Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
738/03.0TBSTR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: CONCLUSÕES DE RECURSO
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Tendo-se os recorrentes limitado no segmento da alegação de recurso denominado de “conclusões” a reproduzir, apenas, o corpo dessa mesma alegação, é de entender que não há conclusões.
2 - Por isso, forçoso é concluir que, face ao disposto no art. 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C., não é de admitir o recurso de apelação interposto pelos AA., por faltarem as conclusões das alegações de recurso.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 738/03.0TBSTR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e marido, (…), intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra (…), (…) e (…) e mulher, (…), alegando, em síntese, que:
- São arrendatários do 1.º andar direito e esquerdo, n.º 24 – A da Rua do (…), em Santarém.
- Os réus são co-proprietários do prédio urbano onde se integra a fração de que os autores são arrendatários.
- Na sequência da comunicação, efetuada pelos réus, aos inquilinos do prédio de que pretendiam vender o mesmo, os autores declararam querer exercer o direito de preferência na venda do mesmo, tendo celebrado com aqueles, em 03 de Maio de 1990, um contrato promessa de compra e venda, no âmbito do qual a autora entregou aos réus a quantia de Esc. 4.500.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento.
- Os réus intentaram ação especial de preferência destinada a determinar de entre os arrendatários quem tinha o direito de preferência na compra do imóvel.
- Ao intentarem tal ação, os réus revelam intenção de não cumprir o contrato promessa, uma vez que inexistia da parte da autora, bem como dos promitentes vendedores qualquer intenção de comunicar a preferência aos demais, desde logo porque todos os arrendatários, com exceção da autora e seu marido, haviam renunciado à mesma.
Concluem pedindo que:
a) Se declare, com base na execução específica, o direito da autora à propriedade do prédio urbano supra identificado;
b) Se condenem solidariamente os réus no pagamento de uma indemnização por danos morais e patrimoniais de valor a liquidar em execução de sentença.
Os réus contestaram, arguindo a excepção de caso julgado, e impugnaram os factos alegados pelos autores, dizendo, em suma, que:
- Por exigência do então Advogado da autora, no contrato promessa celebrado em 03 de maio de 1990, foi introduzida uma cláusula - a IX - segundo a qual as promitentes vendedoras se obrigavam a notificar à preferência todos os inquilinos comerciais e habitacionais do prédio, logo que se encontrassem em condições de celebrar a escritura de compra e venda e, havendo concorrência entre eles, então notificassem os que exercessem a preferência.
- Cumprindo a cláusula IX do contrato promessa, as promitentes vendedoras, porque havia outros interessados na compra do prédio, em 10 de Janeiro de 2002, instauraram a ação de notificação para preferência contra todos os inquilinos do imóvel.
- Nesta sequência, o prédio em causa acabou por ser adjudicado ao preferente (…).
- Os restantes inquilinos do prédio não renunciaram ao exercício do direito de preferência e prova disso é o facto de no processo de notificação para preferência terem exercido esse direito três inquilinos, incluído o marido da autora.
- A segunda proposta de venda e que foi vertida no contrato promessa de 03 de Maio de 1990 tem cláusulas completamente diferentes da proposta de 1987, quer quanto ao preço, quer quanto à introdução de uma cláusula que contém uma condição suspensiva, quer, ainda, quanto a um encargo sobre o prédio com o usufruto a favor da esposa do anterior proprietário do prédio.
- Nenhuma destas cláusulas fazia parte da proposta de venda apresentada por todos os herdeiros de (…) e aceite pela autora.
- Uma vez que dois deles deixaram de estar interessados na venda do prédio à autora, a venda proposta ficou sem efeito até antes do decurso do prazo para os outros inquilinos se pronunciarem pela preferência.
- Não existiu qualquer renúncia à preferência por parte dos outros inquilinos do prédio.
- As rés não incumpriram o contrato promessa celebrado com a autora.
Concluem pedindo a procedência das excepções invocadas e, caso assim não se entenda, pedem a improcedência da acção com a consequente absolvição dos pedidos e, ainda, a condenação da autora como litigante de má-fé.
A autora replicou pedindo a improcedência das excepções e a improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo como na petição inicial.
Na pendência da ação faleceu (…) e (…), respectivamente, autor e réu, tendo sido habilitados os respectivos herdeiros.
Por intermédio da decisão de fls. 292 a 297 foi julgada procedente a excepção de caso julgado arguida pelos réus, tendo os mesmos sido absolvidos da instância.
Após interposição de recurso, que subiu até ao Supremo Tribunal de Justiça, foi o mesmo julgado procedente e determinado o prosseguimento dos autos com a elaboração do despacho saneador, matéria assente e base instrutória, o qual foi proferido a fls. 449 a 458 dos autos, tendo sido objecto de reclamação, parcialmente atendida.
Posteriormente foi realizada a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu as rés dos pedidos contra si formulados pela autora. Mais julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé e, em consequência, absolveu-a de tal pedido.

Inconformados com tal decisão vieram os autores interpor recurso da mesma, sustentando nas suas alegações, por um lado, a incorrecta valoração da prova feita pelo tribunal “a quo” (pontos 40, 41 e 43 a 46 dos factos provados e pontos 2 e 3 dos factos não provados) e, por outro, que seja declarado, com base na execução específica, o seu direito à propriedade do prédio urbano devidamente identificado nos autos.
Nas contra-alegações vieram os réus afirmar que o recurso da autora deve ser julgado deserto, por falta de apresentação, juntamente com o requerimento de recurso, das respectivas alegações e conclusões.
Neste Tribunal Superior foi dado cumprimento ao disposto no art. 655º, nº 2, do actual C.P.C., sendo que os autores foram notificados para, querendo, se pronunciarem sobre o (eventual) não conhecimento do objecto do recurso.
Foi proferido acórdão por esta Relação, com data de 9/2/2017, no qual não se conheceu do objecto do recurso (por falta de apresentação, juntamente com o requerimento de recurso, das respectivas alegações e conclusões).
Pelos AA. foi interposto recurso de revista para o STJ, sendo que este Tribunal Superior, por acórdão datado 5/9/2017, revogou o aresto desta Relação, determinando a remessa dos autos a esta 2ª instância a fim de se conhecer do recurso de apelação, “salvo se, por outro motivo ainda não apreciado, esse conhecimento deva ser rejeitado” – sublinhado nosso.
Assim sendo, e em cumprimento do acórdão do STJ, voltaram os autos a esta Relação, tendo sido determinado pelo relator o cumprimento do disposto no art.º 655º, nº 1, do C.P.C., uma vez que as alegações de recurso não continham conclusões (pois estas eram uma mera transcrição das alegações), sendo as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre o (eventual) não conhecimento do objecto do recurso.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir.
Como já anteriormente se referiu, as questões suscitadas pelos autores nas alegações de recurso que apresentaram nos autos tinham por base, não só a reapreciação da prova relativamente à matéria fáctica apurada, como também a declaração, com base na execução específica, do seu direito à propriedade do prédio urbano já identificado nos autos.
No entanto – e não obstante as questões supra referidas suscitadas pelos autores – impõe-se apreciar, desde já, como questão prévia, o de saber se os autores, com a apresentação das alegações de recurso, formularam conclusões, tal como é estipulado no art. 639º, nº 1, do C.P.C. (sendo certo que se a resposta for negativa não se poderá conhecer do objecto do presente recurso – cfr. art. 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C.).

Ora, apreciando, de imediato, tal questão prévia adianta-se desde já que, da análise dos presentes autos, constata-se que os AA., nas suas alegações de recurso – após procederem à transcrição dos factos dados como provados e não provados na sentença recorrida – vieram questionar a motivação da decisão de facto e o erro de julgamento quanto à factualidade apurada, aí exprimindo as razões e fundamentos para a sua discordância quanto ao desfecho da causa – cfr. fls. 863 a 871 (estando em branco fls. 865 a 867) – sublinhado nosso.
Posteriormente, e apelidando-as de conclusões (!), vieram os AA. transcrever “ipsis verbis” aquilo que, previamente, já haviam afirmado a tal propósito nas alegações de recurso (cfr. fls. 871 a 876) – sublinhado nosso.

Desde já adiantamos que, a propósito desta questão, seguimos de perto os fundamentos explanados nos acórdãos desta Relação proferidos, respectivamente, em 15/12/2016, no P. 310/14.0TBALR.E1 (sendo relatora a Dra. Conceição Ferreira) e em 15/5/2017, no P. 179/14.4TBALR.E1 (sendo relatora a Dra. Eduarda Branquinho).
Assim, e tal como se prevê no nº 1 do art. 639º do C.P.C., o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que a pede a alteração ou a anulação da decisão – sublinhado nosso.
Por outro lado, quando a alegação do recorrente não tenha conclusões, há lugar a indeferimento do requerimento de interposição do recurso – cfr. art. 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que o segmento da alegação dos recorrentes que no mesmo vem denominado de “conclusões” não observa minimamente o esforço de síntese exigido no citado art. 639º, nº 1, pois limita-se, tão só, a reproduzir o corpo dessa mesma alegação.
Por isso, é nosso entendimento que não há conclusões, ocorrendo sim, e apenas, a mera repetição da alegação dos recorrentes: as coisas não deixam de ser o que são pelo facto de serem apelidadas duma forma que não tem qualquer correspondência com a sua substância.
E, faltando as conclusões, não pode naturalmente ter lugar o convite previsto no mencionado art. 639º, nº 3, do C.P.C., pois este pressupõe que, ainda assim, tenha havido algum esforço de síntese e haja verdadeiras conclusões, e não que as mesmas tenham sido, de todo, omitidas, como ocorreu “in casu”.
Por outras palavras, diremos que não pode pretender-se que a inexistência de um qualquer esforço de síntese, e a denominação como “conclusões” dos próprios fundamentos da alegação dos recorrentes, na prática reproduzidos numa mera operação de copy/paste”, possa ter idêntica virtualidade, e suscitar semelhante convite.
Daí que, com todo o respeito que é devido por opinião diversa, torna-se por demais evidente que tal hipótese se reconduzirá a um caso nítido de falta de conclusões, cominado, nos termos do art. 641º, nº 2, alínea b), do citado C.P.C., com o indeferimento do requerimento de interposição do recurso, o que acarreta, inexoravelmente, o não conhecimento deste.

E não se diga ou argumente que, fazendo-o, está-se a negar o acesso à justiça, constitucionalmente garantido.
Isto porque, as leis de processo existem precisamente para regular esse acesso, que é assim balizado por regras formais, as quais assumem particular acuidade quando está em causa a litigância perante um Tribunal Superior.
Deste modo, forçoso é concluir que o recurso em causa interposto pelos AA. terá de ser indeferido, por inexistência de conclusões (que não foram, de todo, formuladas em obediência ao estipulado no art. 639º, nº 1, do C.P.C.), tal como prevê o art. 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C. e, por via disso, não se poderá conhecer do seu objecto.
Finalmente apenas se dirá que que o despacho proferido pela M.ma Juiz “a quo” – o qual admitiu o recurso em apreço – também não vincula este Tribunal Superior, atento o estipulado no art. 641º, nº 5, do C.P.C.
Em consequência, mostra-se prejudicada a apreciação das questões suscitadas pelos AA. no recurso em análise, delas não podendo tomar conhecimento esta Relação.

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Tendo-se os recorrentes limitado no segmento da alegação de recurso denominado de “conclusões” a reproduzir, apenas, o corpo dessa mesma alegação, é de entender que não há conclusões.
- Por isso, forçoso é concluir que, face ao disposto no art. 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C., não é de admitir o recurso de apelação interposto pelos AA., por faltarem as conclusões das alegações de recurso.

Decisão:

Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação em indeferir o recurso interposto pelos AA., uma vez que, nos termos do artigo 641º, nº 2, alínea b), do C.P.C., inexistem conclusões (as quais não foram, de todo, formuladas em obediência ao estipulado no artigo 639º, nº 1, do C.P.C.) e, em consequência, não se conhece do objecto de tal recurso (cfr. artigo 652°, nº 1, alínea h) do C.P.C.), determinando-se que, oportunamente, sejam os autos remetidos à 1ª instância.
Custas pelos AA.
Évora, 22 de Março de 2018
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás