Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2650/15.1T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESPESAS MÉDICAS
REEMBOLSO
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Recorrendo o sinistrado a atos médicos e tratamentos particulares, por sua iniciativa, o direito ao reembolso das despesas inerentes, pela entidade responsável pela reparação do acidente, está dependente da demonstração de que tais atos médicos e tratamentos foram adequados ao restabelecimento do estado de saúde do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.
II – Inexistindo nos autos elementos factuais suficientes para que se ajuíze conscienciosamente se os atos clínicos e tratamentos particulares foram atos adequados à recuperação clínica do sinistrado e se a seguradora teve deles conhecimento, conforme alegado, deve anular-se a decisão que indeferiu o pedido de reembolso das despesas efetuadas, a fim de que se proceda à produção de prova que esclareça tais relevantes questões factuais, sendo depois proferida nova decisão.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P. 2650/15.1T8PTM.E1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
Na presente ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado BB e entidades responsáveis “CC – Companhia de Seguros, S.A.” e “DD, Lda.”, deu-se início à fase contenciosa do processo em virtude do sinistrado, na tentativa de conciliação realizada sob a égide do Ministério Público, não ter concordado com o grau de incapacidade permanente parcial fixado pelo perito médico-legal, e ter requerido a realização do exame por junta médica, com a apresentação dos respetivos quesitos.
Realizada a requerida junta médica, o colégio de peritos, por unanimidade, considerou que o sinistrado, em consequência do acidente de trabalho em apreço nos autos e das lesões decorrentes do mesmo, se encontra afetado de uma incapacidade permanente parcial de 4,94%.
Antes da realização do exame por junta médica, o sinistrado veio requerer o pagamento da quantia total de € 14.954,67, alegando, para tanto, que teve de recorrer a assistência médica particular para conseguir a melhoria da sua situação clínica, reportando-se o valor reclamado às despesas que efetuou: despesas médicas, fisioterapia, tratamentos, transportes, combustível e portagens.
No exercício do contraditório, a seguradora responsável informou que não se responsabilizava pelas despesas apresentadas, por as mesmas terem sido efetuadas sem o seu conhecimento e sem a sua autorização.
Proferida sentença, julgou-se o sinistrado afetado de uma IPP de 4,94%, em consequência do acidente de trabalho sofrido, e condenou-se a seguradora e a entidade patronal do sinistrado a pagarem-lhe (na quota parte das respetivas responsabilidades) o capital de remição calculado em função da pensão anual e vitalícia de € 316,52, devida desde 24/10/2015. Absolveram-se as entidades responsáveis do peticionado pagamento da quantia de € € 14.954,67.
Foi fixado à ação o valor de € 5.351,09.

Inconformado, veio o sinistrado interpor recurso da parte da sentença que lhe é desfavorável, rematando as suas alegações com a seguinte síntese conclusiva:
«I – Em 23.10.15 os serviços médicos da Recorrida consideraram que o ora Apelante havia alcançado a estabilização médico-legal.
II – À data de 23.10.15 o Apelante ainda apresentava joelho varo e lesão condral do joelho direito, para além de fortes dores de que padecia, apenas conseguindo efetuar a sua marcha, de forma claudicante e com a ajuda de duas canadianas.
III – À data do acidente sub judice o Apelante era um jovem com apenas 29 anos de idade.
IV – Atento o abandono a que a Recorrida votou o ora Apelante, este teve que procurar outros médicos especialistas.
V – Foi dada esperança médica ao Apelante, através de cirurgia e tratamentos, no sentido em que a sua recuperação seria viável, designadamente voltar a locomover-se sem a ajuda de canadianas, em marcha normal (não claudicante) e com muito menos dores ao nível do joelho direito.
VI – O Apelante comunicou tal facto à Recorrida, a qual nunca respondeu ao Apelante.
VII – Com o seu silêncio a Recorrida aceitou que o Apelante recorresse a terceiros para efetuara cirurgia e tratamentos.
VIII – O Apelante através da aludida cirurgia e tratamentos médicos recuperou a sua marcha, voltando a locomover-se sem a ajuda de canadianas, em marcha normal (não claudicante) e com muito menos dores ao nível do joelho direito.
IX - Interpelada para proceder ao pagamento das despesas ocasionadas no valor de € 14.954,67 a Recorrida mais uma vez silenciou.
X – A Recorrida só veio a responder no âmbito dos presentes autos, informando que não iria pagar as aludidas despesas porque as mesmas não foram previamente autorizadas, situação que também veio a ser confirmada pelo Tribunal a quo.
XI – Atenta a franca recuperação do Apelante, ou seja, a recuperação que a Recorrida lhe havia negado e que afinal foi possível alcançar, é da total responsabilidade da Recorrida suportar toas as despesas e encargos inerentes à mesma, no valor de € 14.954,67 – Cfr. Acórdão da Rel. Coimbra nº 249/08.8 TTAGD.C2 de 27.09.12.
Nestes termos, e nos mais de direito que serão objeto do douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve ser dado provimento à presente apelação e em consequência ser revogada a douta sentença de que ora se recorre, condenando-se a apelada nos precisos termos peticionados, ou seja, no pagamento ao Apelante do valor de € 14.954,67.»

Não foram apresentadas contra-alegações.
O tribunal de 1.ª instância admitiu a apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido ao tribunal da Relação, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se o sinistrado tem direito ao recebimento da peticionada quantia de € 14.954,67, relativa a assistência médica, tratamentos e despesas com deslocações.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou assente a seguinte factualidade:
1.1 BB nasceu no dia 14/ /1985.
1.2 No dia 3/05/2015, quando exercia as suas tarefas profissionais de barman, ao serviço de “DD, Lda.” sofreu um traumatismo do joelho direito, com lesão meniscal, rutura parcial do ligamento cruzado anterior e lesão condral.
1.3 Desse traumatismo, como sequelas definitivas, após alta clínica em 23/10/2015, resultaram para o sinistrado subjetivo doloroso, mobilidade mantida e sem atrofia muscular (durante a artroscopia foi efetuado tratamento de lesão osteocondral e, como mantivesse queixas, recorreu a médico privado, vindo a ser sujeito a osteotomia corretiva), que lhe determina uma incapacidade permanente parcial de 4,94%.
1.4 No referido dia 3/05/2015, o sinistrado auferia da “DD, Lda.” retribuição anual de €9.153,34.
1.5 À data do acidente a responsabilidade por acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a “CC – Companhia de Seguros, S.A.” pela “DD, Lda.” pelo valor da retribuição anual de €8.120,00.
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Por resultar dos autos, por acordo das partes baseado na falta de impugnação pela seguradora, e constituir factualidade relevante, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil, adita-se à factualidade assente os seguintes pontos factuais:
1.6. Em 23/10/2015, o sinistrado apresentava joelho varo e lesão condral do joelho direito, para além das fortes dores de que padecia, bem como marcha claudicante e com a ajuda de canadianas;
1.7. Em 16/1/2017, foi sujeito a intervenção cirúrgica executada por médico particular;
1.8. O sinistrado realizou as seguintes despesas:
a) despesas de transporte, combustível e portagens, no valor de € 941,34;
b) despesas médicas, no montante de e 12.642,23;
c) 51 sessões de fisioterapia, no valor de € 510,00 + 51 deslocações de … a … (220 Kms/ida e volta x 0,25), no montante de e 280,50;
d) tratamentos médicos, no total de e 342,60 + 34 deslocações de … a … (28 Kms/ida e volta x 0,25), no valor de e 238,00;
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IV. Enquadramento jurídico
Nos presentes autos mostra-se pacífico que o recorrente foi vítima de um acidente de trabalho ocorrido em 3/5/2015, do qual resultaram sequelas físicas que determinaram que o sinistrado ficasse afetado de uma incapacidade permanente parcial de 4,94%, desde 23/10/2015, sendo responsáveis pela reparação do acidente a “CC – Companhia de Seguros, S.A.” (88,71%) e a entidade patronal “DD, Lda” (11,29%).
Ao acidente em apreço nos autos, mostra-se aplicável à Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
De harmonia com o preceituado no artigo 23.º da aludida lei, o direito à reparação compreende as seguintes prestações:
a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa;
b) Em dinheiro - indemnizações, pensões, prestações e subsídios previstos na presente lei.

As prestações em espécie previstas na alínea a), compreendem, nos termos previstos pelo artigo 25.º da lei:
a) A assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, incluindo todos os elementos de diagnóstico e de tratamento que forem necessários, bem como as visitas domiciliárias;
b) A assistência medicamentosa e farmacêutica;

c) Os cuidados de enfermagem;
d) A hospitalização e os tratamentos termais;
e) A hospedagem;
f) Os transportes para observação, tratamento ou comparência a atos judiciais;
g) O fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação;
h) Os serviços de reabilitação e reintegração profissional e social, incluindo a adaptação do posto do trabalho;
i) Os serviços de reabilitação médica ou funcional para a vida ativa;
j) Apoio psicoterapêutico, sempre que necessário, à família do sinistrado.
O n.º 1 do artigo 28.º estipula o direito da entidade responsável designar o médico assistente do sinistrado.
E, de harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 30.º, o sinistrado deve submeter-se ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável, necessárias à cura da lesão ou doença e à recuperação da capacidade de trabalho, sem prejuízo do direito a solicitar o exame pericial do tribunal.
Ou seja, a solução legal consagrada [que já era assumida no anterior regime de reparação dos acidentes de trabalho – cfr. artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril e artigo 14.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro], impõe aos sinistrados em acidentes de trabalho a obrigação de se submeterem ao tratamento e observar as prescrições clínicas e cirúrgicas do médico designado pela entidade responsável[2].
As exceções à regra geral mostram-se expressamente legalmente previstas.
Estipula o n.º 2 do artigo 28.º que o sinistrado pode recorrer a qualquer médico nos seguintes casos:
a) Se o empregador ou quem o represente não se encontrar no local do acidente e houver urgência nos socorros;
b) Se a entidade responsável não nomear médico assistente ou enquanto o não fizer;
c) Se a entidade responsável renunciar ao direito de escolher o médico assistente;
d) Se lhe for dada alta sem estar curado, devendo, neste caso, requerer exame pelo perito do tribunal.

Na específica situação dos autos, o recorrente não nega que lhe foi prestada assistência médica pela seguradora responsável, pois segundo as suas próprias palavras «teve acompanhamento médico através dos serviços médicos da Recorrida até 23.10.2015, altura em que aqueles serviços consideraram que o ora apelante havia alcançado a estabilização médico-legal».
Argumenta, porém, que à data da alta clínica atribuída pela recorrida, apresentava «joelho varo, lesão condral e fortes dores do joelho direito, efetuando marcha claudicante e com ajuda de duas canadianas», o que o impedia de ter autonomia para se alimentar, vestir sozinho, fazer a sua higiene diária e, muito menos, para trabalhar.
Perante as circunstâncias alegadas em sede de recurso [parcialmente provadas], declarou que não teve alternativa, senão recorrer a assistência médica particular para melhorar a sua situação clínica.
No fundo, o sinistrado não aceitou a alta clínica que lhe foi atribuída e entendeu que a seguradora não lhe prestou a devida assistência médica, nem realizou os tratamentos adequados à melhoria do seu estado clínico.
Todavia, em vez de ter requerido ao tribunal que diligenciasse para que a seguradora procedesse à assistência médica considerada necessária ou para que fosse realizado um exame médico pelo perito do tribunal a avaliar a sua situação clínica, optou, por recorrer a médicos e tratamentos particulares.
É certo que a jurisprudência portuguesa já se pronunciou favoravelmente sobre o direito ao reembolso de despesas realizadas a título particular pelo sinistrado, sem autorização da seguradora, para melhoria da situação clínica.
Transcrevem-se os sumários de alguns acórdãos relevantes:
- Acórdão da Relação do Porto de 23/5/2016, P. 297/12.3TTGDM.E1:
«Tendo a sinistrada recorrido a tratamentos e atos clínicos efetuados por entidades externas à seguradora, e mostrando-se esses atos adequados à recuperação clínica da sinistrada, não estando demonstrado que se em vez de ter sido assistida pelos médicos e serviços clínicos que a sinistrada escolheu tivessem sido os serviços clínicos da seguradora a assisti-la aquela não teria padecido das incapacidades temporárias que sofreu, ou ficado com a incapacidade permanente com que ficou, tem a mesmo direito a ser reembolsada das despesas com internamento, cirurgia e tratamentos, mas tendo como limite os preços que a seguradora suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e /ou contratados.»
- Acórdão da Relação de Lisboa de 11/04/2018, P.18911/15.7T8SNT.L1[4]
«Apesar de a Autora, após a data da alta, ter efetuado tratamentos de fisioterapia sem que os tivesse solicitado à Seguradora, ou sem que lhe tivesse dado a conhecer que necessitava dos mesmos, mas estando assente que aqueles tratamentos trazem melhorias e alívio na dor à Autora, deverá a Seguradora reembolsá-la mas apenas nas quantias que a própria Seguradora despenderia caso os tivesse contratado.»
- Acórdão da Relação de Coimbra de 27/09/2012, P.249/08.8TTAGD.C2[5]
«Tendo o sinistrado recusado a assistência médica da seguradora e optado pelo recurso a atos clínicos efetuados por entidades não indicadas pela mesma seguradora, e mostrando-se esses atos adequados à recuperação clínica do sinistrado, não estando demonstrado que se em vez de ter sido assistido pelos médicos e serviços clínicos que o sinistrado escolheu tivessem sido os serviços clínicos da seguradora a assisti-lo aquele não teria padecido das incapacidades temporárias que sofreu, ou ficado com a incapacidade permanente com que ficou, tem o mesmo direito a ser reembolsado das despesas com internamento, operações, consultas, tratamentos e deslocações, mas tendo como limite os preços que a seguradora suportaria por tais serviços, se fossem por si assegurados e /ou contratados.»
Extrai-se de todas estas decisões um ponto em comum, o direito ao reembolso assenta na prova de que os atos clínicos e os tratamentos contratados pelo sinistrado, foram adequados ao restabelecimento do seu estado de saúde e à recuperação para a vida ativa.
No mencionado acórdão da Relação do Porto, a relevância deste elemento factual mostra-se claramente explicada:
«Em primeiro lugar, diremos que a lei tem uma visão conservadora e protetora da seguradora em detrimento do sinistrado, daquele que efetivamente deveria proteger, pois, quer se queira, quer não se queira, o princípio que está inerente a cada doente poder escolher o seu médico, médico de confiança, fica abalado.
Por outro lado, pensamos que nessa proteção dada à seguradora deve estar um princípio de equilíbrio, no sentido de que com tais regras é que não haja, por parte do sinistrado, a utilização abusiva de serviços e atos médicos desnecessários ou supérfluos, nem que, na execução desses serviços e atos médicos, haja despesas voluptuárias. Daí ser a seguradora que, mediante o seu quadro de serviços médicos, garanta a prestação de tais cuidados médicos, para que, de acordo com a sua gestão organizacional, obtenha resultados económicos e os menores gastos possíveis, os quais poderiam ser postos em causa se tais regras legais não estivessem previstas.
Mas, apesar de todos estes condicionalismos, se estivermos perante uma situação em que se demostra que a rebeldia do sinistrado a estas regras não pôs em causa a proteção legal dada à seguradora, e que esta até beneficiou, ou pelo menos, melhor não faria com os seus serviços, com a atitude do sinistrado, e, sobretudo, está demostrado a necessidade do ato médico, ou pelo menos, indemonstrado a sua desnecessidade, e mostrada a sua utilidade, então, a seguradora, sob pena de enriquecimento, deve suportar as despesas feitas pelo sinistrado, de valor equivalente àquelas que suportaria, socorrendo-se do seus próprios serviços, caso tivesse sido ela a executar tais atos médicos.»
Não se descortina razão para divergir da citada jurisprudência.
Analisemos agora o específico caso dos autos.
No requerimento em que o sinistrado alega a materialidade aditada à fundamentação de facto, o mesmo alegou que devido aos atos médicos e tratamentos por si contratados, apresenta «grandes melhorias» e que os mesmos «se mostraram adequados à recuperação clínica do Sinistrado».
Mais referiu que comunicou a sua situação à seguradora responsável, que não se prontificou a realizar a nova intervenção cirúrgica nem os tratamentos, nem se disponibilizou para pagar as despesas inerentes.
Em resposta, a seguradora afirmou que as despesas reclamadas pelo sinistrado «foram efetuadas a título particular, sem conhecimento da seguradora, nem prévia autorização das mesmas».
Compulsados os autos, obtêm-se ainda os seguintes elementos relevantes:
- No exame pericial singular realizado na fase conciliatória do processo, o perito atribui ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 4%, a partir de 23-10-2015 (data da cura clínica);
- No exame por junta médica da especialidade de ortopedia, que teve lugar posteriormente à realização da osteotomia corretiva realizada pelo médico privado e aos tratamentos subsequentes a tal intervenção, o colégio de peritos entendeu que o sinistrado está afetado de uma incapacidade permanente parcial de 4,94%, ainda que já não apresente marcha claudicante dolorosa (resposta ao quesito 14.º)
Deste modo, a evolução da situação clínica do sinistrado, numa análise cingida aos coeficientes de incapacidade permanente atribuídas, denota agravamento da incapacidade permanente para o trabalho. Porém, não podemos esquecer que o grau de incapacidade constituía questão controversa que deu origem à fase contenciosa do processo. Além disso, o perito singular e o colégio de peritos enquadraram em rúbricas diversas da TNI as lesões e sequelas do sinistrado.
Por outro lado, o sinistrado deixou de ter marcha claudicante como sucedia em 23/10/2015, o que para um Barman, que atendia ao balcão, com necessidade de faculdades especiais de equilíbrio (como se refere no inquérito profissional junto aos autos), evidencia alguma utilidade na assistência e tratamentos particulares contratados.
Em suma, os elementos dos autos revelam-se insuficientes para que se ajuíze conscienciosamente se os atos clínicos e tratamentos particulares foram atos adequados à recuperação clínica do sinistrado.
Mostra-se, pois, necessário averiguar tal questão factual, nomeadamente através da realização de prova pericial que esclareça se houve ou não melhoria, e, em caso afirmativo, especifique detalhadamente em que consistiu essa melhoria. Na eventualidade de resposta negativa, a mesma deverá igualmente ser devidamente fundamentada.
Face ao alegado pelo sinistrado, importa, também, averiguar se o mesmo deu a conhecer à seguradora tais atos clínicos e tratamentos.
Quanto às despesas respeitantes às deslocações que se mostram reclamadas, as mesmas estão dependentes do que se vier a decidir, quanto ao direito a reembolso dos atos clínicos e tratamentos particulares realizados, pelo que o seu conhecimento se mostra, por ora, prejudicado.
Enfim, impõe-se a anulação parcial da sentença proferida, na parte que conheceu do pedido de reembolso das despesas, devendo os autos descer à 1.ª instância para que seja produzida prova que esclareça concretamente:
- se em função dos atos médicos e tratamentos realizados, contratados pelo sinistrado, houve melhoria da situação clínica do sinistrado;
- se o sinistrado deu a conhecer à seguradora a sua realização.
Para o efeito, para além da prova pericial a que anteriormente aludimos, e que deverá ser oficiosamente ordenada, deverão as partes ser notificadas para, querendo, requererem outros meios probatórios sobre as questões factuais indicadas.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em anular parcialmente a sentença recorrida, na parte que conheceu sobre o pedido de reembolso das despesas no valor de € 14.954,67, para que seja produzida prova relativa às questões factuais indicadas, sendo posteriormente proferida nova decisão sobre o requerimento de reembolso das despesas.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.

Évora, 18 de outubro de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.ª Adjunto: João Luís Nunes
[2] Cfr. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, Almedina,pág.208.
[3] Acessível em www.dgsi.pt.
[4] Publicado em www.pgdlisboa.pt
[5] Acessível em www.dgsi.pt.