Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
14/18.4GDEVR.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS ESSENCIAIS
PRAZO DE ARGUIÇÃO DA NULIDADE
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Atingido impasse probatório sobre o local onde o Arguido foi intercetado pelo militar da Guarda Nacional Republicana e submetido a teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, impunha-se que se encetassem as diligências adequadas a superá-lo – nomeadamente, com uma deslocação ao local – e se determinasse se o mencionado local é ou não uma via pública ou equiparada.

II - Não tendo sido esse o procedimento adotado, omitiu-se diligência essencial para a descoberta da verdade. Mostra-se, assim, violado o disposto no n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal, ocorrendo a nulidade prevenida na alínea a) do n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo Penal.

III - E tratando-se de vício procedimental, o seu prazo de arguição não é qualquer um dos assinalados nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, mas o geral de 10 (dez) dias consagrado no n.º 1 do artigo 105.º do mesmo compêndio legal.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo sumário n.º 14/18.4GDEVR, do Juízo Local Criminal de Évora [Juiz 1] da Comarca de Évora, o Ministério Público acusou

JJ, solteiro, vaqueiro, nascido a 20 de setembro de 1967, em Évora, filho de…, residente no Monte …, Valverde, em Évora, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Singular, por sentença proferida e depositada a 1 de fevereiro de 2018, foi decidido:

«(…) julgo improcedente a acusação deduzida pelo Ministério Público e, consequentemente:

A) Absolvo o arguido JJ pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º e 69.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal.

Sem custas processuais criminais

Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Impugna-se o Facto A) constante da factualidade provada, na redação que lhe é dada na douta sentença recorrida - o que se consigna para efeitos do disposto no art. 412º, n.º 3, aI. a) do CPP.

2. O Tribunal tia quo" incorreu em erro de julgamento porquanto deveria ter julgado PROVADO que "No dia 29 de Janeiro de 2018, pelas 19J{39, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matricula -TQ nas proximidades do Hospital 'Veterinário da 'Universidade de Évora sito na zona da Mitra, sendo a condução exercida mais concretamente na estrada principal que liga 'Valverde à EN 380”.

3. Aquele facto, nesses termos (isto é, quanto ao local onde o arguido exercia a condução ao momento da interceção pelo OPC), resulta da prova produzida em julgamento, indicando-se, em cumprimento do disposto no art. 412.º, n.º 3, aI. b), do Cód. Proc. Penal. as seguintes passagens das declarações prestadas pelo arguido e pela testemunha, salientando as seguintes passagens:

a. declarações do arguido, gravação da audiência entre o minuto 2' 16" e o minuto 2' 56", resultando destas que a fiscalização policial ocorreu, por palavras do próprio arguido, "Na Mitra. Ao pé de Valverde. Não é uma rua. É uma estrada principal. É de '«Valverde para Évora.”

b. declarações da testemunha PP, militar da GNR, gravação da audiência entre os minutos 01’ 07" e 1’ 18", 01’ 45" e 2' 40", 3' 18" e 3' 38", 3' 48" e 4' 28", resultando destas que a fiscalização policial ocorreu, “junto ao Hospital Veterinário da Universidade de Évora, portanto, em Valverde”, “Aquilo é (impercetível) localidade de Valverde, portanto em direção ao Hospital Veterinário (…); caminho “Público, público”; em termos de definição de estrada, “é a que liga Valverde à Nacional

4. Não se ignora que a redação daquele facto naqueles termos traduz um facto novo relativamente à acusação deduzida.

5. A lei admite, porém, que a sentença considere factos novos entre a factualidade assente desde que sejam introduzidos mediante o cumprimento dos mecanismos previstos no arts. 358.º e 359.º do CPP, consoante se tratem, respetivamente, de factos que alterem não substancialmente ou substancialmente os descritos na acusação.

6. Nesta medida, e porque o facto enunciado na conclusão 2) configura uma alteração não substancial de factos, bastaria que a Mm" Juiz cumprisse o estatuído no art. 358.º, n.º 1 do CPP previamente à introdução do mesmo na douta sentença - isto é, comunicasse aquele ao arguido, concedendo-lhe prazo para defesa - aceitando-se até a desnecessidade de tal comunicação por força do estipulado no n.º 2 do mesmo preceito legal, tendo em consideração que o mesmo facto resultou dos esclarecimentos prestados pelo arguido, sendo corroborado pelas declarações da testemunha.

7. Mais se impugna o Facto 2) constante da factualidade não provada da douta sentença recorrida - o que se consigna para efeitos do disposto no art. 412.º, n.º 3, aI. a) do CPP.

8. O Tribunal “a quo" incorreu em erro de julgamento porquanto deveria ter julgado PROVADO que "o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ciente que a sua conduta lhe estava legalmente vedada".

9.Tal facto concretiza a descrição do elemento subjetivo do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o qual não poderá deixar de se ter por verificado face à demais factualidade provada, às regras da experiência comum e às próprias declarações prestadas pelo arguido - indicando-se. em cumprimento do disposto no art. 412.º, n.º 3, aI. b), do Cód. Proc. Penal, a gravação daquelas ao minuto 2' 08"/2' 09", das quais resulta que, a instâncias da Mm" Juiz sobre a verdade do relatado na acusação que lhe foi lida, incluindo na leitura a afirmação de agiu daquele modo e naquela convicção, respondeu “É verdade".

10. Em consequência do que antecede, ao absolver o arguido a Mmª Juiz violou o disposto no art. 127.º do Cód. Processo Penal e os arts. 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, aI. a) do CP.

11. Porque assim o impõe a prova produzida, requer o Ministério Público que a correção do erro de julgamento ora invocado seja efetuada por Vªs Exas alterando a matéria de facto da sentença nos termos acima expostos, uma vez que os autos contêm todos os elementos para proferir decisão definitiva.

12. Não olvidando a alteração de factos que aquela operação consubstanciará, tal alteração assume natureza "não substancial" por força do afastamento do preenchimento da previsão do art. 1.º, aI. f) do CPP, já que nenhuma imputação de crime diverso ou agravamento dos limites máximos das sanções aplicáveis (por referência à acusação) dela decorre.

13. E tratando-se de alteração de tal natureza não se impõe que se dê ao arguido a possibilidade de (novo) exercício do contraditório porquanto, ao momento da Douta Decisão Superior, o exercício de tal direito já terá sido possibilitado pela apresentação de resposta ao presente recurso (cfr. decidido em situação semelhante à dos autos pelo recente e douto ac. do TRE de 12.9.2017, publicado in www.dgsi.pt).

14. Perante a matéria de facto (provada e não provada) fixada em conformidade com requerido no presente recurso, preenchidos estarão tanto os elementos objetivos ­porque se imporá a conclusão de que o arguido conduziu em estado de embriaguez, na via pública, o veículo de matrícula - TQ - como os elementos subjetivos do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, impondo-se a condenação do arguido pela prática do mesmo.

15. Na determinação da pena concreta a aplicar ao arguido, releva, a nível da culpa, a natureza dolosa da sua atuação.

16. Atendendo ao grau de ilicitude dos factos, à culpa do agente e às fortes exigências de prevenção geral bem como as diminutas exigências de prevenção especial, entende-se que, dentro da moldura abstrata aplicável, será cumprido o disposto nos arts. 40.º, 47.º, 70.º e 71.º do Código Penal se for aplicada ao arguido uma pena de multa.

17. In casu, o arguido conduziu com uma TAS de 1,786 gr./l, bem distante do mínimo legal considerado crime, premissa que, sendo objetiva, configura um grau de ilicitude mediano-elevado.

18. Por outro lado, relevam as elevadíssimas exigências de prevenção geral derivadas da circunstância de estarmos perante um ilícito recorrente e que em muito contribui para o elevado número de mortes verificado a nível nacional.

19. Releva igualmente, a nível da culpa, a natureza dolosa da atuação do arguido ­concretamente o dolo direto com que atuou.

20. Releva em sede de pena acessória a acentuada necessidade de prevenção da perigosidade do agente, atento o efeito pretendido pela aplicação desta pena ­essencialmente dissuasor - não podendo a mesma deixar de ser fixada em função do grau de alcoolemia.

21. No caso concreto, a TAS detetada é bastante superior ao mínimo previsto para efeitos de criminalização da conduta, não podendo a concreta pena acessória coincidir com o limite mínimo quando também não coincide com esse limite aquela taxa (neste sentido, AC. RC de 5.3.2000, in www.dgsi.pt).

22. As penas, para o serem, têm que ser sentidas por quem as sofre, causando-lhes transtorno e sacrifício, sob pena de não produzirem qualquer efeito útil.

23 In casu, só a condenação do arguido em 50 dias de multa à taxa diária de € 8 (considerando os rendimentos mensais do arguido e a ausência de despesas fixas) e em 4 meses de inibição de conduzir veículos serão ajustadas e adequadas, em conformidade com tudo o que fica invocado.

Pelo exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em pena de 50 dias de multa, à taxa diária de € 8, e na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados por um período de 4 meses, fazendo-se, desta forma, JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Arguido, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«I) O recurso interposto é manifestamente improcedente.

II) Efetivamente, a douta sentença, ora recorrida, não merece qualquer censura.

III) E como consta da douta sentença “não resultou demonstrado o local onde o arguido conduzia o veículo, sendo que o mesmo tem, necessariamente, que corresponder a uma artéria de comunicação terrestre que preencha as características definidas no citado artigo 1.º, alíneas v) e x), do Código da Estrada.”

IV) O próprio agente autuante não sabia de que estrada ou caminho se trata!!

V) Acontece que como consta da sentença “É do conhecimento geral, ponderado o mapa da área que próximo ao Hospital Veterinário (…) existem diversas vias e caminhos” e nem todos são vias públicas ou equiparadas!

VI) Nos termos do disposto no artigo 292.º do Código Penal e as alíneas v) e x) do artigo 1,º do Código da Estrada, o tipo de via é um dos elementos objetivo do tipo de crime.

VII) Da qual o Ministério Público, não conseguiu fazer prova.

VIII) E mesmo se procedendo a uma alteração não substancial dos factos, nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, como pretende o Ministério Público

IX) A verdade é que, de acordo com o depoimento da testemunha supra mencionada nunca se conseguiria apurar o local concreto onde ocorreu o crime que é imputado ao ora arguido!

X) Pelo que, bem andou o douto tribunal em absolver o ora réu do crime que lhe vinha a ser imputado por não preenchimento de um elemento objetivo do tipo.

Nestes termos e nos mais de direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Exas. deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida, fazendo-se, assim, a tão COSTUMADA JUSTIÇA.!!!»

Inconformado com a decisão judicial, datada de 10 de maio de 2018, que julgou intempestiva a nulidade que arguiu, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, o Ministério Público dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«1) Por douta sentença - recorrida - o arguido foi absolvido da prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, porque, em síntese, a Mmª juiz não considerou provado o local da prática dos factos e, consequentemente, que o arguido conduzisse o veículo de matrícula -TQ na via pública.

2) Decorre dos fundamentos da douta sentença que a Mmª juiz não julgou suficientes as declarações prestadas pelo arguido e pelo militar da GNR com vista a concretizar o local onde o arguido exercia a condução.

3) Mais decorre do texto da douta sentença que a Mmª juiz sentiu necessidade de consultar o mapa da área - o que fez em sede de elaboração de sentença e não em sede de audiência de discussão e julgamento.

4) Só do conhecimento do texto da douta sentença resultou o conhecimento, pelos intervenientes processuais (entre os quais obviamente o Ministério Público), das dúvidas da Mmª juiz e da necessidade por ela sentida de recorrer a elementos externos à prova produzida para tomar a decisão que tomou.

5) Assim, só em 1.2.2018, aquando da leitura da sentença, o MP tomou conhecimento das dificuldades sentidas pela Mmª juiz na concretização do local da prática dos factos.

6) Ao invés, o MP não teve dúvidas quanto ao local da prática dos factos e considerou realizadas no decurso do julgamento todas as diligências necessárias com vista ao esclarecimento do mesmo, pelo que não poderia requerer a realização de quaisquer outras sob pena de praticar atos ilegais porque inúteis.

7) Por esse motivo, também não podia o MP invocar em julgamento, perante a não realização de outras diligências, qualquer nulidade (que não requereu porque não considerou necessárias).

8) É inaplicável, in casu, o disposto no art.120.º, n.º 3, al. a) do CPP - preceito que a Mmª Juiz violou ao interpretar como interpretou no douto despacho recorrido.

9) A nulidade em apreço trata-se de uma nulidade de procedimento porquanto a Mm" juiz não determinou a realização de diligências que, a seu ver, permitiriam contrariar o juízo de insuficiência resultante (na sua ótica) das declarações prestadas.

10) Conforme expressamente defendido pelo Ac. do TRL de 19.2.2013 (publicado in www.dgLpt), o prazo para invocação de nulidade de procedimento como a ora em apreço é o prazo de dez dias previsto no art. 105.º do CPP, se outro não resultar (como não resulta) do n.º 3 do art. 120.º, sendo que, tratando-se de nulidade decorrente do conhecimento do teor de sentença (como se trata), tal prazo inicia-se precisamente com tal conhecimento.

11) Consequentemente, tendo a leitura da sentença ocorrido em 1.2.2018 e a nulidade sido arguida em 11.2.2018, é tempestiva aquela arguição.

12) Por outro lado, decorrendo do texto da douta sentença recorrida que a MMª juiz considerou necessário o recurso ao mapa da área (em complemento à prova produzida - refira-se - uma vez que tal consulta nem sequer ocorreu no decurso da audiência de discussão e julgamento) é forçoso concluir que considerou essenciais outras diligências com vista ao apuramento do local dos factos.

13) Nesta sequência, não tendo determinado a realização de todas as diligências que se lhe afiguraram essenciais à descoberta da verdade (fosse a que realizou apenas no momento da elaboração da sentença, fosse qualquer uma das sugeridas pelo MP no requerimento de invocação da nulidade, fosse ainda qualquer outra para o mesmo fim), violou o disposto no art. 340.º do CPP e o princípio da investigação ou da oficiosidade que em processo penal vigora e impõe ao julgador que ordene a produção de todos os meios de prova que se lhe apresentem como necessários à descoberta da verdade, seja a requerimento seja oficiosamente.

14) Bastaria à Mmª Juiz oficiar ao ope para que prestasse os esclarecimentos que tinha por necessários, interromper a audiência para que o agente autuante (sabedor do local da interceção) lograsse obter a denominação da via e transmiti-la aos autos ou proceder à simples consulta do Google Maps e impressão da área de Valverde/Mitra (próxima do Hospital Veterinário da Universidade de Évora) e subsequente exibição da mesma ao arguido e ao agente autuante para que indicassem o local concreto e, dessa forma, ficasse esclarecida a denominação do mesmo ou até, em último recurso, deslocar-se ao local, para dissipar todas as dúvidas que subsistiram no seu espírito de julgador.

15) Não o fazendo, violou os citados preceito e princípio legais, incorrendo na nulidade processual prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), parte final, do CPP, da qual decorre a invalidade de todos os atos subsequentes à audiência, nos termos do art. 122.º do CPP, aí se incluindo a sentença proferida.

Em consequência, ao declarar não verificada a nulidade invocada e considerá-la intempestivamente invocada, a Mma Juiz violou e fez errada interpretação e aplicação das normas constantes do art. 340.º e 120.º, n.ºs 2, al. d) e n.º 3, 122.º e 105.º do CPP.

Termos em que deve tal despacho ser revogado e ser substituído por outro que:

i) declare tempestivamente invocada a nulidade suscitada por requerimento apresentado em 11.2.2018;

ii) declare verificada tal nulidade e, em consequência;

a) declare a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todos os atos subsequentes, incluindo a sentença proferida (e recorrida);

b) determine a reabertura da audiência para a realização de qualquer uma das diligências supra identificadas ou qualquer outra que se afigure apta à concretização da denominação da via onde circulava o arguido, permitindo, dessa forma, a conclusão de que se trata de via pública ou equiparada, tal qual exigido pelo art. 1.º, alíneas v) ou x) do Código da Estrada.

Mas VªS Exas farão seguramente a costumada Justiça.»

O recurso foi admitido.
Não houve resposta.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, aderindo aos fundamentos constantes dos recursos interpostos, emitiu parecer no sentido da sua procedência.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Posto isto, e vistas as conclusões do recurso, a esta Instância são colocadas as questões:

- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;

- da verificação da nulidade prevenida no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal.
û
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«A) No dia 29 de Janeiro de 2018, pelas 19H39, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula TQ, em Évora.

B) Submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, apresentou uma taxa de álcool no sangue de 1,88g/l, que deduzido o erro máximo admissível se cifra em 1,786 gr/l.

O arguido é vaqueiro, auferindo mensalmente a quantia de €1.000.

O arguido é solteiro, vivendo maritalmente com a sua companheira, a qual é trabalhadora agrícola, auferindo mensalmente a quantia de cerca de €600.

E) O arguido tem uma filha com mais de 30 anos de idade, a qual é financeiramente independente.

F) O arguido reside na herdade onde trabalha, em habitação fornecida pela entidade empregadora, não suportando qualquer quantia a esse título.

G) O arguido frequentou o sistema de ensino até ao 4.º ano de escolaridade.

H) O arguido não tem averbada qualquer condenação ao respetivo certificado do registo criminal.»

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:

«1) Que os factos descritos em A) tenham ocorrido no Posto da Guarda Nacional Republicana.

2) Que o arguido tenha agido de forma livre, voluntária e consciente, ciente que a sua conduta lhe estava legalmente vedada.

Não resultaram provados outros factos, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem qualquer relevância para a boa decisão da causa

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«A convicção do tribunal estribou-se, no que respeita aos factos pelos quais o arguido vinha acusado, na prova documental constante dos autos e nas declarações produzidas pelo arguido e pela testemunha PP (militar da Guarda Nacional Republicana) em audiência de discussão e julgamento.

A prova da data e hora dos factos, da taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, de que a mesma resultou de pesquisa de sangue no ar expirado, das características do veículo e da autoria da factualidade descrita resultou do cotejo do teor do auto de notícia de fls. 3 e do talão de fls. 5 com as declarações produzidas pelo arguido que de modo espontâneo e sereno admitiu a prática dos factos, tendo o militar da Guarda Nacional Republicana corroborado ter fiscalizado o arguido nas referidas circunstâncias.

Sobre o local onde a factualidade ocorreu, mencionou o arguido, com espontaneidade e firmeza, desconhecer a denominação da via, apenas sabendo precisar ter sido fiscalizado na zona da herdade da Mitra.

Por sua vez, PP, prestando um depoimento espontâneo e isento, explicitou que apôs o local "Posto da Guarda Nacional Republicana" no auto de notícia porquanto foi ali que se realizou o teste quantitativo de pesquisa do álcool no ar expirado. Referiu que a fiscalização do arguido ocorreu junto ao Hospital Veterinário, não logrando indicar, o que fez denotando agastamento, a denominação da via onde ocorreu a fiscalização e na qual foi realizado o teste qualitativo que, por apresentar resultado positivo, motivou a condução do arguido ao posto da Guarda Nacional Republicana.

Questionado, o militar explicitou que o local será um caminho municipal ou um caminho público ou uma estrada regional, crendo tratar-se da estrada que liga a localidade de Valverde à Estrada Nacional 380.

Ponderadas as declarações produzidas pelo arguido e pelo militar da Guarda Nacional Republicana, é forçoso concluir que o local dos factos não foi o posto da Guarda Nacional Republicana, pelo que o facto descrito em 1) não resultou demonstrado.

É do conhecimento geral, ponderado o mapa da área, que próximo do Hospital Veterinário (que supõe-se tratar-se do Hospital Veterinário da Universidade de Évora situado próximo da herdade da Mitra, atentas as declarações do arguido que referiu ter sido fiscalizado na zona desta herdade) existem diversas vias e caminhos.

Pese embora a menção, pelo militar da Guarda Nacional Republicana, que o local onde ocorreu a fiscalização é uma via pública, tal declaração tem carácter conclusivo, sendo do conhecimento geral que existem caminhos não afetos ao trânsito público na zona da Herdade da Mitra.

Do cotejo da prova produzida e na ausência de outros meios de prova que permitam determinar em concreto o local onde o arguido conduzia o veículo e onde foi fiscalizado, não resultou demonstrada a factualidade descrita em 1) e 2).

No que tange às condições socioeconómicas do arguido o tribunal tomou em consideração as declarações por aquele prestadas por se afigurarem verosímeis, atendendo à forma espontânea e clara com que foram produzidas.

Relativamente aos antecedentes criminais o tribunal valorou o certificado do registo criminal junto aos autos.»
û
Conhecendo.
(i) Da nulidade decorrente da omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade

Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:

a. A sentença foi proferida no dia 1 de fevereiro de 2018.

b. No dia 11 de fevereiro de 2018, o Ministério Público fez juntar ao processo requerimento com o seguinte teor [transcrição]:

«A magistrada do MP vem invocar a verificação da nulidade prevista no art.º 120.º, n.º 2, al. d) do CPP – “omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade…” – o que faz nos seguintes termos:

1. Nos autos de proc. sumário n.º 14/18.4GDEVR, foi o arguido sujeito a julgamento pela prática de crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º do CPPenal, tendo o Ministério Público lançado mão da faculdade prevista no art. 389.º do CPP – isto é, apresentando o arguido a julgamento mediante a substituição da apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia.

2. O arguido foi absolvido por ter a Mmª Juiz concluído que não resultou demonstrado o local onde aquele conduzia o veículo, sendo que o mesmo tem, necessariamente, que corresponder a uma artéria de comunicação terrestre que preencha as características definidas no citado artigo 1.º, alíneas v) e x) do Código da Estrada (cfr. douta sentença).

3. Salvo o devido respeito, não pode concordar-se com tal conclusão, porquanto, na nossa ótica, resultou demonstrado tal local apesar de não ter sido concretizada a denominação da via. Por tal motivo, não lançou o MP mão do disposto no art.º 340.º do CPP com vista à realização de diligências.

4. O Ministério Público só se percebeu da necessidade/essencialidade de outras diligências para o Tribunal recorrido aquando do conhecimento da douta sentença.

5. Com efeito, apesar dessa necessidade/essencialidade não ser mencionada no texto da sentença, da sua leitura não podemos deixar de retirar que as declarações do arguido e do agente autuante não foram suficientes à Mmª Juiz para ultrapassar a incorreção verificada no auto de notícia quanto ao local dos factos – incorreção que se assume, tendo a sua causa sido explicada pelo agente autuante em sede de audiência – e considerar provado que os mesmos ocorreram na estrada principal que liga Valverde à Estrada Nacional 380. E dando por provado este facto imperiosa seria a conclusão da que o arguido conduzia em via pública.

6. E, se não forem suficientes aquelas declarações, tinha a Mmª Juiz à sua disposição diversas formas de saber o local correto dos factos para além da concretização efetuada no decurso da audiência – a título de exemplo, bastaria oficiar ao OPC para que prestasse tais esclarecimentos ou interromper a audiência para que o agente autuante (sabedor do local da interceção) lograsse obter a denominação da via e transmiti-la aos autos ou proceder à simples consulta do Google Maps e impressão da área de Valverde/Mitra, próxima do Hospital Veterinário da Universidade de Évora, e subsequente exibição da mesma ao arguido e ao agente autuante para que indicassem o local concreto e, dessa forma, ficasse esclarecida a denominação do mesmo ou até, em último recurso – deslocar-se ao local (diligência que se anota porque possível, estando certos, porém, que qualquer uma das outras seria suficiente).

7. Podendo a Mmª Juiz determinar a realização de diversas diligências com vista ao esclarecimento dos factos, entendemos que se lhe impunha fazê-lo uma vez que em processo penal vigora o princípio da investigação ou da oficiosidade, devendo o Tribunal ordenar a produção de todos os meios de prova que se lhe apresentem como necessários à descoberta da verdade, seja a requerimento seja oficiosamente – princípio este que se encontra plasmado no art. 340.º, n.º 1 do CPP.

8. E não o tendo feito, incorreu na nulidade processual prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), parte final, do CPP, que ora se invoca.

9. A arguição desta nulidade é tempestiva porquanto, como decidiu o douto acórdão do TRL de 19.2.2013 (publicado em www.dgsi.pt), tratando-se de nulidade de procedimento, está sujeita “ao regime de invocação e sanação das nulidades em geral, decorrente dos art.ºs 120.º e 121.º” do Código de Processo Penal, tendo que ser invocada no prazo de dez dias (art.º 105.º, n.º 1 do CPP) se outra coisa não resultar do n.º 3 do mesmo art.º 120.º; e tratando-se de nulidade decorrente do conhecimento do teor da sentença – como efetivamente se trata na medida em que até à leitura da mesma o MP estava convencido de que a prova produzida era suficiente para dar por provado com a certeza e concretização exigíveis e indispensáveis, o local da prática dos factos ainda que sem menção à denominação da via – então em o MP dez dias desde esse conhecimento para invocar a nulidade em questão.

10. Em consequência da nulidade invocada, todos os atos subsequentes à audiência são inválidos, nos termos do art. 122.º do CPP, aí se incluindo a sentença proferida.

Nestes termos requer-se a Vª Exª que:

- declare verificada a nulidade invocada;

- declare nula a sentença;

- determine a reabertura da audiência par realização de qualquer uma das diligências supra identificadas ou qualquer outra que se afigure à Mmª Juiz apta à concretização da denominação da via onde circulava o arguido (permitindo, dessa forma, a conclusão de que se trata de via pública ou equiparada, tal qual exigido pelo art. 1.º, alíneas v) ou x) do Código da Estrada – cfr. douta sentença).»

c. A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:

«A fls. 53 e seguintes, por requerimento remetido em 11 de Fevereiro de 2018, o Ministério Público veio arguir a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todos os atos subsequentemente praticados (incluindo a sentença proferida) com fundamento na omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, pugnando pela reabertura da audiência de discussão e julgamento para realização de diligências de prova que elenca ou de quaisquer outras que ao tribunal se afigurem aptas à concretização da denominação da via onde circulava o arguido.

Notificado para se pronunciar, querendo, o arguido nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

Estatui o artigo 118.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, que "1 - A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. 2 - Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular.".

Determina o artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Penal, que "2 ­Constituem nulidades dependentes de arguição, além das que forem cominadas noutras disposições legais: d) A insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.".

Este normativo prevê a verificação de uma nulidade por "omissão de atos processuais na fase de julgamento, a qual está dependente de arguição.

De acordo com o n.º 3, do citado artigo 120.º, do Código de Processo Penal, "3 - As nulidades referidas nos números anteriores devem ser arguidas: a) Tratando-se de nulidade de ato a que o interessado assista, antes que o ato esteja terminado; b) Tratando-se da nulidade referida na alínea b) do número anterior, até cinco dias após a notificação do despacho que designar dia para a audiência; c) Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito; d) Logo no início da audiência nas formas de processo especiais."

Estatui o artigo 283.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, que "3 - A acusação contém, sob pena de nulidade: a) As indicações tendentes à identificação do arguido; b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; c) A indicação das disposições legais aplicáveis; d) O rol com o máximo de 20 testemunhas, com a respetiva identificação, discriminando-se as que só devam depor sobre os aspetos referidos no n." 2 do artigo 128.0, as quais não podem exceder o número de cinco; e) A indicação dos peritos e consultores técnicos a serem ouvidos em julgamento, com a respetiva identificação; f) A indicação de outras provas a produzir ou a requerer; g) A data e assinatura.".

De acordo com o disposto no artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, que "1 - Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.".

O artigo 1.º, alíneas v) e x), do Código da Estrada, define que "Para os efeitos do disposto no presente Código e legislação complementar, os termos seguintes têm o significado que lhes é atribuído neste artigo: v) «Via equiparada a via pública» - via de comunicação terrestre do domínio privado aberta ao trânsito público; x) «Via pública» - via de comunicação terrestre afeta ao trânsito público;".

Da conjugação dos citados artigos 292.º, n.º 1 , do Código Penal, e 1.º, alíneas v) e x), do Código da Estrada, resulta que são elementos objetivos deste tipo de crime a condução, pelo arguido, de veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, apresentando uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/litro.

Da acusação têm pois que constar factos que preencham tais elementos objetivos (e bem assim os elementos subjetivos do tipo) e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento tem que resultar demonstrada factualidade que ao tipo de ilícito se subsuma.

Nos presentes autos o Ministério Público deduziu o seguinte despacho: "Apresente-se este expediente ao(à) Exmº(ª). Sr(ª). Juiz, requerendo-se o julgamento do arguido em processo sumário, nos termos do disposto no art.º 381º, do Cód. Proc. Penal, imputando-se-lhe os factos descritos no auto de notícia em anexo que o arguido praticou livre, voluntária e conscientemente, ciente que lhe estavam legalmente vedados, pelo que incorreu na prática de um crime p. e p. pelos art.ºs 292.º e 69.º, n.º 1, al. a), do Cód. Penal. Nos termos do disposto no art.º 389.º, n.º 1, do C.P.P. requer-se a substituição da apresentação de acusação pela leitura do auto de notícia.".

Do auto de notícia de fls. 3 (para o qual remete a acusação pública) consta a data (29/01/2018), hora (19H39) e local (Posto da Guarda Nacional Republicana de Évora) dos factos, a identificação do arguido JJ, do veículo "ligeiro de passageiros com a matrícula TQ", e a taxa de alcoolemia apresentada (1,88 g/l), que deduzida do erro máximo admissível corresponde a 1,786 g/l.

Em 30 de Janeiro de 2018 (cfr. fls. 35 e seguintes) foi realizada audiência de discussão e julgamento, à qual compareceu o Ministério Público, tendo resultado da prova produzida (documentação junta aos processo e bem assim declarações prestadas pelo arguido e pelo militar da Guarda Nacional Republicana PP), conforme sentença proferida a fls. 39 e seguintes, que os factos não ocorreram no Posto da Guarda Nacional Republicana de Évora (o que o Ministério Público não questiona nem no requerimento de fls. 52 e seguintes nem aliás no recurso que entretanto interpôs a fls. 51 e seguintes).

De acordo com a fundamentação constante da referida sentença, também não foi possível ao tribunal concluir sobre o local onde o arguido conduzia o veículo.

As diligências só agora indicadas pelo Ministério Público a fls. 52 e seguintes, não só não foram (como podiam ter sido) por este requeridas em sede de audiência de discussão e julgamento, como o tribunal também não considerou que as mesmas fossem essenciais in casu.

Efetivamente, o tribunal procedeu à audição do arguido e do agente autuante Pedro Pinto de cujas declarações resulta que sempre seria inútil qualquer interrupção para obtenção de elementos (quais?) e bem assim qualquer deslocação ao local porquanto se desconhecia precisamente que local era o dos factos.

Acresce que conforme resulta da fundamentação da sentença proferida, procedeu-se a consulta do mapa da área.

Assim, das diligências que o tribunal reputou essenciais, e que foram realizadas, não foi possível apurar o local (sendo que não é apenas a denominação da via mas também a sua localização e características) dos factos.

O Ministério Público (que esteve na sessão de julgamento realizada) não poderia ignorar, atento o crime que estava imputado ao arguido e a prova produzida, da qual resultou que o local (Posto da Guarda Nacional Republicana de Évora) indicado na acusação não resultava demonstrado, que para o preenchimento dos elementos objetivos do tipo sempre seria imperiosa a demonstração do local onde o arguido exerceu a condução do veículo.

Do supra exposto, forçoso é concluir que não foi requerida, na própria sessão de julgamento realizada em 30 de Janeiro de 2018, na qual esteve presente o Ministério Público, qualquer diligência de prova que permitisse a demonstração do local dos factos.

Considerando a data em que foi realizada a audiência de discussão e julgamento (30 de Janeiro de 2018) e a do requerimento remetido pelo Ministério Público (11 de Fevereiro de 2018) a fls. 53 e seguintes, no qual veio arguir a nulidade da audiência de discussão e julgamento e de todos os atos subsequentemente praticados (incluindo a sentença proferida) com fundamento na omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, mostra-se intempestiva a arguição, a fls. 53 e seguintes, da referida nulidade.

Sem embargo, sempre se considera, pelo supra exposto, não verificada a nulidade da audiência de discussão e julgamento nos termos pugnados pelo Ministério Público por o tribunal não ter considerado essenciais outras diligências de prova que conduzissem à demonstração do facto sub judice.

Pelo exposto, julgo intempestiva a arguida nulidade por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, a qual sempre se julga não verificada, não se anulando a audiência de discussão e julgamento, nem a sentença proferida nem se determinando a reabertura da audiência.»

Usando da contenção argumentativa aconselhada pela simplicidade das questões que nos são colocadas, diremos que da tramitação do processo que se deixa assinalada decorre que a Senhora Juíza que presidiu à audiência de julgamento se quedou por questões de forma, na sentença que nele proferiu, deixando prevalecer o lapso manifesto que consta do auto de notícia.

Porque chegada ao impasse probatório que assinalou na sua sentença sobre o local onde o Arguido foi intercetado pelo agente da Polícia de Segurança Pública e submetido ao teste qualitativo de pesquisa de álcool no sangue, se impunha que encetasse as diligências adequadas a superá-lo – nomeadamente, deslocando-se ao local, tanto mais que os factos ocorreram na cidade de Évora – e determinasse se o mencionado local é ou não via pública ou equiparada.

E não tendo sido esse o seu procedimento, omitiu diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade.

Pelo que se mostra violado o disposto no n.º 1 do artigo 340.º do Código de Processo Penal e ocorre a nulidade prevenida na última parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do mesmo diploma legal.

Nulidade que foi tempestivamente arguida, pois só com o acesso à sentença se poderia perceber que o Tribunal recorrido omitiu diligência essencial à descoberta da verdade.

E, tratando-se de vício procedimental, o seu prazo de arguição não é qualquer um dos assinalados nas diversas alíneas do n.º 3 do artigo 120.º do Código de Processo Penal, mas o geral de 10 (dez) dias consagrado no n.º 1 do artigo 105.º do mesmo compêndio legal.

O vício assinalado, face ao disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, acarreta a nulidade da audiência de julgamento e de todos os atos que se lhe seguiram, incluindo a sentença.

E determina a reabertura da audiência de julgamento, para a realização de diligência probatória que se afigure apta a determinar se a via onde foi levada a cabo a fiscalização policial é ou não uma via pública ou equiparada.

Procedendo o recurso da decisão interlocutória e tornando-se inútil a apreciação do recurso da decisão final.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se

- revogar a decisão interlocutória recorrida e em consequência, declarar a nulidade da audiência de julgamento e de todos os atos que se lhe seguiram, incluindo a sentença;

- determinar a reabertura da audiência de julgamento, para a realização de diligência probatória que se afigure apta a determinar se a via onde foi levada a cabo a fiscalização policial é ou não uma via pública ou equiparada;

- determinar a prolação de nova sentença.

Sem tributação.

Évora, 2018 novembro 22
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Renato Amorim Damas Barroso)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].