Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1350/12.9TBTNV.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
DEVER DE COMUNICAR
CADUCIDADE
Data do Acordão: 11/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil basta-se com o conhecimento por parte do preferente da alienação propriamente dita, com a identificação do bem alienado, e do sacrifício económico global suportado pelo terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efectivamente exercer a sua prioridade de aquisição.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1350/12.9TBTNV.E1 – 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Relatório
(…) intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra (…), (…), (…) e (…), peticionando que seja reconhecido à autora o direito de haver para si o prédio vendido.
Em síntese, alega que no dia 30.09.1970 foi celebrado um contrato de arrendamento entre (…), na qualidade de senhoria, e (…), na qualidade de inquilino, e que teve por objeto o 1.º e 2.º andares do prédio sito na Rua (…), n.º 15, em Torres Novas, inscrito na matriz sob o artigo (…), descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º (…)/20100815.
A partir de Outubro de 1985, o inquilino e a autora não tiveram mais contacto com a senhoria, e a autora e (…) viviam em união de facto.
Mais alega que (…) faleceu em 11.11.2011, no estado de solteiro, e o contrato de arrendamento transmitiu-se para si, que sempre teve e continua a ter residência naquele prédio.
Nunca foi comunicado a (…) nem à autora qualquer intenção de venda por parte dos proprietários desse prédio e, no dia 08.09.2012, a autora tomou conhecimento de que aquele prédio foi vendido, em 26.09.1983, não tendo sido cumprida a obrigação de preferência ao arrendatário desse prédio.
Os réus deduziram contestação e reconvenção.
Os réus impugnam os factos alegados pela autora, alegam que, no ano de 1985, (…) e a autora já sabiam que os seus senhorios são os réus (…) e (…), porquanto, no ano de 1983, tal foi-lhes comunicado por (…) e por (…) que (…) pretendia comprar o prédio, pelo preço de seiscentos contos, e (…) e a autora manifestaram que não queriam preferir na venda do prédio, razão pela qual caducou o seu direito.
Mais referem que (…) exigiu aos réus (…) e (…) a realização de obra naquele prédio, com o que os réus despenderam o montante de € 10.000,00.
Os réus alegam que caducou o direito de preferência da autora e de (…) na aquisição daquele prédio, porquanto tiveram conhecimento dos elementos essenciais desse negócio no ano de 1983, ou seja, há mais de 30 anos, tendo também decorrido o prazo de prescrição por ter decorrido mais de 20 anos desde a realização daquele negócio e a data da propositura desta ação.
Invocam a ilegitimidade passiva, por os réus (…) e o marido terem adquirido esse prédio no ano de 1974 a (…) e a (…), e estes não foram demandados na ação.
No mais, os réus deduzem reconvenção, por via da qual peticionam a condenação da autora a pagar aos réus, além do preço do prédio, as despesas de celebração do negócio, e o montante de € 13.992,79.
Para tanto, os réus alegam que a autora tem de pagar aos réus, além do preço, as despesas com a celebração do negócio, nomeadamente com o registo, com a outorga da escritura e demais encargos, e tem de pagar as despesas com as obras realizadas naquele prédio, no montante de € 10.000,00.
Os réus peticionam ainda o pagamento do montante de € 1.000,00, correspondente ao valor das contribuições autárquicas pagas pelos réus desde o ano de 1974 até à presente data.
Os réus concluem, peticionando a condenação da autora como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização no montante de € 5.000,00, por a autora vir exercer o direito de haver para si o prédio, sabendo que renunciou ao mesmos, há cerca de 30 anos e alega factos cuja falsidade não desconhece.

A autora apresentou replica, por via da qual alega que as despesas reclamadas pelos réus têm de ser comprovadas documentalmente e alega que nunca lhe foi comunicada qualquer intenção de venda daquele prédio.
A autora refere que inexiste qualquer prescrição do seu direito, nem se verifica a exceção de ilegitimidade alegada pelos réus e a autora desconhece e não tem de conhecer todos os que participaram em anteriores vendas daquele prédio.
Mais alega que inexiste litigância de má-fé de sua parte.

Constatando-se o óbito do réu (…), foi deduzido o incidente de habilitação de herdeiros e, por sentença proferida em 27.02.2015, transitada em julgado no apenso A, (…), (…), (…) e (…) foram habilitados como sucessores do réu (…).

*
Por despacho proferido em 27.10.2016, nestes autos, foram a autora e os réus convidados a suprirem as insuficiências e imprecisões factuais dos respetivos articulados, nos termos e com os fundamentos que constam desse despacho.
Em resposta ao despacho proferido, a autora e os réus apresentaram articulados de aperfeiçoamento dos respetivos articulados e a autora procedeu à ampliação do pedido, peticionando que se:
- Reconheça à autora o direito de preferência sobre o prédio identificado nos artigos 1.º, 4.º e 5.º da petição inicial, substituindo-se aos réus (…) e (…) na escritura de compra e venda;
- Os réus sejam condenados a entregarem à autora o prédio livre e desocupado;
- Cancelem os registos que os réus (…) e (…) hajam feito a seu favor em consequência da compra desse prédio, designadamente o constante da inscrição (…)/2010091 5 – apresentação (…), de 20.12.2010.
*
Cumprido o disposto no artigo 590.º, n.º 5, do Código de Processo Civil em relação à autora e aos réus, a autora veio alegar a ineptidão da reconvenção, exceção que foi julgada improcedente por despacho proferido em 12.12.2016.
*
Por despacho proferido em 12.12.2016, foi admitida a ampliação do pedido formulado pela autora e foi designada data para a realização de audiência prévia.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que
a) Julgou improcedente a exceção de prescrição;
b) Julgou procedente a exceção de caducidade do direito;
c) Julgou a presente ação integralmente improcedente e, em consequência, absolveu todos os réus e os herdeiros habilitados como sucessores de (…) de todos os pedidos formulados pela autora;
d) Julgou a reconvenção improcedente e, em consequência, absolveu a autora do pedido reconvencional formulado pelos réus;
e) Julgou improcedente o pedido de condenação da autora como litigante de má-fé e, em consequência, absolveu a autora desse pedido.
Inconformada recorreu a A. tendo concluído nos seguintes termos:

Com o presente recurso a Recorrente pretende ver sindicados os deveres que impendem sobre o obrigado à preferência (no caso em que o arrendatário beneficia do direito legal de preferência a que alude o artigo 1409º do CC), nomeadamente, que factos deve este comunicar ao titular do direito de preferência.

Mais propriamente quais as cláusulas essenciais do negócio que o obrigado à preferência tem o dever de comunicar de modo a permitir ao titular do direito de preferência a opção sobre se quer ou não preferir.

Com efeito, o entendimento perfilhado quanto a esta questão condiciona a resposta ao facto 16 da matéria de facto dada como provada e alínea E da matéria de facto não provada.

No modesto entendimento da Autora ora Recorrente a prova produzida em sede de Audiência de Discussão e Julgamento foi contrária ao doutamente decidido pois os meios probatórios obtidos no presente processo impunham decisão oposta à ora recorrida nomeadamente no que tange à matéria de facto nos termos do artº. 640º do CPC.

A Recorrente considera, deste modo, que a alínea E dos factos não provados deveria ter sido dada como provada razão pela qual se considera que foi incorretamente julgada, impugnando-se a decisão quanto a essa matéria em concreto.

Além disso a Recorrente considera que ao decidir como decidiu o douto tribunal a quo violou o preceituado no artigo 1410º do CC, ao não ter dado a devida importância ao facto 16 da matéria de facto dada como provada.

Salvo o devido respeito, que é muito, não resulta da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que os Recorridos tenham dado conhecimento à Recorrente quer ao seu marido relativamente à venda do imóvel pois não basta a comunicação ao titular do direito de preferência, de forma genérica da intenção de venda pois, na verdade os Recorridos não comunicaram, nem por si (como deviam), nem por terceiro as cláusulas essenciais do negócio.

Muito menos tendo resultado dos depoimentos conjugados das testemunhas (…) e (…), que já aquando da alegada proposta de venda ao decesso companheiro da Recorrente que alguma vez o conhecimento nos termos legais alguma vez chegou ao conhecimento da Recorrente. Pois,

Impende, em nossa opinião, sobre o obrigado à preferência o dever de comunicar ao titular do direito o projecto de venda com as cláusulas essenciais correspondentes e que são determinativas e condicionantes da vontade do titular em preferir ou não.

É, aliás, o que dispõe o artº. 416º do CC, pois só depois dessa comunicação se pode constatar se o preferente renunciou ou não ao direito de que era titular.

Caso o obrigado à preferência comunique deficientemente o projecto de venda, omitindo ou adulterando cláusulas essenciais que constam dele, se o obrigado à preferência vier a vender a terceiros o prédio que devia dar de preferência, o titular do direito pode exerce-lo nos seis meses seguintes à data em que teve conhecimento completo dessas mesmas cláusulas essenciais do contrato que condicionam a vontade do preferente em exercer ou não o direito (artºs. 1409º e 1410º do CC).

Significa isto, por conseguinte, que quer no caso de projecto de venda quer no caso de venda consumada, o titular do direito tem sempre que conhecer os elementos clausulados essenciais do negócio realizado ou projectado porque só assim poderá formar a sua vontade com pleno conhecimento de causa.
Repare-se, aliás, que o próprio artº. 1409.º, n.º 2, do CC remete com adaptações (porque projecto e contrato celebrado são coisas diferentes) para o comando ínsito no artº. 416 do CC.

No caso em apreço nada disto sucedeu.

Ademais os Recorridos bem sabiam da existência do contrato de arrendamento e bem assim da obrigação legal de dar preferência ao arrendatário na venda do imóvel.

Nada foi explicado quer à Recorrente quer ao seu decesso companheiro quanto ao preço da venda, quanto à forma de pagamento (a pronto ou a prestações), à existência ou não de ónus ou encargos e mesmo a identificação do comprador.

É aqui que, em nosso modesto entendimento, o douto tribunal a quo mais falha, ao entender basta para dar como provado o cumprimento da obrigação legal de preferência uma mera comunicação verbal genérica (uma intenção de venda ou comunicação pós venda) e para, com base nisso, considerar caduco o direito do decesso companheiro da Recorrente bem como desta – como se de alguma forma impendesse sobre a Recorrente e o seu companheiro a obrigação legal de se irem inteirar dos termos do negócio celebrado pelos Recorridos.

Perfilhamos um entendimento contrário, pois quem tinha obrigação de comunicar o teor do contrato eram os Recorridos (isso mesmo se infere do artº. 416º do CC), não é o titular do direito que deve vasculhar informações que muitas vezes não domina para saber o que outros fizeram e omitiram.

É este o entendimento jurisprudencial que consideramos mais justo para o caso em apreço, depois disto pouco importa saber se a notícia da venda do imóvel chegou ou não ao conhecimento da Recorrente (de forma genérica) ou se a dado momento (no ano de 1985 o companheiro da Recorrente disse que não tinha meios para comprar o imóvel), quando não lhe foi dado a conhecer quer o preço quer as condições de venda (que até poderia ser a prestações).

Daí que, tanto uma comunicação recebida pela Recorrente ou pelo seu companheiro, nestes termos, ou mesmo uma manifestação de não comprar o imóvel em discussão nos presentes autos é perfeitamente inocula uma vez que não contem os elementos que a lei impõe (cfr. artigo 224º do CC).

Todavia considerando o entendimento que temos vindo a defender tal implica uma alteração à matéria de facto dada como não provada pelo que só ao Tribunal da Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da “base instrutória” / matéria de facto alegada, a partir de prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos probatórios que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os elementos, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e, através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC.

Não temos quaisquer dúvidas em considerar, que dos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), pela harmonia entre si e pela sintonia com outros dados disponíveis nomeadamente os elementos de prova documental junta aos autos (e que no fundo serve de fundamento à esmagadora maioria dos factos dados como provados) apesar de resultar evidente que houve um conhecimento genérico da intenção de venda em 1983 e da venda em 1985 tal não basta para que se considere que houve conhecimento para efeitos do preenchimento do artigo 416º do Código Civil – conforme resulta das concretas passagens transcritas e identificadas supra para onde remetemos e que nesta sede damos por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais.

Considera, em nossa opinião erradamente, o tribunal a quo que a Recorrente teve conhecimento da venda nesse ano (1985), sendo esse ano coincidente com o ano em que passaram a ser depositadas as rendas na CGD por (se por) desconhecimento por parte do Arrendatário acerca da identidade do Senhorio uma vez que o procurador designado para o recebimento das rendas os havia informado que deixaria de poder passar recibos em virtude de o imóvel ter sido alienado, desconhecendo este a identidade do proprietário.

Destarte, ao decidir como decidiu mais parece que existe um ónus por parte do arrendatário / titular do direito legal de preferência em ir confirmar e procurar pelos termos do negócio que ditou a venda do imóvel.

Na verdade, teleologicamente o direito de preferência faz recair sobre o vendedor / senhorio o dever de informar, com rigor, os termos e condições do negócio para que, com base nessa informação, o titular do direito de preferência o possa exercer ou não – não sobre o arrendatário.

Deste modo, não podemos considerar que para efeitos do artigo 416º do CC a Autora, em 1985, tenha tido conhecimento da venda pois, efectivamente, pese embora tivesse a notícia da venda desconhecia os concretos termos desta.

Daí que, em nosso modesto entendimento, tal conhecimento apenas lhe adveio após o óbito do seu companheiro, nomeadamente em 08/08/2012, quando se deslocou à Conservatória do Registo Predial, acompanhada da sua filha e obteve essa informação e bem ainda junto do Serviço de Finanças.

Entendemos, ainda, com o devido respeito, que foi desatendido pelo douto tribunal a quo a idade e instrução da Recorrente a ausência de informação que havia em 1985 pois nessa altura inexistiam os meios actuais.

Daí que a Recorrente e o seu falecido companheiro tenham feito o que podiam e estava ao seu alcance para salvaguardar o seu direito legal de preferência não lhes sendo exigível, salvo melhor e mais douto entendimento, que fizessem mais do que se encontra plasmado nos autos.

Não é de estranhar que a questão das rendas tenha ficado adormecida desde 1985 a esta parte, só tendo regressado à memória da Recorrente aquando do falecimento do seu companheiro tendo sido à luz e em resultado dos documentos agora legalmente exigíveis em resultado do falecimento deste é o que nos dizem as regras da experiência comum.

Sem prescindir, contraria a mais elementar lógica que os Recorridos tenham feito obras no locado em 1983, que bem sabiam estar arrendado, nunca se tendo importado de cobrar a renda devida pela ocupação do espaço desde 1985 até à presente data (factos 17, 18, 19, 20 e 10 da matéria de facto dada como provada).

Por todos os factos supra aduzidos o douto tribunal deveria, em nosso modesto entendimento ter dado como provado que a Recorrente apenas no dia 08.08.2012, ao deslocar-se à Conservatória do Registo Predial de Torres Novas, a Recorrente tomou conhecimento de que o prédio em discussão nos presentes autos foi vendido e bem ainda dos termos do negócio nomeadamente a identidade dos compradores e valor do negócio sendo, ainda, até à presente data desconhecidas as condições de pagamento uma vez que nenhuma prova foi produzida em relação a estas.

Não obstante quanto à aplicação do direito ao caso vertente, sem prejuízo do que acima ficou expresso, em relação aos elementos que o vendedor do imóvel está obrigado a facultar ao titular do direito legal de preferência, in casu ao arrendatário e que nesta sede damos por integralmente por reproduzidos para os devidos efeitos legais é nossa convicção que ao decidir como decidiu o douto tribunal a quo violou o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 1410º, 416º e 342º, todos do Código Civil, aliás é o que evidencia a Jurisprudência dominante conforme acórdãos cujo sumário se encontra transcrito supra para onde remetemos.


Entendemos, também, que o douto tribunal a quo violou, igualmente, o artigo 1410º ao julgar caduco o direito da Recorrente, considerando que esta havia tido conhecimento da venda em 1985, pois na senda do supra alegado, em nosso modesto entendimento, a notícia que chegou ao conhecimento da Recorrente não se compadece com os requisitos legalmente impostos para que se possa considerar validamente efetuada.

Com efeito, resulta do depoimento de (…) que, pese embora, lhes tivesse chegado a notícia da alegada venda do imóvel, que se veio a verificar ser verdade, facto é que apenas em 2012 por via da consulta da informação predial, mormente pela obtenção do doc. 3 junto com a PI obtido em 08/08/2012 às 12:26:58 UTC e, bem assim, o doc. 11 junto com a PI (vg. quando começaram a tratar dos assuntos relativos ao óbito do decesso … – vide minuto 12:54 a 13:15 do depoimento de …, supra transcrito.

Face ao exposto, em nossa modesta opinião, o prazo de caducidade só começou a correr a partir de Agosto de 2012 altura em que Recorrente e a sua filha procuraram ajuda para a resolução de assuntos pendentes conexos com o óbito de (…).

Assim, em nossa modesta opinião, só a partir da data do conhecimento dos termos negócio (contrato de compra e venda), é que começará a contar o prazo em que chegou, efectivamente, a conhecimento da Recorrente os elementos essenciais do negócio e maxime iniciando-se a contagem do prazo de caducidade a que alude o artigo 1410º, n.º 1, do CC.

Todavia, considerando que se desconhece inclusivamente as condições de pagamento do preço que, em bom rigor, podem não
constar da escritura pública (nem os mesmos constam da matéria de facto dada como provada ou não provada) facto é que esse prazo nem sequer começou, ainda, a decorrer.

Mesmo que assim não se considere uma vez que a presente acção deu entrada em juízo em 1 de Outubro de 2012 e o conhecimento da identidade do comprador e preço de venda apenas chegou ao conhecimento da Recorrente com a obtenção do doc. 3 junto aos autos com a PI (datado de 08/08/2012) entendemos não se encontrar verificada a caducidade do direito da Recorrente pelo que ao decidir como decidiu o douto tribunal violou as disposições conjugadas dos artigos 279º, 296º e 1410º, n.º 1, do CC).

Em conclusão, salvo melhor e mais douto entendimento por parte do douto tribunal ad quem, a Recorrente cumpriu com o ónus da prova que lhe competida sendo que no que à matéria de direito concerne entendemos que as posições sufragadas no presente recurso, contrárias às da douta sentença recorrida, são as que melhor realizam a justiça material que o caso em apreço reclama.

Não se mostram juntas contra-alegações.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.


O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:
1. Por escrito outorgado em 30.10.1970, (…) cedeu o uso e fruição do 1.º e 2.º andares do prédio, destinado a habitação, sito na Rua (…), n.º 15, freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (...), concelho de Torres Novas, a (…), mediante o pagamento por este do montante de 380$00 mensal, equivalente a € 1,90, pela cedência do gozo desse prédio.
2. Por escritura outorgada em 02.09.1974, (…) e (…) declararam transmitir a (…) e a (…) o prédio composto de casa de rés-do-chão e mirante, sito na Rua (…), n.º 15, freguesia de Salvador, inscrito na matriz sob o artigo (…), concelho de Torres Novas, pelo preço de 84.000$00, que (…) e (…) declararam aceitar.
3. Por escritura outorgada em 26.09.1983, José Lopes Rodrigues, na qualidade de procurador de Augusto Lopes Moleiro e de Maria Augusta Lopes Moleiro, declarou que em nome destes transmite o prédio composto de casa de rés-do-chão e mirante, sito na Rua Entre Muros, n.º 15, freguesia de Salvador, inscrito na matriz sob o artigo 465, concelho de Torres Novas, pelo preço de 600.000$00, equivalente a € 2.992,79, a Arminda de Jesus Lopes Fernandes, na qualidade de procuradora e em representação de Augusto Sá Marques Ferreira e de Maria Eulália Fonseca, preço que estes pagaram.
4. Encontra-se registada na Conservatória de Registo Predial de Torres Novas, pela Ap. (…) de 2010/12/10, a aquisição a favor de (…) e de (…) do prédio composto de casa de rés-do-chão e mirante, sito na Rua (…), freguesia de Salvador, inscrito na matriz sob o artigo (…), concelho de Torres Novas, descrito na Conservatória de registo Predial sob o n.º (…)/20100915.
5. (…) faleceu em 11.11.2011, no estado de solteiro.
6. (…) é filha de (…) e da autora.
7. (…) é filha de (…) e da autora.
8. Por escritura de habilitação de herdeiros, (…) e (…) foram declaradas únicas herdeiras de (…).
9. Pelo menos, desde o ano de 1970, (…) vivia com a autora, partilhavam a mesma cama, relacionavam-se familiar, social, afetiva e sexualmente, tomando as refeições em conjunto e contribuindo para as despesas da casa como se fossem marido e mulher.
10. A autora e (…) viveram no prédio identificado em 1), nas condições referidas em 9), desde o ano de 1970 até à morte daquele, em 11.11.2011.
11. No mês de outubro de 1970, o recibo de renda do prédio referido em 1) foi assinado por terceira pessoa, com autorização de (…).
12. Desde o mês de Janeiro do ano de 1975 até data não concretamente apurada, anterior ao mês de Outubro de 1985, os recibos de renda do prédio referido em 1) foram emitidos e assinados por (…).
13. A partir do mês de Outubro do ano de 1985, as rendas a pagar no âmbito do acordo referido em 1) passaram a ser depositadas na Caixa Geral de Depósitos, S.A., por motivo de ausência do senhorio.
14. A autora e (…) contactavam com os réus (…) e (…) quer diretamente, quer por intermédio de (…), seu procurador.
15. Em data não concretamente apurada, na década de 1980, antes de 26.09.1983, foi comunicado verbalmente à autora que os réus (…) e (…) queriam vender o prédio identificado em 1), foi-lhe perguntado se queria comprar esse prédio e a autora declarou a (…) que não queria comprar esse prédio, por o mesmo se situar num local ventoso.
16. No ano de 1985, (…) e a autora já sabiam que o prédio referido em 1) tinha sido vendido pelos réus (…) e (…) a (…) e a (…).
17. Após o acordo referido em 3), os réus (…) e (…) não residiram no prédio identificado em 1).
18. Após a aquisição do prédio referido em 1), os réus (…) e (…) realizaram obras no prédio identificado em 1) e contrataram serviços de pedreiro para a realização dessas obras.
19. As obras referidas em 18) consistiram na construção de uma casa de banho, na reconstrução da cozinha e na reparação das janelas do prédio identificado em 1).
20. Os réus (…) e (…) despenderam o montante de € 1.132,01 para pagamento de contribuição autárquica e de Imposto Municipal sobre Imóveis do prédio referido em 1).
21. A autora intentou a presente ação em 01.10.2012.
22. Em 01.10.2012, a autora depositou o montante de € 2.993,79 à ordem dos autos.

*
b) Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A. Entre os anos de 1971 a 1974, os recibos de renda do prédio referido em 1) foram emitidos por terceiro, que não o senhorio;
B. A partir do mês de outubro de 1985, (…) e a autora não tiveram mais contacto com os senhorios do prédio referido em 1) nem com os seus descendentes e desconheciam a sua existência;
C. A autora continua a viver no prédio identificado em 1);
D. Por a autora não conhecer o dono do prédio identificado em 1) nem os seus descendentes, não lhes comunicou a morte de (…);
E. No dia 08.08.2012, ao deslocar-se à Conservatória de Registo Predial de Torres Novas, a autora tomou conhecimento que o prédio referido em 1) foi vendido;
F.A comunicação referida em 15 foi efectuada a (…) e à A. pelos RR. (…) e (…) e foi-lhes transmitido por estes que (…) pretendia comprar o prédio referido em 1) pelo preço de seiscentos contos;
G. A autora e (…) declararam que o prédio referido em 1) era composto por muitas escadas e que se pudessem adquirir o prédio onde residiam ou qualquer outro não o teriam arrendado;
H. As obras referidas em 19) foram realizadas a pedido de (…) e os réus (…) e (…) despenderam o montante de € 10.000,00 para realização dessas obras;
I. Os réus (…) e (…) suportaram despesas com a celebração do acordo referido em 3) com o registo do prédio e com a outorga da escritura pública.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º CPC).
Invoca a recorrente erro na apreciação da prova que determina alteração da al. e) dos factos não provados que deveria ter sido julgada provada.
Discute-se ainda a verificação dos pressupostos da caducidade do direito legal de preferência.

O que verdadeiramente se discute é a questão de saber qual o sentido em que deve ser entendida a expressão do n.º 1 do art.º 1410.º do Código Civil «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», de que se faz depender o início do prazo para o exercício do direito de preferência.
O facto constante da alínea e) dos factos não provados (não provado que no dia 08.08.2012, ao deslocar-se à Conservatória de Registo Predial de Torres Novas, a autora tomou conhecimento que o prédio referido em I) foi vendido) e os pontos 15 e 16 da matéria de facto provada (15- Em data não concretamente apurada, na década de 1980, antes de 26.09.l983, foi comunicado verbalmente à autora que os réus … e … queriam vender o prédio identificado em I), foi-lhe perguntado se queria comprar esse prédio e a autora declarou a … que não queria comprar esse prédio, por o mesmo se situar num local ventoso; 16- No ano de 1985, … e a autora já sabiam que o prédio referido em I) tinha sido vendido pelos réus e … a … e a …) não são verdadeiramente postos em causa pela recorrente.
O que se sustenta é que aquele conhecimento, nas concretas circunstâncias apuradas, não releva para o efeito pretendido pelos RR. quando invocaram a caducidade do direito de preferir.
Na verdade, tal como refere a decisão recorrida (o que com certeza merecerá a concordância da recorrente) «sopesada a factual idade provada, verificamos que não resultou demonstrado que os réus … e … tivessem procedido à notificação de … (nem da autora) para exercer o direito de preferência na venda do prédio aos réus (…) e (…), através da comunicação do projeto de venda e das cláusulas desse contrato»
Mas então estamos perante uma questão de direito que é a de saber qual o sentido em que deve ser entendida a expressão do n.º 1 do art.º 1410.º do Código Civil «conhecimento dos elementos essenciais da alienação», de que se faz depender o início do prazo para o exercício do direito de preferência e se o conhecimento, nas concretas circunstâncias dos autos é ou não apto para o efeito a fazer desencadear o início do prazo para o exercício do direito de preferência.
A autora arroga-se titular do direito de preferência na venda do prédio, ocorrida em 26.09.1983, e os réus excecionam, alegando a caducidade do exercício desse direito, por a acção ter sido intentada mais de seis meses a contar da comunicação para a preferência e alegam que prescreveu o direito da autora, uma vez que decorreram mais de 20 anos desde a data da celebração do contrato e a data da propositura desta ação.

São dois os ónus que recaem sobre o preferente, relacionados com a acção de preferência:

1º - Interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação;

2º - Depositar o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da mesma acção.

Importa trazer á colação os ensinamentos constantes do ac. STJ, de 8-1-2015, disponível em www.dgsi.pt.

«Quanto à necessidade de o preferente interpor a acção no prazo de seis meses a contar da data em que o sujeito passivo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, importa esclarecer alguns aspectos, prendendo-se o primeiro com a necessária articulação entre, por um lado, o exercício do direito de preferência na sequência de uma notificação regular, o qual deverá ocorrer dentro do prazo de oito dias previsto no artigo 416º, n.º 2, do Código Civil e, por outro, o exercício do mesmo direito por via judicial, cujo prazo passa a ser o previsto no artigo 1410.º, n.º 1, do mesmo diploma.

O cumprimento exacto do dever de comunicar previsto no artigo 416º, n.º 1, tem um efeito liberatório para o devedor e torna certo o prazo dentro do qual deve ser exercido o direito de preferir, sob pena de caducidade. Ao contrário, a falta de comunicação regular faz subsistir o dever de realizar a comunicação a cargo de o respectivo devedor (se tal ainda for possível) e faz ainda com que o prazo para o exercício do direito de preferir continue a decorrer sem fim á vista e sem perigo de caducidade, portanto.

Mas será que esta possibilidade de exercer o direito de preferência a todo o tempo se manterá até que o sujeito passivo proceda à notificação, independentemente de, entretanto, celebrar com terceiro o contrato projectado?

O artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil impede, justamente, o exercício do direito de preferir a todo o tempo, pois fixa um prazo de seis meses a contar da data em que o sujeito passivo teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, para a propositura da acção de preferência: no limite, o direito de preferência terá de ser exercido dentro daquele prazo.

Esta solução é, de resto, justificada por razões substantivas, importando, salientar, além de outras, que a alienação a terceiro faz com que a discussão à volta do exercício ou não exercício do direito de preferir extravase a relação entre preferente e sujeito passivo e passe a afectar também a situação de terceiro e, eventualmente, a própria segurança do tráfico jurídico, pois não só está em causa a aquisição de terceiro como todos os actos que por este sejam praticados relativamente ao objecto sujeito á preferência, designadamente a sua alienação ou oneração.

Na medida em que esta situação de incerteza passa a afectar direitos de terceiro e a própria segurança do tráfico jurídico, torna-se necessária uma rápida clarificação da mesma e daí que seja exigida ao preferente uma decisão célere sobre se quer ou não quer para si o bem alienado.

Note-se que, apesar de os seis meses se contarem da data em que o preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, tanto o terceiro adquirente como o sujeito passivo (e no limite qualquer outra pessoa) podem precipitar o início do decurso desse prazo, levando ao conhecimento do preferente esses elementos essenciais.

O artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil visa conciliar, como se referiu, “a protecção dos interesses do titular do direito, assegurando-lhe um prazo adequado para decidir se quer ou não exercer o seu direito (agora através da via judicial) e a exigência de uma rápida clarificação da situação jurídica do bem sujeito à prelação, esta imposta pela necessidade de proteger a segurança do tráfico jurídico. Por um lado, a lei submete o exercício do direito de prelação a um prazo de seis meses a contar do momento em que o preferente tenha conhecimento dos elementos essenciais da alienação e não da alienação propriamente dita, mas, por outro lado, conhecidos estes elementos essenciais, o preferente passa a ter apenas seis meses para decidir se quer recorrer à via judicial e para efectuar as diligências necessárias à preparação da demanda.

“É a esta luz que se explica a diferença de formulação (e de alcance) do artigo 416.º, n.º 1, no que se refere ao conteúdo da comunicação e a locução usada pelo legislador no artigo 1410.º, n.º 1, ambos do Código Civil, quando alude aos factos que, uma vez conhecidos pelo preferente, tornam certo o prazo para o exercício coercivo do direito de preferir. Com efeito, “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato” não são a mesma coisa que “elementos essenciais da alienação” e presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, a conclusão a retirar não pode ser outra senão a de que com estas diferentes formulações o legislador pretende designar diferentes realidades.

Quando se trata de definir o conteúdo obrigatório da comunicação para preferência, interessa considerar unicamente os interesses dos sujeitos da relação de preferência.

Diversamente, tratando-se de definir o acontecimento que deverá tornar certo e limitado o prazo para o exercício coercivo do direito de preferência, interessa considerar os interesses do sujeito passivo e do preferente e os interesses do terceiro que adquiriu o bem sujeito à prelação, bem como a protecção devida à segurança do tráfico jurídico.

Assim sendo, podemos concluir com segurança que a locução “elementos essenciais da alienação” designa uma realidade menos vasta do que aquela designada pela locução “projecto de venda e cláusulas do respectivo contrato”.

“Os elementos essenciais da alienação”, a que alude a norma do n.º 1 do artigo 1410º, referem-se a uma alienação já efectuada e, assim sendo, “não faz sentido perguntar o que seria importante àquele preferente conhecer para decidir se quer ou não exercer o seu direito, mas sim o que, em abstracto e dentro dos dados objectivos de uma alienação já efectuada, deverá ser importante para alguém decidir se quer ou não adquirir certo bem em condições já determinadas. O preferente carece de conhecer as cláusulas que, objectivamente, constam do contrato celebrado e, de entre estas, apenas as que, em abstracto, são necessárias para que um sujeito, também abstracto, possa decidir se quer ou não acompanhar”.

“A conclusão que se impõe parece ser só uma: o artigo 1410º, n.º 1, do Código Civil, basta-se com o conhecimento por parte do preferente da alienação propriamente dito, com a identificação do bem alienado, e do sacrifício económico global suportado pelo terceiro na aquisição, que será também aquele que o preferente terá de suportar se efectivamente exercer a sua prioridade de aquisição”.

E, com todo o brilhantismo da argumentação expandida, refere o ilustre Professor Agostinho Cardoso Guedes:

“De facto, se a lei atendesse aos elementos essenciais para aquele preferente concreto, ou mandasse contar o prazo para exercício do direito a partir do momento em que o preferente tivesse conhecimento de todas as cláusulas do contrato celebrado, permitir-lhe-ia manipular o prazo de caducidade prolongando-o quase indefinidamente, pois seria permitido ao preferente continuar a alegar o desconhecimento de elementos que ele reputaria essenciais ou esperar o tempo que lhe conviesse para conhecer as demais cláusulas do contrato, assim prolongando a situação de incerteza com evidentes prejuízos para a segurança do tráfico jurídico. Ao contar o prazo de caducidade a partir do momento em que o preferente toma conhecimento dos elementos essenciais da alienação, atrás indicados, a lei impõe ao preferente um dever de diligência para se informar das demais condições convencionadas no contrato se ele entender que tal é importante para a sua decisão.

Resulta da matéria de facto provada que, pelo menos, no ano de 1985, (…), então arrendatário desse prédio, e a autora, que com ele vivia em união de facto, tomaram conhecimento de que esse prédio fora vendido pelos réus (…) e (…) a (…) e a (…).

Após a aquisição desse prédio, os réus (…) e (…) realizaram obras no mesmo, que consistiram na construção de uma casa de banho, na reconstrução da cozinha e na reparação das janelas, e contrataram serviços de pedreiro para a realização dessas obras».

Sufragamos, pois, o entendimento constante da decisão recorrida segundo o qual tendo (…) conhecimento da venda do prédio arrendado pelos réus (…) e (…) a (…) e a (…) no ano de 1985, nesse momento começou a contar o prazo de caducidade para o exercício do direito de preferência pelo arrendatário do prédio, conforme previsto no artigo 1410.º, n.º 1, do Código Civil. E, a partir desse momento, ao tomar conhecimento dos elementos essenciais dessa alienação, impunha-se ao então arrendatário (…), na qualidade de preferente, o dever de diligenciar para se informar das demais condições convencionadas no contrato caso entendesse que tal seria importante para a sua decisão de preferir na venda daquele prédio. Pois, se assim não fosse, e conforme supra exposto, estar-se-ia a permitir ao preferente e aos futuros arrendatários desse prédio, a quem se transmitisse o arrendamento por morte daquele, manipular o prazo de caducidade prolongando-o quase indefinidamente.

De todo o exposto, decorre que não tendo o arrendatário (…) exercido o seu direito de preferência no prazo de seis meses a contar do conhecimento que teve da venda do prédio caducou o seu direito de preferência.

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Évora, 07 de Novembro de 2019

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso