Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
334/04.5TTTMR-A.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: INSOLVÊNCIA COM CARÁCTER LIMITADO
EFEITOS
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A declaração de insolvência com carácter limitado, nos termos previstos nos artigos 39.º e 191.º do CIRE, na qual não foi requerido o complemento da sentença, não determina a extinção da execução que corre contra o devedor/insolvente.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 334/04.5TTTMR-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB [NIF…, residente na Rua …, Lisboa (o requerimento executivo identifica o exequente como …, mas tal só pode ficar a dever-se a manifesto lapso, pois como se constata de todos os restantes elementos do processo a identificação do exequente é a supra indicada, sendo que foi com essa identificação que prosseguiu)] intentou, em 06-07-2011 e por apenso ao Processo n.º 334/04.5TTTMR, acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra CC (NIF…, com última residência conhecida em… Almeirim), com vista a obter deste o pagamento da quantia total de € 38.130,54, sendo:
a) € 10.573,95 a título de créditos salariais, acrescido de juros de mora vencidos à taxa de 4% desde 25-05-2006 até integral pagamento;
b) € 2.094,96, a título de indemnização por despedimento ilícito;
c) € 23.346,84 a título de salários intercalares.

Os autos prosseguiram os seus termos, tendo, no que ora releva, em 08-01-2013 sido proferida sentença pelo extinto Tribunal Judicial de Santarém (2.º Juízo Cível), transitada em julgado, que declarou a insolvência do executado.
Escreveu-se, além do mais, na referida sentença:
«Atendendo aos factos provados, verifica-se que o requerido, devedor de créditos laborais, não dispõe de bens penhoráveis conhecidos.
Tais factos preenchem as alíneas b) e e), do n.º 1, do citado artº 20.
Sem dúvida, que o requerido se encontra em situação de insolvência, insolvência esta que se declara.
Por outro lado, ainda, considerando que não são conhecidos quaisquer bens ao requerido, conclui-se, com relativa segurança que o respectivo património não é suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente, pelo que apenas se dará cumprimento ao preceituado nas alíneas a) a d) e h), do art. 36º do CIRE, sendo conferido o carácter limitado à insolvência (cfr. artigo 39º, nºs 1 e 9, do CIRE, na redação que lhe foi dada pelo DL nº 282/2007, de 07 de Agosto)».
E a parte decisória da sentença, na parte ora relevante, é do seguinte teor:
«Pelo exposto, declara-se a insolvência de CC, filho de … e de …, NIF…, residente …Almeirim.
(…)
Por os factos indicados na petição levantarem suspeitas quanto à actuação do insolvente, declaro aberto o incidente de qualificação da insolvência, com carácter limitado [artigos 39º, nº 1 e 36º, al. i)]».

Entretanto, em 22-10-2015, ancorando-se no acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 2003 (DR., Série I-A, de 25-02-2014), o tribunal a quo julgou extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide (fls. 94).
Todavia, tendo o exequente requerido a reforma de tal despacho, por decisão do mesmo tribunal de 12-11-2015 foi anulado o despacho em causa, declarada suspensa a execução e solicitada informação se o processo de insolvência do executado se encontrava encerrado (fls. 98-99).
Foi então informado pela Comarca de Santarém que os autos de insolvência n.º 1216/11.0TBTMR que correu termos no 2.º juízo Cível de Santarém, «(…) se encontram encerrados desde 04-06-2014 [] e estão arquivados» (fls. 100-103).

No seguimento, foi em 20-11-2015 pelo exmo. julgador a quo proferido o seguinte despacho (com referência 69701728):
«Em vista do comprovado encerramento dos autos de insolvência do executado CC e do disposto no art.º 88.º, n.º 3, do CIRE, determino a extinção da presente execução.
Notifique» (fls. 104).
Expedida notificação do despacho ao exequente em 23-11-2015 (fls. 108), veio o mesmo em 26-11-2016 requerer a reforma do despacho, argumentando, em síntese, que tendo no processo de insolvência sido aberto o incidente de qualificação com carácter limitado não lhe foi possível reclamar no mesmo os seus créditos laborais e que a única possibilidade tem de judicialmente continuar a tentar cobrar os seus créditos é através da presente acção executiva, à ordem da qual se encontra penhorado o direito e acção à herança por óbito da mãe do executado, bem como a sua adjudicação a favor do exequente (fls. 114-116).
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho, proferido em 30-11-2015 (com referência 69818432) e cuja notificação foi remetida ao exequente em 03-12-2015 (fls. 121):
«(…) Dispenso o contraditório, em vista da sua manifesta desnecessidade – art.º 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Entendo que não se verifica a arguida nulidade da decisão, na medida em que o exequente BB invoca normas e princípios que não são aplicáveis ao caso dos autos para fundamentar a sua pretensão.
Na verdade, o art.º 1.º, do CIRE, claramente define que o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
Dito por outras palavras, o processo de insolvência é o derradeiro meio para os credores obterem a satisfação do seu crédito nos casos em que o devedor se encontra insolvente. E visa salvaguardar a posição dos credores perante a conduta do devedor e especialmente … dos outros credores! Nomeadamente, evitando que alguns credores mais expeditos consigam, de algum modo, obter a satisfação do seu crédito com a preterição dos demais credores.
Por regra, a lei não admite que um credor prossiga isoladamente a satisfação do seu crédito à revelia e com prejuízo para os demais.
A pretensão do exequente radica na violação de múltiplos princípios constitucionais e legais, nomeadamente do caso julgado resultante do processo de insolvência e da igualdade de tratamento entre os credores. Pretende fazer tábua rasa do processo de insolvência para lograr a satisfação isolada do seu crédito, à revelia dos outros credores. O que a lei não consente.
Tendo sido declarada a insolvência do devedor, o aqui exequente tinha o ónus de ir a tal processo reclamar o seu crédito e exercer todos os direitos que a lei lhe confere, nomeadamente, se nisso visse interesse, indicar todos os bens e direitos do património do insolvente que pudessem ser liquidados em benefício de todos os credores.
Por conseguinte, o prosseguimento desta execução, depois de ter sido encerrada a insolvência, não é o meio idóneo para a satisfação do seu crédito. Aliás, o exequente não apresentou qualquer argumento para se fazer letra morta do disposto no art.º 88.º, n.º 3, do CIRE, relativamente ao despacho supostamente inquinado.
Resta apenas a invocação do disposto no art.º 233.º, n.º 1, alínea c), do CIRE, o qual refere que:
c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.
Da letra e da inserção sistemática desse preceito não resulta que seja essa a situação dos autos. Na verdade, nesta execução o título executivo não é a sentença homologatória do plano de pagamentos, a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior. Essa norma é para outras situações bem distintas em que o devedor, após a extinção da insolvência, retoma a actividade comercial, é reabilitado, obtém bens, etc… Ressalvando os efeitos do processo de insolvência, um credor poderá eventualmente instaurar (nova) execução contra o (reabilitado) devedor, utilizando para o efeito como título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com as decisões proferidas na insolvência. Não é esse manifestamente o caso dos autos.
Por conseguinte, indefiro a arguida nulidade.
Condeno o exequente a pagar duas UC.’s pelo presente incidente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique.».

Afirmando-se inconformado com os despachos com as referências 69701728 e 69818432, deles veio o exequente interpor recurso para este tribunal em 16-12-2015, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
«1ª – Nos presentes autos de ação executiva, frustradas as diligências feitas pelo tribunal para o apuramento da existência de bens do executado, o exequente nomeou à penhora (que se concretizou) o direito e ação à herança por óbito de sua mãe.
2ª -No decurso desta ação executiva o exequente requereu a insolvência do executado e na petição inicial deu conhecimento da instauração deste processo executivo.
3ª -No aludido processo de insolvência foi declarada a insolvência do aqui executado, por sentença proferida a 8 de Janeiro de 2013, transitada em julgado, conforme informação prestada pelo próprio exequente nestes autos por requerimento de 19.07.2013.
4ª -O exequente teve ainda o cuidado de informar o Senhor Administrador da Insolvência, da penhora do bem do executado ao alto referenciado – Documento 2 que ora se junta,
5ª -que, não o apreendeu no processo de insolvência –
6ª – O despacho de encerramento do processo, com carácter limitado – conferir requerimento de folhas 39, impediu o exequente de reclamar o seu crédito neste processo de insolvência.
7ª -Em virtude deste processo de insolvência o Tribunal a Quo declarou a extinção da presente execução, invocando o disposto no Art. 88º/3 do CIRE.
8ª – Este preceito legal não se aplica a estes autos, porquanto, no processo de insolvência do executado, não foi apreendido o bem penhorado à ordem destes autos, pelo motivo já indicado.
9ª -Aliás, não foram apreendidos quaisquer bens do executado pelo Senhor Administrador da Insolvência, designadamente o bem penhorado à ordem destes autos, pese embora, o mesmo tenha sido notificado para esclarecer este facto, quer pelo Tribunal onde correu o processo de Insolvência, quer por este Tribunal onde corre o processo executivo – conferir ofício com a referência nº 810415 de 21.03.2014, quer pela própria Mandatária do Exequente, que nunca obteve sequer qualquer resposta do Senhor Administrador.
10ª -O executado aproveitou-se desta situação para celebrar a escritura de partilhas da herança em causa, como melhor resulta do documento junto aos autos com o seu requerimento de 10.11.2015, sem que ao executado coubessem quaisquer bens ( pelo que, o Exequente irá propôr a competente ação de impugnação pauliana ).
11ª – A conduta do exequente pautou-se pela total transparência e por critérios de estrita legalidade (preocupando-se a par e passo, em cada requerimento apresentado, fundamentar legalmente a sua pretensão e com total respeito pelo princípio da igualdade de tratamento entre os credores) tanto mais que foi o próprio que instaurou o processo de insolvência do executado e no seu requerimento inicial referiu desde logo a instauração deste processo executivo, instando o Senhor Administrador da Insolvência para cumprir a apreensão do bem penhorado ao executado, do que este fez completa tábua rasa . . . !!!
12ª -Atento o encerramento do processo de insolvência, em que o bem nomeado à penhora nestes autos de execução não foi apreendido, por inércia do Administrador da Insolvência, a única possibilidade que o Exequente tem de judicialmente continuar a tentar cobrar coercivamente os seus créditos laborais, é através desta ação executiva, à ordem da qual já se encontra penhorado o direito e ação à herança por óbito da mãe do executado, bem como a sua adjudicação a favor do exequente.
13ª -Padece este despacho da nulidade prevista no Art. 195º do CPC, por falta de observância do disposto nos Arts. 232º e 233º/1 a), c) do CIRE, que dispõe que encerrado o processo os credores da insolvência podem exercer os seus direitos contra o devedor.
14ª -Violaram as decisões em apreço o disposto nos Arts. 6º, 7º, 195º E 849º do CPC, 232º e 233º/1 a) e c) do CIRE e Art. 20º da CRP pelo que devem ser revogadas e substituídas por nova decisão que ordene o prosseguimento dos autos, com a apreciação do requerimento de adjudicação apresentado pelo Recorrente.
15ª -Negar-lhe esse direito traduzir-se-ia na prática numa denegação do direito de acesso aos tribunais e de defesa, que a Lei Fundamental claramente não consente.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, INVOCANDO O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXCIAS VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, EM CONFORMIDADE COM AS ANTECEDENTES CONCLUSÕES, COMO É DE DIREITO E DE JUSTIÇA!».

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir imediatamente nos autos.

Subidos os autos a este tribunal, e não havendo lugar ao cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho – tendo em conta que o Ministério Público representa o executado/ausente –, foi remetido projecto de acórdão aos exmos. Juízes desembargadores adjuntos e, com a anuência dos mesmos, dispensados os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a questão a decidir centra-se em saber se face à declaração de insolvência, com carácter limitado, do aqui executado deve ou não declarar-se extinta a execução.

Refira-se que com as alegações de recurso, o recorrente junta diversos documentos, designadamente cópia da petição que apresentou em que requereu a insolvência do executado e correspondência que dirigiu ao administrador da insolvência.
Se bem se extrai da alegação, tais documentos destinam-se a provar que (o exequente) não teve possibilidade de reclamar os seus créditos no processo de insolvência.
Estipula o artigo 425.º do novo Código de Processo Civil que depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por sua vez, decorre do disposto no n.º 1 do artigo 651.º, do mesmo compêndio legal, que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Como se afirmou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-01-1994 (BMJ 433-467), a propósito do artigo 706.º, n.º 1, do anterior Código de Processo Civil, que corresponde ao referido n.º 1 do artigo 651.º, do novo Código de Processo Civil, a norma «(…) não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1.ª instância (…) o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio «apenas», inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância» .
Também neste sentido aponta o acórdão do mesmo tribunal de 27-06-2000 (Revista n.º 442/10, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt), que afirma que «[a] junção de documentos em fase de recurso, nos termos admitidos na 2.ª parte do art. 706.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, só tem razão de ser quando a fundamentação da sentença ou o objecto da decisão fazem surgir a necessidade de provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes dela, e não quando a parte, já sabedora da necessidade de produzir prova sobre certos factos, obtém decisão que lhe é desfavorável e pretende, mais tarde, infirmar o juízo já proferido».
Importa não olvidar que a fase de recurso destina-se à reapreciação dos meios de prova anteriormente apresentados e não à produção e apresentação dos novos meios de prova.
Por isso, a junção de documentos às alegações da apelação só será admissível se a decisão da 1.ª instância tornou necessária aquela junção, seja porque se fundou em meio probatório não oferecido pelas partes, seja porque se fundou em regra de direito com cuja interpretação e aplicação as partes não contavam.
Ora, no caso em apreciação estava em causa a extinção ou não da execução face à declaração de insolvência do executado.
A parte podia, pelo menos, na sequência da notificação do despacho de 20-11-2015 que declarou extinta a execução e aquando do pedido de reforma desse despacho apresentar os documentos em causa, caso nisso tivesse interesse.
Porém, assim não procedeu, e apenas perante a decisão que lhe foi desfavorável, pretende agora, em sede de apelação, juntar tais documentos que, ao que se depreende, nem sequer visam alterar qualquer prova junta aos autos.
Por tal motivo, não poderão os documentos ser admitidos.
Ademais, não se vislumbra qualquer interesse na junção dos documentos nesta fase processual, quando, como resulta do já exposto, o que está em causa é a interpretação e aplicação do direito, consistente em saber se a declaração de insolvência com carácter limitado determina a extinção da execução que corre contra o devedor/executado.
Por consequência, deverão ser desentranhados e devolvido ao apresentante os documentos juntos com as alegações, condenando-se o mesmo em multa pelo incidente a que deu causa, no valor de 1 UC (artigo 7.º, n.ºs 4 e n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa), o que será ordenado a final.

Com vista à decisão da questão supra equacionada importa ter presente a factualidade que resulta do relatório supra, sendo no essencial:
1. Em 06-07-2011 o ora exequente instaurou execução contra o executado para cobrança da quantia de € 38.130,54, referente a créditos salariais, incluindo indemnização por despedimento ilícito e juros de mora;
2. Por sentença de 08-10-2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência, com carácter limitado, do executado;
3. Para o efeito afirmou-se na referida sentença não serem conhecidos quaisquer bens ao aqui executado e poder concluir-se, “com relativa segurança”, o respectivo património não ser suficiente para satisfação das custas do processo e das dívidas da massa insolvente, pelo que apenas foi dado cumprimento ao preceituado nas alíneas a) a d) e h) do artigo 36.º do CIRE, sendo conferido o carácter limitado à insolvência;
4. No referido processo de insolvência não foi requerido o complemento da sentença;
5. Com fundamento na insolvência do executado, e no encerramento dos respectivos autos de insolvência, o tribunal a quo declarou a extinção da execução.

III. Fundamentação
Como se afirmou, o tribunal a quo determinou a extinção da execução, face à insolvência do executado e ao encerramento dos respectivos autos de insolvência.
Ancorou-se para tanto, se bem se extrai do despacho de 30-11-2015, que declarada a insolvência do devedor, o respectivo processo de insolvência é o meio que (todos) os credores têm para obter a satisfação do seu crédito, pelo que não pode o exequente/credor obter a satisfação do crédito através da presente execução.
Diferente é o entendimento do exequente/recorrente, que sustenta, ao fim e ao resto, que o despacho de encerramento do processo de insolvência, com carácter limitado, o impediu de reclamar o crédito naquele processo e que apenas pode ver satisfeito o mesmo através do prosseguimento da presente execução.
Vejamos.

O processo de insolvência tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista no plano de insolvência (artigo 1.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com as alterações posteriores, doravante designado CIRE); e declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à declaração de insolvência, são considerados credores da insolvência (n.º 1 do artigo 47.º).
A declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente não subordinadas a uma condição suspensiva (n.º 1 do artigo 91.º) e os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o previsto no CIRE, durante a pendência do processo de insolvência (artigo 90.º).
Mas para poderem beneficiar do processo de insolvência e, portanto, obterem a satisfação do crédito, os credores têm que proceder à reclamação do respectivo crédito no processo de insolvência: isto ainda que os créditos já se encontrem reconhecidos noutro processo.
E prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, é declarado o seu encerramento após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste [artigo 230.º, n.º 1, alínea b)].
Ou seja, e dito de outro modo:
i) o processo de insolvência é um processo de execução universal e visa a salvaguarda da igualdade de todos os credores;
ii) por isso, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, destinando-se a massa insolvente à satisfação dos seus créditos;
iii) e os credores da insolvência, designadamente os trabalhadores, apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com o preceituado no CIRE e durante a pendência do processo de insolvência.
iv) assim se justifica que, de acordo com o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Maio de 2013 (DR, 1.ª Série, , n.º 39, de 25-02-2014), «[t]ransitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C. ».
Esta é a regra em matéria de insolvência.
Todavia, pode não ser assim, designadamente nas situações previstas nos artigos 39.º e 191.º do CIRE.
De acordo com o n.º 1 do artigo 39.º, concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto e na sentença de declaração de insolvência apenas ordena o cumprimento das alíneas a) a d) e h) do n.º 1 do artigo 36.º, e caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação com carácter limitado.
Atente-se que de acordo com o n.º 1 do artigo 191.º o incidente limitado de qualificação de insolvência se aplica nos casos previstos no n.º 1 do artigo 39.º e n.º 5 do artigo 232.º, pelo que, por exclusão de partes, em todas as outras situações se aplica o incidente pleno de qualificação da insolvência.
Verificando-se a situação prevista no n.º 1 do artigo 39.º qualquer interessado pode requerer que a sentença seja complementada com as restantes menções do n.º 1 do artigo 36.º, o mesmo é dizer qualquer interessado pode requerer que o processo de insolvência prossiga de acordo com o modelo comum previsto para a insolvência com carácter pleno.
Mas não sendo requerido esse prosseguimento de acordo com o modelo comum, nos termos do n.º 7 do mesmo artigo 39.º o devedor não fica privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produzem quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo das normas do CIRE [alínea a)], o processo de insolvência é declarado findo logo que a sentença transite em julgado, sem prejuízo da tramitação até final do incidente limitado de qualificação da insolvência [alínea b)], o administrador da insolvência limita a sua actividade à elaboração do parecer sobre a qualificação ou não da insolvência como culposa [alínea c)] e após o trânsito em julgado qualquer interessado pode instaurar novo processo de insolvência.
Assim, como decorre das alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 39.º do CIRE, não sendo requerido o complemento da sentença, a declaração de insolvência não determina os efeitos que normalmente estão ligados a esta, previstos no referido Código, e, caso disponha de património, o devedor mantém-se na sua administração e disposição.
Como observam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, pág. 287), «(…) não tendo sido requerido o complemento da sentença, o processo de insolvência é declarado findo logo que ela transite em julgado.
Significa isto que, na generalidade dos casos, não será possível, no mesmo processo, suscitar a existência efectiva de bens não conhecidos ao tempo da decisão.
(…)
A situação não fica, todavia, totalmente sem remédio, vista a solução acolhida na al. d) do mesmo preceito.
Permite, na verdade, a norma contida nesta alínea que qualquer pessoa legitimada para a insolvência instaure, para o efeito, novo processo».
Feito este enquadramento genérico em torno da insolvência, maxime com carácter limitado, é altura de regressarmos ao caso que nos ocupa.
Como se viu, foi decretada a insolvência do aqui executado e declarado aberto o incidente de qualificação com carácter limitado, por se ter concluído que o património daquele não era suficiente para satisfação das custas do processo e demais dívidas da massa insolvente.
No seguimento, e não tendo sido pedido por qualquer interessado o complemento da sentença, foi declarado findo o processo de insolvência
Tal significa, em rectas contas, que, como resulta do que se deixou anteriormente referido, o aqui executado não ficou privado dos poderes de administração e disposição do seu património, nem se produziram em relação a ele quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração de insolvência, ao abrigo do CIRE (n.º 1 do artigo 39).
Assim, e designadamente, não houve lugar ao processamento tendo em vista a satisfação dos créditos dos credores, incluindo a reclamação de créditos, não ficando qualquer legitimado impedido de instaurar novo processo de insolvência.
E não se produzindo quaisquer dos efeitos que normalmente correspondem à declaração da insolvência, forçoso é concluir que não há lugar à extinção das execuções nos termos previstos no n.º 3 do artigo 88.º do CIRE; isto é, a solução consagrada no referido artigo 88.º não tem aplicação no caso de ser proferida sentença com carácter limitado, e em que não tenha sido requerido complemento da sentença nos termos previstos no artigo 39.º.
Neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 19-09-2006, de 13-11-2006 e de 18-06-2009, (Proc.s n.ºs 0623986, 0655707 e 26509/05.1YYPRT.P1, respectivamente), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Como se escreveu no sumário deste último acórdão, «[a] declaração de insolvência com carácter limitado, sem complemento da sentença, não produz efeitos nas execuções instauradas contra o devedor, não determinando a sua suspensão nem a subsequente extinção».
Aqui chegados, impõe-se concluir que a decisão que declarou a extinção da execução não pode subsistir, pelo que se impõe a sua revogação, devendo os autos de execução prosseguir os seus trâmites legais.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. ordenar o desentranhamento e devolução ao exequente/recorrente dos documentos juntos com as alegações, condenando-se o mesmo nas custas do incidente, que se fixa em 1 (uma) UC;
2. conceder provimento ao recurso interposto por BB, e, em consequência, revogam a decisão que declarou a extinção da execução, bem como condenou o exequente nas custas do incidente (2 UC), devendo os autos prosseguir os trâmites legais.
Custas pela parte vencida a final.
*
Évora, 09 de Junho de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Joaquim António Chambel Mourisco