Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1891/15.6T8FAR.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
PRAZO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DESPEDIMENTO COLECTIVO
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – A ampliação do âmbito do recurso permite ao recorrido introduzir no recurso matérias não trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente.
II – Caso o recorrido pretenda ampliar o âmbito do recurso, impugnando a matéria de facto e suscitando a reapreciação da prova gravada, tem o ónus de especificar os meios de prova cuja reapreciação possa determinar a modificação da decisão da matéria de facto.
III – Justificando esse labor acrescido a extensão em 10 dias do prazo de alegação, o recorrido que pretenda ampliar o âmbito do recurso e suscitar a reapreciação da matéria de facto, tem igualmente direito à ampliação do prazo da sua resposta, independentemente do modo como o recorrente fundamentou o seu recurso.
IV – A enunciação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir deverá ser suficientemente clara de modo a permitir: (i) aos trabalhadores afectados, (a) a percepção das razões que importaram fossem englobados no procedimento, (b) aquilatar da adequação desses critérios à cessação, em concreto, dos seus vínculos laborais, (c) aferir da veracidade dessas razões e seu nexo com o critério eleito; (ii) ao Tribunal, a sindicabilidade da sua concreta aplicação.
V – A falta de explicitação, na comunicação de despedimento, do motivo que esteve na base da selecção do trabalhador efectivamente despedido no âmbito do despedimento colectivo, ou, pelo menos, a ausência de uma clara interrelação entre a situação funcional desse trabalhador e os motivos económico-financeiros que justificaram a redução de pessoal, implica uma violação do disposto no n.º 1 do art. 360.º do Código do Trabalho e consequente ilicitude do despedimento desse trabalhador.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Portimão, BB instaurou acção especial de impugnação de despedimento colectivo contra CC, Lda., pedindo a final o seguinte:
a) declaração de nulidade e ilicitude do seu despedimento, por inexistência dos fundamentos invocados para o mesmo;
b) reintegração no seu posto de trabalho, com a mesma categoria e antiguidade, e bem assim permissão para exercer a actividade de representante sindical para cuja função foi eleito, ou condenação a pagar indemnização de antiguidade se vier a exercer essa opção até à data da prolação da sentença;
c) pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença a proferir, reclamando desde já o pagamento da quantia de € 951,60, correspondente ao valor da retribuição mensal já vencida;
d) pagamento da quantia de € 1.129,46, a título de créditos emergentes da celebração e vigência da relação de trabalho;
e) pagamento de quantia não inferior a € 12.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
f) pagamento de sanção pecuniária compulsória, no valor de € 250,00 diários, caso se recuse a integrar o A. ao seu serviço;
g) subsidiariamente, em caso de improcedência dos restantes pedidos, pagamento do valor da compensação e dos demais créditos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho e pela Ré já reconhecidos;
h) pagamento dos juros legais sobre as quantias peticionadas, desde a data da citação e até integral pagamento.
Após contestação, foi nomeado assessor técnico e, apresentado o respectivo relatório, proferiu-se despacho saneador, concluindo pelo cumprimento das formalidades legais do despedimento colectivo e que os respectivos fundamentos, em termos gerais, não se mostravam improcedentes.
Atendendo que questão diversa era apurar se o trabalhador desempenhava efectivamente as funções identificadas na decisão de despedimento e se a sua motivação encobria a intenção de despedi-lo individualmente, foi designada data para julgamento.
Após, proferiu-se sentença julgando improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento colectivo que abrangeu o A. bem como todos os pedidos directamente dependentes daquele. Mais se fixou o valor da compensação devida em € 6.268,81, e a Ré foi condenada a pagar, juntamente com aquela quantia, ainda € 809,90 relativos a férias vencidas em 2014 e não gozadas e respectivo subsídio.

Inconformado, o A. recorreu e conclui:
1.ª O ora Recorrente foi objecto de despedimento colectivo promovido pela Ré, CC, Lda, com efeitos reportados a 24 de Janeiro de 2015, como confirma a douta Decisão sob recurso.
2.ª A decisão rescisória do seu contrato de trabalho enferma dos vícios de ilicitude e nulidade.
3.ª Com efeito, o despedimento que visou o aqui recorrente foi fundado na extinção do departamento de manutenção da R., onde supostamente o A. estava alocado.
4.ª Contudo, em sede de audiência de discussão e julgamento, o Tribunal recorrido apurou devidamente que “a ré enquadrou o autor no departamento de manutenção, que decidiu extinguir, e que foi com esse argumento que justificou o respectivo despedimento, sendo certo que da prova produzida nos autos resulta que o autor não era operário de manutenção, mas sim condutor de máquinas pesadas (em rigor: praticante condutor de veículos industriais – categoria profissional que nunca foi alterada) e, por isso, deve considerar-se integrado (de acordo com a orgânica definida pela ré) no departamento de produção”.
5.ª E por isso deu como provado que “De acordo com a orgânica da empresa, o autor estava integrado no respectivo Departamento de Produção” (facto provado n.º 22).
6.ª Resulta, assim, que a R. invocou circunstâncias falsas para abranger o A. no processo de despedimento colectivo, pelo que a sua conduta não poderá deixar de ser qualificada como abusiva e simulada, como, aliás, certificam de modo claro os factos provados n.ºs 18, 19, 20, 21 e 22 constantes da douta Sentença recorrida.
7.ª Ao não ter concluído pela nulidade e ilicitude do despedimento colectivo do A., a douta Decisão recorrida enferma do vício de erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da lei.
8.ª Ademais, compete ao empregador definir os critérios que servirão de base à selecção dos trabalhadores a incluir no despedimento colectivo.
9.ª Ora, o A. não foi confrontado, no processo de despedimento colectivo que o atingiu, com os critérios definidos pela R. para a selecção dos trabalhadores a despedir no departamento de produção, já que o A. foi integrado falsamente, e de forma simulada, pela R., no departamento de manutenção.
10.ª A R. mencionou expressamente no quadro de pessoal discriminado por sectores organizacionais da empresa que a função categoria interna do A. É Operário de Manutenção e que o Departamento a que está alocado é o Departamento da Manutenção, tendo sido esta a “realidade” com a qual a R. confrontou o A. no processo aqui posto em crise.
11.ª A exigência legal da indicação prévia dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir tem como objectivo evitar práticas arbitrárias e discriminatórias na escolha dos trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo e a permitir a sindicabilidade, quer pelo trabalhador, quer pelo tribunal, da decisão concreta da aplicação desses critérios.
12.ª Essa decisão concreta e devidamente fundamentada terá de ser incluída na comunicação a que se reporta o artigo 363.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
13.ª Só com o referido conteúdo é que a comunicação a que se refere o n.º 1 do artigo 363.º do Código do Trabalho pode permitir ao trabalhador concretamente abrangido pelo despedimento colectivo a contestação da decisão específica da sua escolha, sob pena de se verificar a ilicitude do despedimento.
14.ª No tocante ao A., a R. refere expressamente que: ” A Área de Manutenção, pelos motivos já expostos na fundamentação de recurso ao presente procedimento de despedimento colectivo (Anexo I), foi decidido eliminar-se na íntegra, pelo que consequentemente serão extintos os 2 postos de trabalho actualmente afectos a esta área não existindo consequentemente lugar aplicação de critérios de escolha de trabalhadores, porquanto estamos perante uma situação de extinção total destes postos de trabalho, funções e respectivo departamento. A existirem eventuais necessidades da empresa a este nível, e no caso de não poderem ser asseguradas pelos seus trabalhadores, optar-se-á pontualmente pela terciarização dos serviços”.
15.ª Na verdade, assim como se pode sustentar a ilicitude do despedimento colectivo em toda a sua dimensão, quando se demonstrar a improcedência dos motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos invocados para o recurso àquela forma de despedimento, necessariamente se tem também de admitir que se considere ilícito um despedimento individual englobado num despedimento colectivo, quando se demonstre a improcedência dos motivos invocados em confronto com os critérios de selecção definidos pela entidade patronal ou, por maioria de razão, quando esses motivos nem sequer tenham sido enunciados na comunicação prevista no n.º 1 do artigo 363.º do Código do Trabalho, o que se verifica no caso em apreço.
16.ª Compete à R. e não ao A. alegar e provar a aplicabilidade dos critérios definidos para a selecção dos trabalhadores a despedir.
17.ª Emerge dos autos que a R. não fez prova, nem tal resultou provado da audiência de discussão e julgamento, que o A. é um dos trabalhadores que menor formação e polivalência apresenta nas diferentes funções na área e que apresenta competências e experiência no menor número de tarefas relacionadas com a produção.
18.ª Ao concluir que não se verifica qualquer ilicitude no despedimento do A., a douta Sentença recorrida violou o direito ao trabalho e a segurança no emprego, garantidos nos artigos 53.º e 58.º da Constituição da República Portuguesa e fez errada interpretação e aplicação dos artigos 359.º, n.ºs 1 e 2 do Código do Trabalho.
19.ª A decisão recorrida violou ainda as alíneas b) e c) do artigo 381.º do Código do Trabalho e ainda os artigos 360.º, n.º 2 e 363.º, n.º 1 do mesmo Código.
Nestes termos e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso de Apelação e, consequentemente, o Venerando Tribunal da Relação de Évora revogar a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” e julgar procedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento colectivo que atingiu o recorrente, condenando a R. nos pedidos formulados nas alíneas a), b), c), e), f), h) e i) da sua petição, fazendo-se assim Justiça.

A Ré contra-alegou e ampliou o âmbito do recurso, impugnando a sentença na parte em que declarou provados os factos constantes dos respectivos pontos 18, 20 e 22, que no seu entender deveriam ser dados como não provados. E quanto à matéria que a primeira instância declarou como não provada, defendeu que deveria antes ser dado como provado que “desde o início de 2013, o Recorrente vinha exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Operário de Manutenção no departamento de manutenção.”
Já nesta Relação, o anterior relator proferiu despacho de não admissão das contra-alegações, por extemporaneidade, pois foram apresentadas no 25.º dia após a notificação das alegações do Recorrente.

Deste despacho reclama a Ré para a conferência, concluindo o seguinte:
A) O presente pedido é efectuado ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 652.º do CPC, ex vi n.º 1 do artigo 1.º do CPT, por ser este o meio de reacção a despacho do relator, que não seja de mero expediente, por força do qual a parte se considere prejudicada;
B) Na sequência da douta decisão emitida em sede de primeira instância, a qual julgou improcedente o pedido dc declaração de ilicitude do despedimento colectivo que abrangeu o ora Recorrente e tendo a ora Recorrida sido notificada da interposição do recurso, apresentou as suas Contra-Alegações de Recurso, nos termos e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 81.º, conjugado com o n.º 1 e n.º 3 do artigo 80.º, todos do CPT;
C) Sem prejuízo da douta decisão recorrida, pretendeu a Recorrente, a título subsidiário e apenas no caso de o recurso do Recorrente merecer provimento, ver os fundamentos em que decaiu apreciados pelo Tribunal da Relação, razão pela qual, junto com as contra-alegações de recurso apresentou Pedido de Ampliação do Âmbito do Recurso, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 636.º do CPC;
D) Para este efeito, requereu expressamente a Recorrida ao tribunal a quo a gravação da audiência de julgamento, para efeitos de reapreciação da prova gravada, o que foi deferido, sendo que, ao apresentar as suas Contra-Alegações de Recurso, a Recorrida dividiu a sua peça em dois títulos distintos, sendo o segundo subsidiário do primeiro, a saber: (i) Das contra-alegações propriamente ditas; e (ii) Da ampliação do âmbito do recurso a pedido da Recorrida;
E) Se é certo que no que concerne ao Título I da peça apresentada, se limitou a Recorrida a apresentar as suas contra-alegações propriamente ditas, no título II optou por solicitar nas suas alegações de Recorrida, a título subsidiário, a aplicação do objecto do recurso (interposto pelo Recorrente);
F) Neste contexto, foi reapreciada pela Recorrida a prova gravada, tendo os depoimentos das testemunhas sido ouvidos e reouvidos, e escrutinados de forma exaustiva, a fim de demonstrar a inconsistência da matéria de facto dada como provada e não provada em primeira instância face à prova produzida;
G) Porém, por despacho do Exm.º Sr. Juiz Desembargador, concluiu-se pela extemporaneidade da apresentação das contra-alegações da Recorrida, por se entender não poder a Recorrida beneficiar do prazo adicional dc 10 dias previsto no n.º 2 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, em virtude de (i) o prazo para contra-alegar ser sempre igual ao da interposição do recurso, e (ii) o prazo suplementar de 10 dias apenas ocorre em caso de recurso subordinado em que haja reapreciação de prova gravada, mas já não em caso de ampliação do objecto do recurso;
H) Conclui assim o referido despacho pela não admissão do recurso da Recorrida como recurso subordinado, bem como pela não admissão das contra-alegações da Recorrida à apelação interposta pelo Recorrente, determinando assim o desentranhamento das mesmas;
I) Salvo o devido respeito, não pode a Recorrida, de modo algum, aderir ao entendimento segundo o qual o acréscimo de 10 dias a que alude o n.º 3 do artigo 80.º, por via do n.º 2 do artigo 81.º do CPT, não é aplicável a uma situação de pedido de ampliação do objecto de recurso, mas apenas o prazo geral de 20 dias previsto no n.º 1 do artigo 80.º do mesmo diploma;
J) De facto, para poder lançar mão desta possibilidade que a lei lhe concede (como aliás para rebater as alegações de recurso propriamente ditas), a Recorrida foi confrontada com a necessidade de reapreciar a prova gravada, a fim de demonstrar a inconsistência da matéria de facto dada como provada e não provada em primeira instância face à prova produzida e aos argumentos aduzidos pelo Recorrente no recurso que interpôs;
K) Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 80.º do CPT, o prazo de interposição do recurso de apelação ou de revista é de 20 dias, referindo o número 3 do mesmo artigo que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, a esse prazo acrescem 10 dias;
L) Por outro lado, dispõe o n.º 2 do artigo 81. do CPT que o recorrido dispõe de prazo igual ao da interposição do recurso, de onde se extrai a conclusão de que tal se aplica necessariamente quer ao prazo geral de 20 dias, quer ao acréscimo de 10 dias no caso de existir reapreciação da prova gravada, situação que ademais se verificou, sob pena de se criar uma total e gritante “desigualdade de armas” processual entre as partes do processo);
M) A ratio legis do referido preceito é manifestamente a de que a Recorrida tenha prazo sempre igual ao do Recorrente, seja qual for esse concreto prazo, razão essa ainda reforçada quando a Recorrida não usa sequer esse prazo para rebater as alegações de recurso, mas tem de rebater a reapreciação de prova pedida pelo Recorrente e ainda pedir ela própria uma reapreciação “enxertada” no contexto de uma ampliação do objecto do recurso por si suscitada;
N) Ora, não atribuir à ora Recorrida, in casu, o prazo adicional de 10 dias para apresentar as suas contra-alegações com um pedido de ampliação do âmbito do recurso, por força da reapreciação da prova gravada – a qual constitui, aliás, o factor essencial desse pedido – seria gerador de uma nítida e injustificada desigualdade processual, desprovendo assim a Recorrida de uma faculdade que alegadamente apenas é atribuída ao Recorrente, ao arrepio de um dos mais elementares postulados do princípio da igualdade das partes, a que alude o artigo 4.º do CPC;
O) Por outro lado, ao apresentar as suas contra-alegações de recurso, a Recorrida dividiu a sua peça em dois títulos distintos, a saber: (i) das contra-alegações propriamente ditas, e (ii) da ampliação do âmbito do recurso a pedido da Recorrida nas suas alegações;
P) Assim, e ainda que, sem conceder, acaso se pudesse entender que em caso de ampliação do âmbito do recurso a Recorrida estaria limitada ao prazo geral dos 20 dias, sempre se dirá que, em matéria de apresentação de contra-alegações (ponto i), é inquestionável que a Recorrida sempre teria direito a beneficiar do prazo concedido ao Recorrente, ou seja, 20 dias acrescidos de 10 dias em caso de reapreciação da prova gravada, conforme sucedeu;
Q) O douto despacho de que se reclama e quanto ao qual se pede que recaia um Acórdão (em sentido decisório distinto e oposto) viola, com todo o respeito, que muito e sincero é, por equivocada interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 636.º do Código de Processo Civil e 81.º do Código de Processo do Trabalho;
R) O douto despacho de que se reclama e quanto ao qual se pede que recaia um Acórdão (em sentido decisório distinto e oposto) é, com todo o respeito, que muito e sincero é, nulo por se omitir uma formalidade que a lei prescreve: que a Recorrida possa, em prazo igual ao do Recorrente, apresentar a sua alegação, designadamente para rebater os argumentos deste, para pedir a reapreciação da prova gravada e para pedir a ampliação do âmbito ou objecto do recurso;
S) A interpretação dos artigos 636.º do Código de Processo Civil e dos artigos 80.º e 81.º, n.º 2 do Código de Processo Civil no sentido de que o prazo do Recorrido é – total ou parcialmente – inferior ao do Recorrente no que à apresentação da sua alegação concerne, viola frontalmente a letra e o espírito dos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, por violação do princípio da igualdade perante a lei e por violação dos direitos de acesso ao Direito, a uma tutela jurisdicional efectiva e a um processo equitativo.
T) A questão de inconstitucionalidade expressa e formalmente suscitada na conclusão anterior é-o nos “termos e para os fins do disposto no artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.

A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu visto meramente tabelar.
Por cessação de funções nesta Relação do anterior Relator, o processo foi redistribuído ao actual em 25.05.2017.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.

Da questão prévia – tempestividade das contra-alegações:
De acordo com o art. 652.º n.º 4 do Código de Processo Civil, a reclamação do despacho do relator é decidida no acórdão que julgar o recurso, sendo que a respectiva natureza não obsta à decisão conjunta das questões em discussão nos autos.
Para a dilucidação desta questão importa atentar no seguinte relevo fáctico:
· a audiência de julgamento foi gravada;
· a sentença foi notificada aos Ilustres Mandatários por comunicação electrónica expedida em 22.12.2016;
· o A. introduziu o seu recurso em 16.01.2017;
· por comunicação electrónica expedida em 18.01.2017, o Ilustre Mandatário da Ré foi notificado das alegações de recurso da contra-parte;
· a Ré apresentou as suas contra-alegações em 20.02.2017.
Expostos os factos, vejamos o Direito.
Ponderando que o julgamento foi gravado e que a Ré, prevenindo a hipótese de decaimento nos fundamentos jurídicos da sua defesa, pretende a reapreciação da matéria de facto, estão em apreciação as normas dos arts. 80.º n.º 3 e 81.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, dispondo que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição acrescem 10 dias, e ainda que o recorrido dispõe de prazo igual ao da interposição do recurso, contado desde a notificação oficiosa do requerimento do recorrente, para apresentar a sua alegação. Em sentido semelhante dispõem os n.ºs 5 e 7 do art. 638.º do Código de Processo Civil, prevendo que em prazo idêntico ao da interposição pode o recorrido responder à alegação do recorrente, e que se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
Para esclarecimento da questão, importa atentar na natureza jurídica do instituto da ampliação do âmbito do recurso.
Abrantes Geraldes[1] nota que a solução contida no art. 636.º do Código de Processo Civil, “prevista para situações de sucumbência circunscrita aos fundamentos da acção ou da defesa proporciona à parte vencedora, com total razoabilidade, a possibilidade de suscitar perante o tribunal ad quem a reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável, esconjurando os riscos derivados de uma total adesão do tribunal de recurso aos fundamentos apresentados pelo recorrente. Para o efeito, essa parte tem o ónus de suscitar questões de facto ou de direito que foram resolvidas a seu desfavor na decisão recorrida, tendo o recorrente, por seu lado, a possibilidade de exercer o contraditório, nos termos do art. 638.º n.º 8.”
Mais adiante, o mesmo autor[2] afirma que na configuração legal, não se estará perante um verdadeiro recurso, embora ressalve a opinião diversa de Ribeiro Mendes[3], que qualifica o instituto como “uma espécie de recurso subsidiário do recorrido para a hipótese de proceder o recurso do recorrente.”
De todo o modo, por acção do instituto regulado no art. 636.º do Código de Processo Civil, o recorrido tem o direito de introduzir no recurso matérias que não foram trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, quer a título principal quer a título subsidiário, neste caso para a eventualidade de não ser acolhida a tese que apresente em via principal para que seja confirmada a decisão recorrida.
Sendo esta a utilidade da ampliação do âmbito do recurso, abrangendo inclusive a possibilidade de impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto – art. 636.º n.º 2 do Código de Processo Civil – nada obsta a que o recorrido beneficie para o efeito do acréscimo de 10 dias se estiver em causa a reapreciação da prova gravada, nos termos dos arts. 638.º n.º 7 do Código de Processo Civil e 80.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
Com efeito, quer se partilhe da tese da ampliação do âmbito do recurso não constituir um autêntico recurso, quer se entenda tratar de um recurso subsidiário, está sempre em causa o direito do recorrido a introduzir na instância recursiva questões não apresentadas pelo recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente.
Uma vez que a ampliação do prazo de recurso e de resposta, em caso de reapreciação da prova gravada, se justifica pelo facto do impugnante ter o ónus, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, de indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, podendo proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes[4], incumbindo à parte contrária proceder do mesmo modo, designando os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente – art. 640.º n.º 2, als. a) e b) do Código de Processo Civil – as razões que justificam a ampliação do prazo de recurso são as mesmas que justificam tal ampliação no caso de resposta.
E assim, tendo a parte o dever de indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, podendo proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, justificando esse labor acrescido a concessão de maior prazo, o recorrido que pretenda ampliar o âmbito do recurso e suscitar a reapreciação da matéria de facto, sendo sujeito a tal ónus, tem igualmente direito à ampliação do prazo da sua resposta, independentemente do modo como o recorrente fundamentou o seu recurso.
O que não se pode aceitar é que o recorrido, pelo facto do recorrente não ter impugnado a matéria de facto, veja cerceado ou restringido o seu direito a impugnar essa matéria e suscitar a reapreciação da prova gravada, em especial quando tem o labor acrescido de fundamentação exigido pelo art. 640.º n.º 2 al. a) do Código de Processo Civil.
Como nota Abrantes Geraldes[5], a ampliação do prazo em caso de reapreciação da prova gravada é uma “solução que se justifica pela necessidade do recorrente instruir as alegações de recurso com a especificação dos meios de prova cuja reapreciação possa determinar a modificação da decisão da matéria de facto.”
Ponderando, ainda, que o recorrente tem o direito de responder à matéria da ampliação – art. 638.º n.º 8 do Código de Processo Civil – e admitindo-se que essa resposta beneficie do prazo acrescido quando esteja em causa a reapreciação de prova gravada, envolvendo, como tal, o labor acrescido de contra-fundamentação exigido pelo art. 640.º n.º 2 al. b) do Código de Processo Civil, entende-se ser de conceder provimento à reclamação, tanto mais que a Ré, nas suas contra-alegações, respeitou o ónus a que o art. 640.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil a sujeitava.
Concede-se, pois, provimento à reclamação da Ré, mantendo-se nos autos as respectivas contra-alegações.

Da impugnação da matéria de facto:
Ainda que a Ré tenha impugnado a matéria de facto a título meramente subsidiário – art. 636.º n.º 2 do Código de Processo Civil – por uma razão de ordem sistemática procede-se desde já à apreciação desta matéria, pois os factos impugnados são decisivos na decisão da questão de direito em discussão nos autos.
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[6].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[7].
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[8], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
A Ré coloca em crise a decisão recorrida na parte em que declarou provados os pontos 18, 20 e 22 – essencialmente ali declarou-se provado que o A. não estava afecto ao departamento de manutenção, mas sim ao departamento de produção – e não provado que “desde o início de 2013, o Recorrente vinha exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Operário de Manutenção no departamento de manutenção” (…).
(…)
Julga-se, pois, improcedente a impugnação da matéria de facto deduzida pela Ré.

A matéria de facto provada fica assim estabelecida:
1. O A. BB trabalhou para a Ré, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desde 1 de Outubro de 2005 até 24 de Janeiro de 2015.
2. Ao A. estava atribuída a categoria profissional de «praticante condutor de veículos industriais pesados» e ultimamente auferia uma retribuição base mensal no valor de € 722,80, a que acrescia a quantia de € 39,70 a título de diuturnidades (2), € 67,00 a título de complemento de vencimento e o valor fixo de € 122,10 a título de subsídio de alimentação.
3. O período normal de trabalho acordado entre o A. e a Ré era de 40 horas semanais.
4. O local de trabalho era na pedreira sita em …, Monchique.
5. A Ré é uma sociedade por quotas que se dedica à actividade de extracção e comercialização de mármores, granitos e sienitos.
6. A Ré inicialmente denominava-se “…, Lda.”, e em 9 de Setembro de 2013 alterou a sua denominação social para “CC, Lda.”.
7. O A. é associado do Sindicato dos Trabalhadores da Construção, Madeiras, Mármores e Cortiças do Sul.
8. Desde 7 de Julho de 2012, o A. vinha desenvolvendo actividade sindical na qualidade de dirigente sindical e exercendo as respectivas funções e, ultimamente, exercia também as funções de delegado sindical.
9. Em 28 de Outubro de 2014 o A. (juntamente com outros cinco trabalhadores) foi alvo de um processo de despedimento colectivo determinado pela Ré.
10. O despedimento do A. produziu os seus efeitos em 24 de Janeiro de 2015.
11. Em 28 de Outubro de 2014, a Ré “CC, Lda.” comunicou, por escrito, ao A. a intenção de proceder ao seu despedimento, bem como de outros trabalhadores da empresa, alegando motivos económicos.
12. Nessa comunicação, a Ré invocou que “a decisão inevitável de redução do número de postos de trabalho na empresa encontra o seu fundamento e justificação nos motivos económicos (…)”.
13. Na sequência da comunicação da Ré, o A. e os demais trabalhadores visados pelo despedimento constituíram uma comissão representativa com 5 trabalhadores cuja composição e funcionamento constam da acta de fs. 24v.º e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, correspondente à reunião de negociação no âmbito do despedimento colectivo.
14. A referida comissão representativa emitiu parecer desfavorável à intenção da Ré, nos termos que constam do documento de fs. 23v.º e 24, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
15. Não obstante, a Ré manteve a sua intenção de consumar o despedimento do A. e dos demais trabalhadores.
16. A partir de 24 de Janeiro de 2015 a Ré deixou de garantir a prestação de trabalho ao A., não mais lhe pagando qualquer retribuição.
17. O A. dirigiu à Ré a carta que se mostra reproduzida a fs. 27v.º e 28, datada de 19 de Fevereiro de 2015, com o seguinte teor:
“Assunto: Despedimento ilícito de que fui alvo – Impugnação judicial – Solicitação do NIB da conta da empresa de V. Exas. – Pedido de rectificação do Certificado de Trabalho
Exm.ºs Senhores,
Na sequência da vossa decisão de despedimento, proferida ao abrigo de um processo de despedimento colectivo, de que fui alvo, a qual irei impugnar judicialmente por não existir qualquer justa causa, sendo certo que os motivos invocados na vossa comunicação de despedimento são completamente falsos, venho informar V. Exas. que irei impugnar judicialmente o referido despedimento, razão pela qual a compensação paga pela empresa CC, Lda., no valor de € 6.108,18 (seis mil, cento e oito euros e dezoito cêntimos), está à vossa disposição, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 366.º, n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho.
Face ao que antecede, venho pelo presente meio solicitar a V. Exas. que me facultem o NIB da conta da empresa CC, Lda., a fim de transferir a compensação por despedimento colectivo acima identificada, nos termos e para os efeitos dos normativos legais acima referidos.
Mais solicito que, no prazo máximo de 5 dias úteis, procedam à rectificação do Certificado de Trabalho que a empresa de V. Exas. emitiu, uma vez que as funções que desenvolvi, de modo ininterrupto, ao serviço da empresa de V. Exas. são as de Praticante de Condutor de Veículos Industriais Pesados e não as que errada e falsamente invocaram, no referido Certificado, de Operário de Manutenção.
Aguardo a resposta de V. Exas. com a maior brevidade.
Com os melhores cumprimentos,”
18. O A. não estava afecto ao Departamento de Manutenção da empresa Ré, não pertencendo ao mesmo, muito embora, ocasionalmente, após a aquisição da empresa pelos atuais proprietários, a partir de Janeiro de 2013, auxiliasse o responsável pela manutenção e reparação das máquinas em algumas tarefas.
19. O «Departamento de Manutenção» da Ré era composto por dois funcionários, ambos mecânicos, sendo um deles (…) o responsável.
20. No âmbito da sua actividade profissional, o A. transportava pedra, entulho e fazia a rega da pedreira, funções que realizava com a máquina que lhe estava afecta pela Ré, «Dumper A35».
21. Além disso, executava tarefas de limpeza, rega e conservação da área envolvente dentro da pedreira, e ocasionalmente realizava compras para o economato necessárias à execução das tarefas gerais da oficina.
22. De acordo com a orgânica da empresa, o A. estava integrado no respectivo Departamento de Produção.
23. A retribuição e categoria profissional do A. não foram alteradas após Janeiro de 2013, nunca tendo a Ré alterado a designação da categoria profissional do A. nos seus documentos internos, nomeadamente no processamento salarial.
24. Entre 1 de Outubro de 2008 e 30 de Setembro de 2011, o A. recebeu uma diuturnidade mensal, no valor de € 19,85; e entre 1 de Outubro de 2011 e 24 de Janeiro de 2015, o A. recebeu duas diuturnidades mensais, no valor global de € 39,70.
25. O A. colocou à disposição da Ré o montante da compensação que esta havia transferido para a sua conta bancária, nos termos que constam dos documentos de fs. 33 e 33vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
26. O A. sofreu um acidente de trabalho em 27 de Novembro de 2014, tendo estado de baixa até 24 de Janeiro de 2015.
27. O A. não chegou a gozar metade das férias vencidas em Janeiro de 2014.
28. O A. era um trabalhador dedicado e competente, sendo conhecido e respeitado como pessoa trabalhadora e honesta, merecendo estima e consideração dos seus colegas de trabalho e dos colaboradores da Ré.
29. Em virtude do despedimento, o A. viu subitamente a sua carreira profissional gravemente afectada, afigurando-se difícil o seu regresso à actividade laboral.
30. O país atravessa uma crise económica e financeira de duração incerta.
31. Os factos acima descritos afectaram, e continuam a afectar, as relações do A. com familiares e amigos, que o vêm desalentado e com grande frustração e desânimo.
32. O despedimento aqui em causa tem gerado e provocado no A. um estado de angústia, ansiedade e mal-estar.
33. Os postos de trabalho ocupados pelos trabalhadores incluídos no despedimento colectivo foram efectivamente extintos, operando a Ré, actualmente, com a estrutura mencionada na decisão final de despedimento.
34. A Ré remeteu aos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo os fundamentos da respectiva decisão, nos termos que constam dos documentos de fs. 137 e seguintes, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
35. O A. esteve presente na reunião de informação e negociação ocorrida entre a Ré e a comissão representativa dos trabalhadores, mediada pela DGERT.
36. A acta da reunião de 17.11.2014 tem o teor que consta do documento de fs. 24v.º a 27, que aqui se dá por integralmente reproduzido, aí se referindo que foi questionada a inclusão do A. no despedimento colectivo, tendo o representante da Ré, … dito que “numa reunião, ocorrida em Março, foi discutida a alteração de posicionamento deste trabalhador e que, como as funções anteriormente levadas a cabo por este trabalhador exigiam uma grande continuidade e o mesmo inevitavelmente registava algumas ausências para exercício de funções sindicais, foi decidida a alteração das suas funções passando, desde aí, a exercer funções inerentes ao departamento de manutenção sem demonstrar oposição até à data de hoje” e tendo o trabalhador, BB respondido que “tal não corresponde à verdade”.
37. A Ré calculou a compensação devida ao A. pelo despedimento colectivo, bem como os créditos laborais em dívida, nos termos que constam do documento de fs. 305, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
38. Em 26.09.2014 o A. recebeu 4 horas de formação profissional (subordinada ao tema «Conceitos Básicos de Segurança no Trabalho»).

APLICANDO O DIREITO
Da licitude do despedimento colectivo
O exercício do despedimento colectivo, quanto à respectiva dimensão formal, impõe a observância de um rigoroso procedimento por parte do empregador, sob pena da ilicitude do despedimento e que comporta três fases fundamentais: uma fase inicial de comunicações, uma intermédia de consultas e negociações, e a fase final decisória – estando o respectivo procedimento regulado nos arts. 360.º a 363.º do Código do Trabalho.
Na fase inicial, entre os elementos a comunicar com a intenção de despedimento, devem constar “os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir”, nos termos do art. 360.º n.º 2 al. c), do Código do Trabalho, o que se destina a estabelecer o necessário nexo causal entre os motivos invocados para o despedimento colectivo e o concreto despedimento de cada trabalhador abrangido, permitindo assim compreender as razões pelas quais foi ele o atingido pelo despedimento.
Como vem notando a jurisprudência[9], a enunciação dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir deverá ser suficientemente clara de modo a permitir: (i) aos trabalhadores afectados, (a) a percepção das razões que importaram fossem englobados no procedimento, (b) aquilatar da adequação desses critérios à cessação, em concreto, dos seus vínculos laborais, (c) aferir da veracidade dessas razões e seu nexo com o critério eleito; (ii) ao Tribunal, a sindicabilidade da sua concreta aplicação.
Como se nota no Acórdão da Relação de Lisboa de 12.02.2014, «a indicação dos critérios que servem de base à selecção dos trabalhadores a abranger tem uma importância fundamental, por ter como objectivo evitar práticas arbitrárias e discriminatórias na sua escolha e permitir, por outro lado, a sindicabilidade, quer pelo trabalhador, quer pelo tribunal da aplicação concreta desses critérios. Assim, a exigência legal da indicação prévia dos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir não pode corresponder a uma mera fórmula vaga e esvaziada de qualquer conteúdo útil, pois só sendo devidamente concretizada é que permitirá aferir se o motivo individual invocado para esse trabalhador cabe nos critérios de selecção previamente definidos pelo empregador e que conduziram a que tivesse sido ele e não outros os seleccionados. De outra forma, ficaria obstaculizada a possibilidade do trabalhador abrangido sindicar a sua escolha individual à luz dos critérios de selecção definidos pelo empregador. E o tribunal impedido, na acção de impugnação de despedimento colectivo que viesse a ser instaurada, de controlar as escolhas concretas do empregador e impedido de afastar uma eventual arbitrariedade praticada na selecção desses trabalhadores, só assim se compatibilizando a iniciativa da empresa de reduzir os seus efectivos com o direito à segurança no emprego consagrado no artigo 53.º da Constituição. Deste modo, a consequência da impossibilidade do trabalhador impugnar as razões da sua inclusão num despedimento colectivo só pode ser a da sua ilicitude com a consequente subsistência do vínculo contratual desse concreto trabalhador.»
No caso concreto, o trabalhador recebeu a comunicação de intenção de despedimento através da carta de 28.10.2014, à qual foram juntos quatro anexos, entre eles um contendo um “quadro de pessoal discriminado por sectores organizacionais da empresa”, no qual o A. era descrito, na coluna relativa à categoria profissional, como “praticante condutor de veículos industriais”; na coluna relativa à “função categoria interna” era descrito como “operário de manutenção”; e na coluna relativa ao departamento, era incluído na “manutenção”.
O outro trabalhador incluído no departamento da manutenção era a testemunha …, também abrangido pelo mesmo procedimento.
Por seu turno, o anexo relativo aos critérios de selecção dos trabalhadores a despedir, depois de afirmar que a cessação dos contratos de trabalho dos seis trabalhadores a abranger pelo despedimento colectivo estava directamente relacionada com a necessidade de redução dos níveis de produção e corte dos custos operacionais, declarou que seriam afectados apenas os departamentos com conexão directa com a produção.
Assim, seriam afectadas as áreas de produção e de manutenção.
Quanto à área de produção, afirma-se que “serão incluídos no despedimento os 3 trabalhadores que menor formação e polivalência apresentam nas diferentes funções na área e que apresentam competências e experiência no menor número de tarefas relacionadas com a produção.”
E quanto à área da manutenção, afirma-se que foi decidido proceder à sua eliminação na íntegra, “pelo que serão extintos os 2 postos de trabalho actualmente afectos a esta área, não existindo consequentemente lugar à aplicação de critérios de escolha dos trabalhadores, porquanto estamos perante uma situação de extinção total destes postos de trabalho, funções e respectivo departamento. A existirem eventuais necessidades da empresa a este nível, e no caso de não poderem ser asseguradas pelos seus trabalhadores, optar-se-á pontualmente pela terciarização dos serviços.”
Assim, a inclusão do A. entre os trabalhadores a despedir é justificada pela extinção do departamento de manutenção de que faria parte.
A primeira instância, confrontada com esta questão, afirmou que “não é possível afirmar que ao autor não sejam aplicáveis os critérios definidos pela empregadora, que os mesmos não tenham sido dados a conhecer ao autor, ou que existissem outros trabalhadores menos qualificados ou menos polivalentes do que ele, que devessem ter sido abrangidos pela decisão de despedimento em lugar do autor.”
Porém, o critério fundado na “menor formação e polivalência” foi utilizado para a selecção dos trabalhadores a despedir na área da produção, enquanto na área da manutenção se justificou essa selecção com a extinção dessa área, que justificaria o despedimento dos dois trabalhadores que a integravam – de acordo com a comunicação de despedimento, o A. e a testemunha ….
Ou seja, o critério utilizado para o despedimento do A. não é a sua “menor formação e polivalência”, mas sim a circunstância de integrar um departamento que iria ser extinto.
Dado que não foi realizada qualquer ponderação da “formação e polivalência” do A. por referência aos demais trabalhadores da área da produção, e que o seu despedimento se justifica pela integração num departamento da empresa a extinguir, mas do qual não fazia efectivamente parte – pontos 18, 19, 20, 21 e 22 do elenco fáctico – a conclusão é que a Ré não estabeleceu o necessário nexo causal entre os fundamentos invocados e a escolha do A. como um dos trabalhadores a despedir, o que equivale à ilicitude do seu despedimento colectivo – art. 383.º al. a) do Código de Trabalho.
Com efeito, «a falta de explicitação, na comunicação de despedimento, do motivo que esteve na base da selecção do trabalhador efectivamente despedido no âmbito do despedimento colectivo, ou, pelo menos, a ausência de uma clara interrelação entre a situação funcional desse trabalhador e os motivos económico-financeiros que justificaram a redução de pessoal», implica uma violação do disposto no n.º 1 do art. 360.º do Código do Trabalho e consequente ilicitude do despedimento desse trabalhador[10].
Procede, pois, o recurso do A., na parte em que pugna pela declaração de ilicitude do seu despedimento e consequente reintegração no seu posto de trabalho, e ainda pelo pagamento dos salários de tramitação desde os 30 dias anteriores à propositura da causa, embora com as deduções a que se referem as als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho.
Quanto ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, está demonstrada a grande frustração e desânimo, angústia, ansiedade e mal-estar, com afectação das relações com familiares e amigos, o que constitui fundamento bastante para a atribuição de indemnização, ao abrigo do art. 389.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho. Estando em causa uma conduta ilícita do empregador violadora da estabilidade profissional do trabalhador, com os danos ora mencionados, que pela sua gravidade merecem a tutela do direito, há lugar ao seu ressarcimento com base em critérios de equidade. Como notam Pires de Lima e Antunes Varela[11], «o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do responsável) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.»
Nas circunstâncias supra mencionadas, pondera-se adequada a atribuição de indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 2.500,00.
Finalmente, quanto à sanção pecuniária compulsória para o caso de recusa em integrar o trabalhador, a fixar nos termos do art. 829.º-A do Código Civil, só poderá atribuída a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória[12]. Ponderando os critérios de razoabilidade previstos no n.º 2 da dita norma, deverá situar-se em valor próximo de um décimo da retribuição mensal, diuturnidades e complemento de vencimento do trabalhador, isto é, em € 85 diários.
Os juros serão devidos nos termos do art. 805.º n.ºs 1 e 3 do Código Civil.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo A. e nega-se provimento à ampliação do seu âmbito deduzida pela Ré, declarando-se a ilicitude do despedimento e condenando-se a Ré no seguinte:
a) reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b) pagar ao A. a retribuição base, diuturnidades e complemento de vencimento devidos desde os 30 dias anteriores à propositura da causa e até ao trânsito em julgado da decisão final, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nas als. a) e c) do n.º 2 do art. 390.º do CTrabalho, o que será liquidado no respectivo incidente;
c) pagar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 2.500,00;
d) pagar sanção pecuniária compulsória a partir do trânsito em julgado da decisão final, no valor diário de € 85,00 e por cada dia de recusa na reintegração do A.;
e) pagar juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do Código Civil, desde a liquidação quanto à condenação supra da al. b), e desde a citação quanto à condenação supra da al. c).

Custas pelo A. e pela Ré, na proporção de 1/8 e 7/8, respectivamente.

Évora, 26 de Outubro de 2017
Mário Branco Coelho (relator)
Paulo Amaral
Moisés Pereira da Silva

__________________________________________________
[1] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 2016, pág. 103.
[2] Loc. cit., pág. 105.
[3] Citado a partir de Os Recursos no CPC Revisto, pág. 54, e Recursos em Processo Civil – Reforma de 2007, pág. 85.
[4] Neste sentido, vide o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2017 (Proc. 471/10.7TTCSC.L1.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[5] Loc. cit., págs. 496, já em comentário ao regime de recursos no processo do trabalho.
[6] Cfr. os Acórdãos da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1), sempre na mesma base de dados.
[8] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1), também publicado na dita base de dados.
[9] Maxime, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2011 (Proc. 947/08.6TTLSB-A.L1.S1) e de 19.11.2014 (Proc. 3193/09.8TTLSB.L1.S1). Nas Relações, vide por todos o Acórdão desta Relação de Évora de 14.02.2012 (Proc. 39/10.8TTSTB.E1) e da Relação de Lisboa de 12.02.2014 (Proc. 318/13.2TTLSB.L1-4), todos publicados em www.dgsi.pt.
[10] Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2011, já citado, e de 25.03.2010 (Proc. 469/09.8YFLSB), sempre na mesma base de dados.
[11] In Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, pág. 501.
[12] Cfr. o Acórdão da Relação do Porto de 03.11.2008 (Proc. 0841224), sempre em www.dgsi.pt.