Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
390/14.8TBBNV.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: SEGURO DE CRÉDITOS
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O questionário é uma forma da declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura, em ordem a permitir à seguradora uma ponderação dos riscos que vai assumir com a celebração do contrato; não tendo a natureza de cláusula geral, a seguradora não se encontra vinculada aos deveres de comunicação e esclarecimento decorrente do regime do DL 446/85, de 25 de Outubro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 390/14.8TBBNV.E1
Tribunal Judicial da comarca de Santarém
Juízo Central Cível de Santarém – Juiz 2


I. Relatório
(…), residente na Estrada Nacional n.º (…), em (…), instaurou contra “(…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.”, com sede na Av. (…), n.º (…), em Lisboa, acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da ré no pagamento da quantia de € 180.226,44 (cento e oitenta mil duzentos e vinte seis euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados à taxa legal até efetivo e integral pagamento.
Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado com a demandada no ano de 2006 os dois contratos de seguro do ramo de vida que identificou através das apólices emitidas, associados a contrato de empréstimo para aquisição de habitação, os quais incluíam as coberturas de morte e invalidez permanente. Tendo-lhe sido atestada em 2011 uma incapacidade permanente global de 85%, decorrente de doença degenerativa ainda não diagnosticada cujos sintomas se iniciaram em 2009, interpelou a ré para proceder à entrega do capital contratado, o que esta se recusou a fazer, invocando terem sido omitidas pelo demandante, aquando da celebração dos contratos, patologias pré-existentes. Mais alegou que tal não é rigoroso, uma vez que respondeu com verdade a todas as questões que então lhe foram colocadas, sendo a ré devedora das quantias peticionadas.
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Citada, contestou a ré nos termos da peça que consta de fls. 49 a 67, na qual arguiu a excepção da ilegitimidade activa por se encontrar o autor desacompanhado de (…), que com ele aderiu ao contrato de seguro titulado pela apólice (…), tornando-se ambos pessoas seguras e sendo ambos titulares do direito a eventual remanescente de capital seguro, cujo beneficiário, até ao limite do empréstimo concedido e ainda em dívida, é o Banco (…).
Alegou ter procedido à anulação do contrato de seguro em questão dado que o autor omitiu, aquando da elaboração da sua proposta de adesão, factos que tinha o dever de revelar, ocultando os reais condicionalismos do risco, maneira que, tivessem sido tais factos conhecidos e a contestante não teria aceitado a adesão do autor ou, pelo menos, não a teria aceitado nos mesmos termos e condições, donde não ter cabimento o pagamento da quantia reclamada. Mais invocou a cláusula de exclusão constante da al. c) do art.º 3.º das condições especiais contratadas, o que sempre imporia a sua absolvição do pedido formulado.
O autor fez intervir a indicada (…), a qual veio aos autos declarar que aderia aos articulados por aquele apresentados (cfr. fls. 169 v.º), tendo ainda respondido à matéria das excepções.
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Teve lugar a audiência prévia e nela, após prolação de despacho saneador tabelar, prosseguiram os autos com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova sentença que decretou a improcedência da acção, absolvendo a ré do pedido.
Inconformado, interpôs o autor o presente recurso e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final (desnecessariamente longas e repetitivas) conclusões, que assim se sintetizam:
i. Foram mal julgados os factos provados em 26., 27., 28. e 29. da sentença e ainda os factos dados como não provados em 8., 9. e 10., os quais deveriam ter sido dados como provados face à prova produzida nos autos, nomeadamente os depoimentos prestados pelo autor e pela interveniente (…), nas passagens identificadas;
ii. Dos factos provados 18., 19., 20., 21. e 22. resulta que os sintomas descritos nos referidos relatórios e as sequelas da hemorragia subaracnoídea sofrida em 2012 nada têm a ver com o tumor que o recorrente teve em 1994 e do qual ficou totalmente curado, nem com as sequelas daquele tumor, pois durante mais de 20 anos trabalhou e fez a sua vida como qualquer pessoa normal, como se nunca tivesse tido aquele problema e apenas em 2012, quando começou a perder massa muscular e teve uma hemorragia subaracnoídea -que, mais uma vez, conforme consta dos relatório médicos, nada tem em ver com o tumor que sofreu- e por já não se conseguir movimentar é que foi aconselhado a solicitar que lhe fosse atribuída uma incapacidade e foi reformado por incapacidade; caso as sequelas do tumor, que não eram visíveis, o impedissem de fazer a sua vida normal, como o recorrente fazia, os médicos ter-lhe-iam sugerido, como aconteceu em 2012, que requeresse a incapacidade, tendo a mesma, por essa razão, sido apenas atribuída em 2012 e não em 1997, pois o recorrente não sentia qualquer incapacidade decorrente do tumor.
iii. Dos mesmos depoimentos resulta ainda que o recorrente, quando celebrou o contrato de seguro, não ocultou nem mentiu em nada do que lhe foi perguntado, respondeu tão só às perguntas que lhe foram feitas pelo funcionário da empresa aquando da celebração do primeiro contrato de mútuo, sendo que as respostas às questões se mostravam já preenchidas, pelo que apenas assinou, juntamente com a restante documentação, nem leu, pois não tinha surgido qualquer problema de saúde, e o inquérito que acompanhou as provas físicas que teve de fazer para a celebração do contrato de mútuo – provas físicas que passou sem qualquer dificuldade – também não foi preenchido pela mão do recorrente, mas pela assistente do médico que estava no local, tendo-lhe apenas sido perguntado se nos últimos 10 anos tinha tido algum problema de saúde, ao que o recorrente respondeu com verdade que não.
iv. Na vida quotidiana dos cidadãos, quando adquirem habitação própria com recurso ao empréstimo bancário, o Banco (mutuante) propõe aos mutuários a subscrição de um contrato de seguro de vida, para que, em caso de morte ou incapacidade do segurado, a quantia ainda em dívida seja paga pela seguradora ao Banco. Estas propostas negociais adoptam o modelo de um contrato de adesão, cujas cláusulas os segurados não têm qualquer possibilidade de discutir ou negociar, e que, a mais das vezes, nem conhecem na sua totalidade por falta de transparência das entidades envolvidas, Bancos e Seguradoras, normalmente ligadas por vínculos jurídicos e pertencentes ao mesmo grupo financeiro.
v. Em face desta realidade socioeconómica, a lei (Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro) vem em auxílio da parte mais fraca, o segurado, impondo às entidades com poder negocial para redigir unilateralmente estes contratos deveres de informação e de comunicação, bem como proibindo, através de uma enumeração exemplificativa, um conjunto de cláusulas contrárias à boa-fé e ao equilíbrio das prestações.
vi. O art.º 5.º, n.º 1 do citado diploma rege para o dever de comunicação, estatuindo que "O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais." (n.º 3 do art.º. 5.º).
vii. A Seguradora Ré é responsável por não ter sido cumprido o dever de informação em relação ao segurado, devendo ser responsabilizada pelo incumprimento.
viii. A Seguradora não informou o segurado devidamente – aliás, nem sequer este leu a proposta de adesão nem o questionário clínico, nem o preencheu, apenas lhe foi perguntado se tinha tido algum problema nos últimos 10 anos –, nem lhe foram comunicadas as consequências de faltar a verdade e que tal tivesse impacto no risco, de forma a que a Seguradora tivesse a possibilidade de agravar os prémios ou alterar as condições do contrato em conformidade com os riscos acrescidos.
ix. Se não foram comunicadas ao recorrente as questões constantes do questionário, nem informado que devia declarar doenças pré-existentes, nem lhe foi perguntado se tinha sido submetido a alguma cirurgia, nem se tinha sofrido de tumor, e as consequências caso prestasse falsas declarações, ao recorrente deve ser declarada inoponível a mencionada cláusula, em virtude de incumprimento do dever de informação a cargo da Seguradora, por não ter informado o segurado das condições do contrato de seguro.
x. A questão sobre o recorrente ter tido um tumor não foi colocada em momento algum, tendo [a resposta] sido aposta não pela sua mão, sendo que nem leu os questionários da proposta de seguro.
xi. A referência a doenças pré-existentes e consequente obrigação de comunicação à Seguradora faziam parte das Condições do Contrato de Seguro de Vida Grupo que integravam a Apólice, que não foram lidas, nem o seu conteúdo informado ou explicado ao recorrente pela seguradora ou quem a representou na data da assinatura da apólice de seguro.
xii. Não se provou que esta cláusula tivesse sido comunicada ao segurado nem que lhe tivesse sido entregue a apólice juntamente com as Condições do Contrato.
xiii. Sendo assim, o dever de informação pelo recorrente de que tinha tido um tumor em 1994 tem como pressuposto a comunicação por parte da seguradora, quer da questão em concreto constante da apólice de seguro, quer da consequência de não declarar uma doença pré-existente, pelo que o autor não podia dar tal informação, já que o dever de a prestar não lhe foi comunicado pela seguradora.
xiv. O facto de o contrato de seguro de grupo implicar a participação de uma terceira entidade, o tomador de seguro, como é o caso dos autos, que angaria clientes para a seguradora e funciona como intermediário na promoção dos contratos, não pode ser utilizado como argumento jurídico para diminuir as garantias do cidadão, nem para exonerar a Seguradora – entidade que recebe os prémios dos mutuários e que com isso visa a obtenção de lucros – do cumprimento dos deveres de informação.
xv. O princípio da boa-fé na formação, celebração e execução dos contratos fundamenta também a vinculação das seguradoras a deveres de informação, cooperação e lealdade para com o segurado. A posição privilegiada do Banco, devido à circunstância de a subscrição do contrato de seguro se fazer nas instalações deste, não exonera a seguradora do dever de enviar ao segurado (e ao Banco), antes da data da aceitação do contrato, a documentação relativa ao mesmo, onde constem todas as cláusulas do contrato.
xvi. Em consequência do exposto deve entender-se que o dever de comunicação ou de informação deve estender-se também à seguradora, por força dos artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, e do princípio da boa-fé, que impõe deveres acessórios de informação, lealdade e cooperação.
xvii. Ora, não se provou que a seguradora tivesse comunicado ao recorrente as condições postas em causa neste contrato de seguro, nomeadamente a existência de uma doença pré-existente, facto imputável à Seguradora, que responde assim directamente perante o segurado pela falta de informação, ao contrário do que se refere a sentença.
xviii. O princípio da boa-fé e o princípio do equilíbrio das prestações, enquanto critérios interpretativos do contrato (arts. 237.º e 239.º do Código Civil) obstam a que se considere nesta situação excluída a cobertura, violando a equidade contratual que o recorrente possa ficar sem a prestação do serviço por falta de informação da cláusula que prevê o dever do tomador de seguro informar sobre as condições e consequências do contrato de seguro que está a aderir, e que tinha de referir que tinha tido um tumor, quando tal questão nunca lhe foi colocada, não tendo este sido informado das consequências de prestar falsas declarações.
xix. Em conclusão, pretendendo a seguradora invocar o incumprimento da obrigação do segurado comunicar uma doença pré-existente, a ela cabia o ónus da prova de ter cumprido o seu dever de informar o segurado e o Banco acerca dessa mesma obrigação, não podendo fundamentar a sua exoneração no art. 4.º, n.º 1, do DL 176/95, de 26/07, por tal resultado ser contrário à lei (arts 5.º e 6.º do DL 446/85, de 25-10) e ao princípio da boa-fé na formação e na execução dos contratos (arts. 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil).
xx. Em consequência, deve, por aplicação do art.º. 8.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, considerar-se excluída do contrato de seguro a cláusula de exclusão invocada pela recorrida, condenando-se a seguradora a pagar o capital em dívida acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.
xxi. Por outro lado, não estamos perante uma declaração inexacta nem omissão, nos termos do disposto no artigo 429.º do Código Comercial, porquanto tais questões nem sequer foram colocadas ao recorrente, uma vez que a proposta de seguro já vinha previamente preenchida, tendo-lhe sido apenas questionado se nos últimos 10 anos tinha tido alguma doença, nem foi informado das consequências de não declarar uma doença pré-existente.
xxii. Ademais, o ónus da alegação e prova de que foram omitidos ou distorcidos factos que imporiam uma diferente posição da Companhia de Seguros compete a esta última, conforme decidiu o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2002, proc. 02B2270, sendo certo que em lugar algum da Sentença foi dado como provado que se o autor tivesse declarado que em 1994 tinha tido um tumor a ré teria recusado a celebração do contrato de seguro ou, no mínimo, teria submetido a celebração a termos e condições diversos, nomeadamente agravando o prémio quanto à componente "morte" e/ou excluindo a componente "invalidez".
xxiii. O recorrente, em sede de audiência de julgamento, requereu, com o fundamento na descoberta da verdade material, a audição do funcionário da empresa que intermediou o empréstimo e que assistiu à assinatura dos contrato de seguro e de mútuo, que até se encontrava presente na ocasião, para que este descrevesse a forma como foi preenchida a apólice de seguro e a informação prestada ao recorrente nessa data, e ainda a junção de dois documentos.
xxiv. O Tribunal, conforme resulta da acta de 05/12/2017, indeferiu a junção dos documentos, não se tendo pronunciado sobre a também requerida inquirição da testemunha.
xxv. O recorrente discorda deste despacho, tendo sido colocado em causa pelo tribunal "a quo", o seu direito de defesa; tais documentos, conforme alegado, só tinham chegado à posse do recorrente naquele dia pela mão de José Alexandre, que levou os documentos em discussão nos autos para serem assinados pelo recorrente já preenchidos, e o Tribunal vedou a possibilidade do recorrente fazer prova de tal facto, nem sequer se tendo pronunciado sobre a audição da testemunha no despacho de que também se recorre, pelo que se requer desde já a reabertura da audiência de julgamento para que seja ouvida a única testemunha que assistiu ao factos, pois nenhuma das testemunhas arroladas pela ré assistiram à assinatura e preenchimento dos contratos e questionários, sendo assim colocada justiça na defesa dos factos alegados pelo recorrente. O que se requer.
Indicou como violadas as disposições contidas nos art.ºs 429.º do Código Comercial, 224.º do CC, 576.º do CPP, art.ºs 5.º, 6.º e 8.º do DL 446/85, de 25 de Outubro, e 237.º e 239.º do CC.
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Questão prévia: delimitação do objecto do recurso
Nas conclusões agora enunciadas sob os n.ºs xxiii., xiv. e xv. dá o apelante a conhecer a sua intenção de impugnar o despacho proferido na audiência de discussão e julgamento, na sessão que teve lugar no dia 5 de Dezembro de 2017, que indeferiu a junção de dois documentos, omitindo pronúncia sobre a na mesma ocasião requerida inquirição de uma testemunha não arrolada em tempo, cumprindo antes de mais indagar da tempestividade de tal impugnação.
O juiz, é sabido, tem o dever de proferir despacho ou sentença sobre matérias pendentes (cf. art.º 152.º, n.º 1, do CPC), pelo que ao omitir pronúncia sobre questão que lhe tinha sido submetida, no caso a requerida inquirição de uma testemunha não arrolada em tempo, foi omitido acto imposto por lei, assim tendo sido cometida irregularidade que, por poder influenciar o exame e decisão da causa, a lei sanciona com a nulidade (cf. n.º 1 do art.º 195.º). Todavia, e como resulta claro do preceituado no art.º 199.º do mesmo diploma, encontrando-se a parte presente, uma vez que tudo decorreu em plena audiência de julgamento, teria de arguir a nulidade até ao termo do acto (cf. o n.º 1), o que não se verificou, pelo que a mesma se considera sanada.
No que respeita ao indeferimento da requerida junção de dois documentos, trata-se, como se referiu, de despacho que indeferiu a produção de um meio de prova, susceptível portanto de apelação autónoma nos termos prevenidos no art.º 644.º, n.º 2, al. d), sendo de 15 dias o prazo de interposição do recurso (art.º 638.º, n.º 1). Deste modo, tendo a parte impugnado o despacho apenas com o recurso interposto da decisão final, muito para além do referido prazo, é o mesmo claramente extemporâneo, não podendo portanto ser conhecido o objecto da impugnação, com a consequência de a decisão ter transitado em julgado.
Em face do exposto, com fundamento na intempestividade, indefere-se a arguida nulidade e não se conhece do recurso interposto, na parte em que pretende impugnar o despacho proferido em audiência que indeferiu a junção aos autos de dois documentos então oferecidos pelo recorrente.
Custas do incidente a cargo do apelante.
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal:
i. Do erro de julgamento quanto aos pontos de facto julgados provados sob os n.ºs 18., 19., 20., 21. e 22. e não provados sob os n.ºs 8., 9. e 10;
ii. Da ausência de prova das declarações omissivas ou inexactas feitas pela pessoa segura e da sua influência na decisão de contratar;
iii. Da violação do dever de informação imposto pelo DL 446/85, de 25 de Outubro.
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i. impugnação da matéria de facto
O recorrente impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, dizendo terem sido mal julgada a factualidade descrita sob os pontos 18., 19., 20., 21. e 22 que, em seu entender, deveriam, todos eles, ser tidos como não provados, por contrariados pelo teor dos pontos 18., 19., 20., 21. e 22; ao invés, resultaram demonstrados os vertidos nos pontos 8., 9. e 10. dos factos não provados, impondo-se a reversão do decidido atendendo às declarações de parte prestadas pelo próprio autor/recorrente e pela interveniente (…), nas passagens que localizou e transcreveu.
Está em causa a seguinte factualidade:
Factos provados:
26. Aquando do preenchimento das “Declarações do Candidato ao Médico”, o autor garantiu à ré não sofrer nem nunca ter sofrido de um tumor e quando perguntado sobre eventuais operações, o autor apenas referiu ter sido operado em 1994 mas em consequência de um acidente de viação.
27. O autor omitiu factos que tinha o dever de revelar, atenta a influência dos mesmos na apreciação do Risco que a Ré iria segurar através do Contrato de Seguro celebrado e objeto destes autos.
28. Tendo tal omissão influído nas condições de aceitação da adesão do autor, como Pessoa Segura, ao Contrato de Seguro em questão.
29. Porquanto, determinou a aceitação por parte da ré de riscos contra o pagamento de determinado montante a título de prémio, calculado com base na avaliação dos mesmos, que de outra forma não aceitaria nestes termos.
Factos não Provados
8. O autor respondeu com verdade a todas as questões colocadas pela ré na data da contratação do seguro.
9. Não foi o autor que preencheu a proposta de seguro, mas um funcionário do banco, que lhe colocava as questões, que este respondeu com verdade.
10. O autor não verificou se o preenchimento estava correto por confiar nos funcionários da ré.
Previamente, impõe-se dizê-lo, os factos dados como assentes sob os pontos 18., 19., 20. 21. e 22., ao invés do alegado pelo apelante, em nada contrariam os factos ora impugnados e constantes dos pontos 26. a 29. dado que, comprovadamente, nada têm a ver com o tumor de que o autor padeceu, sendo certo que as sequelas deixadas por este foram, com toda a precisão, identificadas e autonomizadas das patologias de que o apelante foi posteriormente acometido.
No que respeita aos factos não provados, a Mm.ª juíza justificou a sua decisão pelo seguinte modo:
“Em primeiro lugar dir-se-á que as declarações de parte – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. Como meio probatório, não se pode olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na causa. Seria de todo insensato que, sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.
Ainda hoje as partes não podem provar os factos favoráveis às suas pretensões apenas com as suas próprias declarações, sem qualquer tipo de corroboração. Ninguém inicia um processo unicamente alegando a sua palavra e ninguém sensato se defende se a única coisa que possui a seu favor é, igualmente, o seu próprio testemunho.
Por estas razões, se inexistirem outros meios de prova que minimamente corroborem a versão das partes, as mesmas não devem ser valoradas, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório e que as acções se decidam apenas com as declarações das próprias partes.
Em segundo lugar, referenciar que as declarações de parte do autor não nos mereceram credibilidade porque obscuras, incoerentes e insensatas e sem qualquer meio de prova a suportá-las.
Aliás, em face de toda a prova produzida, podemos mesmo concluir que o autor prestou intencionalmente declarações falsas ao preencher o questionário clínico que constava da proposta de adesão ao contrato de seguro de vida que veio a celebrar com a ré. O autor não agiu de forma negligente ao omitir factos relevantes para a avaliação por parte da seguradora da aceitação da proposta de seguro. Foi sua intenção prestar falsas declarações, repetimo-lo.
Com efeito, aquando da elaboração da Proposta de Adesão ao Contrato de Seguro em causa, o autor respondeu em sentido negativo a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde, atuais ou passados; declarou nunca ter sido aconselhado a consultar um médico, nem a submeter-se a algum tratamento; declarou que não tinha nenhuma alteração física ou funcional. E aquando do preenchimento das “Declarações do Candidato ao Médico”, o autor garantiu à ré não sofrer nem nunca ter sofrido um tumor e quando perguntado sobre eventuais operações e internamento hospitalar, o autor apenas referiu ter sido operado em 1994 mas em consequência de um acidente de viação (vide fls. 21 dos autos). O que é até contraditório com o que referiu em sede de declarações de parte prestadas em audiência de julgamento: aqui aduziu que no questionário referiu o acidente de viação porque lhe perguntaram se havia tido alguma vez problemas com seguradoras e tendo sido interveniente em acidente de viação, com intervenção posterior da sua seguradora, respondeu daquela forma. Mas não foi esse o sentido da sua declaração quando preencheu o questionário, ou quando respondeu às questões que lhe foram colocadas no questionário. O que o autor respondeu foi que tinha sido operado, que tinha estado internado por virtude de uma acidente de viação que o vitimou e que tinha sido submetido a exames médicos por rotina. Se o autor entende que a extração de um tumor na medula, com a complexidade e riscos inerentes, como bem explicitou a testemunha Dr. (…), é algo rotineiro, que concluir das suas declarações!
Acresce que a testemunha Dr. (…) expressamente fez verter no relatório médico junto a fls. 204 dos autos que “O doente (referindo-se ao autor) recuperou da tetraparesia mas manteve sempre défices neurológicos com perturbação da marcha e alteração da força muscular dos quatro membros. Esta situação mantém-se ainda hoje, não tem relação com o acidente sofrido pelo Sr. (…)”.
Por outro lado, o autor pretendeu fazer crer que respondeu da forma como o fez porque não foi ele quem preencheu a proposta de adesão ao seguro de vida, nem o questionário clínico a que foi submetido, tendo recorrido a uma sociedade mediadora “Soluções e Decisões” que tratou de todo o processo. Embora não tenha realizado prova nesse sentido, é sabido que existem sociedades com essa finalidade, mas as referidas sociedades não têm, ainda, ao que se saiba, poderes de adivinhação. Portanto, se tal sociedade preencheu o questionário clínico fê-lo com base em algo e esse algo só pode ter sido as informações e dados fornecidos pelo autor.
Por fim, mas não menos importante, o autor ao assinar a proposta de adesão ao seguro de vida a apresentar à seguradora tinha o ónus de ler o que estava pré preenchido.
Ao assinar o questionário, devidamente preenchido, o autor (…) subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de não ter sido ele a proceder ou não ao seu (prévio) preenchimento.
Eis o que basta para, em nosso entendimento, justificar o juízo probatório negativo que incidiu sobre os incisos 8 a 10 da factualidade não provada”.
Ora, mesmo sem discutir aqui o valor probatório das declarações de parte, a verdade é que secundamos a apreciação que, no caso vertente, delas fez a Mm.ª juíza “a quo” porquanto, e tal como assinalou, não mereceu o autor (…) credibilidade nas respostas dadas às questões essenciais a que foi perguntado. Empenhado em declarar que nada leu e nenhuma pergunta específica lhe foi formulada, tendo-se limitado a assinar, quer o questionário clínico preenchido por ocasião da proposta, quer as declarações do candidato aquando da realização dos exames médicos a que foi sujeito, acabou todavia por cair em contradição, porquanto e afinal, a referência a um acidente que disse ter sofrido em 1994, embora sem quaisquer consequências físicas, surgiu em resposta à pergunta se tinha tido algum problema anterior com alguma seguradora, não sendo minimamente credível que as demais questões não lhe tivessem sido colocadas por via de atrasos causados pelos exames efectuados à então sua esposa, conforme declarou. Aliás, vistas as respostas constantes da referida declaração, não se vê como, sem informação dada pelo candidato, no caso o apelante, poderia adivinhar a ré seguradora que não tinha cumprido o SMO por passagem à reserva territorial ou que praticava natação, daqui resultando inequivocamente que as respostas ali constantes, tendo sido ou não manuscritas pelo apelante, são da sua responsabilidade.
Acresce que das declarações pelo mesmo prestadas em audiência – nesta parte credíveis porque espontâneas e não directamente relacionadas com matéria nuclear, relativamente à qual tinha nitidamente as respostas preparadas – resultou claro que, ao invés do que refere nas alegações que apresentou, quando aludiu à posição especialmente enfraquecida do mutuário quando está em causa empréstimo à habitação, que é um bem essencial, os empréstimos contraídos não se destinaram à aquisição de habitação própria, tratando-se antes de uma operação financeira destinada a obter financiamento para a actividade de restauração que desenvolvia em conjunto com seu pai e que de outro modo não conseguiria obter. A circunstância de, conforme reconheceu, não terem acesso ao crédito e existirem execuções pendentes com penhoras em curso, permitiu perceber que a obtenção dos empréstimos era vital – para não perderem o trabalho de uma vida, conforme impressivamente afirmou –, legitimando a conclusão, segundo presunção judiciária autorizada, de que omitiu a intervenção a que fora sujeito e as sequelas de que ficou portador para não comprometer a sua concessão.
Por outro lado, aceitando-se que terá continuado a trabalhar no restaurante após a delicada intervenção cirúrgica a que se submeteu em 1994, não subsistiu igualmente dúvida, face aos testemunhos médicos, em particular o prestado pelo cirurgião que realizou a intervenção cirúrgica de remoção do tumor, Dr. (…), de que o autor ficou portador de sequelas incapacitantes – o atestado emitido em 2009 também assim o confirma –, tal como foi dado como provado, se bem que não impeditivas, conforme o mesmo médico esclareceu, da realização de uma prova de esforço. Faltou assim o declarante à verdade quando asseverou que na sequência da intervenção, e por força dos tratamentos de fisioterapia a que se sujeitou, ficou sem quaisquer sequelas.
Em suma, e aderindo ponto por ponto à motivação elaborada pela Mm.ª juíza, impõe-se desconsiderar, no que se refere à matéria impugnada, as declarações de parte prestadas pelo autor/apelante.
No que se refere às também convocadas declarações da interveniente (…), em nada contribuíram para o esclarecimento da questão. Limitou-se a confirmar que a sua prova de esforço demorou cerca de 40 mn, tendo o marido ficado à espera numa sala, recordando que a si lhe perguntaram se nos últimos 5 ou 10 anos tinha tido algum problema, tendo no entanto revelado desconhecimento sobre as perguntas que terão ou não sido feitas ao recorrente. Acresce que não se mostrou verosímil quando afirmou nunca ter “ligado muito à questão do tumor”. Com efeito, apesar da intervenção cirúrgica de extracção do tumor ter ocorrido antes do início do namoro com o autor, não se crê que, tendo tomado conhecimento da situação ocorrida, tivesse uma atitude tão descontraída em relação a um problema sério de saúde, por mais que o autor levasse, conforme afirmou, “uma vida normal”, trabalhando 16 horas por dia, porquanto – tal resultou incontornável do testemunho médico do cirurgião que o operou – ficou sempre com sequelas.
Improcede, pelo exposto, a pretensão modificativa do recorrente.
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II. Fundamentação
De facto
Factos Provados
Imodificada, é a seguinte a factualidade a atender:
1. A interveniente principal (…) e o autor (…) celebraram com o Banco (…) Português, S.A. os contratos de mútuo com os n.ºs (…) e (…), ambos associados a crédito à habitação.
2. Em associação aos quais ambos propuseram a sua adesão a um Contrato de Seguro de Grupo Contributivo, do Ramo Vida, temporário, anual e renovável, titulado pela Apólice n.º (…).
3. Ambos aderiram ao mencionado Contrato de Seguro em 3 de Maio de 2006 e a partir de 5 de Junho de 2006 tanto o autor como a interveniente principal se tornaram Pessoas Seguras no âmbito do Contrato de Seguro acima identificado, dada a sua qualidade de mutuários do referido Tomador do Seguro e a sua adesão ao mesmo.
4. Ambos passaram, então, a ser titulares do Certificado Individual n.º (…), emitido em associação ao Crédito à Habitação n.º (…), com um capital seguro inicial de € 214.800,00.
5. Passaram, também, a ser titulares do Certificado Individual n.º (…) emitido nessa data, por sua vez, para garantia do Crédito à Habitação n.º (…), com um capital seguro inicial de € 184.100,00.
6. O Banco (…) Português, S.A. é o beneficiário irrevogável dos Contratos de Seguro acima identificados.
7. Através dos Contratos de Seguro referidos, a ré garantiu ao Banco (…) Português, S.A. o pagamento do capital em dívida pelas Pessoas Seguras nos mútuos a estes associados, no momento em que se verificasse, em relação a qualquer uma delas, um dos riscos cobertos pelo mesmo e até ao limite do respectivo Capital Seguro.
8. Por carta datada de 4 de Maio de 2011 o autor comunicou à ré que lhe havia sido atribuída uma incapacidade permanente global de 85%, a fim de acionar as garantias contratadas no âmbito da Apólice n.º (…).
9. Para aferir da subsunção da alegada incapacidade do autor à cobertura de «Invalidez Total e Permanente» contratada, a ré solicitou-lhe que enviasse:
a) Relatório Médico ou do Médico Assistente onde constasse a evolução clínica e cronológica das patologias do foro locomotor, oncológico e neurológico; e
b) Documento da Segurança Social ou outra Entidade Oficial que comprovasse a incapacidade para exercer qualquer actividade profissional remunerada e consequente atribuição de pensão de invalidez.
10. Em 09 de Novembro de 2011 a ré insistiu para que o autor lhe enviasse «Relatório Médico ou do Médico Assistente onde conste a evolução clínica e cronológica das patologias do foro locomotor, oncológico e neurológico».
11. Em resposta a ré recebeu o Relatório Médico de fls. 119 e 120, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
12. No qual o Dr. (…) escreve que a actual situação clínica do autor é definitiva e irreversível para toda e qualquer actividade profissional devido a «sequelas de doença oncológica crónica após remoção cirúrgica».
13. Confrontada com esta informação, a ré solicitou ao autor que lhe enviasse «Relatório Médico ou do Médico Assistente onde conste a data da cirurgia oncológica, devendo ainda esclarecer se a incapacidade resultante das patologias da coluna cervical e neurológica, referidas no Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, resultante da referida cirurgia».
14. Em resposta, o autor enviou à ré o Relatório Médico subscrito pelo Dr. (…) que atesta que «(…), de 43 anos, foi operado em 1994 a um ependimoma cervical extenso de C1-C2 até C6-C7. Como sequela daquele tumor ficou com a tetra paresia espástica que tinha no pré – operatório. (…)»
15. Em 1994 o autor submeteu-se a uma cirurgia oncológica para remoção de um tumor cervical e como sequela do ependimoma cervical a que foi operado resultou-lhe a tetraparesia espástica de que padece desde essa data, de que recuperou, mantendo sempre défices neurológicos com perturbação da marcha e alteração da força muscular dos quatro membros, situação que ainda hoje se mantém, conforme relatório médico datado de 10 de Março de 2017 e subscrito pelo Dr. (…), cujo teor se dá por reproduzido.
16. Ainda como sequela do ependimoma cervical a que foi operado, o autor ficou a padecer de hemiparesia e radiculalgia.
17. As patologias referidas em 15. e 16. estão relacionadas com a incapacidade de 85% fixada ao autor em 2010.
18. Em 19 de Junho de 2009 o autor realizou ressonância magnética da mão direita, cujo relatório se encontra a fls. 251 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
19. Em 13 de Novembro de 2009 o Médico Radiologista Dr. (…) emitiu e subscreveu o relatório do Serviço de Imagiologia do Hospital de S. José junto a fls. 308 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
20. As lesões dele constantes não se relacionam, nem são sequela, do ependimoma cervical a que o autor foi operado.
21. Em 9 de Junho de 2012 o autor deu entrada no Serviço de Urgência do Hospital de S. José, tendo-lhe sido diagnosticada uma hemorragia subaracnoídea, e ficou internado no referido hospital até 14 de Junho de 2012.
22. O Dr. (…), Reumatologista que acompanha o autor há cerca de 9 anos no âmbito desta especialidade, subscreveu em 11 de Março de 2017 o relatório clínico junto a fls. 261 dos autos, no qual se refere, para além do mais, que o autor “apresenta igualmente queixas de cervicalgias de ritmo mecânico desde há vários anos e antecedentes de Ependimoma cervical, tendo sido submetido a cirurgia da coluna cervical em 1994 com sequelas de lesão radicular crónica provenientes de C4-5-6-7 e C8 à direita, bem como acentuada lesão do nervo cubital ao nível do cotovelo direito de acordo com o resultado do estudo eletromiográfico dos membros superiores efetuado em 8 de outubro de 2010.
Neste contexto, o doente apresenta uma grande dificuldade na realização das suas tarefas habituais domésticas, de lazer e profissionais”, aqui se dando por reproduzido o seu teor.
23. Aquando da elaboração da Proposta de Adesão ao Contrato de Seguro em causa, o autor respondeu em sentido negativo a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde, actuais ou passados.
24. Aí declarou nunca ter sido aconselhado a consultar um médico, nem a submeter-se a algum tratamento.
25. E, ainda, que à data não tinha nenhuma alteração física ou funcional.
26. Aquando do preenchimento das “Declarações do Candidato ao Médico”, o autor garantiu à ré não sofrer nem nunca ter sofrido de um tumor e quando perguntado sobre eventuais operações, o autor apenas referiu ter sido operado em 1994 mas em consequência de um acidente de viação.
27. O autor omitiu factos que tinha o dever de revelar, atenta a influência dos mesmos na apreciação do Risco que a Ré iria segurar através do Contrato de Seguro celebrado e objeto destes autos.
28. Tendo tal omissão influído nas condições de aceitação da adesão do autor, como Pessoa Segura, ao Contrato de Seguro em questão.
29. Porquanto, determinou a aceitação por parte da ré de riscos contra o pagamento de determinado montante a título de prémio, calculado com base na avaliação dos mesmos, que de outra forma não aceitaria nestes termos.
30. Por carta datada de 4 de Julho de 2012, a ré procedeu à anulação tanto dos Certificados Individuais n.º (…) e n.º (…) como, pelos mesmos motivos, do Certificado Individual n.º (…), e declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro objeto destes autos.
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4.2. – Factos não provados
1. O autor é acompanhado atualmente na especialidade de dermatologia, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
2. O autor tem consultas frequentes, sendo efetuada a avaliação da sua situação de forma regular, bem como faz sessões de fisioterapia por recomendação dos médicos que o acompanham.
3. Ainda não foi diagnosticada a doença para a incapacidade motora do autor apesar da mesma ser degenerativa.
4. O autor encontra-se ainda a aguardar que os médicos da especialidade que o acompanham cheguem a conclusão de quais as causas para os sintomas que tem.
5. As dificuldades de locomoção do autor são muitas, tendo dificuldade em andar e em movimentar a mão direita, tendo bastantes dores, e só consegue fazê-lo com a ajuda de ortóteses.
6. Situação que se manterá durante toda a sua vida, pois as dores e a ausência de mobilidade são permanentes e com tendência para serem mais graves.
7. Em termos laborais o autor não consegue exercer qualquer profissão.
8. O autor respondeu com verdade a todas as questões colocadas pela ré na data da contratação do seguro.
9. Não foi o autor que preencheu a proposta de seguro, mas um funcionário do banco, que lhe colocava as questões que este respondeu com verdade.
10. O autor não verificou se o preenchimento estava correto por confiar nos funcionários da ré.
11. A situação de incapacidade permanente do autor sobreveio em 2010 e a patologia sofrida em 1994 nada tem a ver com a incapacidade atribuída ao autor, nem tem qualquer relevância para a sua situação de saúde atual.
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De Direito
ii. Da ausência de prova das declarações omissivas ou inexactas feitas pela pessoa segura e da sua influência na decisão de contratar;
Não se discute nos autos que o autor e a interveniente (…) aderiram no ano de 2006 ao contrato de seguro de grupo contributivo do Ramo Vida titulado pela Apólice n.º (…), mediante o qual a apelada garantiu o pagamento ao beneficiário (…), SA do capital em dívida proveniente de empréstimos contraídos para aquisição de habitação própria em caso de morte ou invalidez total e permanente de qualquer uma das pessoas seguras, tudo conforme consta dos certificados de seguro oportunamente emitidos.
Provado está ainda que o apelante sofre de uma incapacidade permanente global de 85%., fundamento com o qual reclamou o capital seguro. Tal pretensão foi-lhe negada pela demandada, que excepcionou a anulabilidade do contrato, considerando ter sido omitida informação relativa a doenças pré-existentes das quais aquele padecia e que, para além do mais, determinam em larga medida a incapacidade de que padece, acrescentando que, a terem sido conhecidas, a conduziriam a não contratar ou a fazê-lo em diferentes condições. Assim o considerou também a sentença recorrida, que o apelante impugna com os argumentos condensados nas conclusões e cuja valia agora cumpre apreciar.
Previamente, importa clarificar que, atendendo à data da celebração do contrato ajuizado, e tal como se entendeu na decisão recorrida, é aplicável o art.º 429.º do Código Comercial então em vigor, e não o regime estabelecido pelo DL 72/2008, de 16 de Abril (Lei do Contrato de Seguro) que, tendo entrado em vigor em 1/1/2009, se aplica apenas aos contratos celebrados após esta data[1].
Sob a epígrafe “Nulidade do seguro por inexactidões ou omissões” estatui-se no corpo do citado art.º 429.º que “Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
Pese embora o “nomen iuris” consagrado na lei, é hoje pacífico na doutrina e na jurisprudência que o vício é o da anulabilidade, por ser a sanção geralmente estabelecida para a tutela dos interesses particulares de uma das partes contratantes (v., por todos, o recente aresto do STJ de 12/7/2018 acima citado).
A severidade da sanção legal encontra o seu fundamento na caracterização do contrato de seguro como de boa-fé, assim constituída em seu elemento essencial, ultrapassando o dever geral de boa-fé que decorre do art.º 227.º do CC, antes sublinhando a absoluta necessidade do segurado ou tomador do seguro prestarem declarações iniciais exactas e completas como forma de assegurar o equilíbrio da relação contratual em formação, já que, quer para tomar a decisão de aceitação da proposta e celebração do contrato, quer para fixar o prémio, a seguradora terá normalmente que confiar nas declarações por aqueles prestadas[2]. A máxima boa-fé surge assim como característica determinante do contrato de seguro, sujeitando a lei o segurado a um especial dever de prestar declarações exactas e completas.
O citado art.º 429.º prevê duas distintas situações: a da inexactidão das declarações prestadas e a reticência, que referencia a sua omissão, sendo uma e outra relevantes apenas e só quando se reportem a factos ou circunstâncias conhecidas do proponente na altura da formação do contrato[3].
Tais factos e circunstâncias relevantes para efeitos de desencadearem o efeito sancionatório previsto na lei são todos os que assumam relevância para efeitos de avaliação do risco, sendo obviamente de reconhecer como tal aqueles relativamente aos quais existiam no questionário proposto perguntas específicas (cfr. ob. e loc. citados). Com efeito, mesmo para quem repudie a tese da presunção da relevância das circunstâncias referidas no questionário, mantendo sobre a seguradora o ónus da prova de que a omissão ou inexactidão interferiram pelo menos nas condições do contrato[4], não pode recusar-se à sua inclusão um valor pelo menos indicativo das circunstâncias concretas por aquela consideradas relevantes para efeitos de assunção do risco[5]. A lei não exige que o declarante tenha actuado com dolo, sendo suficiente que a omissão ou declaração inexacta se devam a culpa daquele, conforme resulta claro do disposto no § único do citado art.º 429º.
Adicionalmente, exige a lei que a inexactidão ou ocultação influam na existência e condições do contrato, de sorte que, se os factos ou circunstâncias inexactamente declarados ou omitidos fossem conhecidas do segurador, este, ou não contrataria de todo, ou celebraria o contrato em diversas condições, ónus probatório que recaía sobre a apelada e que a Mm.ª juíza deu como cumprido.
Insurge-se o apelante que, sem questionar ter subscrito, quer o questionário que acompanhava a proposta, quer a denominada declaração do candidato ao médico, argumenta contudo que não são do seu punho as respostas neles exaradas, que não leu nenhum dos documentos nem lhe foi explicado o seu conteúdo, nem tão pouco lhe foram comunicadas as consequências de faltar à verdade e que tal tivesse impacto no risco, concedendo à Seguradora a possibilidade de agravar os prémios ou alterar as condições do contrato em conformidade com os riscos acrescidos, o que tudo obsta à anulação do contrato e aplicação das cláusulas de exclusão invocadas.
Começando pela alegação de que não foi o recorrente a preencher os aludidos documentos, tratando-se de factualidade que não obteve os favores da prova (cf. os pontos 8., 9. e 10. dos factos não provados), é ainda argumento sem valia porquanto, mesmo admitindo que assim tivesse ocorrido, não ficou de modo algum comprovado que o preenchimento dos aludidos instrumentos não se encontrasse em rigorosa conformidade com as instruções por si dadas, pelo que as respostas ali assinaladas são-lhe inequivocamente imputáveis.
Tal como observou o STJ no acórdão de 27/3/2014, que se ocupou de caso similar[6], “Note-se, em primeiro lugar, que não tem relevância decisiva o facto de o questionário (…) não ter sido escrito pelo punho do marido da A., que se terá limitado a assinar o documento: o que releva decisivamente não é a autoria material do escrito, mas o ter ou não o documento assinado pelo interessado sido preenchido de acordo com informação esclarecida e conscientemente prestada pelo autor da assinatura do documento – não havendo qualquer motivo para pôr em causa a fidedignidade das informações prestadas acerca do estado clínico actual só pelo facto de o interessado não ter manuscrito o questionário pelo seu próprio punho”.
Deste modo, e sancionando-se o juízo da 1.ª instância, somos igualmente a concluir que “Ao assinar o questionário, devidamente preenchido, o autor (…) subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de ter sido ele ou não a proceder ao seu (prévio) preenchimento”, outro tanto se impondo afirmar no que respeita à aludida declaração, também ela essencial à decisão da ré contratar ou não contratar, pois de outro modo não teria exigido a sua subscrição.
Por outro lado, conforme resulta com meridiana clareza do acervo factual apurado nos autos, ao responder negativamente a todas as perguntas propostas no questionário e na declaração de candidato sobre eventuais problemas de saúde – sendo certo que, repete-se, da sua inserção nestes instrumentos resulta a nosso ver indiscutível o relevo atribuído pela seguradora aos factos perguntados –, incluindo a questões relativas a tumor ou sujeição a intervenção cirúrgica, o apelado fê-lo em termos antagónicos com a verdade. Com efeito, verifica-se que respondeu negativamente a todas as referidas perguntas, bem sabendo que no ano de 1994 havia sido submetido a delicada e complexa intervenção cirúrgica para extracção de um tumor, de que resultou incontornável quadro sequelar[7], não sendo possível sustentar, tal como se concluiu na sentença apelada, que disso não tivesse conhecimento e que não tivesse plena consciência da falsidade das declarações que prestava. É aliás sintomático que à pergunta “Operações? Internamento hospitalar?” tenha respondido “por acidente de viação em 1994” quando, conforme esclareceu em audiência, não sofreu qualquer lesão por via de tal acidente, donde se retira que as apontadas inexactidões não foram acidentais, mas antes direccionadas e intencionais.
No que respeita à também invocada violação do dever de informação por banda da apelada seguradora, que obstaria à anulação do contrato, é pacífico que o questionário clínico que acompanha as propostas de adesão não constitui uma cláusula do contrato de seguro.
O questionário, conforme se sintetizou no acórdão do STJ de 12/7/2018 antes citado[8], “(…) é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objectivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. As respostas a esse questionário correspondem ao “repositório das declarações da pessoa segura, declarações em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita ou não o contrato e fixa as respectivas condições; Tal “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro, para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas, em contratos de adesão”[9].
Acresce que da proposta de adesão constava, antes da assinatura de cada um dos dois proponentes (ora autores), que:
"Para efeitos de celebração do(s) presente(s) contrato(s) de seguro, o Tomador do Seguro e a Pessoa Segura declaram que:
- São exactas e completas as declarações prestadas e que tomaram conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do(s) presentes(s) contrato(s), tendo-lhes sido entregues as respetivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estão de acordo.
-O Questionário Médico faz parte integrante do Seguro de Vida.
As declarações inexactas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o pedido de adesão nulo e sem qualquer efeito e libertam a (…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., do pagamento de qualquer indemnização (…)” (é nosso o destaque).
Tais declarações finais, nas quais o segurado se responsabiliza pela veracidade e completude das respostas e informações prestadas e que antecedem a sua assinatura não têm, também elas, a natureza de cláusulas contratuais[10], sendo certo que do texto consta claramente qual a consequência no caso terem sido prestadas declarações inexactas ou omissivas. Não pode agora o autor que, faz-se mais uma vez notar, assinou o documento, alegar que desconhece o seu conteúdo porque o não leu, imputando à apelada a violação de um dever de informação, quando tal explícita advertência constava expressamente do proposta, sendo que se não leu – o que não se provou de modo algum que tenha acontecido – foi porque descurou a regra basilar da mais elementar prudência, que aconselha a não assinar um documento sem ler o seu conteúdo.
Mas ainda que se entendesse diversamente, como parece defender o recorrente, estando em causa um seguro de grupo (contributivo, temporário anual e renovável) – aquele que reúne um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo do interesse comum, consoante prescreve a al. g) do art.º 1.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, em vigor à data da celebração do contrato aqui ajuizado) – as negociações decorreram muito naturalmente entre este e a pessoa a segurar, pelo que o ónus de informação e esclarecimento sobre o conteúdo e alcance das cláusulas contratuais gerais recai sobre o tomador, que não sobre a seguradora.
No apontado sentido decidiu o STJ no acórdão de 25/6/13[11], onde se escreveu “(…) é incontroverso que tal dever de esclarecimento do aderente recai sobre o banco/tomador de seguro; é este o regime que decorre expressamente do estatuído no art. 4º do DL. 176/95: nos seguros de grupo, salvo convenção em contrário, o tomador de seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora, cabendo-lhe o ónus da prova de ter fornecido estas informações; por sua vez, deve a seguradora facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
Significa e implica este regime legal que, no caso, era efectivamente ao banco/tomador de seguro que cabia ter esclarecido adequadamente o aderente acerca do teor das cláusulas de exclusão incluídas no contrato : saliente-se que este regime especial, fundado na peculiar natureza e estrutura da figura do seguro de grupo, envolvendo uma relação triangular entre os interessados, se sobrepõe naturalmente (precisamente como regime especial que é) ao regime regra das cláusulas contratuais gerais, que impõe ao outro contraente (nos casos normais, que não tenham subjacente um seguro de grupo, obviamente a própria seguradora) a obrigação de comunicar e explicitar as cláusulas ao aderente; porém, no caso do seguro de grupo, este dever de comunicação e informação está legalmente posto a cargo do tomador de seguro, pelo que, em primeira linha, ele não incide sobre a seguradora, a menos que algo diferente resulte das estipulações das partes”.
E conclui o mesmo STJ “A eventual omissão de um dever de informação acerca do efectivo alcance das respostas aos vários items do questionário clínico, bem como a advertência explícita sobre as consequências de uma resposta inexacta, previstas no contrato de adesão celebrado, é, pois, imputável exclusivamente ao tomador de seguro (não demandado na presente acção) por força do estipulado no referido art. 4.º do DL 175/96, não podendo imputar-se – ou transmitir-se – à seguradora a responsabilidade pelo eventual cumprimento deficiente pelos funcionários do Banco/tomador de seguro de tal dever de plena e cabal informação e esclarecimento das pessoas seguras”.
Tendo em conta quanto vem de se dizer, atendendo à natureza do seguro contratado pelo recorrente, eventual deficiente informação sobre as consequências da inexatidão das declarações prestadas – o que em todo o caso, reafirma-se, não ocorreu no caso vertente – não seria deste modo imputável à apelada.
Por último e decisivamente, a anulabilidade de que a ré seguradora se pretende prevalecer não resulta da estatuição de qualquer cláusula contratual, porquanto, e tal como vem sendo entendido, a sanção cominada no art.º 429.º do Código Comercial respeita ainda à previsão de erro-vício na formação da vontade, uma vez que as declarações inexactas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da seguradora, situação que escapa ao alcance da previsão do invocado DL 445/85[12]. Para tal, à seguradora cabe alegar e provar que a omissão ou a declaração inexacta era susceptível de influenciar a sua decisão de contratar, irrelevando a verificação de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro. Com efeito, “incidindo sobre a própria formação do contrato, as declarações falsas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da contraparte (seguradora), pois que essa formação assenta em factos ou circunstâncias ignorados, por não revelados ou deficientemente revelados. Daí que, como resulta do preceito legal e é entendimento corrente, não é necessário que as declarações ou omissões influam efectivamente sobre a celebração ou condições contratuais fixadas, bastando que pudessem ter influído ou fossem susceptíveis de influir nas condições de aceitação do contrato”[13].
No caso vertente, e ao invés do que o recorrente alega em sede de recurso, logrou a seguradora fazer prova clara de que, caso tivesse tido conhecimento das circunstâncias omitidas não teria celebrado o contrato ou, pelo menos, tê-lo-ia feito em diversas condições (cfr. pontos 27. a 29.), ou seja, as declarações inexactas constantes do questionário e declaração clínicos sobre o estado de saúde actual e conhecido do recorrente influenciaram em termos causais a decisão da apelada aceitar a adesão do recorrente ao contrato ajuizado nos precisos termos e condições que dele constam, o que lhe confere o direito a proceder à respectiva anulação. Tal como foi decidido e não merece censura.
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iii. Da violação do dever de informação imposto pelo DL 446/85, de 25 de Outubro
O apelante alega, como vimos, que a seguradora não fez prova de cumprimento do dever de informação que sobre si impendia, tendo omitido qualquer informação e/ou esclarecimento sobre as coberturas e cláusulas de exclusão do risco, violando o regime jurídico do DL 446/85, de 25 de Outubro, pelo que tais cláusulas terão se de ter como excluídas do contrato, de harmonia com os termos conjugados dos art.ºs 5.º e 8.º, als. a) e b) do mesmo diploma.
Trata-se de questão que, salvo melhor opinião, não assume aqui relevância, dada a procedência do fundamento de anulabilidade invocado pela seguradora/apelada, com a consequente anulação do contrato.
Não obstante, dir-se-á que nem por esta via ao apelante seria de reconhecer razão.
Nos termos do disposto no art.º 1.º do DL 446/85, estão sujeitas à disciplina nele contida “as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem respectivamente, a subscrever ou aceitar” (vide n.º 1) e ainda, nos termos do n.º 2 do preceito “as cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.
Dadas as particularidades de que se revestem as cláusulas desta natureza, e apesar de se inscreverem no domínio da autonomia privada, porque o livre exercício da liberdade de estipulação pressupõe que ambos os contraentes fundem a sua decisão de contratar no completo e rigoroso conhecimento do clausulado a que se vão vincular, a lei faz impender sobre a parte que o elabora os deveres de comunicação e informação (vide art.ºs 5.º e 6.º do mesmo diploma), visando dessa forma proporcionar ao aderente o conhecimento antecipado da existência e conteúdo das cláusulas que irão integrar o contrato. Tal exigência da comunicação há-se ser cumprida pela parte que quer prevalecer-se da cláusula e antes da conclusão do contrato.
Não obstante, impõe-se advertir, daqui não decorre que o aderente esteja desobrigado de adoptar um comportamento diligente tendo em vista a obtenção de tal conhecimento e de eventual esclarecimento sobre o conteúdo do clausulado, cumprimento do referido dever de diligência que pressupõe a sua prévia e atempada comunicação.
Em conclusão, é de considerar que a perfeita formação da vontade negocial pressupõe a prévia comunicação imposta pelo art.º 5.º citado, corolário do princípio da boa-fé durante a fase pré-negocial que a nossa lei civil identicamente consagra (cfr. o art.º 227.º do CC), sem contudo desobrigar a contraparte de um dever de diligência.
No caso em apreço, não contrariou a ré seguradora que as cláusulas de exclusão invocadas -plasmadas no artigo 2.º das Condições Gerais do contrato de seguro[14] e art.º 3.º, al. c) das condições especiais contratadas[15] – tivessem sido predispostas, sem qualquer possibilidade dos destinatários, no caso os aderentes, nos quais se inclui o ora recorrente, influenciarem o respectivo conteúdo.
A propósito do cumprimento do dever de informação pela ré sabe-se que da proposta subscrita pelo apelante e interveniente consta que lhe foram entregues “as respetivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomar integral conhecimento e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estão de acordo”, clausulados que o autor fez juntar aos autos com a petição inicial sem que então tivesse invocado não ter conhecimento do seu conteúdo, omissão que se registou igualmente na réplica apresentada[16]. Deste modo, na ausência de prova que tal declaração infirmasse, prevalece quanto consta ter sido declarado pelas pessoas seguras no sentido de terem tomado conhecimento do referido clausulado, cujo sentido, no que respeita às cláusulas de exclusão, era perfeitamente claro, logo, facilmente apreensível pelo destinatário. Trata-se, contudo, de questão que, atendendo à decretada anulação do contrato, se torna irrelevante.
Deste modo e em suma, improcedendo todos os fundamentos do recurso, impõe-se confirmar a douta sentença recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas a cargo do apelante.
*

Sumário:
I. No domínio da vigência do art.º 429.º do CComercial, pese embora o “nomen iurus”, estava em causa a anulabilidade do contrato de seguro.
II. O questionário é uma forma da declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura, em ordem a permitir à seguradora uma ponderação dos riscos que vai assumir com a celebração do contrato; não tendo a natureza de cláusula geral, a seguradora não se encontra vinculada aos deveres de comunicação e esclarecimento decorrente do regime do DL 446/85, de 25 de Outubro;
III. A sanção cominada no citado art.º 429.º respeita ainda à previsão de erro-vício na formação da vontade, uma vez que as declarações inexactas ou as omissões relevantes impedem a formação da vontade real da seguradora, situação que escapa à previsão do DL 446/85.
IV. À seguradora cabe alegar e provar que a omissão ou a declaração inexacta era susceptível de influenciar a sua decisão de contratar, irrelevando a verificação de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro.
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Évora, 20 de Dezembro de 2018
Maria Simões
Vítor Sequinho
José Barata
__________________________________________________
[1] Cfr. Acórdãos do STJ de 12/7/2018, processo 3016/15.9T8CSC.L1.S1, e de 28/6/2018, processo 32090/15.6T8LSB.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt), esclarecendo-se, naquele primeiro aresto, que nos termos do artigo 2.º, n.º 1, a lei nova aplica-se aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor, "assim como ao conteúdo dos contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com as especificidades constantes dos artigos seguintes", mas em relação a estes, e conforme explica o Prof. ROMANO MARTINEZ (Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, 3.ª edição, p. 23) ali citado, “a lei nova não se aplica à formação do contrato, mas tão só ao seu conteúdo, ou seja, a questões relacionadas com a execução do vínculo”.
[2] Caracterizando igualmente o contrato de seguro como de boa-fé, esclarece José Vasques, in “Contrato de Seguro”, pág. 110: “porque se baseia nas declarações prestadas pelo segurado, referindo-se alguns Autores a uma (…) máxima boa-fé, considerando-o o elemento peculiar do contrato de seguro; a caracterização do seguro como contrato de boa-fé não pretende reforçar a ideia de que quem negoceia com outrem para a conclusão do contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé (…) mas sublinhar a necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição”.
[3] Cfr. Arestos do STJ de 4/3/2004, proferido no processo 03B-3631 e de 12/7/2018, no processo 3016/15.9T8CSC.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[4] Cf., neste mesmo sentido, José Vasques, ob. cit., pág. 225, constituindo ainda jurisprudência uniforme.
[5] Neste preciso sentido, acórdão do STJ de 17/10/06, processo 06A-2852 e, indo mais longe, atribuindo ao questionário valor decisivo, aresto de 27/5/2008, proferido no processo n.º 08ª-1373, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[6] Processo 2971/12.5TBBRG.G1.S1, disponível no mesmo sítio.
[7] Conforme se observa na sentença recorrida, o autor respondeu negativamente a todas as questões relacionadas com a existência de eventuais problemas de saúde, actuais ou passados; declarou nunca ter sido aconselhado a consultar um médico nem a submeter-se a algum tratamento e, ainda, que, à data, não tinha nenhuma alteração física ou funcional, mais garantindo à ré não sofrer nem nunca ter sofrido um tumor, e quando perguntado sobre eventuais operações, o autor apenas referiu ter sido operado em 1994 mas em consequência de um acidente de viação, quando havia sido submetido nesse mesmo ano a uma cirurgia oncológica para remoção de um tumor cervical.
[8] Processo 3016/15.9T8CSC.L1.S1, que versou sobre caso com manifestas semelhanças.
[9] Ac. STJ de 4/2/2017, processo 2294/12.0TVLSB.L1.S1.
No mesmo sentido a Jurisprudência citada na decisão recorrida, destacando-se o acórdão do STJ de 6/7/2011, processo 2617/03.2TBAVR.C1.S1, assim sumariado, na parte que ora releva: “II - As respostas ao “questionário” são o repositório das declarações de risco da pessoa segura em que a seguradora deve confiar e em função das quais aceita o não o contrato e fixa as respectivas condições, não se concebendo a formulação de perguntas inúteis ou irrelevantes. IV- O “questionário” não constitui cláusula contratual geral do contrato de seguro para efeito de vinculação da seguradora aos deveres de comunicação e informação dessas cláusulas em contratos de adesão” e também desenvolvidamente, acórdão do TRL de 23/9/2010, processo 1295/04.6TBMFR-6, acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Neste preciso sentido, v. Acórdãos do STJ de 6/7/2011, processo 2617/03.2TBAVR, e do TRL proferido no processo 1295/04.6TBMFR-6.
[11] Proferido no processo 24/10.0TBVNG.P1.S1, entendimento reafirmado nos arestos do mesmo STJ de 27/3/2014, processo 2971/12.5TBBRG.G1.S1 e de 12/7/2018, processo 3016/15.9T8CSC.L1.S1, em www.dgsi.pt
[12] Assim, os acórdãos do STJ de 6/7/2011, processo 2617/03.2TBAVR.
[13] Do mesmo acórdão do STJ de 6/7/2011, processo 2617/03.2TBAVR, tendo o STJ decidido de forma idêntica no aresto de 9/9/2010, processo 3139/06.5TBBCL.G1.S1.
[14] Que sob a epígrafe “DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS”, estabelece, para o que aqui releva:
“(…) 2. As declarações do Tomador de Seguro e da Pessoa Segura, prestadas na Proposta de Seguro e nas Propostas de Adesão, bem como nos questionários de saúde, quando existentes, servem de base ao presente contrato, o qual é incontestável após a sua entrada em vigor, sem prejuízo do disposto no número seguinte e no número 1 do artigo 15.º.
3. O incumprimento pelo Tomador de seguro ou pela Pessoa segura do dever de declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco, determina, nos termos previstos na lei, a anulabilidade, alteração ou cessação do contrato.
(...)”
[15] Com o seguinte teor:
“(…) a Seguradora cobre o risco de invalidez Total e Permanente da Pessoa Segura, salvo nos casos provenientes de (…) doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da entrada em vigor desta cobertura complementar, e suas eventuais consequências, desde que tais doenças, acidentes ou eventos não sejam mencionados (…)”.
[16] Peça na qual se na qual se limitou a alegar genericamente, no art.º 20.º, que “(…) como geralmente acontece neste tipo de contratos de adesão, a generalidade dos clientes desconhece o teor das cláusulas constantes dos mesmos, geralmente são informados do conteúdo do contrato em si, valores, coberturas, etc., que efectivamente é o que lhes importa, sendo que a documentação é-lhes entregue para assinar em determinado momento sem que os clientes a analisem convenientemente, tendo sido o que ocorreu com o A. no referido contrato de seguro (…)”.