todo o sofrimento que vivenciou e vivencia, com todas as dificuldades financeiras que passou por culpa da Ré, está há mais de 7 anos a aguardar para ser ressarcido de um acidente que sofreu, ao serviço da R., e por culpa desta.
F) Por todo o exposto e tendo em conta os Factos Provados 1, 2, 5,
10, 11, 12, 13, 14, 15, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25 entende-se que é mais justa e equitativa a fixação da indemnização por danos morais a favor do A., no valor de € 40 000, como peticionado, uma vez que o montante arbitrado pelo tribunal não repara o dano, nem é equitativo, mantendo-se no mais a douta Sentença recorrida, nomeadamente no que concerne aos juros de mora.
G) Decidindo, como decidiu, violou o tribunal a quo, designadamente, o disposto nos artigos 494.º e 496.º do CC e 18.º, n.º 1, da LAT.
NESTES TERMOS, e porque só assim se fará justiça, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene a R./Recorrida a pagar ao AUTOR/Recorrente a quantia de € 40 000 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, mantendo-se no mais a douta Sentença recorrida.

4. Ambas as partes responderam ao recurso da outra e concluíram mantendo o já alegado.

5. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Notificado às partes, só a ré respondeu reafirmando o já alegado.

6. Dispensados os vistos com concordância dos adjuntos, cumpre decidir em conferência.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
1. Recurso principal da ré: qualificação da relação jurídica existente entre as partes e se existe acidente de trabalho.
2. Recurso subordinado do autor: montante da compensação pelos danos não patrimoniais.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os factos seguintes:
1 – O autor é pedreiro e nasceu no dia 31 de janeiro de 1961, na freguesia de Galveias, concelho de Ponte de Sor.
2 – Em março de 2013, o autor encontrava-se em situação de desemprego e inscrito no Centro de Emprego.
3 – A ré é uma junta de freguesia detentora de um extenso património, onde se incluem prédios rústicos e urbanos.
4 – Em 8 de março de 2014, autor e ré, representada pelo seu presidente à data, Rui Manuel Canha Nunes, celebraram contrato que epigrafaram “contrato emprego-inserção”, pelo qual o autor, na qualidade de segundo outorgante, se obrigou a executar trabalho socialmente necessário como Trabalhador Não Qualificado da Agricultura e Produção Animal Combinadas no Monte da Torre de Sepúlveda, sito em Galveias, propriedade da ré, primeira outorgante, das 8.00 às 17.00 horas, de 2ª a 6ª feira, conforme documento junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5 – Mercê do supra exposto, a ré pagava ao autor a quantia equivalente a 20% do Indexante de Apoios Sociais - à data fixado em € 419,22 - no valor mensal de € 83,84, a que acrescia subsídio de alimentação no valor de € 4,27 diários, recaindo o pagamento do subsídio de desemprego a cargo do Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P..
6 – Mercê do supra exposto, o autor iniciou a sua atividade para a ré em março de 2014;
7 – Apesar de ter sido contratado pela ré para desempenhar funções socialmente necessárias como Trabalhador Não Qualificado da Agricultura e Produção Animal Combinadas no Monte da Torre de Sepúlveda, o autor iniciou a sua atividade desempenhando funções de pedreiro de construção civil, procedendo a reparações de telhados, assentamentos de blocos de PVC, pinturas, sob ordens, direção e fiscalização da ré, na Vila de Galveias.
8 – Mercê do supra exposto, o autor executou trabalhos na área da construção civil, de conservação e reparação de vários prédios de que a ré é proprietária na Vila de Galveias, nomeadamente, pintou os portões da antiga Cooperativa, retirando tintas velhas e pintando de novo, fez reparação de vários muros e respetivas pinturas, construiu uma escada junto ao posto da GNR, betonou mosaicos nas casas de banho das piscinas de Galveias e substituiu o chão do bar, reparou telhados em diversos edifícios, substituindo barrotes e telhas partidas.
9 – Em meados de dezembro de 2014, o autor foi afetado ao serviço da ré no Monte Torre de Sepúlveda, propriedade da ré, tendo em vista proceder a diversos trabalhos de reparação do prédio principal e de barracões ali existentes, nomeadamente, proceder à reparação dos telhados, substituindo barrotes e telhas partidas.
10 - No dia 26 de janeiro de 2015, quando se encontrava a reparar o telhado de um barracão de armazenamento de materiais no monte da Torre de Sepúlveda, este cedeu, em virtude de os barrotes de madeira que o sustinham estarem podres, o que provocou a queda desamparada do autor de uma altura de cerca de 4 metros.
11 – Mercê do supra exposto, o autor sofreu vários ferimentos, designadamente: escoriações do braço e tórax e fratura do calcâneo direito.
12 – O autor foi assistido primeiro no Hospital Dr. José Maria Grande em Portalegre, acabando por ser submetido a intervenção cirúrgica no dia 12 de fevereiro de 2015 no Hospital dos Lusíadas, em Lisboa.
13 – Submetido a exame médico pelo perito do INML, verifica-se que o autor esteve 1 167 dias em ITA, no período compreendido entre 27 de janeiro de 2015 e 6 de abril de 2018, data da alta, encontrando-se afetado de uma IPP de 7,41%.
14 – Mercê do supra exposto, o autor esteve sem trabalhar desde a data do acidente e o dia 1 de janeiro de 2020.
15 – Desde a data do acidente e até 22 de fevereiro de 2018, o autor recebeu subsídio de desemprego no montante mensal de € 289,11, não tendo a partir de então, recebido quaisquer quantias ou apoios sociais.
16 – A ré celebrou seguro de acidentes pessoais com a Seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., titulada pela apólice nº AG23894158 emitida a 15/03/2014, incluindo o autor e outras pessoas seguras.
17 – Mercê do supra exposto, a Fidelidade procedeu ao pagamento da quantia de € 13 726,21 relativa a despesas médicas e medicamentosas e da quantia de € 1 066,66 relativa a ITA.
18 – A ré conhecia o estado de degradação dos telhados dos casões sitos no Monte Torre de Sepúlveda e ainda assim ordenou ao autor que procedesse à sua reparação não lhe fornecendo equipamentos de proteção individual e coletiva que acautelassem o risco de queda em altura.
19 – À data do acidente o autor tinha 53 anos de idade, era um homem saudável, fisicamente robusto e ativo.
20 – Para o desempenho da atividade de pedreiro, é necessário subir escadas e andaimes, andar em cima de telhados, transportar baldes de massa, carregar tijolos para cima dos andaimes e vigas de cimento, trabalhar com a betoneira, carregar pesos superiores a 20Kg, tudo tarefas que o autor deixou de conseguir realizar.
21 - O autor tem dificuldade em andar e em apoiar o calcanhar do pé direito no chão, encontrando-se a zona do pé direito permanentemente dorida, com os movimentos presos, o que, além de impossibilitar qualquer tipo de esforço físico, provoca um grande mal-estar sobretudo quando está de pé e se desloca e o impede, entre outras atividades, de correr e de dançar.
22 - Em consequência das lesões provocadas pelo acidente, teve o autor um longo e doloroso período de doença, o que lhe provou angústia e ansiedade, tendo passado por dificuldades financeiras.
23 – Mercê do acidente, ficou o autor marcado para o resto da sua vida com o pé direito deformado e com cicatrizes que não é possível eliminar.
24 – Antes do acidente, o autor era tirador de cortiça, atividade que desempenhava no período compreendido entre os meses de maio e agosto e pela qual recebia cerca de € 80/dia.
25 - Mercê do acidente, o autor deixou de poder desempenhar a atividade de tirador de cortiça, por não conseguir deslocar-se em pisos irregulares, não conseguindo apoiar o pé direito com estabilidade nem suportar pesos.
26 - O Autor tem a 4.ª classe e está atualmente a trabalhar para a empresa Construções Caeiro, em Galveias.


B) APRECIAÇÃO

B1) Recurso principal da ré

O art.º 3.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09, prescreve:
1. O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.
2. Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta os serviços.
3. Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador.
As partes estão de acordo que não existe um contrato individual de trabalho, um contrato individual de trabalho em funções públicas ou um contrato de trabalho em funções públicas.
O que existe é um contrato especial de emprego e inserção. Trata-se de um contrato que visa a inserção dos desempregados no mercado de trabalho. Diferencia-se dos contratos de trabalho que referimos quanto à natureza do vínculo e à forma de pagamento. Tem em comum a subordinação típica dos contratos de trabalho.
Constitui na sua essência um contrato de trabalho especial por conta de outrem, tipicamente definido.
Sobre esta questão, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado no sentido de pertencer aos tribunais do trabalho a competência material para conhecer dos acidentes ocorridos durante a prestação da atividade na execução destes contratos e que lhes é aplicável o regime jurídico de reparação dos acidentes de trabalho.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2021, firmou a jurisprudência seguinte: “os Tribunais do Trabalho são materialmente competentes para apreciar um acidente ocorrido no exercício de funções, ao abrigo de um contrato-emprego-inserção, na medida em que o regime previsto na Lei n.º 98/2009, abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos, devendo sempre que a referida lei não imponha entendimento diferente presumir-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços”[1].
Concordamos integralmente com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que acabamos de citar.
Neste contexto, embora não existe um contrato de trabalho, a verdade é que se aplica o regime jurídico relativo a acidentes de trabalho, pelo que a ré é responsável pela reparação do acidente de trabalho sofrido pelo autor, nos termos em que foi decidido na sentença recorrida.
Nesta conformidade, julgamos a apelação da ré improcedente e confirmamos a sentença recorrida.

B2) Recurso subordinado

O apelante entende que os danos não patrimoniais devem ser compensados através da quantia de € 40 000.
A sentença recorrida fixou esse montante em € 15 000.
Tendo em conta os factos provados e o grau de incapacidade (IPP de 7,41%), afigura-se-nos que o montante fixado pela primeira instância é equilibrado e proporcional aos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, pelo que se mantém.
Esta quantia mostra-se idónea a compensar o autor pelos prejuízos morais sofridos. Não se trata de uma indemnização que vise a restauração da situação anterior ao acidente, impossível pela natureza das coisas, mas de uma compensação com vista a permitir que através dela usufrua de vantagens que suscetíveis de minorar esse sofrimento psicológico.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedentes a apelação principal e a apelação subordinada e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes no recurso respetivo.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 27 de outubro de 2022.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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[1] Ac. STJ, de 23.11.2021, processo n.º 181/19.0T8BGC.G1.S1, www.dgsi.pt, e jurisprudência aí citada.