Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
506/13.1TBTMR-A.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
AVAL
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A exigência estatutária da intervenção de um determinado sócio ou de dois sócios com poderes de gerência para obrigar a sociedade não é oponível a terceiro legítimo portador de livrança em que, por essa sociedade e como subscritora da mesma, apenas assina um dos seus sócios.
2 - Tal facto não constitui vício de forma (cfr. artigo 32.º, § 2º, da LULL) despoletador da nulidade do aval dado, por terceiro, à sociedade subscritora.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: P.506.13.1TBTMR-A.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

Banco (…), S.A., intentou a execução comum de que estes autos são apenso contra (…), (…) e (…), dando à execução três livranças subscritas pela sociedade (…), Lda., avalizadas por (…) (em nome próprio e em representação de …) e (…).
Mais alegou que (…) veio a falecer, tendo-lhe sucedido como seus herdeiros (…) e (…).
Devidamente citados os executados veio (…) deduzir os presentes embargos de executado, alegando, em síntese, que:
- Não teve qualquer intervenção na elaboração das livranças apresentadas como título executivo, delas não constando a sua assinatura, sendo por isso parte ilegítima na presente execução;
- A sociedade (…), Lda., não subscreveu validamente as livranças apresentadas como título executivo porque as mesmas foram assinadas por (…) sem a menção de gerente ou administrador, e sem que a procuração que lhe foi outorgada concedesse poderes para tal. Mesmo que tal menção existisse, de igual modo a sociedade não estaria vinculada porque, segundo os seus estatutos, seria sempre necessário a assinatura de dois dos seus gerentes, o que não ocorreu. Em consequência, os títulos executivos apresentados padecem de vício de forma, o que afecta igualmente a validade dos avais prestados;
- Na data aposta nas livranças para o vencimento das mesmas (13/04/2012) já a sociedade (…), Lda. tinha sido declarada insolvente, não podendo, por isso, o exequente proceder ao preenchimento das mesmas sem o consentimento do administrador da insolvência.
Conclui pugnando pela procedência dos presentes embargos à execução e pela extinção da execução.
Notificado o exequente, o mesmo apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos. Para o efeito, impugnou a factualidade alegada pela embargante, sustentando que a mesma é parte legítima nos autos por ser herdeira de (…), e bem assim que a sociedade subscreveu validamente as livranças apresentadas nos autos. Mais sustenta que os avalistas bem sabiam que estavam a prestar avales em títulos subscritos pela sociedade (…), Lda., assistindo ao exequente o direito de preencher as livranças apresentadas como título executivo independentemente da insolvência desta.
Por se afigurar que os presentes autos continham todos os elementos de facto necessários para o conhecimento imediato e total do mérito da causa, no que respeita ao pedido formulado pela embargante, sem necessidade de produção de outras provas (cfr. art. 595.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.), veio a ser proferido pelo Mmº Juiz “a quo” o respectivo saneador-sentença, o qual julgou totalmente improcedentes os embargos de executado deduzidos por (…) e, em consequência, ordenou que a execução (a que estes embargos estão apensos) prosseguisse os seus ulteriores termos.
Inconformada com tal decisão dela apelou a embargante tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que a data de emissão das livranças, os títulos executivos 1 e 2 é de 2003, e o título executivo 3, é de 2004;
2º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que tais livranças estão assinadas por (…);
3º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que (…), às datas de 2003 e 2004 não era gerente da Sociedade (…), Lda., nem detinha poderes de gerência;
4º - Está documentado, nos autos (doc. 2 da oposição à execução), que, desde 4 de Julho de 1990 e até 27 de Dezembro de 2007, foram gerentes daquela Sociedade, …, …, … e …;
5º - Está documentado nos autos (referido doc. 2 da oposição à execução), que, até 27 de Dezembro de 2007, a gerência era exercida só por sócios, e que, só pelo mínimo de dois dos quatro gerentes é que se vinculava estatutariamente a Sociedade …, Lda.;
6º - Está documentado, nos autos (referido doc. 2 da oposição à execução), que, em 28 de Dezembro de 2007, (…) passou a gerente da referida Sociedade, tal como … (a ora recorrente) que, todavia, viria a renunciar cerca de três anos depois, em 17 de Junho de 2010;
7º - Está documentado nos autos (mencionado doc. 2 da oposição à execução), que, a partir de 28 de Dezembro de 2007, a Sociedade (…), Lda. passou a vincular-se pelas assinaturas conjuntas dos seus novos dois gerentes, perdurando os poderes vinculativos isolados de (…);
8º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que (…) podia obrigar isoladamente, só por si – desacompanhado, pois, dos restantes gerentes – a Sociedade (…), Lda.;
9º - Está documentado, nos autos (o mencionado doc. 2 da oposição à execução) que, em 31 de Maio de 2010, (…) foi destituído da gerência;
10º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que, em 5 de Julho de 2010, a Soc. (…), Lda. foi declarada insolvente;
11º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que as 3 (três) livranças estão assinadas apenas por (…), que não era gerente, nem detinha poderes de gerência;
12º - Está reconhecido, pelo Tribunal «a quo», que o mencionado (…) só entre 30 de Março e 28 de Maio de 1999 foi procurador de (…);
13º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que, àquela data de 28 de Maio de 1999, (…) emitiu procuração a favor de … (sua filha);
14º - Está reconhecido, pelo Tribunal «a quo», que, por força de tal procuração, a anteriormente emitida a favor do (…) ficou tacitamente revogada;
15º - Está provado, pelo Tribunal «a quo», que a procuração emitida ao (…) não lhe conferia poderes de gerência, nem para obrigar a Sociedade (…), Lda., nem para prestar avales e está documentado nos autos (doc. 6 do requerimento probatório datado de 2005/Maio/18) que a exequente ora recorrida conhecia perfeitamente essa falta de poderes;
16º - Está documentado, conforme escrito da exequente ora recorrida (doc. 6 do requerimento probatório) que a procuração emitida pelo (…) à sua filha (…), não continha poderes para ela emitir avales em nome, quer daquele, quer da Sociedade (…), Lda., ao contrário, pois, do entendimento perfilhado pelo Tribunal «a quo»;
17º - A recorrente … (filha, igualmente, de …, não sucedeu, assim, enquanto herdeira de seu Pai, no pretenso aval emitido, em nome deste, pela (…), como sua procuradora, porque a procuração não conferia poderes para tal;
18º - (…) jamais foi avalista directo das 3 (três) livranças;
19º - Nenhuma das três livranças tem aval da ora recorrente, pois estas apenas contêm avales emitidos, tanto pela (…), em nome pessoal desta, como pelo (…);
20º - Tais avales estão dados, expressamente, a favor da Soc. (…), Lda., que, nas livranças, apesar de figurar como subscritora, o não foi, nem o é, legalmente;
21º - A Sociedade (…), Lda., não foi subscritora legal das 3 (três) livranças, porque quem as assinou não a vinculava legalmente;
22º - A subscrição legal é um requisito essencial da existência legal das livranças (artºs. 75º e 76º da LU);
23º - Não havendo subscrição legal nas livranças, o aval é nulo;
24º - A inexistência de subscrição legal é «falta grave» da exequente ora recorrida, conforme docs. 5 e 6 do requerimento probatório da ora recorrente. Mesmo que assim não fosse, não sendo a subscritora obrigada ao pagamento das livranças e, sendo o dador do aval responsável da mesma maneira que o avalizado, logo seria de concluir que a recorrente nada teria a pagar (cfr. Art. 32º, 1ª parte da LU).
25º - As 3 (três) livranças não entraram no denominado circuito cambiário, tendo permanecido sempre na esfera exclusiva da exequente ora recorrida, desde a emissão, até à apresentação, no Tribunal «a quo», do requerimento executivo;
26º - O tomador das livranças – a exequente ora recorrida – e a ora recorrente estão e estiveram sempre, na esfera e domínio das relações imediatas;
27º - «A falta grave» (artº. 10º da LU) é invocável no domínio das relações imediatas;
28º - A livrança dos 1.421.872,10 euros (o título executivo nº 3) tem subjacente o contrato de financiamento de 19 de Março de 2001, 10 de Maio de 2002, 22 de Maio de 2003 e 25 de Março de 2004, em que, do lado activo, aparece a ora exequente ora recorrida (docs. 3, 4, 5 e 6 do requerimento executivo, respectivamente);
29º - Tal contrato de financiamento não contém subscrição legal vinculativa, pelo lado passivo, isto é, da Sociedade (…), Lda., ao contrário do que nele se exigia expressamente e estava convencionado;
30º - Tal contrato (e suas alterações) não está subscrito, quer pelo Presidente da Sociedade (…), Lda. – a mutuária – quer por algum dos restantes 4 (quatro) gerentes de então;
31º - Tal contrato exigia a assinatura de quem legalmente obrigava a Soc. (…), Lda. (ponto 11 do contrato de 19 de Março de 2001);
32º - Tal contrato de financiamento (e suas alterações) está assinado por quem não vinculava legalmente a Sociedade (…), Lda., isto é, está assinado por (…);
33º - A «falta grave», verificada nas 3 (três) livranças, foi, assim, precedida da negligência grosseira ocorrida, três anos antes, naquele contrato – a relação extra-cartular;
34º - A «falta grave» e a negligência grosseira são da responsabilidade da exequente ora recorrida;
35º - A livrança dos 1.421.872,10 euros, como, aliás, as outras 2 (duas) livranças, foi remetida, pela Soc. (…), Lda., à exequente ora recorrida, em 2 de Março de 2004 (doc. 5 de duas folhas, do requerimento probatório da ora apelante, de 5 de Novembro de 2013), sem os dizeres dactilografados (“p.p. presidente”) que, “agora”, constam no requerimento executivo da ora recorrida, como doc. 3;
36º - Mesmo com tais dizeres dactilografados (“p.p. presidente”), a subscrição não se tornou legal, porque a procuração emitida ao (…), não continha quaisquer poderes para vincular a Soc. (…), Lda., como está provado pelo Tribunal «a quo»;
37º - Tal contrato contém pacto de preenchimento expresso (pontos 9 e 9.1., de 19 de Março de 2001 e 25 de Março de 2004, respectivamente);
38º - Todas as 3 livranças contêm o carimbo societário que, por si só, não é suficiente;
39º - Para ser suficiente, o carimbo societário, teria que estar aposto nas livranças desde que estas tivessem sido subscritas por quem, como gerente, vinculasse legalmente a Sociedade (…), Lda., mesmo que tal existente qualidade legal de gerente não viesse referida nessas livranças;
40º - Para o carimbo societário ser suficiente, teria, também e necessariamente, que constar das livranças, a subscrição, pelo menos, por um dos quatro gerentes daquela Sociedade, apesar desta se obrigar, estatutariamente, pelo mínimo de dois deles;
41º - A inexistência de subscritor legal torna nulos todos os avales prestados, nomeadamente o pretenso aval do Pai da ora apelante, que vem imputado àquele, pelo Tribunal «a quo», sem qualquer base na procuração emitida, por ele, à (…);
42º - É o que decorre da Lei (art. 32º II), segundo a Jurisprudência, designadamente a mais recente;
43º - O mesmo é defendido pela Doutrina, destacando-se a este propósito, Ferrer Correia, para quem a letra só existe desde que a declaração do subscritor obedeça aos requisitos legais;
44º - Não havendo aval do Pai da ora apelante, esta não é sua sucessora;
45º - A subscrição legal é um dos requisitos essenciais (art. 75º da LU);
46º - Faltando os requisitos essenciais, o escrito não produz efeitos como livrança (1ª parte art. 76º LU). Em concreto, face à falta de poderes pelo (…), como considerado provado pelo tribunal a quo, é indiferente a questão da falta dos requisitos ser aferida pela data da emissão ou pela data do pagamento;
47º - Não são invocáveis, em sentido contrário, quer os artºs. 7º, 10º, 16º e 17º da LU, bem como não são invocáveis nas relações imediatas – o caso dos autos – os princípios da literalidade, abstracção e autonomia, conforme Doutrina e a dominante;
48º - Os pactos de preenchimento das 2 (duas) livranças (títulos executivos 1 e 2) constam em impresso-tipo da exequente ora recorrida, e, além disso, estão anomalamente expressos em letras minúsculas, de difícil alcance e percepção, impressos-tipo a que a irmã da ora recorrente se limitou a aderir;
49º - É aplicável a tais 2 (duas) livranças o regime jurídico das cláusulas gerais (dec.-lei 446/85 de 25 de Outubro e respectivas alterações), as quais, assim, são nulas e constituem títulos cambiários incompletos;
50º - As livranças incompletas são títulos pagáveis à vista, estando, assim, prescritas.
51º - Ao entender diferentemente, a douta decisão em apreço viola ou faz incorrecta aplicação dos artºs. 75º e 76º da LU e, ainda, dos artºs. 7º, 10º, 16º, 17º e 32º, da mesma Lei, aplicáveis por força do disposto no artº. 77º da dita Lei Uniforme.
52º - A douta decisão viola, ainda, o Dec.-Lei 446/85 e os princípios que regem os títulos de crédito.
53º - Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença proferida e substituída por Douto Acórdão que determine a procedência da oposição à execução deduzida, julgando-se a oposição procedente, declarando-se assim:
- inexistentes as três livranças, por total falta de subscritor legal;
- nulo o aval atribuído a (…), por não se conter nos poderes da procuração que este passou à sua filha (…);
- nulos os restantes avales prestados, porque a Sociedade (…), Lda. não foi, nas 3 livranças, subscritora legal;
- não ser a ora recorrente sucessora do Pai, em tal aval, por este ter sido prestado com base em procuração sem poderes.
Pelo exequente, ora embargado, foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.

Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Exmos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente (art. 635º nº 3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela embargante, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1) Saber se a sociedade (…), Lda. não foi subscritora legal das 3 livranças que foram juntas à execução, porque quem as assinou não detinha poderes para vincular tal sociedade e, por isso, será nulo o aval aposto nas mesmas;
2) Saber se o aval atribuído a (…) também é nulo por não se conter nos poderes da procuração que este passou à sua filha (…) e, por isso, não ser a apelante, aqui embargante, sucessora do pai (o referido …), no aval aposto em cada uma das 3 livranças juntas à execução;
3) Saber se a livrança dos 1.421.872,10 € (o título executivo 3) tem subjacente contrato de financiamento, o qual não contém subscrição legal vinculativa, pelo lado passivo, isto é, da Sociedade (…), Lda., ao contrário do que nele se exigia expressamente e estava convencionado;
4) Saber se a livrança dos 1.421.872,10 € (como, aliás, as outras duas livranças), foi remetida pela Soc. (…), Lda. à exequente sem os dizeres dactilografados “p.p. presidente” – que, agora, constam no requerimento executivo – sendo que a procuração emitida a (…) não lhe confere poderes para este subscrever livranças em nome da sociedade subscritora;
5) Finalmente saber se os pactos de preenchimento das duas livranças (os títulos executivos 1 e 2) constam em impresso-tipo da exequente, os quais estão anomalamente expressos em letras minúsculas, de difícil alcance e percepção, impresso-tipo a que a irmã da ora recorrente se limitou a aderir, pelo que tais livranças são nulas por constituírem títulos cambiários incompletos.

No presente recurso a matéria de facto dada como assente na 1ª instância não foi impugnada pela apelante, nos termos expressamente previstos no art. 640º do C.P.C., nem se impõe qualquer alteração por parte desta Relação, pelo que, de imediato, passamos a transcrever a referida factualidade:
1. A 17 de Abril de 2013 o exequente Banco (…), S.A., apresentou requerimento executivo contra (…), (…) e (…), apresentando como título executivo as seguintes livranças:
a) - Livrança n.º (…), em cuja frente constam os dizeres “Local e data de emissão: Porto – 2003/05/19; Importância: € 37.874,99; Vencimento 2012-04-13; Subscritor: “(…), Lda.”, a assinatura de (…) e o carimbo dessa sociedade; e no seu verso os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”, seguidos das assinaturas de (…), (…), e os dizeres “Dou o meu aval à firma subscritora em representação do Sr. (…), por procuração”, seguidos da assinatura de (…), conforme documento de fls. 53 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
b) - Livrança n.º (…), em cuja frente constam os dizeres “Local e data de emissão: Porto – 2003/05/19; Importância: € 64.123,17; Vencimento 2012-04-13; Subscritor: “(…), Lda.”, a assinatura de (…) e o carimbo dessa sociedade; e no seu verso os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”, seguidos das assinaturas de (…), (…), e os dizeres “Dou o meu aval à firma subscritora em representação do Sr. (…), por procuração”, seguidos da assinatura de (…), conforme documento de fls. 54 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
c) - Livrança n.º (…), em cuja frente constam os dizeres “Local e data de emissão: Porto – 2004/03/25; Importância: € 1.421.872,10; Vencimento 2012-04-13; Subscritor: “(…), Lda.”, a assinatura de (…) e o carimbo dessa sociedade; e no seu verso os dizeres “Dou o meu aval à subscritora”, seguidos das assinaturas de (…), (…), e os dizeres “Dou o meu aval à firma subscritora em representação do Sr. (…), por procuração”, seguidos da assinatura de (…), conforme documento de fls. 55 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A 30 de Março de 1999 (…) outorgou procuração a favor de (…), nos termos da qual consta, além do mais, que:
“Outorga na qualidade de Presidente do Conselho de Gerência e em representação da sociedade “(…), Lda.”, NIPC (…), com sede na Quinta do (…), (…), (…), com o capital social de cento e dezassete milhões de escudos, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (…) sob o número (…), qualidade e poderes que verifiquei pela certidão emitida pela mencionada Conservatória em vinte e nove de Março de mil novecentos e noventa e nove, que me foi exibida. Verifiquei a identidade do Outorgante, por exibição do Bilhete de Identidade número …), pelos SIC de Lisboa. E por ele foi dito: Que nessa qualidade, constitui bastante procurador da sociedade sua representada, o Sr. (…), casado, natural da freguesia de (…), (…), residente na Rua (…), n.º 7, 2º F, 2685 (…) LRS, ao qual concede os necessários poderes para: Comprar, vender, prometer vender, pelo preço e condições que entender por convenientes, quaisquer bens imóveis ou móveis, direitos prediais, pagar e receber os preços, dando e recebendo as correspondentes quitações, podendo outorgar e assinar as respectivas escrituras e contrato de promessa de compra e venda, com todas as cláusulas e condições que achar convenientes, em Portugal e no estrangeiro; para junto das entidades competentes proceder a todos e quaisquer actos de registo, provisórios ou definitivos, seus averbamentos e cancelamentos; dar de arrendamento e arrendar, pelo preço e condições que entender, quaisquer imóveis ou direitos prediais, pagar e receber rendas, celebrando os competentes contratos de arrendamento, relativamente a apólice de seguro, proceder aos seus resgates, reduções, antecipações, anulações, alterações de qualquer espécie, e a todos os actos previstos, de acordo com os direitos adquiridos nas mesmas, depósito e consórcio; outorgar a favor de advogado ou solicitador, conferindo-lhe poderes forenses para intervenção em qualquer processo judicial, fiscal, ou administrativo, para confessar, transigir ou desistir em quaisquer acções em que a sociedade seja parte; assinatura de boletins de registo de importação ou exportação, endossos e despachos junto das Alfândegas, outras Repartições Públicas, Organismos, Institutos Oficiais e Bancos; endosso de Bancos, para crédito da conta da sociedade, de cheques; recepção de valores de que a sociedade seja credora, assinatura de recibos e prestação de quitação; ordens de pagamento e transferências bancárias; assinatura de modelos para inscrição da sociedade ou de factos a esta relativos na Registo Comercial e declaração da matéria colectável de quaisquer impostos; levantamento de cartas registadas ou não, mercadorias em quaisquer estações postais, de caminho-de-ferro, rodoviária ou outros; assinatura de documentos junto da Direcção Geral de Viação e outras entidades intervenientes na compra e venda de veículos automóveis; prática de todos os actos e assinaturas de toda a documentação necessária á participação da sociedade em concursos públicos ou privados, fazendo preços, licitando e estabelecendo as demais condições; assinaturas de contratos de empreitada, ou sub-empreitada em Portugal e no estrangeiro; assinar contratos de água, luz e telefone; abrir e movimentar contas à ordem e a prazo em quaisquer instituições bancárias; representar a sociedade em todos os actos e contratos junto dos organismos oficiais, requerendo, declarando, praticando, outorgando e assinando tudo o que for necessário aos indicados fins”, conforme documento de fls. 31 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3. A 28 de Maio de 1999 (…) outorgou procuração a favor de (…), nos termos da qual consta, além do mais, que:
- “(…) a quem confere os seguintes poderes: para com livre e geral administração civil reger e gerir todos os assuntos relacionados com as seguintes sociedades, podendo exercer, relativamente a elas, todos os direitos de que o mandante é titular nas mesmas: (…) b) (…), Lda., com sede na Quinta do (…), em (…), NIPC (…), com o capital social de 117.000$00, registada na Conservatória do Registo Comercial de (…) sob o nº …; (…) praticando, requerendo e assinando tudo o que se tornar necessário aos mencionados fins”.
- “Confere-lhe ainda poderes de gerência comercial em todas as sociedades supra identificadas. Pode ainda a mandatária praticar todos os actos de administração ordinária, extraordinária ou de disposição de todos e quaisquer direitos ou bens de que o mandante seja titular, relativos ou não às supra identificadas sociedades. Pode a mandante movimentar todas as contas bancárias de que o mandate seja titular ou contitular. Pode a mandatária acertar e assinar contratos promessa de compra e venda, permuta ou de qualquer tipo contratual, relativamente a quaisquer bens móveis ou imóveis do mandante, podendo receber preços e dar quitações. Igualmente lhe são conferidos poderes para celebrar todas as escrituras necessárias à transmissão onerosa ou gratuita de quaisquer bens móveis ou imóveis do mandante, nomeadamente de compra e venda ou permuta. Pode a mandatária contrair empréstimos de todos os tipos, modalidades e valores em nome do mandante, podendo, para tanto e também independentemente de empréstimo, onerar quaisquer bens do mandante, assinando os competentes títulos, particulares, notariais ou judiciais. À mandatária são ainda conferidos poderes para praticar todos os actos de registo predial e comercial, nomeadamente requerer registos, provisórios e definitivos, averbamentos a descrições e a matrículas e a inscrições. A mandatária pode também tratar e requerer todos os actos juntos de todas as repartições públicas, necessários à concretização das finalidades da presente procuração. A mandatária pode livremente contratar consigo própria. Esta procuração não caduca em caso algum”, conforme documento de fls. 35 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
4. Nas datas de emissão das livranças descritas em 1., a sociedade (…), Lda., obrigava-se mediante a assinatura do sócio (…) ou com as de dois outros sócios membros do Concelho de Gerência, conforme documento de fls. 16 e segs. que aqui se dá por integralmente reproduzido;
5. As livranças descritas em 1. foram assinadas em branco e posteriormente preenchidas pelo exequente;
6. Na data da emissão das livranças descritas em 1. (…) era sócio da sociedade (…), Lda., sem funções de gerência;
7. A sociedade (…), Lda. foi declarada insolvente a 5 de Julho de 2010;
8. A 29 de Dezembro de 2010 faleceu (…);
9. Ao falecido (…) sucederam-lhe como herdeiras as filhas (…) e (…);

Antes de apreciarmos todas as questões levantadas pela apelante no presente recurso importa afirmar que resulta da análise dos autos não ter a mesma suscitado, em sede própria, as questões a que é feita referência nos pontos 3) e 5) – nomeadamente quando apresentou a sua oposição ao requerimento executivo (cfr. fls.3 a 13) – pelo que, forçoso é concluir que, na decisão recorrida, o tribunal “a quo” não se podia ter pronunciado, de todo, sobre essas duas questões.
Por isso, haverá que referir a tal respeito que se trata de “questões novas”, as quais, não foram suscitadas anteriormente no processo pela recorrente.
Na verdade, relativamente às duas questões suscitadas - por um lado, saber se a livrança dos 1.421.872,10 € (o título executivo 3) tem subjacente contrato de financiamento, o qual não contém subscrição legal vinculativa, pelo lado passivo, isto é, da Sociedade (…), Lda., ao contrário do que nele se exigia expressamente e estava convencionado e, por outro, saber se os pactos de preenchimento das duas livranças (os títulos executivos 1 e 2) constam em impresso-tipo da exequente, os quais estão anomalamente expressos em letras minúsculas, de difícil alcance e percepção, impresso-tipo a que a irmã da ora recorrente se limitou a aderir, pelo que tais livranças são nulas por constituírem títulos cambiários incompletos - não será demais repetir que, da análise dos autos, resulta que as mesmas nem sequer foram levantadas pela apelante nos embargos por si deduzidos pelo que, nesta fase processual, não pode este Tribunal Superior tomar conhecimento delas por serem “questões novas”, só expressamente invocadas no presente recurso de apelação.
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que o objecto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo lícito às partes invocar nos recursos questões que não tenham previamente suscitado perante o tribunal recorrido (cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92 e 7/1/93 in, respectivamente, BMJ 364, pág. 719, BMJ 408, pág. 521, BMJ 416, pág. 642, BMJ 421, pág. 400 e BMJ 423, pág. 540 e, mais recentemente, o Ac. do STJ de 16/1/2002, Rev. nº 3247/01, 4ª sec., Sumários, 57º).
Na doutrina é também este o entendimento, conforme resulta da lição de Castro Mendes, in “Recursos”, 1980, pág. 27 e, mais recentemente, de Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil”, 1992, págs. 140 e 175.
Assim, temos que os recursos visam o reestudo por um Tribunal Superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas – sublinhado nosso.
Daí que, pelas razões acima expostas, é nosso entendimento que está vedado a esta Relação conhecer das duas questões supra referidas, uma vez que se trata de matéria que não foi suscitada pela apelante no tribunal recorrido, sendo certo que, repete-se, esta o podia (e deveria) ter feito, expressamente, quando da apresentação da sua oposição nos presentes autos, o que - de todo - não fez, não se tratando também de questões que sejam de conhecimento oficioso.

Apreciando agora a primeira questão levantada pela apelante no presente recurso – saber se a sociedade (…), Lda., não foi subscritora legal das três livranças que foram juntas à execução, porque quem as assinou não detinha poderes para vincular tal sociedade e, por isso, será nulo o aval aposto nas mesmas – haverá que dizer a tal respeito que, não obstante os estatutos da subscritora estipularem que esta se obriga com a intervenção do sócio (…) ou com as de dois outros sócios membros do conselho de gerência, a assinatura das três livranças, em sua representação, por parte de … (sócio da referida sociedade) e o carimbo aposto dessa sociedade, acaba por a vincular pela respectiva obrigação cartular, não podendo esta opor a qualquer portador tal limitação estatutária.
Isto porque, os actos praticados em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-na para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultante das deliberações dos sócios.
Com efeito, o facto da intervenção isolada de um sócio, em nome da sociedade, quando o contrato social exige a intervenção do sócio (…) ou de dois outros sócios membros do conselho de gerência, não tem quaisquer efeitos na vinculação dessa sociedade perante terceiros, não tornando o acto inválido ou ineficaz.
Na verdade, a subscrição das livranças (indispensável à sua existência como livranças) mostra-se feita no local adequado e a declaração de vontade da promessa de pagamento está claramente expressa na livrança, não enfermando de qualquer ambiguidade. A mera inspecção dos documentos não permite detectar qualquer vício (mesmo de fundo); não padecem de qualquer irregularidade formal, portanto, não há «vício de forma» que torne as livranças nulas.
O que se alega – insuficiência de poderes de (...) para vincular a sociedade subscritora – não se analisa em vício de forma mas, a existir essa insuficiência, tratar-se-ia de vício de fundo pertinente à forma de vinculação das sociedades, que poderia determinar a invalidade dessa vinculação, por parte da sociedade “subscritora”, portanto da invalidade (ou melhor, ineficácia) da obrigação quanto a essa sociedade, que não determina a nulidade da obrigação cambiária por vício de forma, no sentido previsto no art. 32º § II da LULL. O que estaria viciada seria a declaração de vontade por falta de poderes para a sua emissão (o que não é possível a qualquer portador detectar pela inspecção das livranças em causa), não por inobservância da forma ou do modo como a LULL prescreve a sua manifestação na livrança. Não há “vício de forma” que torne nula a obrigação cartular.
Deste modo, resulta claro que, no caso em apreço, a intervenção de (…), como sócio da subscritora – o qual assinou as ditas livranças apondo nas mesmas o carimbo da sociedade – desacompanhado do sócio (…) ou de dois outros sócios membros do conselho de gerência, não importa a invalidade ou a ineficácia da obrigação cartular, que é (substancialmente) válida e eficaz e, por isso, vincula a sociedade subscritora da livrança, não existindo vício de forma nem de fundo da obrigação da emitente.

Em conclusão, dir-se-á que a obrigação da subscritora é, formal e substancialmente, válida.
Neste sentido acompanhamos, por inteiro, o que o Mm.º Juiz “a quo” veio a afirmar na decisão sob censura que, de imediato, passamos a transcrever:
- (…) pese embora se considere que, efetivamente, a sociedade indicada como subscritora não se vinculou validamente por via da assinatura aposta nas livranças no lugar destinado à subscritora, o certo é que tal não configura um vício de forma, não podendo por isso tal circunstância ser invocada pelos avalistas de modo a obstar ao pagamento das quantias peticionadas.
Senão vejamos.
No que respeita à falta de menção da qualidade de gerente ou administrador na assinatura aposta por (…), considera-se que a mesma não se mostra necessária, sendo suficiente para tal o carimbo da sociedade que nesse local consta em cada uma das três livranças.
Neste sentido, aliás, e entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29/04/2008, em www.dgsi.pt, o qual refere que:
“1. O único modelo legal de livrança, enquanto título cambiário, é o que se encontra definido no art. 75º da LULL; a intervenção legislativa que tem ocorrido neste domínio incide apenas sobre o modelo de impresso a adoptar e é justificada por motivos burocráticos e de natureza fiscal, sem qualquer interferência nos requisitos formais e substanciais da livrança enquanto título cambiário.
2. Quando a assinatura está acompanhada da firma social, aposta por carimbo da sociedade, ainda que sem a menção expressa da palavra "gerente" ou "a gerência", tal corresponde à identificação dessa qualidade e satisfaz os requisitos previstos no nº 4 do art. 260º do C. Soc. Comerciais”.
Sobre esta matéria incidiu igualmente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2002, publicado em DR Série I-A, de 2/01/2002, assim sumariado:
“A indicação da qualidade de gerente prescrita no n.º 4 do artigo 260.º do Código das Sociedades Comerciais pode ser deduzida, nos termos do artigo 217.º do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem”.
Temos assim que, quando a assinatura está acompanhada da forma social, por via do carimbo da sociedade, ainda que sem a menção expressa da palavra gerente ou gerência, mostram-se ainda assim cumpridos os requisitos previstos no n.º 4, do art. 260.º do Código das Sociedades Comerciais.
Por outro lado, também o aval prestado pelo falecido pai da apelante (assinado pela irmã daquela, …, em representação do progenitor, por procuração) nas três livranças em causa não é nulo, como sustenta a recorrente.
Com efeito, nos termos do art. 30º da LULL, o aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores.
O aval representa um acto cambiário que desencadeia uma obrigação independente e autónoma de honrar o título, o que materializa o princípio da independência do aval, constante do art. 32º da LULL.
As eventuais nulidades intrínsecas da obrigação avalizada não se comunicam à do avalista.
Para o aval basta a aposição da simples assinatura do dador na face anterior da livrança.
A obrigação cambiária surge no preciso momento da emissão e entrega do título ao credor do respectivo subscritor, entrando de imediato em circulação.
Face ao disposto no art. 32º da LULL, a nulidade intrínseca da obrigação avalizada não se comunica à do avalista, sendo que a este assistirá, se pagar o título, o direito de regresso contra os signatários anteriores ao avalizado.
A obrigação do avalista mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
Os avalistas são autonomamente responsáveis, sendo irrelevante que a avalizada seja, em concreto, responsável ou não. Os avalistas não garantem o pagamento da obrigação do seu avalizado mas, garantem o pagamento da livrança, sendo solidariamente responsáveis com estes e com o aceitante pelo seu não pagamento.
A obrigação do avalista da livrança é de natureza formal e abstracta, independente de qualquer causa debendi, válida por si e pelas estipulações nela expressas, ficando o signatário vinculado pelo simples facto de aposição da sua assinatura no título (cfr. Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º, fascículo II, As letras, pág. 45).
Por outras palavras, dir-se-á que a função específica do aval é garantir a obrigação de certo subscritor; constitui uma garantia prestada por alguém (por terceiro ou por outro signatário do título) à obrigação cartular do avalisado e que pode ser chamado a responder, a pagar sem beneficiar da excussão prévia do património do titular da obrigação caucionada.
Não obstante, o avalista está numa posição de todo autónoma da do avalisado, a sua obrigação não é subsidiária da deste, antes responde autonomamente porque titular duma obrigação cambiária própria e autónoma da de qualquer outro signatário do título.
O dador do aval responde da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, mas não se confunde com a fiança (não obedece à regra accessorium sequitur principale), antes responde solidariamente com os outros subscritores perante o portador, que pode demandar autonomamente qualquer dos responsáveis, incluindo o avalista, sem que tenha de, conjuntamente, demandar o avalizado.
Como escreveu o Prof. Ferrer Correia (Lições de Direito Comercial, pág. 207) “além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente acessória relativamente ao avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma”. O avalista, pelo aval, contrai uma obrigação pessoal (responde com todos os seus bens pelo pagamento se ao mesmo for chamado), independente e autónoma das dos demais subscritores. E, como consta do artigo 32º § II, a obrigação do avalista mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele afiançou ser nula por qualquer razão que não seja vício de forma.
A este propósito pode ver-se o Ac. da R.L. de 5/6/2008, disponível in www.dgsi.pt, onde foi afirmado o seguinte:
- “Se o título dado à execução é uma livrança, não podem ser opostas ao exequente excepções fundadas nas relações extra – cartulares vigentes entre outras pessoas que não o próprio exequente, enquanto tomador da livrança, e a pessoa a quem ele pede o pagamento da livrança, ou seja, os avalistas”.
No mesmo sentido o Ac. da R.L. de 3/3/2005, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se referiu que o dador do aval não se pode valer das eventuais excepções oponíveis pela pessoa por ele afiançada, salvo se a obrigação por ele garantida for nula por vício de forma ou se tiver extinguido pelo pagamento (artigo 32º da L.U.L.L.).
Veja-se ainda o Ac. da R.L. de 5/5/2009, disponível in www.dgsi.pt, no qual foi sustentado o seguinte:
Dispõe o artigo 17º da LULL que “as pessoas accionadas em virtude de uma letra (livrança) não podem opor ao portador as excepções fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador (subscritor) ou com os portadores anteriores, a menos que o portador, ao adquirir a letra (livrança), tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor”. Ou seja, e excluindo a parte final do preceito (que para o caso não releva), ao portador que se apresente a cobrar a livrança não podem ser opostas excepções fundadas nas relações extra – cartulares vigentes entre outras pessoas que não o próprio portador e a pessoa a quem ele pede o pagamento da livrança. O que significa que o demandado só pode opor ao portador excepções fundadas em relações extra – cartulares que tenha com o próprio portador.
Por isso, na qualidade de avalista o opoente não pode opor ao primeiro portador da livrança os meios de defesa que competiria à subscritora avalizada, a não ser o próprio pagamento da dívida.
Assim sendo, resulta claro que é jurisprudência assente e pacífica dos nossos tribunais superiores que apenas o pagamento e a demonstração da inexistência da própria obrigação avalizada, poderão eximir o avalista do cumprimento da obrigação avalizada, sendo a exequente totalmente alheia aos motivos que levaram o avalista (falecido pai da apelante) a assinar a livrança em causa.
Ora, conforme já se afirmou supra, a obrigação garantida não padece de «vício de forma», pelo que o aval manter-se-ia, mesmo que aquela fosse substancialmente inválida.
Sucede que, como se decidiu, quem se vinculou nas livranças, como subscritora, foi a mencionada sociedade (e não o sócio que as assinou e agiu em seu nome), por quem o falecido pai da apelante quis prestar aval, mantendo-se nestas a garantia patrimonial de eventual direito de regresso da apelante se pagar as livranças. De modo que a obrigação caucionada pelo falecido pai da recorrente não sofre, de todo, de vício que a invalide e, por via disso, não é nulo o aval prestado nas três livranças em causa.

Analisando, de seguida, a segunda questão levantada pela recorrente – saber se o aval atribuído a (…) também é nulo por não se conter nos poderes da procuração que este passou à sua filha (…) e, por isso, não ser a apelante, aqui embargante, sucessora do pai (o referido …), no aval aposto em cada uma das 3 livranças juntas à execução – importa referir a tal propósito que o teor da referida procuração está devidamente transcrito no ponto 3. dos factos dados como provados na decisão recorrida.
Ora, consta expressamente da dita procuração, outorgada em 28/5/1999, por (…) a favor de (…), que, além de conceder a esta poderes de gerência na sociedade (…), Lda. (subscritora das livranças), ainda lhe concedeu poderes para “(…) contrair empréstimos de todos os tipos, modalidades e valores em nome do mandante, podendo, para tanto e também independentemente de empréstimos, onerar quaisquer bens do mandante, assinando os competentes títulos, particulares, notariais ou judiciais”.
Por isso, não podemos deixar de sufragar integralmente o que o Mm.º Juiz “a quo” afirmou a tal respeito na sentença recorrida que, desde já, passamos a transcrever:
- (…) Atento o referido teor da procuração, a outra conclusão não poderíamos chegar senão a de que a mesma permitia a Maria Filomena prestar avais em nome do mandante, uma vez que, por via do mesmo, esta limitou-se a responsabilizar Manuel de Freitas Lopes e o seu património pelo pagamento da dívida avalizada, atuando assim dentro dos poderes que lhe foram conferidos.
Quanto ao facto de o exequente não ter alegado que a herança foi aceite de forma pura e simples pelos herdeiros, o que poria em crise a legitimidade passiva da embargante, de igual modo se considera que não lhe assiste qualquer razão nesta sede.
Desde logo refira-se que, pese embora a embargante não tenha avalizado a livrança, o certo é que, tendo o avalista (…) falecido, podem naturalmente ser demandados em sua substituição os seus herdeiros.
Neste sentido, entre outros, o Acórdão da Relação do Porto de 29/03/2011, em www.dgsi.pt, o qual refere que:
“I - O pacto de preenchimento de uma livrança entregue em branco não caduca com o óbito do avalista. II - Nem retira exequibilidade à livrança o facto de a data de emissão aposta nessa livrança ser posterior à do óbito do seu avalista. III - Preenchida a livrança nos termos do pacto de preenchimento têm legitimidade para serem demandado como executados os sucessores do falecido avalista. IV - Devendo o exequente no respectivo requerimento executivo deduzir os factos constitutivos dessa sucessão — caso da denominada habilitação-legitimidade”.
Para tanto não se mostra necessário que o exequente tivesse alegado que a herança havia sido aceite de forma pura e simples ou a benefício de inventário.
Na verdade, ao exequente exigia-se que indicasse os herdeiros do falecido Manuel de Freitas Lopes, o que foi feito, tendo inclusive junto aos autos cópia da escritura de habilitação dos mesmos.
Por outro lado, a ora embargante não veio contestar tal qualidade de herdeira, tendo, ao invés, confirmado a mesma.
Assim sendo, forçoso é concluir que os avais prestados pelo falecido pai da recorrente à sociedade subscritora nas três livranças em causa (através da procuração passada a favor da filha …) não padecem de qualquer nulidade sendo, por isso, perfeitamente válidos e eficazes.
Por último, apreciando agora a quarta questão suscitada pela recorrente (já que a terceira e quinta questões, como supra se referiu, não podem ser apreciadas nesta Relação por serem “questões novas”) – saber se a livrança dos 1.421.872,10 € (como, aliás, as outras duas livranças), foi remetida pela Soc. (…), Lda. à exequente sem os dizeres dactilografados “p.p. presidente” (que, agora, constam no requerimento executivo) sendo que a procuração emitida a (…)não lhe confere poderes para este subscrever livranças em nome da sociedade subscritora – apenas se dirá a tal respeito que se torna inútil apurar se os dizeres “p.p. presidente” apostos na livrança em causa foram feitos pelo exequente ou pelos executados.
Na verdade, a referida livrança, de acordo com os estatutos da sociedade subscritora, tinha de ser assinada pelo sócio (…) ou por outros dois sócios que tivessem funções de gerência, sendo certo que a mesma veio a ser assinada pelo sócio José Cardoso, o qual, não obstante ter procuração passada a seu favor pelo referido, não consta do seu teor que pudesse subscrever livranças em nome da dita sociedade (…, Lda.
Todavia, como já vimos anteriormente neste aresto (na apreciação da primeira questão levantada pela apelante), tal falta de poderes não constitui, de todo em todo, um vício de forma da referida livrança que possa pôr em causa o aval prestado pelo falecido … (através da procuração passada a favor de …).
Isto porque, nos termos do citado art. 32º da LULL, o vício de forma diz respeito unicamente às condições de forma externa do acto, isto é, à sua aparência, assegurando a sua fácil apreensibilidade pelos seus portadores e pelo público, sendo por isso, facilmente perceptível através de uma simples inspecção do título.
Ora, “in casu”, a livrança está assinada pela sociedade subscritora no local destinado para esse efeito, aí tendo sido aposto o carimbo da sua firma social, pelo que inexiste qualquer vício de forma no título em questão e, por via disso, será totalmente inócuo saber quem apôs os dizeres “p.p. presidente” na livrança em causa, uma vez que tal não acarreta a invalidade das obrigações assumidas pelo avalista … (de quem a apelante é herdeira).
Assim, e nesta parte, damos aqui por reproduzido tudo o que por nós foi afirmado neste aresto a propósito da apreciação da primeira questão suscitada pela recorrente.
Neste sentido, veja-se ainda o Ac. da R.C. de 15/1/2013, disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:

- (…) A natureza jurídica do aval é a de ser uma garantia.
Economicamente, não há dúvida quanto a ser a obrigação do avalista uma obrigação de garantia.
O fim próprio, a função específica do aval é garantir ou caucionar a obrigação de certo subscritor cambiário.
O executado/recorrido subscreveu a livrança na qualidade de avalista, pelo que será de toda a importância ter em consideração o que adianta a Lei Uniforme Relativa às Letras e Livranças no seu artigo 32.º
Nos termos de tal norma, o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e a sua obrigação mantém-se mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
O mesmo regime é aplicável às livranças, por força do preceituado no art.º 77º.
Quando é que a obrigação do avalizado é “nula por vício de forma”?
Diz Pinto Coelho, - Lições de Direito Comercial, As letras”, vol. II, fascículo V, págs. 38 a 41 - que esta fórmula - refere-se ao segmento final do parágrafo 2º do artigo 32º - é manifestamente empregada no seu sentido jurídico comum, importando a referência às condições de forma externa do acto de que emerge a obrigação cambiária garantida, isto é, aos requisitos da validade extrínseca da obrigação. “Temos de olhar aos requisitos de forma de que depende a obrigação que o aval deve garantir, às formalidades que a lei tenha estabelecido para o respectivo acto cambiário”.
Acrescenta ainda: “A nulidade por vício de forma supõe naturalmente uma vontade real e definitiva que se manifestou, mas em termos ou por forma que o legislador lhe não atribui eficácia vinculativa”.
A este propósito, escreve Ferrer Correia, - Lições de Direito Comercial, vol. III – Letra de Câmbio”, 1975, pág. 217: “Consideremos agora especialmente o caso do aceite ou de endosso em branco em que a assinatura não tenha a localização prescrita na lei: - a aposição da simples assinatura do sacado no verso da letra - ou da livrança - a do endossante na face anterior do título, determinam a nulidade por vício de forma, respectivamente, do aceite ou do endosso. Consequentemente, será nulo, nos termos do art. 32º, II, o aval prestado a qualquer destes signatários.
Do mesmo modo, será nula a obrigação do avalista que se propuser garantir a responsabilidade de outro avalista, que se limitou a pôr a sua assinatura no verso da letra ou no allongue. Na verdade, só se considera aval a aposição da simples assinatura do dador na face anterior da letra. Logo, no caso figurado, o primeiro aval será nulo por vício de forma, e nulo, por consequência, o segundo”.
Perante uma situação de necessidade da assinatura de dois sócios para obrigar uma sociedade e só um deles ter assinado o título - pode ler-se no acórdão do STJ de 22-02-1979 - BMJ 284º-250: “O vício de forma a que se reporta o citado artigo 32º da Lei Uniforme é o que, respeitando aos requisitos externos da obrigação cambiária do aceite, se torna perceptível pela simples inspecção do título.
Outra indagação, de resto, não permitiria a natureza formal dos títulos em causa, sob pena de se comprometer a sua função económica, obstando à rápida circulação dos mesmos.
Não tinha, assim, o portador dos títulos que indagar se a validade do aceite dependia da assinatura de um ou mais sócios da sociedade sacada, questão de fundo e não de forma”.
Vício de forma é, pois, apenas aquele que prejudica a aparência formal do título, designadamente quando as assinaturas dos obrigados ou co-obrigados cambiários não se encontrem apostos nos lugares prescritos na lei, tendo sempre presente que a obrigação cartular se caracteriza pela rigorosa formalidade; tem, pois, o título que exibir/apresentar uma certa configuração externa, ou seja, determinados requisitos formais indicados na lei para que o seu particular regime jurídico lhe seja aplicável.
A questão da nulidade da cláusula e subsequente extinção da divida, trata-se apenas de um vício que se prende com o fundo, com a forma intrínseca da obrigação cambiária da própria subscritora da livrança.
Logo, tal vício – não formal – apenas pôs em causa a responsabilidade da subscritora das livranças, pelo que, não se estando perante um vício de forma, não pode tal vício acarretar a invalidade das obrigações assumidas pelo avalista, ou seja, pelo aqui recorrido.
Para demonstrar a “pujança jurídica” do aval escreve o Acórdão do STJ de 31.3.2009, retirado do site www.dgsi.pt, que:
- “Não são transponíveis para o aval as razões que determinaram o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2001, relativo à fiança genérica de obrigações futuras. Não podem ser invocadas como causa suficiente de ineficácia do aval prestado, nem a perda da qualidade de sócio da sociedade avalizada, nem a renúncia à gerência, por parte do avalista.”
Bastará, pois, para que a livrança seja válida que tenha sido preenchida em conformidade com o pacto de preenchimento celebrado entre as partes nestes autos.
Nestes termos, dado que o recurso em análise não versa quaisquer outras questões, entendemos que a decisão recorrida é de manter, não merecendo, por isso, qualquer censura ou reparo. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões do recurso formuladas pela embargante, aqui apelante, não tendo sido violados os preceitos legais por ela indicados.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Os recursos visam o reestudo por um Tribunal Superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas.
- A exigência estatutária da intervenção de um determinado sócio ou de dois sócios com poderes de gerência para obrigar a sociedade não é oponível a terceiro legítimo portador de livrança em que, por essa sociedade e como subscritora da mesma, apenas assina um dos seus sócios.
- Tal facto não constitui vício de forma (cfr. art.32º §2º da LULL) despoletador da nulidade do aval dado, por terceiro, à sociedade subscritora.

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação, confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela embargante, aqui apelante.
Évora, 12 de Março de 2015
Rui Manuel Machado e Moura
Maria da Conceição Ferreira
Mário António Mendes Serrano
__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).