Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1462/13.1TBFAR.E2
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A liquidação de uma quantia em dívida, a que seja aplicável o critério da equidade estabelecido pelo artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, deve ter dois limites (máximo e mínimo) provados.
II - Caso se prove apenas um determinado valor correspondente à prestação em discussão, deve ser por este valor que se liquida a obrigação.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1462/13.1TBFAR.E2

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


(…), identificada nos autos, instaurou o presente incidente de liquidação contra (…).
Pede que pela procedência do incidente de liquidação, seja fixado em 61.250,00 euros o valor das quantias pagas pela Autora e (…) ao Réu em cumprimento do acordo referido no facto provado 7.º, acrescido ainda de juros de mora à taxa legal, contados desde a liquidação até integral pagamento.
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O requerido contestou.
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Depois de realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que liquidou a quantia em € 30.625,00.
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Desta sentença recorre o requerido terminando assim as suas alegações:
1- Pelo exposto somos a concluir, que a sentença proferida é nula por violar o disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Civil, uma vez que os seus fundamentos estão em oposição com a decisão;
2- O incidente de liquidação possuía todos os elementos necessários e suficientes mas apenas estes, para condenar o recorrente somente no pagamento do montante de € 7.500,00 da indemnização à recorrida;
3- A sentença proferida não deveria ter condenado o recorrente ao pagamento da quantia de € 30.625,00 uma vez que não se provou o pagamento de qualquer outro montante pela recorrida ou ex-marido (ou qualquer terceiro) ao recorrente desde o ano de 2002 a 2017;
4- Ao alicerçar a douta sentença no instituto da equidade o tribunal não valorou a utilização e rendimento que a recorrida retirou do uso próprio utilização por terceiros e arrendamento que o bem (casa … da ilha da …) produziu ao longo de 15 anos,
5- Deverá assim ser declarada nula a presente sentença e proferido douto acórdão que em conformidade com o alegado, fixe em € 7.500,00 a quantia que o recorrente deverá pagar à recorrida.
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A requerente contra-alegou defendendo a manutenção do decidido e ainda a condenação do recorrente como litigante de má fé.
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Começaremos pela questão da nulidade da sentença.
Alega o recorrente:
«Sem menosprezar, o alcance, o valor e a importância do instituto de equidade (art.º 4.º do Código Civil) para a fixação da indemnização em dinheiro (art.º 566.º, n.º 3) e para a qual não foi possível alcançar valores concretos, daríamos o nosso assentimento se não existisse nos autos quaisquer outros elementos ou comprovativos de valores pagos ou entregues pela recorrida (ou ex-marido) ao recorrente.
«Mas provou-se, à saciedade dos factos e essa prova foi feita apenas pelo recorrente e desde o início do processo, que contra todos os ventos e marés ou o que quer que se diga neste processo, o Recorrente nada mais recebeu.
«É assim facto que esta prova iniludível foi feita e confirmada nos autos – a de que recebeu € 7.500,00 – quantia essa e apenas essa que deveria ser condenada a devolver à recorrida.
«Ao decidir como decidiu, a sentença proferida viola, em nosso entender, o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do Cód. Proc. Civil dado que “os fundamentos estão em oposição com a decisão”, daí resultando uma causa de Nulidade de sentença que fundamenta o presente recurso».
Não se vê como disto retira o recorrente a conclusão que a sentença é nula.
Qual foi o fundamento invocado na sentença para a decisão? A equidade. E foi a decisão contrário a esse fundamento?
Claro que não; pelo contrário, a sentença optou por aplicar o critério da equidade e foi precisamente por isso que decidiu como decidiu.
Ou seja, a decisão é congruente com a fundamentação.
Assim, julga-se improcedente a arguição.
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A matéria de facto é a seguinte:
1º-Na sentença proferida a fls. 170 e seguintes da acção, consta sob a parte decisória, o seguinte:
«Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide:
a) Condenar o Réu a pagar à Autora o valor da diferença entre (i) o valor total pago pela Autora e (…) ao Réu em cumprimento do acordo referido no facto provado nº 7 e (ii) o valor concreto do uso e fruição pela Autora da casa nº (…) da Ilha da (…), desde a celebração de tal acordo e até entrega da casa ao Réu, a liquidar;
b) Condenar a Autora a restituir ao Réu a casa nº (…) situada na Ilha da (…), Faro;
c) Julgar improcedentes todos os demais pedidos e pedidos reconvencionais formulados; e
d) Condenar a Autora e o Réu nas custas da acção, na proporção de metade para cada um.»
2º-Ainda nessa sentença, na Fundamentação de facto, consta como factos provados 7º, 8º, 9º e 10º, o seguinte:
«7- Em data não determinada do ano de 2002, a Autora e (…) acordaram verbalmente com o Réu comprar-lhe a referida casa n.º (…) da Ilha da (…), pelo preço de € 65.000,00.
«8- Por motivos da amizade que tinha com o falecido (…), o Réu acordou com este que o pagamento do preço da casa seria efectuado faseadamente, à medida das possibilidades de (…).
«9- Pelo mesmo acordo, as partes estabeleceram que a Autora e (…) entrariam imediatamente na posse do referido imóvel, para nele poderem executar as obras necessárias para que a Autora e (…) lá instalassem um estabelecimento comercial de gelataria, o que efectivamente veio a acontecer em Agosto de 2003.
«10- Na sequência do acordado, a Autora e (…) pagaram faseadamente ao Réu quantia não concretamente apurada, ficando por pagar quantia não determinada, mas pelo menos igual a € 1.700,00.»
3º-Inconformada com a sentença acima referida, a Autora interpôs recurso, que foi admitido, tendo sido, a final, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, o acórdão junto a fls. 232 e seguintes, onde consta, sob a parte decisória, o seguinte:
«Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se a decisão na parte que condenou a recorrente (…) a pagar ao Réu (…) o valor concreto do uso e fruição da casa nº (…) da Ilha da (…), desde a celebração de tal acordo e até entrega da casa ao mesmo Réu, absolvendo-a.»
4º-O acórdão acima referido transitou em julgado.
5º-Para além do que acima consta como facto provado 10º da sentença referida em 1º, a Autora e (…) entregaram ao Réu diversas quantias de montante concretamente não apurado, mas não inferiores ao montante global de 7.500,00 euros.
Não resultou provado o seguinte facto:
1º- Que, sem prejuízo do que ficou a constar como facto provado 10º da sentença referida em 1º, a Autora e (…) entregaram ao Réu a concreta quantia global de 61.250 euros;
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A decisão exequenda é a seguinte:
Condena o R. no pagamento do valor das quantias que lhe foram pagas pela Autora e (…) em cumprimento do acordo referido no facto provado 7.º.
Assim, o que importa apurar é qual foi esse valor.
Por um lado, temos como não provado que tivesse sido paga a quantia de € 61.250, ou seja este valor não pode ser utilizado; é um valor, por assim dizer, inexistente.
Por outro lado, está provado que Autora e (...) entregaram ao Réu diversas quantias de montante concretamente não apurado, mas não inferiores ao montante global de 7.500,00 euros.
Este valor, pelo menos, está provado — e só este.
Com efeito, do que consta do n.º 10 da exposição da matéria de facto apenas se retira a conclusão que ficou dinheiro (do preço) por pagar; no que diz respeito a pagamentos acaba por ser um facto negativo pois que nada de concreto se apura.
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Se bem repararmos na sentença, o que esta fez foi dar como entregue (mesmo que realmente o não tenha sido, dado que se trata tão só de estabelecer limites dentro dos quais a condenação será feita) o preço da casa.
Este é um limite, sem dúvida nenhuma mas isto não significa que seja um dos limites a que a lei se refere no art.º 566.º, n.º 3, Cód. Civil: «o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados». A prova do preço será um destes limites?
Cremos que não.
O recorrente alega que a «sentença proferida não deveria ter condenado o recorrente ao pagamento da quantia de € 30.625,00 uma vez que não se provou o pagamento de qualquer outro montante». Não estando provado qualquer outro pagamento, só resta condenar no montante que se apurou.
E não há lugar à aplicação do critério utilizado na sentença pois que não dispomos de elementos que permitam fixar uma dada quantia entre dois valores; só temos um valor.
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Em relação à condenação do recorrente como litigante de má fé, apenas se dirá que os autos em nada indiciam uma situação dessas.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se fixa o montante em dívida em € 7.500,00.
Custas pela recorrida.
Évora, 8 de Novembro de 2018
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos