Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
376/12.7TBABT.E1
Relator: ACÁCIO NEVES
Descritores: CAMINHO PÚBLICO
REQUISITOS
SERVIDÃO DE PASSAGEM
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Para que um caminho possa ser considerado como caminho público, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos: o uso directo e imediato por parte do público em geral; que esse uso se verifique desde tempos imemoriais; e que esse uso satisfaça interesses colectivos de significativo grau de relevância.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Procº. Nº. 376/12.7TBABT.E1 (1ª Secção Cível)
Acordam nesta Secção Cível os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:


O Município de Abrantes intentou, em 07.03,2012, acção declarativa sumária (que passou a ordinária por força do aumento do valor da causa, em resultado da dedução de reconvenção) contra (…) e mulher, (…), pedindo fosse declarado o carácter ou domínio público da Travessa ou Beco do (…), sita em (…), da freguesia de (…), do concelho de Abrantes, com o comprimento de 40 m e a largura de 4,5 m, com início na Rua do (…) e final junto dos muros dos prédios que se localizam a Norte, atento o sentido Sul/Norte, delimitada por muros de propriedades particulares de ambos os lados e que os réus fossem condenados a reconhecer tal qualidade.

Alegou para tanto e em resumo que, em (…), freguesia de (…), concelho de Abrantes existe um local de passagem denominado Beco do (…) ou Travessa do (…) que tem a natureza de caminho público e que os réus, arrogando-se donos de tal parcela, impediram o acesso ao mesmo às outras pessoas.

Citados, contestaram e reconviram os réus, os quais se defenderam por impugnação, alegando em resumo que o espaço em causa faz parte do seu prédio e teve a sua origem numa divisão, por partilha, sendo então constituída uma zona de passagem que onera o prédio dos Réus. Mais invocaram, para além da aquisição derivada do prédio, factos tendentes à aquisição originária do mesmo por usucapião e que o autor actua de má-fé, tendo-lhe causado prejuízos.

E, para além de pedirem a improcedência da acção pediram, em sede de reconvenção, a condenação do autor: a reconhecer que o espaço por onde se desenvolve o caminho é parte integrante do seu prédio; a reconhecer que o caminho em causa não tem natureza pública; a condenação do Autor como litigante de má-fé; e ainda a pagar-lhes uma indemnização pelo sofrimento causado ao longo dos últimos doze anos, em quantia a fixar pelo Tribunal e a liquidar em execução de sentença.

Respondeu o autor, impugnando a factualidade relativa à reconvenção.

Foi proferido despacho a admitir a reconvenção e a determinar que os autos passassem a seguir a forma do processo ordinário e foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção dilatória do caso julgado (que se considerou ter sido invocada implicitamente, face à alegação e invocação pelos réus de uma sentença proferida noutro processo, no qual o autor não foi parte) e procedeu-se à selecção da matéria de facto, com a elaboração dos factos assentes e da base instrutória. Instruído o processo, teve lugar a audiência de julgamento.

Seguidamente foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada improcedente, sendo os absolvidos dos pedidos formulados pelo autor, e a reconvenção foi julgada parcialmente procedente, sendo o autor reconvindo condenado a reconhecer que o espaço por onde se desenvolve o caminho conhecido por Beco do (…) ou Travessa do (…), sito em (…), Abrantes, identificado em M. dos factos provados é parte integrante da metade dividida do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob a ficha nº (…) da freguesia de (…) pertencente aos Réus/reconvintes (…) e mulher, (…), identificado em B. a); e a reconhecer que tal espaço não tem natureza pública;

Foi julgado improcedente o pedido incidental de condenação do autor como litigante de má-fé e foi o mesmo absolvido do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização aos réus.

As partes não recorreram da sentença.

Todavia, alegando ter legitimidade para tal (pelo facto de a passagem para a sua propriedade se processar exclusivamente pelo caminho em questão), interpuseram recurso de apelação (…) e mulher (…), em cujas alegações apresentaram as seguintes conclusões:

1ª - Os Recorrentes vêm recorrer da Decisão contida na Sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Abrantes, de 08-05-2014, no âmbito do processo n.º 376/12.7TBABT, no qual são partes, como Autor, o Município de Abrantes, e como Réus, (…) e sua mulher (…).
2ª - Os Recorrentes interpõem o presente Recurso, por serem directa e efectivamente prejudicados pela referida decisão, o que fazem ao abrigo da legitimidade prevista no n.º 2 do Art. 631.º do CPC.
3ª - Consideram os Recorrentes que a Decisão não se mostra adequada à factualidade provada quando decide negar provimento ao pedido do Autor Município de Abrantes, e ao não reconhecer a natureza pública do caminho designado por Travessa do (…), porquanto, ficaram provados nos Autos que o mesmo reúne todos os requisitos de facto para ser considerado caminho público.
4ª - São dois os requisitos de presunção da dominialidade pública: o uso directo e imediato pelo público na satisfação de interesses colectivos relevantes, e a sua utilização por tempo imemorial.
5ª - No que respeita ao requisito do uso do caminho desde tempos imemoriais, tal facto foi considerado provado pelo Tribunal a quo no item “U” dos factos provados.
6ª - E ficou amplamente demonstrado nos Autos que a Travessa do (…) sempre foi utilizada pelo público em geral, uma vez que a sua utilidade não é exclusiva de um ou de todos os proprietários dos prédios confinantes, ou resulta de um conjunto reduzido e quantificável de utilidades individuais.
7ª - Os RR nunca haviam manifestado, antes de 2011, momento em que se iniciou a presente demanda, a intenção de se apropriarem do caminho, nem de reclamarem qualquer direito exclusivo sobre o mesmo. Pelo contrário, o caminho foi desde sempre utilizado pelo público em geral.
8ª - Ficou também demonstrado o carácter de domínio público e também demonstrada a administração pela Autarquia sobre o referido caminho, porquanto, o Município de Abrantes e a Junta de Freguesia de (…) são as entidades que procedem à manutenção e conservação do espaço.
9ª - Eis porque se impugna expressamente a fundamentação da Sentença recorrida, que de forma inexplicável, não dá qualquer relevância a todos os factos da responsabilidade da Administração Pública perante o caminho, contudo, dando exclusiva relevância à mera intenção subjectiva dos RR, que se arrogam proprietários do caminho.
10ª - Ainda que assim não se entendesse, não ficou provada pela prova produzida, a natureza não pública, ou a natureza privada da referida via.
11ª - Todavia, foi pela Sentença recorrida reconhecida a Travessa do (…) como propriedade dos RR. 12ª - Tudo isto, como consequência de se ter reconhecido a sua aquisição originária por usucapião, por ter-se considerado provado o uso do espaço pelos RR e seus antepassados, desde há 70 anos, como se de proprietários se tratassem, à vista de todos e sem oposição. 13ª - Não ficaram demonstrados os elementos da posse, tal como invocados pelos RR: o animus e o corpus desde há 70 anos, mas apenas desde 2011.
14ª - À cautela, refere-se o seguinte: a Travessa do (…) é o único acesso do seu prédio à via pública, uma vez que o mesmo está rodeado de outros terrenos agrícolas, sendo que por consequência da Decisão recorrida, tal prédio fica encravado.
15ª - O Tribunal dispunha de todos os elementos para decidir e evitar a constituição de prédios encravados; e caso considerasse não dispor de elementos suficientes, para esse efeito, deveria oficiosamente tê-los suscitado. 16ª - Decidiu sem que nomeadamente os Recorrentes, directamente interessados e afectados pela Decisão, tivessem intervindo no processo como parte, pelo que estamos perante um litisconsórcio necessário passivo que foi violado, o que seria motivo de ilegitimidade passiva – art. 33.º do Código de Processo Civil. 17ª - Caso não se entenda revogar a decisão proferida pelo tribunal a quo, e se confirme – o que não se concede – que a Travessa do (…) é propriedade privada dos RR, torna-se necessário onerar o referido espaço (parte integrante do prédio dos RR) com uma servidão legal de passagem a favor dos Recorrentes, nos termos do disposto no art. 1550.º n.º 1 do Código Civil.

Contra-alegaram os réus, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Em face do conteúdo das conclusões das alegações dos apelantes, enquanto delimitadoras do objecto do recurso, são as seguintes as questões de que cumpre conhecer:

- prova do caminho público;

- falta de prova do direito de propriedade;

- constituição de servidão de passagem;

- litisconsórcio necessário.

Factualidade assente (dada a ausência de impugnação da matéria de facto) que foi dada por provada na 1ª instância:

A) Por sentença transitada em julgado, proferida nos autos de acção sumária nº 286/06.7TBABT do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes, em que era Autor (…), Réu o também aqui Réu (…), interveniente principal associada ao Autor (…), e interveniente principal associada ao Réu (…), foi condenado o Réu: - cfr. doc. de fls. 46 e ss. dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzido:
a) a abster-se de colocar o estrume dos animais na parte exterior dos palheiros sitos na metade dividida e demarcada do prédio composto de terra de semeadura, com oliveiras e casas de habitação, no sítio da (…), freguesia de (…), que confronta do Nascente e Norte com (…), do Poente com (…) e do sul com estrada, descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o nº (…) e inscrita na matriz respectiva sob o artigo (…), que corresponde a um prédio distinto e independente, composto de terra de semeadura, com oliveiras, casas de habitação, eira, logradouro e palheiros e que confronta do Nascente com (…) e outros, do Norte com (…) e do Poente e Sul com a estrada;
b) a pagar ao autor uma indemnização no valor de € 300.00, a título de danos não patrimoniais. Foram o Réu e a interveniente principal sua associada absolvidos do restante pedido contra si formulado pelo autor e pela interveniente principal sua associada;
B) Pela mesma sentença foi julgada parcialmente procedente a reconvenção deduzida por (…) contra (…), em que são interveniente principal associada ao Autor, (…), e interveniente principal associada ao Réu, (…) e, consequentemente, foram o Autor/reconvindo e a interveniente principal sua associada condenados:
a) a reconhecerem os aqui réus como donos e legítimos proprietários de metade dividida e demarcada do prédio composto de terra de semeadura, com oliveiras e casas de habitação, no sítio da (…), freguesia de (…), que confronta do nascente e norte com (…), do poente com (…) e do sul com estrada, descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o nº (…) e inscrita na matriz respectiva sob o artigo (…), que corresponde a um prédio distinto e independente, composto de terra de semeadura, com oliveiras, casas de habitação, eira, logradouro e palheiros e que confronta do nascente com (…) e outros, do norte com (…) e do poente e sul com a estrada;
b) reconhecerem o direito de servidão, a pé e de carro, constituído sobre metade dividida e demarcada do prédio composto de terra de semeadura, com oliveiras e casas de habitação, no sítio da (…), freguesia de (…), que confronta do Nascente e Norte com (…), do Poente com (…) e do Sul com estrada, descrita na Conservatória do Registo Predial de Abrantes com o nº (…) e inscrita na matriz respectiva sob o artigo (…), que corresponde a um prédio distinto e independente, composto de terra de semeadura, com oliveiras, casas de habitação, eira, logradouro e palheiros e que confronta do nascente com a sorte que foi adjudicada a (…) e (…), do norte com (…) e outros, do poente com (…) e outros e do sul com estrada, em benefício do prédio referido em a);
c) a reconhecerem que a servidão de passagem referida em b) se faz por um caminho, com início junto à estrema Poente do prédio referido em b) e estrema Nascente do prédio referido em a), desenvolvendo-se em linha recta no sentido Nascente a Poente, atravessando o prédio referido em b), paralelamente à estrema Norte, numa extensão de 35 metros por 2 metros de largura, terminando na estrema poente do prédio referido em b) junto à casa que serve de palheiro na estrema nascente do prédio referido em a);
d) a pagarem ao réu/reconvinte a quantia de € 300,00 a título de danos não patrimoniais. Foram o Autor/reconvindo e a interveniente principal sua associada absolvidos do restante pedido contra si formulado pelo réu/reconvinte;
C) Está descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes, freguesia de (…) sob o nº …/19981117, o seguinte prédio: casa térrea de habitação com forno, dependências e logradouro, sito em (…), confrontando de norte com (…), de sul com estrada pública, de nascente com (…) e (…), e de poente com (…) e (…). Inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo (…) – cfr. certidão do registo predial de fls. 391 a 393 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzida;
D) Pela Ap. 35 de 2000/02/04, foi inscrita a aquisição do prédio referido em C) na Conservatória do Registo Predial de Abrantes a favor de (…) e cônjuge, (…), constando de tal inscrição que a aquisição se deu por “compra” – cfr. certidão do registo predial de fls. 391 a 393 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzida;
E) Consta dos autos de procedimento cautelar apensos, a fls. 281 a 300, escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Abrantes, a fls. 60 verso a fls. 70 do Livro de notas nº (…), em 21 de Junho de 1943, nos termos da qual o prédio composto de terra de semeadura com oliveiras e casas de habitação no sítio de (…) que confronta de nascente e norte com (…), do poente com (…) e do sul com estrada, descrito na Conservatória da Comarca de Abrantes sob o número (…), a fls. cento e sessenta e três do livro B, sessenta e oito, inscrito na matriz respectiva sob artigo (…), foi dividido e demarcado em duas metades que ficaram a constituir prédios distintos e independentes – cfr. certidão da escritura pública de habilitação, doação e partilha de fls. 281 a 300 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzida;
F) Através da mesma escritura, foi adjudicada a (…) e mulher (…) metade já dividida e demarcada do prédio referido em E) e esta metade fica constituindo um prédio distinto e independente, composto de terra de semeadura, com oliveiras, casas de habitação, eira, logradouro e palheiros e que confronta do nascente com (…) e outros, do norte com (…) e do poente e do sul com a estrada. Esta sorte fica com direito a servidão de carro pela sorte que vai ser adjudicada a (…), para dar acesso à eira e palheiros – cfr. certidão da escritura pública de habilitação, doação e partilha de fls. 281 a 300 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzida; G) Através da mesma escritura, foi adjudicada a (…) e mulher metade já dividida e demarcada do prédio referida em E) e esta metade fica constituindo um prédio distinto e independente, composto de terra de semeadura, com oliveiras, casas de habitação e palheiros e que confronta do nascente com a sorte que foi adjudicada a (…) e (…), do norte com (…) e outros, do poente com (…) e outros e do sul com estrada – cfr. certidão da escritura pública de habilitação, doação e partilha de fls. 281 a 300 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzida;
H) Por escritura pública intitulada “habilitação”, datada de 20.03.2003, por (…), (…) e (…) foi declarado que “no dia dezasseis de Dezembro de dois mil e dois, na freguesia de (…), Abrantes, faleceu (…), no estado de casado com (…), em primeiras núpcias de ambos e segundo o regime da comunhão geral (…) que o autor da sucessão não deixou testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, sucedendo-lhe, como únicos herdeiros, sua mulher e filho (…) (…)” – cfr. doc. de fls. 274 e 275 do Apenso A, que se dá por integralmente reproduzido;
I) Por escritura pública intitulada “habilitação”, datada de 13.03.2006, por (…) foi dito “que desempenha o cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de sua mãe, (…), falecida no dia vinte e dois de Outubro de dois mil e quatro (…) que não deixou testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade, sucedendo-lhe como único herdeiro, ele declarante, seu filho, (…)” – cfr. doc. de fls. 278 e 279, que se dá por integralmente reproduzido;
J) Consta dos autos de procedimento cautelar documento escrito datado de 12.12.2003 e emitido pelo Chefe da Divisão de Obras Particulares e Serviços Urbanos por delegação do residente da Câmara Municipal de Abrantes, e dirigido ao Dr. (…), no âmbito do processo nº …/01 – 10.5, com o seguinte teor: “Relativamente ao requerimento que apresentou nesta Câmara Municipal em 2003/11/03, em referência ao processo supra referenciado, sito na Travessa do (…), lugar de (…), freguesia de (…), informo que, conforme despacho de 2003/11/24, a Câmara Municipal não possui fundamento inequívoco, lavrado em documento público de valor probatório sobre o carácter público do espaço alcatroado da Travessa do (…). Reitera-se no entanto que a Câmara Municipal considera e tem tratado o espaço alcatroado da Travessa dos (…), (…), freguesia de (…) como público. Fundamenta-se na utilização possibilitada de modo pacífico por parte do público. Tanto assim é que desconhece-se ter havido oposição ao alcatroamento ou a colocação de infra-estruturas públicas no referido troço, quer pela Câmara Municipal quer por outras entidades prestadoras de serviços. No entanto reconhece que a defesa do domínio público é feita quer pelo recurso aos tribunais, quer através da prática de actos administrativos. Podem os interessados directamente intentar a competente acção judicial de defesa do carácter público do arruamento.” – cfr. documento junto a fls. 178 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzido;
L) Consta dos autos de procedimento cautelar documento escrito datado de 28.05.2004, emitido pelo Chefe da Divisão de Obras Particulares e Serviços Urbanos por delegação do Presidente da Câmara Municipal de Abrantes e dirigido ao Dr. (…), no âmbito do processo nº …/01 – 10.5. do qual consta nomeadamente o seguinte: “(…) À C.M.A. não cabe definir ou decidir sobre o carácter público ou privado do espaço. A sua natureza impõe-se à C.M.A. e é pressuposto para a actuação administrativa ou material está com base em actos administrativos. Ora, no caso, os indícios, desde a discussão sobre a atribuição de toponímia em 1985, a planta de cadastro e à realidade física existente, tudo levou a C.M.A. à interpretação de que o troço de via é público. Nessa convicção alcatroou-o. Não houve oposição pelos meios legais. Assim, a menos que se prove em Tribunal que o espaço é efectivamente particular, decisão que a C.M.A. imediatamente acatará, deverão os bidons ser retirados da referida Travessa do (…).” – cfr. documento junto a fls. 179 e 180 dos autos de procedimento cautelar apensos, que se dá por integralmente reproduzido;
M) Em (…), freguesia de (…), concelho de Abrantes existe um local conhecido por Beco do (…) ou Travessa do (…);
N) Em data em concreto não apurada foi colocada a placa toponímica no início da Travessa ou Beco, do lado direito, no muro que delimita o prédio dos Réus identificado em B) – a), e tendo sido a mesma daí retirada posteriormente por terceiros; O) O local referido em M) tem o comprimento de 40 metros e a largura de cerca de 4,5 metros numa área total de 180 m2; P) O referido espaço está delimitado, de ambos os lados e em grande parte da sua extensão, por muros de prédios particulares; Q) Encontra-se asfaltado pelo Município de Abrantes desde 1997 e tem valetas em cimento de ambos os lados; R) Antes de 1997 o seu piso era de terra; S) Nele têm sido efectuadas intervenções ao nível da conservação pelo Município de Abrantes e pela Junta de Freguesia de (…);
T) Inicia-se na Rua do (…) e não dá continuidade, nem ligação a outros arruamentos, terminando junto dos muros dos prédios que se localizam a Norte, atento o sentido Sul-norte;
U) Existe naquele local há tempos imemoriais; V) Tem rede pública com conduta de água desde 1998, tendo sido ali colocado nesse ano o primeiro contador de água; X) Existem mais dois contadores de água e uma boca-de-incêndio, fazendo-se o acesso aos contadores através da Travessa ou Beco do (…);
Z) Tem dois postes de iluminação pública; AA) A Travessa ou Beco do (…) dá acesso às duas casas implantadas no prédio dos herdeiros de (…), a Norte, bem como à antiga casa dos pais do Réu e ao lagar de azeite aí implantado e, em parte e nos moldes definidos em B. – b) e c), a um terreno; AB) Dá ainda acesso às caixas do correio dessas habitações; AC) Por esse local passam os donos do prédio referido em B. – a) e os herdeiros de (…), donos do prédio sito a Norte, sem oposição e satisfazendo as suas necessidades;
AD) Em data não concretamente apurada, mas situada no primeiro trimestre do ano de 2011, os Réus vedaram o acesso ao referido espaço de quaisquer pessoas à excepção dos proprietários da casa sita a Norte identificada a fls. 38, veículos ou entidades; AE) Fizeram-no inicialmente com um bidon e um arame e posteriormente com uma corrente plastificada vermelha e branca, tendo ambos uma placa com a seguinte inscrição: “propriedade privada – declarada no Tribunal Judicial de Abrantes processo nº 286/06.7TBABT em 07/10/2009 e Tribunal da Relação de Évora em 24/05/2010”;
AF) O espaço referido em M) descreve uma linha recta, em toda a extensão do muro Poente do prédio referido em B) – a) e do muro Nascente do prédio referido em C);
AG) A colocação de um dos postes para passagem de electricidade foi solicitada pelos Réus para levar a energia eléctrica ao lagar; AH) Os Réus compraram o poste de electricidade e pagaram a baixada da electricidade desde a Rua do cascalho até ao lagar; AI) Há mais de 70 anos os Réus e seus antecessores utilizavam o espaço referido em M) para aceder à casa de habitação e ao lagar de azeite implantado no seu prédio, transportando a azeitona; AJ) Os Réus e os seus antecessores fizeram uso desse espaço pelo durante mais de 70 anos, cuidaram e zelaram do mesmo; AL) À vista de toda a gente; AM) Sem oposição de ninguém; AN) Sem interrupções; AO) Os Réus e seus antecessores agiram sempre na convicção de que aquele espaço faz parte integrante do seu prédio referido em B) – a) e que estão no uso de direito próprio;
AP) Os funcionários da Câmara Municipal de Abrantes, cumprindo ordens da Senhora Presidente da Câmara, acompanhados por agentes da Guarda Nacional Republicana, entraram no espaço referido em M), enquanto os senhores agentes da autoridade agarravam o Réu marido, os funcionários da Câmara removiam objectos que eram propriedade dos Réus.
Quanto à prova do caminho público:

Conforme tem sido pacificamente aceite na jurisprudência, na sequência do Assento de 19.04.1989, in DR, I Série, de 02.06.1989 (hoje com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência) são considerados caminhos públicos aqueles que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público, e desde que a sua utilização satisfaça interesses colectivos de certo grau de relevância (vide, entre outros, os acórdãos do STJ de 28.05.2009, em que é relatora Maria dos Prazeres Beleza, e de 23.12.2008, em que é relator Salvador da Costa, ambos in www.dgsi.pt). Assim, para que um caminho possa ser considerado como caminho público, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos: o uso directo e imediato por parte do público em geral; que esse uso se verifique desde tempos imemoriais; e que esse uso satisfaça interesses colectivos de significativo grau de relevância.

Conforme se alcança da sentença recorrida, o tribunal perante a factualidade dada como provada, considerou não estar demonstrada a utilização genérica da passagem, “entendida como sendo-o por um conjunto alargado de cidadãos da comunidade, com vista à satisfação de um interesse comum”.

É contra tal entendimento que se manifestam os apelantes, os quais (não obstante não serem partes no processo) se consideram directamente prejudicados com a decisão recorrida, segundo os quais, por um lado, resulta do facto contante da al. U) dos factos provados a prova do requisito relativo ao uso do caminho desde tempos imemoriais e, por outro lado ficou amplamente demonstrado que a “Travessa do …” (passagem em questão) sempre foi utilizada pelo público em geral.

Resultou efectivamente provado (al. U) que tal espaço (passagem/caminho) em questão existe desde tempos imemoriais. Todavia, tal facto tem que ser entendido e interpretado em conjunto com a restante factualidade dada como provada.

E o certo é que nada se provou de onde resulte que essa passagem tenha sido utilizada pela generalidade das pessoas (mormente desde tempos imemoriais), bem pelo contrário.

Com efeito, apenas se provou que a Travessa do Beco ou do … (local em questão) dá acesso às duas casas implantadas no prédio dos herdeiros de (…) e bem assim à antiga casa dos pais dos réus e ao lagar de azeite nele implantado, sendo que quem passa por aí são os respectivos donos (als. AA e AC dos factos provados).

E, para além disso, apenas se provou ainda que “há mais de 70 anos os Réus e seus antecessores utilizavam o espaço referido em M) para aceder à casa de habitação e ao lagar de azeite implantado no seu prédio, transportando a azeitona” e que “os Réus e os seus antecessores fizeram uso desse espaço pelo durante mais de 70 anos, cuidaram e zelaram do mesmo”. Conforme bem se considerou na sentença, embora não tenha ficado demonstrada a utilização exclusiva dessa passagem pelos donos dos prédios sitos a Norte e pelos réus o certo é que nada se provou de onde se pudesse concluir que a passagem em questão fosse utilizada também pelo público em geral ou que, para além da mera necessidade de utilização por parte dos donos daqueles prédios, a sua utilização estivesse ligado à satisfação de interesses públicos relevantes.

E, conforme tem sido entendido na jurisprudência, a relevância dos interesses públicos, que não se confunde com a mera satisfação de interesses individuais e de conveniência, pode resultar do número significativo de utilizadores ou da utilização de equipamentos colectivos, de uso potencialmente público, pela generalidade da comunidade que, porventura, tenha interesse em a ele aceder - independentemente do número real de interessados que, em cada momento, dele efectivamente se utilize (vide acórdãos do STJ de 13.03.2008, em que é relator Sebastião Póvoas, e de 09.02.2012, em que é relator Lopes do Rego, ambos in www.dgsi.pt) – o que não é manifestamente o que resulta dos factos provados. Ademais (e sendo certo que a factualidade dada como provada na 1ª instância não foi objecto de impugnação – e daí que a mesma haja que ser tida como definitivamente fixada) o tribunal até deu como não provado que “o referido espaço tem estado na livre disposição, uso directo e imediato do público, estando afecto ao trânsito de todas as pessoas para a passagem a pé e de carro, sem oposição” e que “o referido espaço satisfaz as necessidades de todas as pessoas”.

Dizem ainda os apelantes que o carácter do domínio público ficou demonstrado pela administração pela Autarquia sobre o referido caminho, porquanto, o Município de Abrantes e a Junta de Freguesia de (…) são as entidades que procedem à manutenção e conservação do espaço.

Todavia, sem razão, na medida em que essa simples circunstância nada releva só por si para os efeitos em questão.

É certo que se provou que o local em questão (conhecido por Beco do … ou Travessa do …) “encontra-se asfaltado pelo Município de Abrantes desde 1997 e tem valetas em cimento de ambos os lados” que “nele têm sido efectuadas intervenções ao nível da conservação pelo Município de Abrantes e pela Junta de Freguesia de (…)”, que “tem rede pública com conduta de água desde 1998, tendo sido ali colocado nesse ano o primeiro contador de água”, que “existem mais dois contadores de água e uma boca-de-incêndio, fazendo-se o acesso aos contadores através da Travessa ou Beco dos (…)”, que “tem dois postes de iluminação pública”.

Todavia, conforme bem se salienta na sentença “não basta para a classificação de um caminho como público haver obras feitas pela Câmara Municipal ou pela Junta de Freguesia, que sejam utilizados para o abastecimento de água, saneamento básico, iluminação, distribuição de energia eléctrica e rede de telecomunicações, e mesmo que nele existam tampas de caixas com a sigla da câmara gravada, ou mesmo que a Câmara Municipal ou a Junta procedam à construção e manutenção do caminho”.

Com efeito, para além de a caracterização relativa ao domínio público não se poder retirar do simples facto de a administração autárquica ter efectuado obras de conservação (pode fazê-lo indevidamente ou com mero sentido de ajuda ou colaboração), o certo é que tal também nunca poderia ter lugar por via das presunções judiciais.

E isto porquanto, conforme tem sido entendido na jurisprudência, o recurso às presunções judiciais não pode ter lugar para contrariar as regras do ónus da prova, por forma a dar-se como provada factualidade que a parte sobre a qual recaía o respectivo ónus não logrou provar (vide acórdão da Relação do Porto de 25.10.2011, procº 1271/09.2TBOAZ.P1, in www.dgsi.pt) – sendo certo que conforme já supra referimos, não foi dado como provado que “o referido espaço tem estado na livre disposição, uso directo e imediato do público, estando afecto ao trânsito de todas as pessoas para a passagem a pé e de carro, sem oposição” e que “o referido espaço satisfaz as necessidades de todas as pessoas”.

De resto, relativamente a tal factualidade provada, importa ainda salientar que resultou provado que a colocação de um dos postes para passagem de electricidade foi solicitada pelos Réus para levar a energia eléctrica ao lagar” e que “ os réus compraram o poste de electricidade e pagaram a baixada da electricidade desde a Rua do cascalho até ao lagar” .

Em face do exposto, haveremos de concluir no sentido de não ter sido feita a prova do requisito relativo ao uso directo e imediato por parte do público em geral e bem assim do requisito relativo à satisfaça de interesses colectivos de significativo grau de relevância (requisito este a que, em bom rigor, os apelantes nem sequer se referem) – razão pela qual bem esteve o tribunal “a quo” ao considerar não ter sido feita a prova da existência, no local em questão, de um caminho público.

Improcedem assim nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto à falta de prova do direito de propriedade:

Conforme se alcança da sentença, para além da improcedência da acção, o tribunal “a quo” decidiu ainda no sentido da procedência da reconvenção no que respeita ao pedido de condenação do autor (Município de Abrantes) a reconhecer que o espaço por onde se desenvolve o caminho é parte integrante do seu prédio e a reconhecer que o caminho em causa não tem natureza pública – nos termos supra referidos.

E isto, com base na aquisição originária, ou seja por via da usucapião.

É também contra esta parte da decisão que se insurgem os apelantes, segundo os quais não ficaram demonstrados os elementos da posse, tal como invocados pelos RR: o animus e o corpus desde há 70 anos, mas apenas desde 2011.

E isto porque, ainda segundo os apelantes, foi só a partir de 2011 – quando vedaram a entrada da Travessa do (…), tentando impedir o trânsito coma colocação de bidons e de um aviso à entrada -, que existiu da parte dos réus uma verdadeira manifestação de vontade de apropriação do espaço em questão como seu, sendo irrelevante o facto de se ter provado que os réus e os seus antepassados usavam o espaço desde há 70 anos.

E isto porque também o tribunal deu como provado que “por esse local passam os donos do prédio referido em B.-a) e os herdeiros de (…), donos do prédio sito a Norte, sem oposição e satisfazendo as suas necessidades” e deu como não provado que “apenas os réus, seus antecessores e (…) e seus herdeiros utilizam tal espaço para acederem aos seus prédios”.

Todavia sem razão, na medida em que estes últimos elementos se afiguram irrelevantes, face aos factos dados como provados sob as alíneas AG) a AO) dos factos provados.

Com efeito, resultou provado que “há mais de 70 anos os réus e seus antecessores utilizavam o espaço referido em M) para aceder à casa de habitação e ao lagar de azeite implantado no seu prédio, transportando a azeitona” e que “os réus e os seus antecessores fizeram uso desse espaço pelo durante mais de 70 anos, cuidaram e zelaram do mesmo, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, sem interrupções e na convicção de que aquele espaço faz parte integrante do seu prédio referido em B) – a) e que estão no uso de direito próprio”.

Resulta assim de tais factos que os réus e antes deles os seus antecessores, sempre se assumiram, e muito para além até do prazo máximo da usucapião (20 anos – art. 1296º do C. Civil), de forma pública e sem oposição, como sendo os donos do espaço em questão, domínio esse que, para além disso, ainda resulta do facto de “a colocação de um dos postes para passagem de electricidade ter sido solicitada pelos réus para levar a energia eléctrica ao lagar” e do facto terem sido os réus que “compraram o poste de electricidade e pagaram a baixada da electricidade desde a Rua do cascalho até ao lagar”.

O facto, também dado como provado (als. AA) e AC) dos factos provados) de o local em questão (Travessa ou Beco do …), para além da antiga casa dos pais do réu e do lagar de azeite aí implantado, questão também dar “acesso às duas casas implantadas no prédio dos herdeiros de (…)” e de também “por esse local passarem os herdeiros de (…) em nada contraria aquela factualidade relativa ao referido domínio dos réus e seus antecessores.

Com efeito, apenas sabemos que os herdeiros de (…) também passam no local em questão, para aceder às suas casas (nada se provando no sentido de os mesmos também se considerarem donos da passagem ou no sentido de os mesmos porem em causa a posição e actuação dos réus e seus antecessores como donos) – o que sempre pode acontecer com base em mera tolerância dos réus ou com base exercício de um direito de servidão de passagem (que não colocaria em causa o facto de a passagem fazer parte do prédio dos réus)

De resto, são os próprios réus que, no artigo 13º da sua contestação, aceitam expressamente que “essa passagem dá servidão a pé e de carro ao prédio misto que confina com o prédio dos réus, pelo lado Norte, que é pertença dos herdeiros de (…)”.

Mostram-se assim efectivamente provados os requisitos necessários à aquisição por usucapião: o exercício da posse (o corpus e o animus) e o respectivo prazo legal.

Improcedem assim também nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto à constituição de servidão de passagem:

Dizem ainda os apelantes que a Travessa do (…) é o único acesso do seu prédio à via pública, uma vez que o mesmo está rodeado de outros terrenos agrícolas, sendo que por consequência da Decisão recorrida, tal prédio fica encravado.

E defendem que o Tribunal dispunha de todos os elementos para decidir e evitar a constituição de prédios encravados, que caso considerasse não dispor de elementos suficientes, para esse efeito, deveria oficiosamente tê-los suscitado e que se torna necessário onerar o referido espaço (parte integrante do prédio dos RR) com uma servidão legal de passagem a favor dos Recorrentes, nos termos do disposto no art. 1550.º n.º 1 do Código Civil.

Todavia sem razão, na medida em que a constituição de uma servidão de passagem (na passagem em questão), a onerar o prédio dos réus, a favor dos recorrentes e/ou de outros interessados não foi peticionada pelo autor (o que, de resto, atenta a factualidade alegada na petição inicial, nunca faria sentido).

Trata-se assim de questão que, não tendo sido oportunamente suscitada nos autos, não foi nem podia ter sido objecto de apreciação por parte do tribunal “a quo”, designadamente no âmbito da decisão recorrida, sendo certo que, conforme é pacificamente aceite e entendido na jurisprudência, os recursos apenas visam a reapreciação das decisões impugnadas e, concomitantemente, a reapreciação das questões que haviam sido oportunamente suscitadas (a menos que se trate de questões que sejam de conhecimento oficioso – o que não é manifestamente o caso).

De resto, nem o processo contém (por falta de alegação e prova) os elementos factuais necessários à constituição de uma qualquer servidão de passagem, designadamente a favor dos ora recorrentes.

Não sendo partes no processo, estes, que apenas intervêm como recorrentes enquanto terceiros e ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 631º do CPC, têm que se limitar aos parâmetros definidos pelos pedidos formulados pelas partes e pela questões por estas suscitadas.

Estando o prédio dos recorrentes encravado, conforme afirmam (o que nem sequer resulta da factualidade provada) e necessitando da passagem em questão para aceder ao seu prédio, sempre os recorrentes terão a possibilidade de definir esse direito em acção apropriada, se necessário. Aliás, para além de os réus, conforme já supra referido, terem aceite no artigo 13º da sua contestação, que a passagem em questão dá servidão ao prédio misto que confina com o prédio dos réus, pelo lado Norte, o mesmos acabam por afirmar tal posição em relação aos recorrentes quando, nas suas contra-alegações dizem que “o direito de passagem afecto ao prédio dos recorrentes sobre o prédio dos réus reconvintes não sofreu qualquer alteração por força da presente decisão dado apenas estar em causa natureza pública ou privada por onde a mesma se desenvolve e não o direito de passagem”. Improcedem assim, também nesta parte as conclusões do recurso.

Quanto ao litisconsórcio necessário:

Dizem ainda os recorrentes que o tribunal decidiu sem que nomeadamente os recorrentes, directamente interessados e afectados pela decisão, tivessem intervindo no processo como parte, pelo que estamos perante um litisconsórcio necessário passivo que foi violado, o que seria motivo de ilegitimidade passiva – art. 33º do Código de Processo Civil.

Todavia, de todo sem razão, na medida em que não estão claramente em causa quaisquer das situações a que elude aquele artigo. Estando de todo fora de causa a previsão do nº 1 (exigência de intervenção de vários interessados com base na lei ou negócio jurídico), o mesmo sucede em relação à previsão do nº 2 (necessidade de intervenção de todos os interessados “quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para obter o seu efeito útil normal”.

Com efeito e porque no processo apenas estava em causa saber se a passagem em questão era um caminho público ou propriedade privada (não estando sequer em causa saber-se se, neste caso, sobre a mesma existia uma servidão de passagem), para que a acção produzisse o sei efeito útil normal, o autor não precisava de estar acompanhado de qualquer outro interessado qualquer interessado, sendo ainda certo que apenas os réus tinham interesse em contradizer o pedido do autor.

Improcedem assim também nesta parte as conclusões do recurso.

Em síntese:

Para que um caminho possa ser considerado como caminho público, necessário se torna a verificação dos seguintes requisitos: o uso directo e imediato por parte do público em geral; que esse uso se verifique desde tempos imemoriais; e que esse uso satisfaça interesses colectivos de significativo grau de relevância.
A relevância dos interesses públicos não se confunde com a mera satisfação de interesses individuais e de conveniência e pode resultar do número significativo de utilizadores ou da utilização de equipamentos colectivos, de uso potencialmente público, pela generalidade da comunidade – o que não é manifestamente o que resulta dos factos provados. Para além de a caracterização relativa ao domínio público não se poder retirar do simples facto de a administração autárquica ter efectuado obras de conservação (pode fazê-lo indevidamente ou com mero sentido de ajuda ou colaboração), o certo é que tal também nunca poderia ter lugar por via das presunções judiciais.E isto porquanto, conforme tem sido entendido na jurisprudência, o recurso às presunções judiciais não pode ter lugar para contrariar as regras do ónus da prova, por forma a dar-se como provada factualidade que a parte sobre a qual recaía o respectivo ónus não logrou provar . Os recursos apenas visam a reapreciação das decisões impugnadas e, concomitantemente, a reapreciação das questões que haviam sido oportunamente suscitadas (a menos que se trate de questões que sejam de conhecimento oficioso – o que não é manifestamente o caso). Não sendo partes no processo, os recorrentes, que apenas intervêm como recorrentes enquanto terceiros e ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 631º do CPC, têm que se limitar aos parâmetros definidos pelos pedidos formulados pelas partes e pela questões por estas suscitadas.

Termos em que se acorda em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes.

Évora, 30 de Abril de 2015

Acácio Luís Jesus das Neves

José Manuel Bernardo Domingos

João Miguel Ferreira da Silva Rato