Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
42/13.6S1LSB.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: TRÁFICO DE ARMAS
DETENÇÃO DE ARMA NÃO MANIFESTADA
PERDA A FAVOR DO ESTADO
Data do Acordão: 12/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
I - Nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, que aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o militar na situação de reforma tem direito à detença, uso e porte de arma, independentemente de licença, mediante apresentação, ao diretor nacional da Polícia de Segurança Pública, a cada cinco anos, de certificado médico que ateste aptidão para a detenção, uso e porte de arma, bem como se está na posse de todas as suas faculdades psíquicas, sem historial clínico que deixe suspeitar poder vir a atentar contra a sua integridade física ou de terceiros, observando-se o regime jurídico das armas e suas munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, sem prejuízo do seu obrigatório manifesto quando da mesma sejam proprietários, seguindo, para o efeito, o referido regime.

II - Do regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, decorre que devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for, as armas sem manifesto ou registo. Estas armas, independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.º do Código Penal, não podem deixar de ser declaradas perdidas a favor do Estado.

Tendo as armas manifesto e registo, devem ser entregues ao legítimo proprietário que demonstre licença para a sua utilização.

Sumariado pela relatora
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 42/13.6S1LSB, do Juízo Central Criminal de Santarém [Juiz 3], da Comarca de Santarém, o Ministério Público acusou

(i) JJ, casado, militar reformado, nascido a 9 de fevereiro de 1954, em Alferrarede, concelho de Abrantes, filho de…, residente em Alferrarede Velha, Abrantes,

pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:

- de um crime de tráfico de armas previsto e punível pelo artigo 87.º, n.º 1, por referência, ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artigo 3.º, n.º 1, n.º 2, alíneas b), e), f), h), l), n.º 5, alíneas a), g) e n.º 6, alíneas a), c) e artigo 90.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e

- de uma contraordenação, prevista e punível pelos artigos 97.º, n.º 1, e 48.º, n.º 1, alíneas a) e b), por referência ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas e), f), g) h), aae), e artigo 3.º, n.º 2, alínea n) e n.º 9, alíneas d) e f), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e

(ii)C …– Fabrico e Venda de Artigos de Caça e Pesca, Unipessoal, Ldª.”, pessoa coletiva n.º …, com sede na Av…., em Abrantes
pela prática

- de um crime de tráfico de armas, previsto e punível pelo artigo 87.º, n.º 1, por referência, ao disposto no artigo 86.º, n.º 1, alíneas a), c) e d) e ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artigo 3.º, n.º 1, n.º 2, alíneas b), e), f), h), l), n.º 5, alíneas a), g) e n.º 6, alíneas a), c) e artigo 90.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, e

- de uma contraordenação prevista e punível pelos artigos 97.º, n.º 1, e 48.º, n.º 1, alíneas a) e b), por referência ao disposto no artigo 2.º, n.º 1, alíneas e), f), g) h), aae), e artigo 3.º, n.º 2, alínea n) e n.º 9, alíneas d) e f), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro,

nos termos do disposto no artigo 85.º da Lei n.º 5/2006 de 23 de Fevereiro, nos artigos 11.º e 90.º-A do Código Penal, e no artigo 7.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações, aplicáveis por força do disposto no artigo 105.º da referida Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.

O Arguido JJ apresentou contestação escrita, onde oferece o merecimento dos autos.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado em 7 de fevereiro de 2018, foi decidido:

«A) Absolver os arguidos JJ e C…– Fabrico e Venda de artigos de caça e pesca, Unipessoal, Ldª., da prática, o primeiro em autoria material, na forma consumada e em concurso real um crime de tráfico de armas p.p. pelo art. 87º, nº 1, por referência, ao disposto no artº 86º, nº 1, als. a), c) e d) e ao disposto no artº 2º, nº 1, als. a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no artº 3º, nº 1, nº 2, als. b), e), f), h), l), nº 5, als. a), g) e nº 6, als. a), c) e artº 90º da lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e de uma Contraordenação, p.p. pelos artºs 97º, nº 1, e artº 48º, nº 1, als. a) e b), por referência ao disposto no artº 2º, nº 1, als. e), f), g) h), aae), e artº 3º, nº 2, al. n) e nº 9, als. d) e f), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, o segundo, nos termos do disposto no artº 85º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro e artºs 11º, 90º-A do Código Penal, e artº 7º, nº 1 do RGCO, aplicáveis por força do disposto no artº 105º da referida Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.

B) Sem custas.

C) Nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, declaram-se perdidas a favor do Estado as armas apreendidas.

D) Determina-se, ainda, após trânsito em julgado, a remessa dos objetos identificados em C) para a Direção Nacional da PSP, nos termos do artigo 78.º da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro

Inconformado com tal decisão, o Arguido JJ dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«a) Ao abrigo do disposto no art.º 180.º, n.º 2 CPP, os objetos apreendidos deveriam ter sido restituídos ao ora Recorrente. Dispõe o artigo 186.º, n.º 1, parte final, do CPP, que os objetos apreendidos são restituídos “a quem de direito”.

b) Tratando-se de produtos do crime, substâncias ilegais, e objetos perigosos, não sendo possível entregar tais objetos “a quem de direito”, porquanto os mesmos não podem ser, legitimamente, reclamados terão os mesmos de ser declarados perdidos a favor do Estado.

c) “Após a produção da prova, se assentam os factos e se procede ao seu enquadramento jurídico, aí decidindo-se a causa submetida a julgamento, entre estas, as consequências que daí possam advir. (...) Uma dessas possíveis sequelas é a perda dos instrumentos ou direitos relacionados com a prática de um crime.”

d) Sucede que, quando o Tribunal decide pela perda de bens a favor do Estado, choca com o direito de propriedade do titular dos bens. Sendo, assuma-se, razoável admitir-se que o direito de propriedade ceda perante finalidades de política criminal.

e) Como corolário do princípio do respeito pela propriedade privada, vem o artigo 62.º da CRP, referir que “A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de uma justa indemnização”. Contudo, a doutrina tem vindo a entender que o citado preceito legal deverá abranger não só a requisição e expropriação, mas também outras figuras que colidam com o direito de propriedade, neste sentido Jorge Miranda, “Manual de Direito Constitucional”, Tomo IV - “Direitos Fundamentais” (1998), p. 469.

f) Quanto às decisões judiciais que determinem a perda de bens relacionados com a prática de um crime, tem de ser fortemente fundamentada (artigo 205.º da CRP). Ora, constitui direito de defesa a possibilidade de conhecer os concretos fundamentos.

g) «No caso de se tratarem de instrumentos ou objetos cuja natureza e características sejam ilícitas, existem duas possibilidades: «a) tratando se de bens cuja detenção por particulares seja completamente proibida (v.g. armas de guerra; estupefacientes), os mesmos devem ser decretados perdidos a favor do Estado, mesmo que a sentença que tenha julgado essa causa já tenha sido proferida; b) sendo bens cuja detenção por particulares possa vir a ser regularizada (v.g. armas de defesa), deve-se conceder, por interpretação extensiva do citado art.º 14.º, § 1.º, do Dec. n.º 12.487, de 1926/Out./14, um prazo de 3 meses para que o interessado proceda à regularização dessa situação e à sua reclamação, notificando-se o mesmo para esse efeito e sob essa cominação, procedendo-se apenas à sua entrega após a correspondente regularização».

h) Os bens apreendidos nos autos, além de objetos como roupa, coletes e sacos de transporte, inclui armas de defesa e de caça. Que, estando na posse e propriedade do Arguido e estando este habilitado para a sua detenção (por se tratar de militar com licença de uso, porte e detenção de armas), não estiveram envolvidas em qualquer crime, até porque, todos os Arguidos nos autos foram absolvidos,

i) Não se vislumbra fundamentação para que as mesmas sejam declaradas perdidas a favor do Estado, porque a douta sentença ora recorrida não declarou, previamente, que os objetos fossem instrumento do crime. Aliás, a sentença absolveu, logo não poderia relacionar os objetos com a prática de um crime que não declara ter sido cometido.

j) Não sendo os bens apreendidos nos autos e declarados por douta sentença perdidos a favor do Estado de detenção proibida por particulares. Não se vislumbra nem há, lei ou princípio da ordem jurídica que impeça a sua restituição a particulares. Pois não estão em causa armas de detenção absolutamente proibida, cuja posse é, por si só, sempre ilegal.

l) Aliás, a restituição não impede e deve contribuir para a possibilidade de os bens poderem a ser comercializados, desde que verificados todos os requisitos legais. A douta sentença ora recorrida nem sequer faz referência a factos concretos, provados, que indiquem que os Arguidos praticaram crimes e usaram os objetos para tal fim, aliás, absolve os Arguidos.

m) A perda de bens requer que da douta sentença constem factos, os concretos, suficientes para a declaração de perdimento. Falta de fundamentação bastante que deverá levar à revogação, determinando a entrega dos bens ao proprietário.

n) Dos factos dados como provados não resulta que os arguidos tenham praticado qualquer crime de tráfico de armas. Ora, sem crime não há instrumentos do crime.

o) As armas, e demais objetos apreendidos nos autos, são objetos legais e não revelam perigo de serem usadas em qualquer crime, pelo menos não mais do que quaisquer outras que sejam detidas por terceiros, facas de cozinha ou isqueiros.

p) A jurisprudência entende, na linha do que defende Figueiredo Dias, que a perda de bens não é uma pena, nem uma pena acessória, não sendo medida de segurança e também não se trata de um efeito da pena ou condenação a que eventualmente haja lugar. Assim, é uma providência sancionatória, semelhante a medida de segurança e, por essa razão deverá ser proporcional à gravidade do ilícito típico perpetrado e à perigosidade do objeto.

q) São requisitos para a declaração de perda, a saber (requisitos cumulativos): a) que o objeto tenha servido para a prática do ilícito; b) que o objeto apresente perigosidade; e c) Que haja proporcionalidade na decisão de perda.

r) Armas legais, devidamente registadas (ou passíveis de serem legalizadas, na posse de particular (militar na reserva) com licença para as deter não revestem qualquer especial perigosidade para a prática de crimes. E, o decretamento da perda é desproporcional, pois que não foi cometido qualquer crime e não há qualquer sanção penal aplicada.

s) Pelo que, deverá a douta sentença ora recorrida ser revogada na parte em que decretou a perda de objetos a favor do Estado, determinando-se que os mesmos sejam restituídos a quem provar ser o legal responsável e habilitado legalmente à sua detenção.

NESTES TERMOS,
E nos melhores de Direito, dado que seja por V.Exas. Venerandos Desembargadores - o V. douto suprimento, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão recorrido na parte em que declarou perdidos a favor do Estado os bens apreendidos nos autos, substituindo-se por douta decisão que determine a sua restituição ao titular, aqui Recorrente, com o que se fará a devida

JUSTIÇA!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Por Acórdão de 7 de Fevereiro de 2018, proferido no âmbito dos presentes autos foi o recorrente JJ absolvido da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de tráfico de armas p.p. pelo art.º 87.º, nº 1, por referência, ao disposto no art.º 86.º, nº 1, als. a), c) e d) e ao disposto no art.º 2.º, nº 1, als. a), f), g), j), m) s), aq), ad), ar), ae), aj), ax), ao), au), az), e no art.º 3.º, nº 1, nº 2, als. b), e), f), h), l), nº 5, als. a), g) e nº 6, als. a), c) e art.º 90.º da lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro e de uma Contraordenação, p. e p. pelos art.ºs 97.º, nº 1, e art.º 48.º, nº 1, als. a) e b), por referência ao disposto no art.º 2.º, nº 1, als. e), f), g) h), aae), e art.º 3.º, nº 2, al. n) e nº 9, als. d) e f), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.

2. No referido acórdão foram, nos termos do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, declaradas perdidas a favor do Estado as armas apreendidas.

3. À data da apreensão das armas no estabelecimento denominado “JJ Unipessoal, Lda.”, (anteriormente “C… “) do qual o recorrente é sócio gerente e que tem por objeto social a fabricação e venda por grosso e ou a retalho de artigos para caça, pesca e desporto, foram encontradas e apreendidas inúmeras armas e munições que, na sua maioria, não se encontravam registadas em seu nome.

4. Sendo que o recorrente não era titular de alvará de armeiro ou de qualquer licença que o habilitasse a tal, designadamente à venda das mesmas.

5. Tendo já sido condenado, por sentença proferida no âmbito do processo n.º ---/07.9S1LSB, em 12.03.2013, transitada em julgado em 26.04.2013, pela prática em coautoria material e na forma consumada, entre 2006 e 11.06.2007, de um crime de tráfico de armas, na forma continuada, p. e p. pelos arts.º 26.º, 30.º, n.º 2, 87.º, n.º 1 ex vis 2.º, n.º 1, als. b), o), p), r), t), am), as), ai), n.º 3, 3.º, ns.º 2, als. e), g), l), 3, 4, 5 e 6, 4.º, 8.º, 13.º, 14.º, 15.º, 47.º, 48.º, 86.º, n.º 1, als. c) e d), todos da Lei n.º 5/2006, de 23.02, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo mediante sujeição pecuniária (cfr. certidão junta aos autos a fls. 980 a 1015).

6. Nessa sentença foram declaradas perdidas a favor do Estado todas as armas e munições que haviam sido apreendidas no interior do mesmo estabelecimento comercial.

7. Não obstante esta condenação, decorridos alguns meses, o recorrente tinha naquele mesmo estabelecimento comercial, para além de na sua residência, o grande número de armas que, segundo o mesmo eram pertença do seu sogro o qual teve (passado) alvará – cfr. declarações do arguido descritas na motivação do acórdão recorrido.

8. Pelo que bem andou o Tribunal a quo em declarar perdidas a favor do Estado as armas e munições apreendidas (e tão somente estas) pois, pela sua natureza e pelas circunstâncias do caso, as mesmas oferecem sério risco de serem utilizadas para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.

Face ao exposto, deve o Acórdão recorrido ser confirmado.
Assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA»

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido do reenvio do processo para novo julgamento relativo à parte dele ainda cognoscível.

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito –, por obstativas da apreciação de mérito, como são os vícios da sentença previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Vistas as conclusões do recurso, somos chamados a avaliar a correção da decisão judicial de perdimento constante do acórdão.

Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«No dia 11 de Dezembro de 2013, no interior do estabelecimento comercial “C…”, sito na Rua…, Abrantes, estavam os seguintes objetos:

I – Em cima do balcão de atendimento:
1. Vinte e cinco (25) cartuchos de calibre 12 de marca Melior;
2. Cinquenta (50) cartuchos de calibre 32 de marca Polvichumbo;
3. Cinco (5) cartuchos calibre 12 de marca Winchester;
4. Cinquenta (50) cartuchos de calibre 12 de marca Strar 4000;

II – Na dependência central da arrecadação:
5. Duzentos e cinquenta (250) cartuchos, calibre 12 marca Armusa;
6. Duzentos e cinquenta (250) cartuchos, calibre 12 marca JG;
7. Cinquenta (50) cartuchos, calibre 20 marca Saga;
8. Cinquenta (50) cartuchos, calibre 20 de várias marcas;
9. Cento e vinte e cinco (125) cartuchos, calibre 20 marca JG;
10. Cento e cinquenta (150) cartuchos, calibre 12 marca Patalouco;
11. Cem (100) cartuchos, calibre 12 marca Star 4.000;

III – Na dependência do lado direito da arrecadação:
12. Uma arma de classe D, marca KFC de calibre 12 com o nº P010390;
13. Uma arma de classe D, marca NK URSS, de calibre 12 com o nº 92101232;
14. Uma arma de classe D, marca Bernardelli, de calibre 12 com o nº 029524;
15. Uma arma de classe D, marca Browning, de calibre 12 com o nº K 11NT13385;
16. Uma arma de classe D, marca Acier Cickerill, de calibre 12 com o nº 10H583;

IV – Na dependência do lado esquerdo da arrecadação:
17. Uma (1) arma da classe C, marca Marlin, calibre 45-70, com o nº 090664467;
18. Vinte munições de calibre 45-70 de marca Winchester;

V- Num armário em chapa:
19. Cem (100) munições de calibre 7,65 de marca Fiocchi;
20. Vinte e cinco (25) munições de calibre .25 auto de marca PPU;
21. Cinco (5) munições de 9mm;
22. Uma (1) munição de calibre 357;
23. Uma (1) munição calibre 7,65;
24. Uma (1) munição calibre 308;
25. Quarenta (40) munições de calibre 32 S&W de marca PRVI Partizan;
26. Duzentas e setenta e três (273) munições de calibre .22 de várias marcas;
27. Cinco (5) cartuchos de calibre 12 de marca Winchester;
28. Um (1) carregador de pistola de calibre 7.65;
29. Um (1) carregador para uma arma de formato militar;

VI – Junto à janela:
30. Quarenta e nove (49) cartuchos carregados de várias marcas;
31. Uma navalha de ponta e mola, com 9,8 cm de lâmina;
32. Uma navalha de ponta e mola com 8,3 cm de lâmina;

VII – Em cima da mesa:
33. Oito (8) livretes de manifesto de armas com os nºs 89184 – série A; 28344 – série B; 48573, série D; I68224; O11823; H46055; L14382 e I02197;
34. Dois (2) cadernos de argolas, modelo universitário 80, com registos de preços dos cartuchos e de contactos

A – No estabelecimento comercial denominado “C… – Fabrico e Venda de Artigos de Caça, Ldª.”, sito na…, Abrantes:

I - Numa arrecadação existente no interior do estabelecimento:
Uma espingarda de caça, marca” Yeldiz Silah Sanayii”, com o nº20596;
Uma arma de ar comprimido, marca “Diana”, calibre 4,5mm com o nº01502635.
Quatro recipientes, contendo Pólvora de Caça,

II - No Escritório:
Uma arma de ar comprimido (revólver), de marca “CROSMAN”, modelo 357, calibre 4,4mm, sem número;
Uma faca de ponto e mola, com cabo de cor branca;
Uma mira telescópica, marca “DN 200”, com o nº4425;
Um saco em papel contendo no seu interior 83 bombas de arremeço, com a designação “Trueno de Mecha Nº3”, com a classificação de risco 1.4G;
Um dossier (Caderno- A4), de cor vermelha;
Uma Pistola de Alarme de marca “Ekol Tuna”, calibre 8 mm, nº ET –1021166 que pode ser convertida em arma de fogo;
Uma Pistola de Alarme de marca “Ekol Tuna”, calibre 8 mm, nº ET –1020806 que pode ser convertida em arma de fogo;
Vários dossiers, contendo no seu interior 372 processos de Compra e Venda de armas de fogo, onde constam vários livretes, bem como documentação diversa;
Um saco em plástico contendo várias ponteiras de arma de fogo;
Nove munições de armas de fogo, de vários calibres;

III - Na parte inferior do balcão de atendimento ao público:
1. Duas miras telescópicas de marca “CROSS; 3- 12x56”;
2. Quatro miras telescópicas de marca “KASSNAR 8x56”;
3. Uma mira telescópica/Oculo de visão noturna, de marca “TASCO”, modelo NVS-460;
4. Duas miras telescópicas de marca “ TASCO, 4x44”;
5. Uma mira telescópica de marca “BUSHNELL BANNER”, 3- 9x40;
6. Duas miras telescópicas de marca “CROSS, 6x40”;
7. Uma mira telescópica de marca “TASCO 3/9x50”;
8. Quatro miras telescópicas de marca “ SEAGULL 4x15”;
9. Uma mira telescópica de marca “WIDE ANGLE 1.5-6x44;
10. Uma mira telescópica de marca “RIFLESCOPE, 3-9x50”
11. Uma mira telescópica de marca “RIFLESCOPE, 3-7x20”;
12. Cem munições de alarme, calibre 8mm;

IV - Numa estante de vidro existente nas traseiras do balcão de atendimento ao público:
13. Dezassete caixas, contendo, cada uma, 500 (quinhentas) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 5,5mm, de marca “HON”;
14. Dez caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “GAMO”;
15. Sete caixas, contendo, cada uma, 100 (cem) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “Champion Balistic”;
16. Três caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 5,5mm, de marca “Nórica”;
17. Onze caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “GAMO”;
18. Quatro caixas, contendo, cada uma, 100 (cem) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 5,5mm, de marca “PROMETHEUS PELLETS”;
19. Vinte e uma caixas, contendo, cada uma, 100 (cem) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “DIABOLO”;
20. Vinte caixas, contendo, cada uma, 500 (quinhentas) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “RUND-KUGELN”;
21. Três caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “GAMO”;
22. Oito caixas, contendo, cada uma, 500 (quinhentas) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “GAMO MAGNO”;
23. Três caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 5,5mm, de marca “Nórica”;
24. Oito caixas, contendo, cada uma, 500 (quinhentas) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “GAMO”;
25. Quatro caixas, contendo, cada uma, 250 (duzentas e cinquenta) munições próprias para armas de ar comprimido, de calibre 4,5mm, de marca “DIABOLO”;
V - Numa Prateleira do balcão:
26. Quinze munições, “PROTETOR PRECUSSOR”, calibre 300 W;
27. Onze munições, “PROTETOR PRECUSSOR”, calibre 30.06;
28. Seis munições, “PROTETOR PRECUSSOR”, calibre 308 W;
29. Nove munições, “PROTETOR PRECUSSOR”, calibre 308 N;
30. Dois porta-carregadores de revólver, duplos;
31. Um recarregador de revólver, modelo 32K, de marca “HKS SPEDDL LAUDER”;
32. Um recarregador de revólver, modelo 325, de marca “HKS SPEDDL LAUDER”;
33. Um recarregador de revólver, modelo 10A, de marca “HKS SPEDDL LAUDER”;
34. Dois recarregadores de revólver, modelo 36 A, de marca “HKS SPEDDL LAUDER”;
35. Catorze flechas com virotões, de vários tamanhos;
36. Uma Caixa contendo 10 (dez) flechas com virotões, de marca “BARNETT”;
37. Uma Besta de marca “BARNETT”, de cor branca;
38. Três aerossóis de defesa, de marca “DEFENDER”, de cor vermelha;
39. Um Laser de afinação de miras;
40. Um carregador de munições SIG-SAUER 6,5X68;
VI - Numa estante lateral junto ao balcão:
41. Dois aparelhos de pontaria, marca “TASCO - RED POINT”;
42. Um aparelho de pontaria, marca “TASCO - PRO POINT”;
43. Um aparelho de pontaria, marca “AIMPOINT 5000”;
44. Um aparelho de pontaria, marca “ILECTRO – DOT SIGHT”;

VII - Numa estante lateral junto ao balcão:
45. Um revólver de ar comprimido, de marca “CROSMAN AIR GUNS”, modelo nº 3357 SPOT MARKER;

B - No interior da viatura de matrícula ----SH, marca Mercedes, de cor preta, no interior do porta bagagens uma arma branca (Besta) e, junto à manete de velocidades um cartucho carregado de calibre 12.

C - Na residência, sita na Rua…, Alferrarede Velha:

IX - No interior do anexo lateral à piscina:
46. Duas caixas de cartuchos carregados de calibre 12 (25 cada).
47. Uma caixa com 25 cartuchos de calibre 12
48. 13 (treze) cartuchos avulso do mesmo calibre.
49. Duas espingardas de caça, sendo uma de marca “Browning”, nº 252PN15652, a que corresponde o livrete J-31725; e a outra de marca “Citori-Fabrique National Herstal”, nº40352, a que corresponde o livrete E-88518;
50. Dez caixas, totalizando 220 cartuchos de caça carregados, de calibre 12.
51. Duas cartucheiras em cabedal de cor castanha com 19 cartuchos de calibre 12.
52. Uma espingarda de caça marca “DAM”, nº126044.
53. Uma espingarda de caça de marca “Manu-Arm”, nº7158 a que corresponde o livrete H-64873, arma em nome de sua esposa MJ sem Licença de Uso e porte de Arma
54. Uma arma de ar comprimido de calibre 4,5mm, marca “C3C”, s/n.
55. Vinte e quatro cartuchos de calibre 12.
56. Dez cartuchos calibre 32.
57. Cinco ponteiras para armas de fogo.
58. Um fuste.

X - No interior do canil, e atrás da porta:
59. Espingarda de caça, marca “Bettinsoli”, nº681288.
60. Espingarda de caça, marca “Fabarm”, nº5005885.
61. Espingarda de caça, marca “Winchester”, nºN1116621.

XI - Na sala da residência:
62. No interior da gaveta de um móvel encontrava-se uma arma de fogo (pistola), marca “Walther”, modelo PP, calibre 7.65 mm, nº 0205, com carregador com 4 munições, a que corresponde o livrete J-84366.

O arguido detinha ainda na sua posse os seguintes livretes:
63. Nº E-88518 , da arma nº40352, marca “Citori – Fabrique Nationali Herstal, em nome de JJ.
64. Nº J-31725, da arma nº252PN15625, marca “Browning”, em nome de JJ.
65. NºL-36552, da arma nºHR29119, marca “Rough”, em nome de JJ.
66. Nº J-84336, da arma nº0205, marca “Walther”, em nome JJ.
67. Nº M-41432, da arma nº2003043, marca “Fabarm”, em nome de JJ.
68. Nº N-16593, da arma nº0110257, marca “Conquest”, em nome de JJ.
69. Nº H-64873, da arma nº7158, marca “Manu-Arm”, em nome de MJ.
70. Nº D-23063, da arma (número ilegível), marca “Brno”, em nome de AP.

Também no referido dia 5 de Junho de 2014, no interior da residência do sogro do arguido, JR, sita na Avª…, Abrantes, estavam os seguintes objetos:

XII - No interior da garagem:
71. Uma (1) caixa contendo 8 facas de lançar,
72. Uma (1) arma de fogo automática, calibre 7.62mm, Tokarev,
73. Uma (1) arma de alarme sem número transformada para arma de fogo calibre 6,35mm com o nº 366/347;
74. Setecentas (700) munições de calibre 20
75. Oitocentas e oitenta e oito (888) munições de calibre 16
76. Trezentas e duas (302) munições de calibre 12
77. Oitenta (80) munições de calibre 300 Win. Mag.
78. Vinte (20) munições de calibre 30.06
79. Dezoito (18) munições de calibre 35 Whelen
80. Dezanove (19) munições de calibre 35 Rem.
81. Trinta e oito (38) munições de calibre 7 mm
82. Trinta e nove (39) munições de calibre 30.30
83. Cento e cinquenta (150) munições de calibre .22 long
84. Vinte (20) munições de calibre 410 Gauge

XIII - No interior da residência:
85. Na cozinha uma espingarda de marca Browning, com o nº 421NM03334 – com Livrete;

XIV - No interior de um anexo da residência:
86. Sete (7) munições da Classe B;
87. Duzentas e quarenta e nove (249) munições da Classe C;
88. Novecentas e trinta e duas (932) munições da Classe D;
89. Uma (1) pistola de marca PB, calibre 6.35 mm, com o nº 366347

XV - No interior de um anexo da residência – antigo paiol da pólvora
90. Uma (1) espingarda de marca Vitor Sarrasqueta, com o nº 48553;
91. Uma (1) espingarda de marca Kassnar, com o nº J38760G;
92. Uma (1) espingarda de marca Fabarm, com o nº 161728;
93. Uma (1) espingarda de marca Browning, com o nº 32234;
94. Uma (1) espingarda de marca Baikal, com o nº 8775070.

O arguido já foi condenado no processo n.º ---/07.9S1lSB, por sentença proferida em 12.03.2013, transitada em julgado em 26.04.2013, pela prática de um crime de tráfico de armas na pena 3 anos, suspensa por igual período e sujeito a regime de prova.

A arguida C… – Fabrico e Venda de artigos para caça e pesca, Sociedade Unipessoal, Lda. Foi condenada no processo n.º ---/07.9S1lSB, por sentença proferida em 12.03.2013, transitada em julgado em 26.04.2013, pela prática de um crime de tráfico de armas na pena de 260 dias de multa.

Do relatório social do arguido consta que “JJ é natural de Abrantes. Descreve um percurso de vida normativo em termos relacionais e afetivos. O pai era empregado bancário e a mãe doméstica. A nível económico, verbaliza a existência de algumas limitações e rigidez por parte do progenitor, levando a que tenha começado a trabalhar muito cedo, com cerca de 19 anos, no sentido de se autonomizar. Em termos escolares frequentou o curso de economia que não terminou, acabando por optar pela vida militar, onde atingiu um posto de oficial superior na força área (tenente coronel). Está aposentado há vários anos, desde 2005. Posteriormente assumiu funções de gerente da empresa, também coarguida, JJ vive com o cônjuge, 59 anos. O casal tem dois filhos maiores de idade, que frequentam ensino superior. É identificada uma relação intrafamiliar coesa e de apoio. O agregado vive em casa, própria, localizada numa freguesia da cidade. Os rendimentos do arguido provêm sobretudo da sua reforma. No entanto, refere que o dinheiro que recebe, se torna insuficiente face às inúmeras despesas e compromissos assumidos. Nesse sentido, um dos filhos teve que interromper temporariamente os estudos. No meio de residência, o arguido beneficia de uma imagem positiva. Sendo embora referenciado como uma pessoa de razoável interação pessoal, as suas relações mais significativas circunscrevem-se na atualidade ao círculo familiar. O seu quotidiano é organizado em função do apoio que tem que presta cônjuge, que se encontra com problemas de saúde (depressão). Não tem participações em atividades. Em termos das características pessoais, em sede de entrevista, JJ exteriorizou um pensamento lógico e coerente com expressões adequadas à situação. Apresenta competências promotoras de um comportamento adaptativo. Apresentou um discurso fluido, adaptando às diferentes situações. Também não foram identificadas especiais dificuldades a nível da resolução de problemas. Este não é o primeiro contacto do arguido com o aparelho de justiça. Sobre a presente situação jurídico-penal, o arguido verbaliza algum constrangimento e angústia provocado pela mesma, salientando o impacto negativo que esta está a ter, sobretudo em termos pessoais e familiares na pessoa do cônjuge que, segundo o próprio, terá tentado o suicídio, na sequência do mesmo. Acerca da factualidade, descrita, o arguido não se revê na mesma. Não consegue percecionar a existência de vítimas, para além do próprio”.

Relativamente a factos não provados, consta da sentença que [transcrição]:

Não se provaram, de entre os factos descritos na acusação, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal se debruçou especificadamente sobre cada um dos factos não provados.

Assim, não se provou que:
a) A “C… – Fabrico e Venda de artigos para caça e pesca, Sociedade Unipessoal, Lda.” é uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, com sede na Rua…, em Abrantes, que tem por objeto social a fabricação e venda por grosso e/ou a retalho de artigos para caça, pesca e desporto.

b) A sociedade “C… – Fabrico e Venda de artigos para caça e pesca, sociedade unipessoal Ldª.” não possuiu licença/Alvará emitido pela entidade competente que lhe permita o comércio de armas e munições ou a sua reparação.

c) O arguido JJ, não possuiu Alvará/licença emitido por entidade competente que lhe permita o comércio de armas e munições e/ou a sua reparação.

d) O arguido, JJ, é gerente de facto desta sociedade desde a data da sua constituição, em 10/10/2000, sendo que desde tal altura e nessa qualidade e na de representante da sociedade, administrava-a, praticando todos os atos a tal adequados e necessários, procedendo designadamente à compra, venda e reparação de material relacionado com o seu objeto social, agindo em nome e no interesse da mesma.

e) JJ sabia que, quer por si, quer enquanto gerente de facto da sociedade, não se encontrava autorizado a vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação, ou com intenção de transmitir a sua posse ou propriedade, deter, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio os objetos anteriormente referidos e cujas características conhecia.

f) O arguido JJ, detinha no interior do estabelecimento comercial “C…”, explorado pela sociedade arguida, sito na Rua…., Abrantes, os objetos constantes dos factos provados.

g) O arguido destinava todas as identificadas armas e munições a compra, guarda, venda e cedência a terceiros.

h) Mais, no dia 5 de Junho de 2014, o arguido JJ detinha no interior do referido estabelecimento comercial, para compra, guarda, venda e cedência a terceiros os objetos infra descritos, com as mesmas características que os referidos anteriormente.

i) Com efeito, efetuadas buscas e revistas em tal estabelecimento, foram encontrados na posse do arguido os seguintes objetos que ficaram apreendidos.

j) No mesmo dia 5 de Junho de 2014, JJ detinha para compra, guarda, venda e cedência os objetos apreendidos.

k) Também no referido dia 5 de Junho de 2014, o arguido, JJ detinha no interior da residência do seu sogro, JG, sita…, Abrantes, para compra, guarda, venda e cedência os objetos apreendidos.

l) As armas de fogo supra descritas não se encontram registadas/manifestadas em nome do arguido.

m) Mais sabia o arguido, JJ, que não se encontrava habilitado por alvará de armeiro ou por qualquer licença que o autorizasse a, quer em seu nome, quer em nome e no interesse da sociedade, vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação, ou com intenção de transmitir a sua posse ou propriedade, deter e guardar, os objetos mencionados e, não obstante, não se absteve de o fazer.

n) Sabia, ainda, o arguido, JJ que todas as armas de fogo que detinha no interior do estabelecimento comercial, na sua residência e na residência do seu sogro estavam registadas/manifestadas em nome de terceiros.

o) JJ, quer em seu nome, quer em nome e no interesse da sociedade, deteve e guardou para venda e cedência a terceiros, as armas descritas e outras com as mesmas características, desde data não concretamente apurada, mas seguramente em data anterior a 11 de Dezembro de 2013 e até ao dia 5 de Junho de 2014.

p) O arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e, não obstante, não se absteve de agir conforme descrito.

q) O arguido, JJ e a sociedade arguida, “C…. – Fabrico e Venda de artigos para caça e pesca, Sociedade Unipessoal, Lda” não se encontram autorizados a vender, ceder a qualquer título ou por qualquer meio distribuir, mediar uma transação, ou com intenção de transmitir a sua posse ou propriedade, fabricar, deter, importar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio, reparar, ou obter por fabrico, transformação, importação ou exportação, os objetos supra descritos, porquanto não são titulares de alvará de armeiro ou de qualquer licença que os autorize a tal.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«O artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa estabelece que as decisões dos tribunais são fundamentadas na forma prevista na lei.

O Código de Processo Penal consagra a obrigação de fundamentar a sentença nos artigos 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2, exigindo que sejam especificados os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção.

A prova, mais do que uma demonstração racional, é um esforço de razoabilidade: o juiz lança-se à procura do «realmente acontecido» conhecendo, por um lado, os limites que o próprio objeto impõe à sua tentativa de o «agarrar» e, por outro, os limites que a ordem jurídica lhe marca - derivados da(s) finalidade(s) do processo – veja-se Cristina Líbano Monteiro, "Perigosidade de inimputáveis e “in dubio pro reo”, Coimbra, 1997, pág. 13.

A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, salvo quando a lei dispuser de forma diferente (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Daqui resulta, como salienta a doutrina, um sistema que obriga a uma correta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objeto do processo, de modo a permitir-se um efetivo controle da sua motivação – veja-se Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processual Penal" pág. 228.

Como é referido pela jurisprudência, quando está em causa a questão da apreciação da prova, não pode deixar de dar-se a devida relevância à perceção que a oralidade e a mediação conferem ao julgador.

Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, 'olhares de súplica' para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos – veja-se para maiores desenvolvimentos sobre a comunicação interpessoal, Ricci Bitti/Bruna Zani, "A comunicação como processo social", editorial Estampa, Lisboa, 1997.

Um testemunho não é necessariamente infalível nem necessariamente erróneo, como salienta Carrington da Costa, advertindo para que "todo aquele que tem a árdua função de julgar, fuja à natural tendência para considerar a concordância dos testemunhos como prova da sua veracidade”. Deve, antes, ter-se bem presente as palavras de Bacon: “os testemunhos não se contam, pesam-se" – veja-se “Psicologia do testemunho",- veja-se in Scientia Iuridica, pág. 337.

No que concerne à análise crítica da prova, o Ac. do STJ, 27/02/2003, proferido no proc. 140/03, em que é relator o conselheiro Carmona da Mota, diz: “O valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detetáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através de contacto pessoal e direto com as pessoas”.

Quem não se lembra que a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis "a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto direto) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a atuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal". E concluía aquele Professor, citando Chiovenda, que "ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar" — veja-se Anotado, vol. IV, pags. 566 e ss.

Finalmente, o velho aforismo “testis unus testis nullus”, carece, pois, de eficácia jurídica num sistema como o nosso em a prova já não é tarifada ou legal mas antes livremente apreciada pelo tribunal [sobre aquela regra “unus testis, testis nullius”, cujas origens remontam a Moisés, as criticas que lhe foram sendo dirigidas ao longo da história (De Arnaud, Blackstone, Bentham, Meyer, Bonnier), a sua abolição e a possibilidade de um único depoimento, nomeadamente as declarações da vítima, poderem ilidir a presunção de inocência e fundamentarem uma condenação - veja-se Aurélia Maria Romero Coloma, Problemática de la prueba testifical en el proceso penal, Madrid, 2000, Cuadernos Civitas, págs. 69 a 91; muito antes, no domínio do processo civil português, Alberto dos Reis afirmara que “No seu critério de livre apreciação o tribunal pode dar como provado um facto certificado pelo testemunho duma única pessoa, embora perante ela tenham deposto várias testemunhas” – veja-se Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, reimp., Coimbra, 1981, pág. 357.

No caso em apreço, a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, formou-se com base nos seguintes meios de prova, analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, da lógica, da razão e da livre convicção do julgador:

- Declarações do arguido JJ. Negou a prática dos factos e relatou que as armas apreendidas na C… eram do sogro, que teve alvará. Relativamente às que foram apreendidas na sua casa eram suas e do seu filho por serem caçadores.

- Declarações da legal representante da arguida C…Fabrico e Venda de Artigos de Caça e Pesca, Unipessoal, Ldª. Explicou ao Tribunal que as armas existentes no estabelecimento eram do pai e desde 2002 que nunca mais venderam nada. Disse que os cartuchos eram do filho por ser caçador.

- Depoimento da testemunha MT. Referiu ser agente da PSP e conhecer o arguido do exercício das suas funções. Relatou que tomaram conhecimento da existência da venda de armas na C… sem a respetiva autorização. Deslocaram-se ao local e foram feitas as apreensões que constam dos autos de apreensão.

- Depoimento da testemunha MF. Referiu conhecer os arguidos, explicando que adquiriu na C… uma caçadeira no ano 2000 e nunca mais comprou nada.
- Depoimento da testemunha AA. Referiu conhecer os arguidos por adquirir cartuchos na C…, sendo a última vez há cerca de 2 anos.

- Depoimento da testemunha CP. Referiu ser Chefe da PSP e conhecer os arguidos do exercício das suas funções. Relatou as diligências por si realizadas no âmbito dos presentes autos.

- Depoimento da testemunha JS. Referiu conhecer os arguidos porque adquiriu uma arma ou duas de caça há mais de 10 anos.

- Depoimento da testemunha AP. Referiu que conhece os arguidos por ter trocado uma arma há cerca de 8 ou 9 anos.

- Depoimento da testemunha AR. Referiu conhecer os arguidos por ter adquirido artigos de caça na C…. Disse que adquiriu 2 ou 3 armas em 2001.

- Depoimento da testemunha MF. Filha do arguido, disse que o pai tinha armas porque era caçador.

- Depoimento da testemunha LM. Referiu conhecer os arguidos por ter com eles uma relação de amizade. Referiu que a loja já está fechada há algum tempo.

- Depoimento da testemunha FF. Referiu conhecer os arguidos por ter com eles uma relação de amizade e disse que os mesmos não exploram nenhum estabelecimento comercial.

- Depoimento da testemunha MP. Referiu ser primo dos arguidos e disse que tinham uma Espingardaria e depois ficaram sem alvará, talvez em 2002 ou 2003. A partir dessa data deixaram de ser vendidas armas ou munições.

O Tribunal alicerçou, ainda, a sua convicção na seguinte prova:
Pericial:
 Relatórios de exame de fls. 57 a 78, 159, 160, 266 a 284;
Documental: toda a constante dos autos, nomeadamente:
 Auto de notícia de fls. 3 a 6
 Auto de apreensão de fls. 7
 Documentos de fls. 14 a 18
 Registo fotográfico de fls. 19 a 36
 Documentos de fls. 79 a 118
 Auto de notícia por detenção de fls. 207 a 216
 Auto de busca e apreensão de fls. 219 a 222
 Reportagem fotográfica de fls. 223 a 233
 Auto de busca e apreensão de fls. 240 a 244
 Documentos de fls. 245 a 249
 Reportagem fotográfica de fls. 250 a 261
 Listagem de fls. 264
 Auto de busca e apreensão de fls. 296 a 299
 Reportagem fotográfica de fls. 300 a 314
 Certidão permanente de fls. 330 a 333;
 Certidão de sentença condenatória de fls. 335 a 365;
 Documentos de fls. 443 a 482;
 Reportagem fotográfica de fls. 498 a 504;
 Documentos de fls. 510 a 516;
 Diversos cadernos da marca Ambar (2) e da marca Universitário 80 (2) anexos ao processo e
 Anexos I, II, III, IV e V contendo documentação diversa.

O Tribunal atendeu ainda ao CRC e ao relatório social do arguido.
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados alicerçou-se nos documentos juntos aos autos.

Já quanto aos factos não provados resultam os mesmos da ausência de prova suficiente e credível sobre os mesmos.

Assim, analisando criticamente toda a prova produzida, à luz das regras da experiência comum, não resultou provado que tivessem sido os arguidos a praticar os crimes pelos quais vêm pronunciados.

Vejamos:
O arguido, de forma séria, coerente e verosímil relatou que as armas e munições apreendidas pertenciam ao sogro, sendo que apenas algumas lhe pertenciam a si e ao filho por serem caçadores. Afirmou nunca ter procedido à venda de quaisquer armas ou munições.

As testemunhas inquiridas de forma imparcial, corroboraram os factos relatados pelo arguido, afirmando que há muitos anos que não adquirem armas aos arguidos.

Em face do exposto o Tribunal considerou como não provados os factos que acima enumerou por ausência de prova suficiente e credível sobre os mesmos, e em consequência, absolve os arguidos de todos os crimes que lhe são imputados.»

û
Conhecendo.

(I) Da nulidade da sentença, prevenida na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal

Diz o Ministério Público, nesta Instância, que o Tribunal recorrido se não pronunciou sobre o destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime – concretamente que não houve pronúncia quanto a todos os objetos apreendidos nos autos, à exceção das armas.

Não lhe assiste razão.
À indicação do destino a dar a coisas ou objetos relacionados com o crime, dedica-se a alínea c) do n.º 3 d artigo 374.º do Código de Processo Penal, cuja inobservância não constitui nulidade.

Bastará, para tanto, atentar na previsão da alínea a) do n.º 1 do mesmo Código.

Por outro lado, não tendo sido afirmada nos autos a prática de qualquer facto ilícito típico, não vislumbramos como dar destino a objetos com ele relacionados - porque não existem.

(ii) Dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal

Diz o Ministério Público, nesta Instância, que «Do próprio texto do acórdão recorrido emerge, à evidência, ter incorrido em insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e em contradição insanável da fundamentação, o que configura os vícios previstos, respetivamente, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal

Como não provados factos negativos que, em confronto com os factos provados, não permitem concluir o que se considerou que o Arguido detivesse, ou não detivesse, de entre o rol dos objetos apreendidos nos autos.

Mais invoca que o «Acórdão é praticamente omisso no que à Arguida “C… – Fabrico e Venda de artigos de caça e pesca, Unipessoal, Ldª., pessoa coletiva n.º ----, com sede na Av….., Abrantes” diz respeito, designadamente, no que à contraordenação pela qual esta foi pronunciada diz respeito. Aliás, tal como relativamente ao Arguido JJ

Não lhe assiste razão.

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.

3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.»

Tais vícios, de enumeração taxativa, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.

Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.

Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”.[[3]]»

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[4]]

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.»[[5]]

Nos autos foi apenas interposto recurso por quem nele figura como Arguido – JJ -, com o propósito de evitar o perdimento de armas que foram encontradas em seu poder.

As razões apresentadas pelo Ministério Público, agora em avaliação, parecem esquecer que os recursos de decisões judiciais proferidas em 1.ª Instância são aí interpostos.

A divergência das sentenças proferidas em 1.ª Instância tem que surgir nessa Instância e não na Instância de recurso.

E recorde-se que o Ministério Público, na 1.ª Instância, se conformou com a sentença aí proferida, não revelando qualquer incómodo pela eventual omissão, nessa peça processual, do que concerne à contraordenação por que acusou.

Entendimento diverso do acabado de enunciar – porque o agora pretendido pelo Ministério Público não poderia visar apenas o refinamento do teor do teor do acórdão recorrido –, violaria o disposto no artigo 409.º do Código de Processo Penal onde, a propósito da proibição da reformatio in pejus se consagra que «Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes

Ao que acresce que o acórdão recorrido contém – no ponto C dos factos provados – a matéria bastante ao conhecimento da questão que nos é colocada em sede de recurso – a pretensão de se evitar a declaração de perdimento de armas que foram encontradas em poder do Arguido JJ.

Serão, por isso, apenas essas armas que nos importam.
Bem como os factos que constam do ponto C dos provados.

(iii) A declaração de perdimento a favor do Estado
Do ponto C dos factos provados, decorre terem sido encontradas no espaço da residência do ora Recorrente:

1. No interior do anexo lateral à piscina:
- uma espingarda de caça de marca “Browning”, com o número 252PN15652;
- uma espingarda de caça de marca “Citori-Fabrique National Herstal”, com o número 40352;
- uma espingarda de caça de marca “DAM”, com o número 126044.
- uma espingarda de caça de marca “Manu-Arm”, com o número 7158;
- uma arma de ar comprimido de calibre 4,5mm, de marca “C3C”, sem número;

2. No interior do canil, e atrás da porta:
- uma espingarda de caça de marca “Bettinsoli”, com o número 681288;
- uma espingarda de caça de marca “Fabarm”, com o número 5005885.
- uma espingarda de caça de marca “Winchester”, com o número 1116621.

3. Na sala da residência:
- uma pistola de marca “Walther”, modelo PP, calibre 7.65 mm, com o número 0205, com carregador com 4 munições;

4. Na cozinha
- uma espingarda de marca Browning, com o número 421NM03334;

5. No interior de um anexo da residência:
- uma pistola de marca PB, calibre 6.35 mm, com o número 366347

6. No interior de um anexo da residência – antigo paiol da pólvora
- uma espingarda de marca Vitor Sarrasqueta, com o número 48553;
- uma espingarda de marca Kassnar, com o número J38760G;
- uma espingarda de marca Fabarm, com o número 161728;
- uma espingarda de marca Browning, com o número 32234;
- uma espingarda de marca Baikal, com o número 8775070.

7. No interior da garagem:
- uma arma de fogo automática, calibre 7.62mm, Tokarev,
- uma arma de alarme sem número, transformada para arma de fogo calibre 6,35mm com o número 366/347;

Provado ficou, ainda, que o arguido detinha ainda na sua posse os seguintes livretes:
- número E-88518, da arma nº40352, marca “Citori – Fabrique Nationali Herstal, em nome de JJ.
- número J-31725, da arma nº252PN15625, marca “Browning”, em nome de JJ.
- número L-36552, da arma nºHR29119, marca “Rough”, em nome de JJ.
- número J-84336, da arma nº0205, marca “Walther”, em nome JJ.
- número M-41432, da arma nº2003043, marca “Fabarm”, em nome de JG.
- número N-16593, da arma nº0110257, marca “Conquest”, em nome de JG.
- número H-64873, da arma nº7158, marca “Manu-Arm”, em nome de MJ.
- número D-23063, da arma (número ilegível), marca “Brno”, em nome de AP.

Ficou provado, também, que a MJ não tem licença de uso e porte de arma.

Dispõe-se no artigo 109.º do Código Penal, sob a epígrafe “Perda de instrumentos”

«1 – São declarados perdidos a favor do Estado os instrumentos de facto ilícito típico, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática.

2 – O disposto no número anterior tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
(…)»

A propósito da medida de perdimento de objetos ou instrumentos, «têm a doutrina e a jurisprudência salientado, desde logo, a necessidade de existência de um nexo de instrumentalidade entre a utilização do objeto e a prática do crime, ou seja, é indispensável que dos factos provados resulte que, entre a utilização do objeto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, por forma a que, sem essa utilização, a infração em concreto não teria sido praticada, ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada[[6]]

Deve ser declarado perdido a favor do Estado um objeto se: (i) ocorreu um facto ilícito ou antijurídico ou a sua tentativa; (ii) o objeto foi utilizado ou estava para o ser, nesse facto, ou foi produzido por ele; (iii) o objeto possa pôr em perigo a comunidade ou ofereça sérios riscos de ser utilizado para a prática de crimes.

Na situação em exame, o acórdão proferido nos autos não concluiu pela prática de qualquer facto ilícito típico.

O que arredaria a declaração de perda de instrumentos, não fosse estarmos na presença de armas.

É o Recorrente militar reformado.

Nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio, que aprova o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, o militar na situação de reforma tem direito à detença, uso e porte de arma, independentemente de licença, mediante apresentação, ao diretor nacional da Polícia de Segurança Pública, a cada cinco anos, de certificado médico que ateste aptidão para a detenção, uso e porte de arma, bem como se está na posse de todas as suas faculdades psíquicas, sem historial clínico que deixe suspeitar poder vir a atentar contra a sua integridade física ou de terceiros, observando-se o regime jurídico das armas e suas munições, aprovado pela lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, sem prejuízo do seu obrigatório manifesto quando da mesma sejam proprietários, seguindo, para o efeito, o referido regime.

Do regime consagrado na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, decorre que devem considerar-se bens subtraídos do comércio jurídico e, por isso, insuscetíveis de ser possuídos seja por quem for, as armas sem manifesto ou registo.

Estas armas, independentemente da verificação dos requisitos consagrados no artigo 109.º do Código Penal, não podem deixar de ser declaradas perdidas a favor do Estado.

Tendo as armas manifesto e registo, devem ser entregues ao legítimo proprietário que demonstre licença para a sua utilização.

De regresso ao processo, porque neles não há notícia do seu manifesto ou registo, devem ser declaradas perdidas a favor do Estado as seguintes armas, encontradas no espaço residencial do Arguido JJ e apreendidas à ordem dos presentes autos:

- a espingarda de caça de marca “DAM”, com o número 126044.
- a arma de ar comprimido de calibre 4,5mm, de marca “C3C”, sem número;
- a espingarda de caça de marca “Bettinsoli”, com o número 681288;
- a espingarda de caça de marca “Fabarm”, com o número 5005885.
- a espingarda de caça de marca “Winchester”, com o número 1116621.
- a espingarda de marca Browning, com o número 421NM03334;
- a pistola de marca PB, calibre 6.35 mm, com o número 366347
- a espingarda de marca Vitor Sarrasqueta, com o número 48553;
- a espingarda de marca Kassnar, com o número J38760G;
- a espingarda de marca Fabarm, com o número 161728;
- a espingarda de marca Browning, com o número 32234;
- a espingarda de marca Baikal, com o número 8775070.
- a arma de fogo automática, calibre 7.62mm, Tokarev,
- a arma de alarme sem número, transformada para arma de fogo calibre 6,35mm com o número 366/347;

Sendo propriedade de MJ, que não tem licença de uso e porte de arma, a espingarda de caça “Manu-Arm”, com o n.º 7158, a que corresponde o livrete n.º 64873, deve também ser declarada perdida a favor do Estado.

As restantes armas em questão, uma espingarda de caça de marca “Browning”, com o número 252PN15652, uma espingarda de caça de marca “Citori-Fabrique National Herstal”, com o número 40352, e uma pistola de marca “Walther”, modelo PP, calibre 7.65 mm, com o número 0205, com carregador com 4 munições, a que correspondem os livretes n.º J-31725, E-88518 e J-84336, são propriedade do Arguido JJ.

A sua entrega ao Recorrente depende da demonstração de licença de uso e porte de arma, válida na ocasião em que tais armas foram apreendidas nos presentes autos.

E apenas neste segmento há que dar procedência ao recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, dando parcial provimento ao recurso, decide-se

- ordenar a restituição ao Recorrente da espingarda de caça de marca “Browning”, com o número 252PN15652, da espingarda de caça de marca “Citori-Fabrique National Herstal”, com o número 40352, e da pistola de marca “Walther”, modelo PP, calibre 7.65 mm, com o número 0205, com carregador com 4 munições, a que correspondem os livretes n.º J-31725, E-88518 e J-84336, desde que o mesmo demonstre titularidade de licença de uso e porte de arma, válida na ocasião em que tais armas foram apreendidas nos presentes autos;

- manter, em tudo o mais, o decidido.

Sem tributação.

Évora, 2018 dezembro 20
(certificando-se que o acórdão foi elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelos seus signatários)

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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Renato Amorim Damas Barroso)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.

[4] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[5] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.

[6] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de maio de2014, proferido no processo 550/13.9PAOVR.P1, e acessível em www.dgsi.pt