Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4035/15.0T8LLE-A.E2
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: EXCEPÇÃO DILATÓRIA
SUPRIMENTO
Data do Acordão: 12/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. O suprimento de excepções dilatórias, a determinar pelo juiz nos termos dos artigos 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, apenas é possível em relação aos pressupostos processuais susceptíveis de sanação.
2. Não é, pois, um meio de substituição processual de demandados, em especial quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Local Cível de Loulé, (…) demandou (…) – Administração de Condomínios, Lda., afirmando ser esta a administradora do condomínio onde o demandante possui uma fracção autónoma e peticionando, para além do mais, a condenação da Ré a ver julgadas nulas as decisões tomadas na assembleia de condóminos de 15.08.2015.
Na contestação invocou-se, para além do mais, a ilegitimidade passiva da Ré quanto à anulação das deliberações, argumentando que não é condómina e que a acção deveria ter sido proposta contra os condóminos, cabendo a sua representação judiciária ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
Na resposta, o A. sustentou a legitimidade passiva da Ré.
Foi proferido despacho no qual, após considerar-se que a acção deveria ter sido proposta contra todos os condóminos, determinou a notificação do A. para juntar certidão predial actualizada do imóvel.
Junta certidão predial demonstrando que o imóvel está constituído em propriedade horizontal e dividido em 81 fracções autónomas, designou-se data para audiência prévia, na qual as partes discutiram as excepções invocadas na contestação, mantendo as posições já manifestadas nos respectivos articulados.
Após foi proferido despacho saneador, onde, no que concerne ao pedido de nulidade das deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 15.08.2015, se decidiu declarar a Ré parte ilegítima, por a lei apenas lhe atribuir a representação judiciária de terceiros e não a qualidade de parte numa acção de impugnação de deliberações do condomínio.

Deste despacho recorreu o A., colocando a seguinte questão:
· a falta de legitimidade passiva da Ré não pode levar à imediata absolvição da instância sem que, nos termos dos arts. 6.º e 547.º, conjugados com o art. 37.º, todos do Código de Processo Civil, se dê ao A. a oportunidade de a falta ser corrigida ou sanada.

Já nesta Relação, o relator proferiu decisão singular negando provimento ao recurso.
Requer o A. que sobre a matéria recaia Acórdão, nos termos do art. 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. Renova os mesmos argumentos que já havia apresentado no recurso e acrescenta que o princípio da economia processual deve permitir a substituição de um réu por outro e, ainda, que foi violado o seu direito à tutela jurisdicional efectiva, em violação ao art. 20.º, n.º 5, da Constituição.
Não houve resposta.

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
O relevo factual a ponderar é o supra retratado.

Aplicando o Direito.
Sabido que é pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto, está em causa determinar, apenas, se o juiz a quo deveria ter utilizado os poderes que lhe são conferidos pelo art. 6.º, nº 2, do Código de Processo Civil, providenciando oficiosamente pela sanação da ilegitimidade passiva da Ré no que concerne ao pedido de declaração de nulidade das deliberações adoptadas na assembleia de condóminos de 15.08.2015.
Não está em causa determinar, pois, qual o exacto alcance do art. 1433.º, n.º 6, do Código Civil, nem aferir do juízo realizado na decisão recorrida acerca da ilegitimidade passiva da Ré quanto ao citado pedido.
Da decisão recorrida resulta que se considerou que a Ré era parte ilegítima por a lei apenas lhe atribuir a representação judiciária de terceiros e não a qualidade de parte numa acção de impugnação de deliberações do condomínio.
Ponderando que já se decidiu que “numa acção em que um condómino pretende a reparação dos defeitos das paredes comuns dum prédio em propriedade horizontal, bem como ser ressarcido dos prejuízos sofridos na sua fracção e causados pela existência desses defeitos, parte legítima é o Condomínio desse prédio”, e que “o Administrador desse Condomínio, na sua própria pessoa, é parte ilegítima e intervirá na acção apenas enquanto representante legal do Condomínio”[1], torna-se patente que a questão se traduz numa ilegitimidade singular – a Ré não é a pessoa que deveria ter sido demandada – e não numa mera preterição de litisconsórcio necessário – que ocorreria acaso se concluísse que a Ré deveria ter sido demandada conjuntamente com outras pessoas, o que não foi o caso.
Ora, o suprimento de excepções dilatórias, a determinar pelo juiz nos termos dos arts. 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, apenas é possível em relação aos pressupostos processuais susceptíveis de sanação, não sendo um meio de substituição processual de demandados, em especial quando se demandou certa pessoa ou entidade, e se deveria ter demandado outra.
Como nota Abrantes Geraldes[2], é insanável a ilegitimidade singular: «Se A demanda B quando, afinal, o sujeito da relação material controvertida era C, parece natural que não possa remediar-se a falta do pressuposto processual de legitimidade singular, até porque, de qualquer modo, o processo deveria recuar praticamente ao seu início.» Na jurisprudência, igualmente se vem concluindo que o mecanismo de sanação de pressupostos processuais, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular[3].
Assim, concluindo-se que pela ilegitimidade singular da Ré – dado não ser condómina – não poderia o juiz utilizar os poderes de sanação de pressupostos processuais que a lei lhe confere.
Na reclamação para a conferência, o A. argumenta com a violação do princípio da economia processual e tutela jurisdicional efectiva, mas olvida que já teve a oportunidade de se pronunciar acerca desta matéria – na resposta à contestação e na audiência prévia sustentou expressamente a legitimidade passiva da Ré, refutando, pois, de forma expressa a hipótese de intervenção principal provocada de terceiros.
Por outro lado, o art. 316.º, n.º 1, do Código de Processo Civil permite a intervenção principal provocada no caso de preterição de litisconsórcio necessário – já vimos que não é o caso – enquanto o n.º 2 permite essa faculdade ao autor no caso de litisconsórcio voluntário ou caso queira chamar a juízo um terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida.
Para além de não nos encontrarmos perante uma situação de litisconsórcio voluntário, também não ocorre uma situação de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação controvertida – o que ocorre é a demanda de entidade que não deveria ter sido demandada.
De todo o modo, nas situações previstas no n.º 2 do art. 316.º do Código de Processo Civil, a intervenção principal provocada apenas pode ocorrer até ao termo da fase dos articulados – art. 318.º, n.º 1, al. b).
Fase esta que o A. deixou findar, continuando a defender a legitimidade passiva da Ré na resposta à contestação e na audiência prévia, pelo que viu precludido o seu direito a usar da faculdade que lhe era permitida pelas citadas normas.
Finalmente, acerca da violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20.º, n.º 5, da Constituição, o A. não concretiza minimamente em que medida as normas aplicadas na decisão recorrida são afrontadoras daquele normativo constitucional. Estão em causa regras de disciplina processual e de estabilidade subjectiva da instância, sendo o A. o único responsável pelo modo como introduziu o pleito em juízo e pela escolha da entidade que pretendeu demandar.
Se escolheu mal a pessoa demandada e só tentou corrigir esse erro apenas em fase de recurso, a responsabilidade apenas a ele cabe.

Decisão.
Destarte, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.

Évora, 07 de Dezembro de 2017

Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira

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[1] Acórdão da Relação de Coimbra de 27.01.2015, no Proc. 586/11.4TBACB-A.C1, publicado em www.dgsi.pt.
[2] In Temas da Reforma do Processo Civil, vol. II, Almedina, 1997, pág. 67.
[3] Por todos, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.2011, no Proc. 1223/10.0TBTMR.C1, igualmente publicado no endereço da DGSI.