Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
546/19.7T8PTM.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
GUARDA DE MENOR
RESIDÊNCIAS ALTERNADAS
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A guarda partilhada do filho, com residências alternadas, é a solução que melhor permite a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
2. A lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
3. A tal não obsta a circunstância da criança ter dois anos de idade, não apenas porque a partir desta idade é importante iniciar o processo de desmame, como estímulo à sua independência e promoção da sua inteligência e estruturação emocional, como os estudos realizados sobre esta matéria indicam que crianças que, desde cedo, vivem em regime de residência alternada possuem melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que crescem em modelo de residência única.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
(…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo de Família e Menores de Portimão, procede-se à regulação de responsabilidades parentais em relação à menor (…), nascida a 16.03.2018, filha de (…) e de (…).
Realizada a conferência de pais, na qual não foi possível o acordo, estabeleceu-se um regime provisório e foram as partes remetidas para audição técnica especializada.
Realizada esta, continuou-se a conferência de pais, novamente sem acordo dos progenitores, após o que estes produziram as respectivas alegações e ofereceram a sua prova.
Realizada a audiência de julgamento, a sentença fixou o seguinte regime de exercício das responsabilidades parentais:
1. «A criança (…) fica a residir com cada um dos progenitores, em semanas alternadas com cada um, de sexta-feira a sexta-feira, indo o progenitor com quem a criança irá ficar, buscá-la ao infantário / escola no final das actividades escolares.
2. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente da criança incumbe àquele com quem a criança estiverem nesse período que está consigo.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança (v.g., intervenções cirúrgicas, mudança de ensino público para privado, ou vice-versa, mudança de residência, religião, licença de condução) são exercidas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores poderá agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível.
4. Às terças-feiras, o progenitor com quem a criança não estiver a residir nessa semana, vai buscá-la a casa do outro, pelas 17h00 – ou no final das actividades (infantário / escola) - entregando-a no dia seguinte, pelas 14h30.
5. No dia de aniversário da criança, no dia de aniversário do pai, no dia do pai no dia da criança, a (…) toma uma refeição com o progenitor, sucedendo o mesmo para a mãe nos dias correspondentes (independentemente de com quem estiver a residir quando tais datas ocorram).
6. A criança passa as épocas festivas (véspera e dia de natal; véspera e dia de ano novo e domingo de Páscoa), alternadamente com cada um dos progenitores (independentemente de com quem estiver a residir quando tais datas ocorram), assim:
a. Este ano passam a véspera de Natal com o pai e o dia de Natal, com a mãe (sendo entregue a esta pelas 11h00 de dia 25 de Dezembro), alternando para o ano e assim sucessivamente;
b. Este ano passa a véspera de ano novo com a mãe e o dia de ano novo com o pai (sendo entregue a este às 11h00 do dia 01 de Janeiro/2020) e assim sucessivamente.
c. Este ano passam o Domingo de Páscoa com o pai, para o ano com a mãe e assim sucessivamente.
7. Cada um dos progenitores suporta as despesas com os alimentos da criança durante o período em que esta reside consigo.
8. Cada progenitor suportará, em parte iguais, as despesas médicas e medicamentosas, infantário, escolares e extracurriculares da criança, devidamente documentadas, a liquidar no mês subsequente à apresentação da documentação.»

Recorre a mãe, concluindo nos termos seguintes:
1. A douta Sentença, ora em Recurso, decidiu entre outras, e no essencial, que “a Criança (…) fica a residir com cada um os progenitores, em semanas alternadas com cada um, de sexta-feira a sexta-feira, indo o progenitor com quem a criança irá ficar, buscá-la ao infantário/escola, no final das actividades escolares.”, decisão esta, com a qual, a aqui Recorrente, não se pode conformar.
2. Antes de tudo o mais, defende a Progenitora, aqui Recorrente, que a sua filha, se encontra bem, estável, e com um desenvolvimento acima da média com o regime até agora em vigor, o que é sufragado até pelo douto Tribunal a quo, porquanto se pugna pela atribuição a título excepcional do efeito suspensivo da ora Recorrida Decisão, assim procurando acautelar as muy previsíveis e nefastas consequências na Menor, pela aplicação imediata do regime decidido, ora em crise.
3. Compulsada a douta Sentença, proferida nos autos, de que ora se apela, constata-se que o Tribunal a quo mal andou, decidindo de forma discricionária e genérica, à revelia do particular superior interesse DESTA CRIANÇA desconsiderando evidências, valorando de forma tendenciosa a prova, sempre em detrimento da ora Recorrente, em violação dos Direitos Fundamentais, quer da Progenitora, como da Menor.
4. O douto Tribunal a quo determinou a cessação do processo de amamentação da Menor, extravasando manifestamente os seus poderes e competências, ao restringir “Direito, Liberdades e Garantias” da Menor e da Recorrente, sem sequer se dignar a fundamentar razões, proporcionalidade, necessidade e adequação, tratando-se assim de uma decisão ilegal, por lhe estar subtraída.
5. Mais errou na apreciação e valoração da prova, aquele douto Tribunal, ao considerar como provados os factos constantes dos pontos 2, 3, 16, 17, 19, 20 e 21 da douta Sentença ora Recorrida.
6. Considerou no ponto 2, que “os progenitores viveram juntos, como se fossem marido e mulher, tendo terminado a relação em Janeiro, deste ano, quando a criança tinha cerca de 10 meses de idade.”. Na realidade, nenhuma informação, indício ou elemento probatório, foi carreado ou resultou da audiência de julgamento, apto a corroborar esta convicção do Tribunal. A contrário, a única informação que consta, a verdadeira, é que aquela relação terminou em Janeiro de 2018, antes da Menor nascer e ao 7º mês de gravidez. Devendo assim aquele ponto apresentar a seguinte formulação: “os progenitores viveram juntos, como se fossem marido e mulher, tendo terminado a relação em Janeiro de 2018, quando a Requerida estava no 7º mês de gravidez”.
7. Necessariamente, por via do dito na conclusão supra e imediatamente anterior, consequentemente, impor-se-á que o ponto 3 da matéria de facto dada como provada passe a ter a seguinte redacção: “por força e na sequência da separação, quando nasceu, a criança ficou a residir com a mãe”.
8. Dá igualmente, o douto Tribunal a quo, como provado no ponto 16, que “Todavia, as visitas não têm sido pacíficas, gerando entre os progenitores alguma discórdia, nomeadamente, por a mãe entender que a criança vem instável e ansiosa de casa do pai, o que atribuiu ao facto de ainda estar a ser amamentada, o que levou a que tivesse sido reduzido o horário de convívio, passando a ser das 16h00 às 20h00.”, Ora, também aqui não se vislumbram quaisquer indícios ou elementos probatórios aptos a sustentar tal conclusão fáctica, na realidade, o contrário resulta dos autos, da acta de 11 de Setembro, da fundamentação da Sentença em crise, e das próprias declarações do Pai. Sendo relevante, que qualquer alteração nunca foi imposta, e resulta de acordo entre os progenitores. Pelo exposto, deverá o facto provado a ponto 16 conter a seguinte formulação: “Por a Menor vir ansiosa e instável de casa do pai, os progenitores acordaram na redução do horário das visitas, passando a ser das 16h00 às 20h00.”
9. Já o ponto 17, o douto Tribunal a quo considerou que: “ E, ao longo de todo este tempo, os progenitores têm demonstrado dificuldades em comunicar um com o outro e chegar a consensos, não só quanto às visitas (a mãe, escudando-se no facto de a criança mamar, restringe as horas que passa com o pai, e este, num par de ocasiões, não esteve com a filha, porque alegou ter tido rinite alérgica ou ter ido cortar o cabelo), mas também quanto às necessidades da criança, nomeadamente, quanto à alimentação (a mãe pretende que a criança tenha uma alimentação sem proteína animal, o pai não concorda com este regime alimentar), consultas médicas (o pai não concorda que a criança frequente consultas de psicologia), cuidados de higiene da criança (o pai dava banho quando a criança estava aos seus cuidados, o que a mãe diz não haver mais necessidade de o fazer, pois ela dá banho à filha de manhã)”. Compulsados os autos, tais conclusões advêm exclusivamente duma deturpação/confusão, deste douto Tribunal a quo, atendendo à própria fundamentação da Sentença, em confronto com o constante em acta de Conferência de Pais, em data de 11-09-2019, quanto a transcrição do declarado pela Técnica especializada. A fundamentação altera, deturpando, o sentido, teor e alcance das declarações da Técnica. Não se evidenciando qualquer restrição às horas que a menor passa como pai, ou a dificuldade em chegar a consensos. Neste sentido, defende-se que o ponto 17, da matéria dada como provada deverá constar da matéria de facto não provada.
10. No que concerne aos pontos 19,2 0 e 21, nomeadamente: 19. “A criança reconhece os avós paternos e avó materna, a quem chama “avô” e “avó”, assim como reconhece o pai e a mãe.” 20. “Quando está com o pai é uma criança alegre, bem-disposta, brinca e aparenta gostar de estar com os avós e pai.” 21. “O pai é preocupado com o bem-estar da filha, por quem nutre amor e carinho, existindo afectividade entre ambos.” É manifesto, que tal convicção foi assente numa crença de imparcialidade quantos aos depoimentos do progenitor e dos avós paternos. Incongruentes entre si, ilógicos, contrários às regras da experiência comum, e acima de tudo, opostos às posições da técnica especializa, da psicóloga, do pediatra, da progenitora e da avó materna. Não merecendo credibilidade ou sequer referência, o por estes carreado. Termos em que, se pugna requerendo que os pontos 19, 20 e 21 sejam considerados não provados.
11. Em suma e por fim, dir-se-á que cumpre aos nossos Tribunais decidir e aplicar regime que melhor satisfaça os superiores interesses da Criança. Novidade não é, que estas decisões deverão fundar-se criticamente, e de forma exaustiva, sobre todos os factores aptos a influenciar o normal e saudável desenvolvimento das crianças, sendo o regime da residência alternada, apenas um dos regimes possíveis a optar se, só e quando, se demonstrar o mais apropriado àquela criança visada, o que não é o caso dos autos.
12. Defende-se desde o início e até hoje que seja fixada definitivamente a guarda da progenitora, estabelecendo visitas ao pai, semanalmente, durante as suas folgas, e em tudo o mais, conforme o regime definido como provisório, até aqui em vigor, no tocante a férias, viagens, questões de particular importância, pensão de alimentos e despesas curriculares/médicas/extracurriculares. Acrescendo, que aos três anos de idade da Menor, pelo início da frequência escolar, sejam iniciadas pernoitas em casa do pai, durante os fins-de-semana, alternadamente.
13. O Tribunal a quo esqueceu/desconsiderou, nem tão pouco entendeu necessário, ouvir em sede de audiência de julgamento, a Sr.ª Técnica especializada que mediou o conflito entre pais, e que levou a cabo a Audição Técnica especializada.

Na resposta do Ministério Público, sustenta-se a manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – artigo 607.º, n.º 5, do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao artigo 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
A Recorrente começa por impugnar os pontos 2 e 3 do elenco fáctico, argumentando que a relação entre pai e mãe terminou em Janeiro de 2018, ao 7.º mês de gravidez, pelo que a separação já ocorria antes do nascimento. Observa-se, porém, que foi a própria Recorrente quem afirmou, na conferência de 11.04.2019, que “a relação com o progenitor terminou em Janeiro”, e voltou a reafirmar em audiência que existia um relacionamento entre ela e o (…) já após o nascimento da menor, indo “ele mais vezes a minha casa” (cerca de 5m55s a 6m05s das declarações prestadas em audiência).
Não existindo outros elementos que contradigam as próprias declarações da Recorrente, resta confirmar nestes pontos a decisão da matéria de facto.
Quanto ao ponto 16, a Recorrente pretende que se considere provado, apenas, que “Por a Menor vir ansiosa e instável de casa do pai, os progenitores acordaram na redução do horário das visitas, passando a ser das 16h00 às 20h00.” Pretende, pois, a eliminação da referência à circunstância das visitas não serem pacíficas, e que apenas é entendimento da mãe que a menor regressa instável e ansiosa da casa do pai, tendo tal facto levado à redução do horário de convívio.
Analisando os depoimentos prestados em audiência, não existem fundamentos para divergir da decisão tomada pelo tribunal recorrido. Apenas a mãe e a avó materna referem terrores nocturnos da menor (cuja frequência não foi especificada), mas não é possível relacionar tal facto com qualquer experiência ou vivência negativa decorrente da sua convivência com o pai e os avós paternos, e certo é que as idas da menor à casa destes decorrem com esta a desenvolver comportamentos normais para a sua idade, interagindo normalmente com os adultos, brincando e comendo como se espera na sua idade.
Quanto à eventual ansiedade da menor por falta de amamentação, apenas temos o relato da progenitora, sem qualquer menção à intensidade e frequência com que ocorria à data do julgamento (04.12.2019), e certo é que a avó materna e os avós paternos referem que a criança já ingere outros alimentos, não sendo a sua dieta essencialmente baseada na amamentação. Ponderando ainda que o pediatra da menor não relacionou a ausência da amamentação com alguma situação de instabilidade ou ansiedade aquando das visitas ao pai, resta também nesta parte confirmar a decisão recorrida.
Quanto ao ponto 17, a Recorrente pretende a sua eliminação, argumentando que resulta de uma deturpação das declarações de (…), que realizou a audição técnica especializada, na conferência de 11.09.2019. E, no entanto, nessa mesma conferência são patentes as dificuldades de entendimento entre os pais acerca do regime de visitas, que voltaram a manifestar na audiência de julgamento, estendendo-se a aspectos relacionados com a alimentação, necessidade de consultas de psicologia e o banho que o pai dava à tarde, pelo que também nesta parte se mantém a decisão recorrida.
Finalmente, quanto aos pontos 19, 20 e 21, a Recorrente afirma que apenas resultaram dos depoimentos do progenitor e dos avós paternos, afirmando serem incongruentes, ilógicos e contrários às regras da experiência comum. Pois bem, a circunstância de uma criança reconhecer os pais e os avós, brincar e estar bem-disposta quando está com o pai e este revelar afectividade pela filha, não é um comportamento ilógico, incongruente ou contrário às regras da experiência comum, bem pelo contrário. Atentando, ainda, que a psicóloga não teve contacto directo com o pai, desconhecendo em absoluto a interacção deste com a menor, e que a técnica que realizou a audição especializada não constatou o afastamento entre pai e filha que a Recorrente defende, resta manter nesta parte a decisão recorrida.
Em resumo, a decisão da matéria de facto tem o devido suporte na prova produzida e mostra-se abundante e correctamente fundamentada, pelo que improcede a respectiva impugnação.

Os factos ficam assim estabelecidos:
1. A criança (…), nascida a 16.03.2018, é filha de (…) e de (…).
2. Os progenitores viveram juntos, como se fossem marido e mulher, tendo terminado a relação em Janeiro deste ano, quando a criança tinha cerca de 10 meses de idade.
3. Na sequência da separação, a criança ficou a residir com a mãe.
4. Actualmente, a criança continua a residir com a mãe e, do agregado familiar faz, ainda, parte a avó materna da criança.
5. A casa onde residem situa-se em (…), e é bem próprio da avó materna, não pagando qualquer renda ou empréstimo.
6. Num anexo, contíguo à casa, reside o irmão gémeo da requerida.
7. A requerida está a trabalhar em part-time, desde Agosto deste ano, numa loja de tabaco / revistas, auferindo o salário de € 500,00 mensais.
8. O horário de trabalho é de 4 horas diárias, das 14h00 às 18h00 ou das 15h00 às 19h00 diariamente.
9. A avó materna está reformada e aufere cerca de € 300,00 de reforma.
10. A criança (…) não frequenta qualquer infantário, ficando aos cuidados da avó materna quando a requerida se encontra a trabalhar.
11. O requerente trabalha na “(…)”, em (…), e aufere o salário de € 600,00 ilíquidos.
12. Tem o horário das 09h00 às 19h00 e folgas às Terças e Domingos.
13. Vive com os seus pais, os quais estão reformados, auferindo as reformas de € 457,00 e € 579,00 cada um.
14. A casa onde vivem localiza-se em (…), e é bem próprio dos avôs paternos da criança, a qual dispõe de um quarto para a criança, embora ainda não esteja equipado com mobília adequada para a idade da criança.
15. As visitas da criança ao pai, inicialmente e na sequência do regime provisório fixado pelo tribunal, ocorriam nas folgas do pai, entre as 10h00 e as 20h00.
16. Todavia, as visitas não têm sido pacíficas, gerando entre os progenitores alguma discórdia, nomeadamente, por a mãe entender que a criança vem instável e ansiosa de casa do pai, o que atribuiu ao facto de ainda estar a ser amamentada, o que levou a que tivesse sido reduzido o horário de convívio, passando a ser das 16h00 às 20h00.
17. E, ao longo de todo este tempo, os progenitores têm demonstrado dificuldades em comunicar um com o outro e chegar a consensos, não só quanto às visitas (a mãe, escudando-se no facto de a criança mamar, restringe as horas que passa com o pai, e este, num par de ocasiões, não esteve com a filha, porque alegou ter tido rinite alérgica ou ter ido cortar o cabelo), mas também quanto às necessidades da criança, nomeadamente, quanto à alimentação (a mãe pretende que a criança tenha uma alimentação sem proteína animal, o pai não concorda com este regime alimentar), consultas médicas (o pai não concorda que a criança frequente consultas de psicologia), cuidados de higiene da criança (o pai dava banho quando a criança estava aos seus cuidados, o que a mãe diz não haver mais necessidade de o fazer, pois ela dá banho à filha de manhã).
18. Enquanto a criança fica aos cuidados do pai, é este que cuida e trata da criança e, embora seja a avó paterna a confeccionar as refeições ou que o aconselhe nalgumas tarefas, é o pai que dá de comer à filha, que a coloca a dormir a sesta, que lhe dá banho, brinca com ela e leva a passear.
19. A criança reconhece os avós paternos e avó materna, a quem chama “avô” e “avó”, assim como reconhece o pai e a mãe.
20. Quando está com o pai é uma criança alegre, bem-disposta, brinca e aparenta gostar de estar com os avós e pai.
21. O pai é preocupado com o bem-estar da filha, por quem nutre amor e carinho, existindo afectividade entre ambos.
22. A mãe é, igualmente, preocupada com o bem-estar da filha, por quem nutre sentimentos de carinho e amor.
23. Apesar da conflitualidade entre os progenitores, a (…) é uma criança feliz, bem-disposta e saudável.
24. Por iniciativa da requerida, a criança está a ser acompanhada por psicóloga, Dr.ª (…), a qual até à data fez cerca de 6 sessões, tendo esta concluído que a criança tem comportamentos de ansiedade e insegurança, verificando existir uma vinculação insegura ambígua, demonstrando receio em deixar o colo da mãe e explorar o que a rodeia.
25. Concluiu, ainda, que a criança fica muito ansiosa quando há uma separação da mãe, com a qual há uma vinculação afectiva muito grande e, mais concluiu que o comportamento da criança quando vai e vem de casa do pai (com pesadelos e “terrores nocturnos”), reflecte que o pai para ela é um estranho.
26. O comportamento da criança quando vem de casa do pai é relatado pela mãe da (…) à psicóloga, e apenas com base nestes relatos é que a psicóloga tem conhecimento de qual é o comportamento da criança, pois que nunca teve qualquer contacto com o pai da criança, nem avaliou a criança num contexto em que o pai e a filha estivessem ambos frente a frente, no mesmo espaço físico, por forma a avaliar a relação entre pai e filha.
27. A criança tem sido acompanhada pelo pediatra, Dr. (…), o qual a avalia como uma criança calma, inteligente, com um desenvolvimento e acima da média em termos cognitivos.
28. Comparece sempre bem cuidada e bem-apresentada, limpa, revelando cuidados de higiene adequados.
29. Nas consultas com a criança, esta é acompanhada sempre pela mãe e às vezes também com a avó, sendo que o pai apenas apareceu numa das primeiras consultas.
30. No consultório existe um espaço com brinquedos e a (…), depois de se ambientar com o espaço, fica à vontade e brinca, sendo uma criança feliz.
31. Não são conhecidos antecedentes criminais ao requerente.
32. A requerida foi condenada por sentença transitada em julgado em 23.05.2016, na pena única de 210 dias de multa, à taxa diária de 5 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e um crime de injúria (proc. 533/14.1PAPTM- J2 Portimão).

Aplicando o Direito.
Do regime de guarda da menor
O tema essencial do recurso respeita à guarda da menor, pretendendo a Recorrente que a guarda lhe seja atribuída, com um regime de visitas ao pai, iniciando-se aos três anos as pernoitas em casa do pai, aos fins-de-semana, alternadamente.
O Relator do presente aresto interveio como Adjunto no Acórdão desta Relação de 09.11.2017 (Proc. 1997/15.1T8STR.E1, publicado no sítio da DGSI), ali decidindo que o art. 1906.º do Código Civil, na redacção actual, estabelece como regra o exercício em comum das responsabilidades parentais, tal como vigorava na constância do matrimónio, só excepcionalmente permitindo o seu exercício por um dos progenitores.
Com efeito, o interesse do menor constitui a pedra angular do regime legal, para cuja densificação concorre a manutenção de uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, e a promoção e aceitação de acordos ou a tomada de decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades.
Acresce, ainda, que a lei não exige o acordo de ambos os pais na fixação da residência alternada do filho, devendo a solução ser encontrada de acordo com o seu interesse e ponderando todas as circunstâncias relevantes.
Se é certo que a residência alternada, existindo acordo de ambos os progenitores, reúne melhores condições de sucesso, esta condição não é exclusiva da questão da guarda do filho e abrange todas as demais vertentes das responsabilidades parentais – como se afirma no mencionado aresto, “o acordo dos pais confere segurança aos filhos, o desacordo, quando deles conhecido, insegurança e instabilidade. Aos pais incumbe o desafio de responsavelmente ultrapassarem as divergências que se revelem contrárias ao interesse dos filhos.”
Como também já se escreveu nesta Relação de Évora – em Acórdão de 31.01.2019 (Proc. 209/13.7TBENT-B.E1, subscrito pelas ora Adjuntas, e publicado no mesmo portal) – “se o acordo dos pais é desejável e potenciador do sólido desenvolvimento físico, emocional, intelectual e moral do menor, certo é que a falta de acordo no que respeita à residência alternada, por si só, não inviabiliza a implementação de tal modelo, devendo perscrutar-se a melhor solução para prosseguir o interesse da criança, ponderando todas as circunstâncias relevantes do caso concreto.”
É, pois, ao regime de residência alternada com ambos os pais que se deve dar preferência, pois é ele que proporciona uma relação de grande proximidade com os dois progenitores e amplas oportunidades aos menores de contactar com ambos os pais.
Malin Bergström, psicóloga clínica e investigadora no Instituto Karolinska, Estocolmo – em entrevista ao DN de 23.03.2017, bem citada na sentença recorrida – refere que estudos realizados nos últimos cinco anos a filhos de casais separados revelam que aqueles que têm residência alternada estão com melhor saúde mental, física e bem-estar do que os que vivem apenas com um dos pais: “E, independentemente do tipo de estudos, todos indicam que quem vive apenas com um dos pais está pior: socialmente, fisicamente, a nível escolar, etc.” Acrescentando que, em estudos aos grupos etários dos 10 aos 18 anos e dos 2 aos 5, foram obtidos exactamente os mesmos resultados: “Algumas vezes, não há diferença entre as crianças com residência alternada e as que estão em famílias que continuam juntas, algumas vezes há diferenças, mas os problemas dos que vivem só com um dos progenitores são muito maiores.”
No mesmo sentido se pronunciou Sofia Marinho, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa – em entrevista à Visão de 25.11.2017, também citada na sentença recorrida – a qual, questionada sobre se a residência alternada deve ser estabelecida apenas a partir dos três anos, respondeu o seguinte: “Os resultados de estudos internacionais representativos mostram que não é isso que acontece: menores que viviam, desde cedo, em regime de residência alternada tinham melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que cresciam com o modelo de residência única. As entrevistas reflectem isso: crianças muito pequenas passavam um dia com um, um dia com outro, os progenitores alternavam-se no levar à escola e trazer, aumentando o tempo de permanência à medida que a criança ia ganhando noção do tempo. A maior parte dos pais são bastante cuidadosos com os filhos e, mesmo não sendo muito dialogantes, quando há necessidade de falar, falam. A alternância é sempre feita em função das necessidades da criança e da família.”
Resumindo, a solução deve ser encontrada de acordo com o interesse do menor e ponderando todas as circunstâncias relevantes. Se a melhor solução é a que proporciona a maior proximidade a ambos os progenitores, com amplas oportunidades de contacto, tal apenas é possível caso os progenitores não residam a longa distância um do outro – e nos menores em idade escolar esse pormenor tem importância, porquanto não podem ser obrigados a mudar de escola todas as semanas ou a realizar longos percursos para não faltar às aulas.
Acresce, ainda, que ambos os progenitores deverão possuir condições económicas e de habitabilidade para ter o filho consigo, e dar garantias de velar pela sua segurança, saúde, educação e desenvolvimento.
A decisão recorrida entendeu fixar um regime de guarda partilhada da menor, argumentando que os progenitores vivem perto (…/…), ambos trabalham e têm vida profissional organizada, e mostram-se empenhados em acompanhar a educação e o crescimento da filha, existindo afectividade entre a menor e ambos os progenitores. Este regime, segundo a decisão recorrida, permitiria à menor criar “um quotidiano familiar e social com o pai enquanto permanecer com este, e durante esse período de tempo, o pai irá exercer os cuidados que integram o exercício das responsabilidades parentais, partilhando experiências e rotinas, num espaço comum, harmonioso, criando vínculos que irão perdurar para a vida, fortalecendo laços entre pai e filha que, de outra forma, cremos que se irão esbater pelas dificuldades de convívio até à data existentes.”
E concorda-se com semelhante conclusão.
É evidente, pela análise dos factos, que ambos os progenitores reúnem as necessárias condições económicas e de habitabilidade para ter a menor consigo, e não existem elementos de facto que permitam concluir que qualquer deles não pretenda velar pela segurança, saúde, educação e desenvolvimento da sua filha – aliás, os autos são bem evidentes quanto ao empenho do pai no saudável acompanhamento da sua filha, tendo este um inegável direito de com ela conviver, educar e ver crescer.
O conflito que entre os pais permanece necessariamente deverá ser solucionado como pessoas adultas que são, não devendo ser tolerado que a menor seja utilizada como argumento para questões que a ultrapassam. Em bom rigor, importa evitar o estabelecimento de uma situação de poder de facto da mãe sobre a filha em detrimento do progenitor e da sua família, que apenas a igual partilha de responsabilidades poderá obviar.
Nem se argumente que a amamentação constituirá um óbice intransponível ao estabelecimento deste regime. Como adiantou o pediatra da menor durante a sua inquirição em audiência, a partir dos dois anos é importante iniciar o processo de desmame, como estímulo à independência da criança e promoção da sua inteligência e estruturação emocional.
Ponderando, igualmente, que nem está demonstrado que a amamentação se mantenha, ou sequer que esta ainda assuma papel determinante na dieta da menor, nada impõe a modificação da bem estruturada sentença recorrida, que assim se mantém.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.
Évora, 14 de Julho de 2020
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
__________________________________________________
[1] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt.