Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
107/17.5 JAFAR.E1
Relator: MARIA FILOMENA SOARES
Descritores: PROSTITUIÇÃO DE MENORES
PORNOGRAFIA DE MENORES
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - Se a conduta de cedência de haxixe a menor de quinze anos de idade, ainda que num curto espaço de tempo, pelo menos por cinco vezes, para consumo do mesmo menor, a troco da prática de actos de cariz sexual com o recorrente e do envio a este de fotografias e vídeos da mesma natureza, não deixando de integrar, em abstracto, a circunstância agravante do tipo agravado de tráfico [atenta a menoridade da vítima], são circunstâncias que são incompagináveis com a ilicitude do facto consideravelmente diminuída a que alude a previsão do artigo 25.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal (1ª Subsecção) do Tribunal da Relação de Évora:

I

No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, nº 107/17.5 JAFAR, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, Juiz 1, mediante acusação pública, precedendo pedidos de indemnização cível [formulado pela legal representante de RC, que se constituiu assistente nos autos, e pelo ofendido/demandante JG, peticionando do arguido/demandado, respectivamente, o pagamento das quantias e € 15 000,00 e € 5 000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, acrescidas de juros legais] e contestação [apresentada pelo arguido/demandado no âmbito da qual oferece o merecimento dos autos], foi submetido a julgamento o arguido JJ, [filho de…, natural do concelho de Ferreira do Alentejo, nascido em 02.05.1990, solteiro, trabalhador por conta de outrem e, antes de preso, residente na Rua…, em Ferreira do Alentejo] e por acórdão proferido e depositado em 07.03.2018 foi decidido:
“(…)

Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide o Tribunal julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o despacho de acusação e, em consequência:

a) Absolver o Arguido JJ da prática, na forma consumada, de dois crimes de aliciamento de menores para fins sexuais, p. e p. pelo artigo 176.º-A do Código Penal;

b) Absolver o Arguido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01;

c) Condenar o Arguido pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores na forma consumada na pessoa de JG, p. e p. pelo artigo 174.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;

d) Condenar o Arguido pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores, na forma tentada, na pessoa de JG, p. e p. pelos artigos 174.º n.ºs 1 e 2 e 22.º n.º 2 alínea c), do Código Penal, na pena de seis (6) meses de prisão;

e) Condenar o Arguido pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores agravado, na forma tentada, na pessoa de RC, p. e p. pelos artigos 174.º n.ºs 1 e 2, 177.º n.º 6, 22.º n.º 2, alínea c), do Código Penal, na pena de um (1) ano de prisão;

f) Condenar o Arguido pela prática de um crime de pornografia de menores na pessoa de JG, p. e p. pelo artigo 176.º n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão;

g) Condenar o Arguido pela prática de um crime de pornografia de menores agravado na pessoa de RC, p. e p. pelos artigos 176.º n.º 1, alínea b) e 177.º n.º 6, do Código Penal a pena de quatro (4) anos e 6 (seis) meses de prisão;

h) Condenar o Arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 22/01, a pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão.

i) Condenar o Arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de nove (9) anos de prisão;

j) Manter o Arguido sujeito à medida de coação de prisão preventiva, até trânsito em julgado da presente acórdão, por se manterem inalterados os pressupostos que determinaram a aplicação dessa medida, os quais se mostram reforçados atenta a presente condenação;

k) Declarar perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos à ordem dos presentes autos;

l) Condenar o Arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s.

Nos termos e de harmonia com o disposto nos preceitos legais supra citados, julgo o pedido de indemnização civil deduzido por JG contra o Arguido totalmente procedente e o pedido de indemnização civil deduzido por SM, em representação de RC, contra o Arguido, parcialmente procedente, e em consequência, decide-se condenar o Arguido:

a) A pagar a JG a quantia de € 5 000,00, (cinco mil euros) acrescida dos respetivos juros de mora legais calculados desde a presente data até ao efetivo e integral pagamento;

b) A pagar a RC a quantia de € 10 000,00 (dez mil euros), acrescida dos respetivos juros de mora legais calculados desde a presente data até ao efetivo e integral pagamento.

Custas dos pedidos cíveis na proporção do respetivo decaimento dos Demandantes e Demandado.
(…)”.
Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação de recurso as seguintes conclusões:

1º. - A douta sentença recorrida condenou o Arguido na pena única de 9 (NOVE) ANOS de prisão e no pagamento das quantias de €: 5.000,00 a JG e € 10.000,00 a RC, ambas acrescidas de juros de mora;

2º. - O recurso reporta-se quanto à matéria de facto, quanto à qualificação jurídica do crime praticado pelo arguido e á medida da pena;

3º. – A matéria de facto dada como provada não nos oferece grande censura, porque reproduz os factos provados em audiência e recolhida nos autos;

4º. – No entanto, a prova realizada, impunha inevitavelmente uma decisão diversa da ora Recorrida, termos em que o douto acordão violou, por erro de interpretação o Artº 21º e 25º ambos do D.L. 15/93 e 71º , 75, 174º, 176º e 177, todos do Código Penal;

5º. – Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes e considerando as circunstâncias em que os factos ocorreram, entendemos que diminuem consideravelmente a ilicitude do Arguido;

6º. – O Artº 25º pressupõe por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta;

7º. - As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade, situam-se nos meios: na modalidade ou circunstância da acção e na qualidade e quantidade das plantas;

8º. - A quantidade de droga é um dos factores determinantes de aferição da diminuição da ilicitude prevista no artº 25 do citado diploma;

9º. – Na apreciação da quantidade detida deve apoiar-se em módulos do carácter quantitativo;

10º. – Da matéria de facto dada como provada, o Recorrente CEDEU em 5 OCASIÕES bolotas de HAXIXE, como aliciamento para a prática de actos de cariz sexual e envio de fotografias e vídeos despidos ou a masturbar-se;

11º. – As cedências ocorreram num lapso de tempo MUITO REDUZIDO;

12º. – Não houve intenção lucrativa e não foi apreendida qualquer droga na sua posse;

13º. - Termos em que o devia ser condenado pela prática, em autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade p. p. pelo Artº 25º, do Dec.Lei Nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de DOIS ANOS de prisão;

14º. - Quanto à medida das penas, parece-nos legítimo concluir que algumas delas pecam por excesso tendo em consideração a matéria de facto dada como provada;

15º. – O Recorrente, em relação ao JG, para além dos crimes de recurso à prostituição de menores, 1 na forma consumada e 1forma tentada, foi também condenado na prática de um crime de pornografia de menores - Artº 176º, nº 1 do C.P. - na pena de 2 ANOS;

16º. - A determinação da medida da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências da prevenção - Artº 71º nº 1, do C. Penal;

17º. - Como a culpa do agente não é susceptível de medida exacta, fica o julgador com uma certa liberdade na apreciação e determinação da pena, norteando-se por outros critérios legais, como as exigências de prevenção, de acordo com o sentido e alcance do Artº 71º C.P.;

18º. – Resulta da matéria de facto dada como provada que o Arguido dirigiu a JG expressões e propostas de teor sexual, assim como lhe solicitou o envio de fotografias e filmagens que o retratassem despido e em actos de cariz sexual a fim de serem por s visualizados. Artigo 7 dos Factos Provados;

19º. - Mas não resulta que aquele material se destinava a ser partilhado;

20º. – Aqueles factos acontecem numa sucessão de contactos e encontros com o ofendido e que se autonomizaram. Os outros dois crimes – recurso à prostituição na forma consumada e tentada – ocorreram em simultâneo pelo que alivia a responsabilidade do Arguido;

21º. - Termos em que o Arguido, nesta parte, deverá ser condenado na pena de 1 ANO de Prisão;

22º. – Em relação ao ofendido RC, o Arguido foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime de crime de pornografia de menores agravado que é exagerada;

23º. – Aquela condenação enquadrou-se no aliciamento do RC;

24º. – O material pretendido não se destinava a ser partilhado;

25º. – Os factos acontecem numa sucessão de contactos e encontros com o ofendido e que se autonomizou em relação aos outros factos prática do crime de recurso à prostituição de menores;

26º. – Termos em que o Arguido deverá ser condenado na pena de 3 ANOS de prisão;

27º. – Conjugando as restantes condenações, e em cúmulo jurídico, deve o Arguido ser condenado na pena única de CINCO ANOS e SEIS MESES de prisão;

28º. - Não se questiona que os ofendidos sofreram danos não patrimoniais, mas os valores das indemnizações são excessivos;

29.º - O ofendido JG à data dos factos tinha 17 anos de idade e atingia a maioridade a 5 de Janeiro de 2017 e para além dos contactos que teve com o Arguido tiveram um único acto sexual no interior do veículo;

30º. – Aqueles factos não foram de tal modo graves que ponham em causa o ajustamento psicológico do ofendido nem contribuíram para alterações relevantes do seu comportamento;

31º. – Com a idade do ofendido a sua estrutura e formação estava consolidada e não ficou demonstrado qualquer sintomatologia de ansiedade ou depressão;

32º. - O ofendido RC à data dos factos tinha apenas 15 anos de idade;

33º. - O Arguido limitou-se ao aliciamento do RC para a prática de actos sexuais, para além da entrega da droga, mas não houve qualquer contacto sexual;

34º. – O aliciamento ocorreu num espaço temporal muito curto e encontraram-se apenas 5 Vezes;

35º. – Não houve perturbação de forma relevante do crescimento da sua sexualidade, nem apresentou dificuldades ou alterações relevantes no comportamento;

36º. – Termos em que os valores das indemnizações são excessivas e em alternativa nos parece mais ajustadas as quantias de €: 2.000,00, para o JG e de €: 5.000,00, para o RC;

NESTES TERMOS, deve ser dado provimento ao recurso e alterar-se a douta sentença recorrida,

Porém, V.Exªs. apreciarão e decidirão como for de JUSTIÇA.”.

Admitido o recurso [cfr. fls. 700] e notificados os devidos sujeitos processuais, apresentaram articulado de resposta:

» O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância que, em síntese conclusiva, afirma:

1.ª
No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, a factualidade provada foi correctamente subsumida ao tipo do artigo 21.° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

2.ª
Em relação aos crimes de pornografia de menores, o Ministério Público aceita que as penas que melhor se ajustam aos critérios emergentes dos artigos 40.° e 71.° do Código Penal são as seguintes:

- 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão para o crime de pornografia de menores da previsão do artigo 176.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, em que é ofendido JG;

- 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão para o crime de pornografia de menores agravado da previsão dos artigos 176.°, n.º 1, alínea b), e 177.°, n.º 6, do Código Penal, em que é ofendido RC.

3.a
Na decorrência do que antecede e da inevitável compressão dos limites mínimo e máximo da moldura abstracta da pena única, o Ministério Público entende que o arguido deve ser condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 7 (sete) anos de prisão.”.

» O assistente RC que, em conclusão, alega:

“1- O assistente e demandante cível, apesar de ter decaído parcialmente no pedido cível que deduziu, conformou-se com a decisão do Tribunal a quo;

2- Entende que o douto Acórdão recorrido não merece qualquer reparo, quer na parte cível, quer na respeitante à condenação criminal;

3- E deve ser confirmado na íntegra por esse Venerando Tribunal.

4- Face à factualidade dada como provada, a qual se reveste de grande gravidade consideram-se adequadas as penas parcelares aplicadas;

5- No que tange ao quantum indemnizatório decidido pelo Tribunal a quo, não pode o mesmo ser fixado em valor inferior face aos danos que o demandado infligiu no menor;

6- Perturbação psicológica e emocional, sentimento de vergonha, quebra no rendimento escolar, bem como alterações comportamentais com episódios de agressividade, quer no seio da família, quer na Escola.

7- Tratam-se de factos que ficam registados de forma indelével e que como tal, jamais serão esquecidos pela vítima.

8- Face aos factos e estando reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, a indemnização cível deve ser mantida, contrariamente ao que pretende o recorrente.

9- Deve o acórdão recorrido ser mantido também nesta parte.

TERMOS EM QUE,
Deve o recurso improceder, mantendo-se o Acórdão recorrido.”

Remetidos os autos a esta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no âmbito do qual afirma, em síntese, que “(…) se a conduta de cedência a menor não assume excecional gravidade exigida pelo tipo agravado de tráfico, a verdade é que a sua acentuada ilicitude não permite subsumi-la no tipo de menor gravidade previsto no artigo 25.º, que exige uma diminuta ilicitude que no caso não se verifica. Neste conspecto, consideramos que a punição do Arguido se atém tão só na prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º. (…) No que às medidas das penas diz respeito, o MP, refutando o demais defendido e peticionado pelo Recorrente (…) concede-se que a medida concreta do crime de pornografia de menores em que é ofendido JG seja reduzida para 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, e que a do crime de pornografia de menores agravado em que é ofendido RC seja fixada nos 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…) Tendo em conta as penas parcelares que subscrevemos, entendemos adequada uma pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão. (…)”.

Em consequência, em sua opinião, o recurso deve ser julgado parcialmente procedente.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido usado o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar, foram colhidos os vistos legais.
Foi realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II
Como é sabido, o âmbito do recurso – seu objecto e poderes de cognição – afere-se e delimita-se através das conclusões extraídas pelo recorrente e formuladas na motivação (cfr. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no artigo 410º, nº 2, do aludido diploma, as cominadas como nulidade da sentença (cfr. artigo 379º, nºs 1 e 2, do mesmo Código) e as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cfr. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do Código de Processo Penal; a este propósito v.g. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19.10.1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28.12.1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.06.1998, in B.M.J. nº 478, pág. 242, de 03.02.1999, in B.M.J. nº 484, pág. 271 e de 12.09.2007, proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

Acresce que, no âmbito dos poderes de cognição do Tribunal, este “não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, como claramente decorre do preceituado no artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 4º, do Código de Processo Penal.

Por outro lado, importa não olvidar que se o recorrente não retoma nas conclusões da respectiva motivação as questões que desenvolveu no corpo da motivação, porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso, o Tribunal ad quem só conhecerá das questões que constam das conclusões.

Finalmente, precedendo a delimitação do objecto do presente recurso, importa afirmar que o recorrente quer no corpo da motivação, quer nas conclusões da peça recursiva afirma que o “recurso reporta-se quanto à matéria de facto”. Porém, em lado algum da sua peça recursiva alega e discorre sobre algum putativo erro de julgamento em matéria de facto, nos termos prevenidos no artigo 412º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, nem tão pouco alega e demonstra a eventual verificação dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do mesmo compêndio legal. Outrossim, no mesmo passo, afirma que “a matéria de facto dada como provada (…) reproduz com verdade os factos dados como provados em audiência de julgamento e a recolhida nos autos, apesar de não aceitarmos na sua totalidade.”. E, da leitura cuidada da peça recursiva em apreço forçoso é concluir que o seu dissídio se reporta não à factualidade dada como provada constante da decisão recorrida, mas antes ao enquadramento jurídico-penal que da mesma ali foi efectuado.

Assim, vistas as conclusões do recurso em apreço, verificamos que as questões suscitadas à apreciação deste Tribunal ad quem são as seguintes (agora ordenadas segundo um critério de lógica e cronologia preclusivas):

(i) - Como questão prévia, da (ir)recorribilidade do acórdão proferido pelo Tribunal a quo no conspecto da decisão cível assumida relativamente ao demandante civil JG;

(ii) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no tocante ao enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados, além do mais, como um crime de tráfico de produto estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 [reclamando o recorrente a sua qualificação jurídica como crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, do citado diploma legal e, consequentemente a aplicação da pena (parcelar) de 2 (dois) anos de prisão];

(iii) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no tocante à dosimetria das penas parcelares aplicadas ao arguido pela prática respectivamente de um crime de pornografia de menores agravado (na pessoa de RC), p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6, do Código Penal e de um crime de pornografia de menores (na pessoa de JG), p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, alínea b), do citado Código [reclamando o recorrente a aplicação respectivamente das penas parcelares de 3 (três) anos de prisão e de 1 (um) ano de prisão], e bem assim da pena única aplicada ao arguido [reclamando a aplicação da pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão], violando o disposto nos artigos 40º, 71º e 77º, do Código Penal;

(iv) - Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de direito no que respeita ao quantum arbitrado a título de indemnização [quer ao assistente/demandante civil RC, quer ao demandante civil JG].

III
Com vista à apreciação das suscitadas questões, o acórdão recorrido encontra-se fundamentado de facto nos seguintes termos:
“(…)
I. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados

Da discussão da causa resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao mês de Junho de 2016, o Arguido, nascido a 2 de Maio de 1990, formulou o propósito de manter conversações com indivíduos do sexo masculino com idade inferior a 18 anos de idade, através do seu número de telemóvel 96 30--- e, igualmente, através da aplicação para telemóveis “Whatsapp”, com o objetivo de através da entrega de quantias monetárias e, igualmente, de produto estupefaciente, designadamente, haxixe, convencer os mesmos, por um lado, a procederem ao envio de filmagens em que estivessem a masturbar-se, que o arguido visualizaria, e, por outro, a marcar encontros com os mesmos visando a prática de sexo oral e anal.

(Factos referentes a JG)
2. Em data não concretamente apurada, mas situada antes do dia 6 de Junho de 2016, o Arguido travou conhecimento com JG, também conhecido por “Zeca G”, nascido a 5 de Janeiro de 1999, tendo este último comunicado ao Arguido a idade que tinha.

3. Em execução do propósito que previamente havia formulado, em data não concretamente apurada, mas situada durante o mês de Junho de 2016, e ainda antes do dia 6 deste mês, num descampado sito em Beja, encontrando-se o Arguido e JG no interior do veículo em que o primeiro se fazia transportar à data, da marca SEAT, modelo IBIZA, de cor branca e com um autocolante com um touro preto na parte traseira, o primeiro introduziu o pénis ereto de JG na sua boca, após o que o friccionou naquele local.

4. Depois tal prática sexual, o Arguido entregou a JG a quantia monetária de € 120,00 (cento e vinte euros), o que este aceitou.

5. JG apenas acedeu a deixar o Arguido praticar tais factos sobre si, face à contrapartida monetária que este último lhe entregou.

6. Em execução do propósito que previamente havia formulado, entre os dias 7 e 25 de Junho de 2016, o Arguido trocou diversas mensagens escritas com JG através do seu telemóvel com o n.º 96 309--.

7. Nessas conversas, mantidas através de mensagens escritas, o Arguido dirigiu a JG expressões e propostas de teor sexual, assim como lhe solicitou o envio de fotografias e filmagens que o retratassem despido e em atos de cariz sexual a fim de serem por si visualizados.

8. No decurso das referidas conversas, o Arguido solicitou a JG que este, mediante a entrega quantias monetárias, se encontrasse com ele com o objetivo de praticar sexo oral e anal.

9. Com o mesmo objetivo, o Arguido procurou chegar a um entendimento com JG para se encontrarem e praticarem, com uma periodicidade a determinar, mas semanalmente ou de duas em duas semanas, atos de sexo oral e anal em troca de quantias monetárias previamente fixadas, mas a ser pagas semanalmente.

10. Assim, em concretização desse propósito, o Arguido enviou a JG, designadamente, mensagens escritas nas quais solicita a este último a prática dos atos sexuais acima mencionados, o que fez da seguinte forma:

a) No dia 7 de Junho de 2016, entre as 21h47min e as 21h52min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “tens o pai mais grosso que já vi na minha mão” (referindo-se ao pénis do menor)
“Posso xupar de novo?”
Zeca G: “Logo se ve mas duvido que seja este fim de semana”
JJ: “N estou a dizer neste fim-de-semana”
Zeca G: “Sim logo se ve”

b) No mesmo dia, entre as 22h18min e as 22h29min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:
JJ: “Gostava de ter te todo :p”
Zeca G: “Querias…”
JJ: “Ui Pk é que de repente te apeteceu foder me o cu”
Zeca G: “Sabes que não vais ter…
Não sei foi o clima sei la…”
JJ: “Humo ainda bem
Quando entrar bem vai ser bom”
Zeca G.: “Ok…”
JJ: “Taças excitado quando xupava?”
Zeca G: “uma beca”
JJ: “Gostava de ter bebido o teu leite”
Zeca G: “Ok… vou dormir xau abrc”

c) No dia 10 de Junho de 2016, entre as 12h37min e as 12h44min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Ze eu acho que já te dou muito. Dou te o que nunca dei a um familiar tens noção disso?”
Zeca G: “Tenho e por isso tou bem com o que tu me das…”
JJ: “Tas bem como?”
Zeca G: “Tipo com o que tu me das…”
JJ: “E sentes te bem em ter dinheiro?”
Zeca G: “Claro”
JJ: “Então podes dar te a mim…”
Zeca G: “Isso nao consigo fazer”

d) No dia 10 de Junho de 2016, entre as 14h40min e as 14h41min, o Arguido enviou a JG a seguinte mensagem:

JJ: “Não queres nada comigo já? Tava aqui a ver mais um dinheirinho para te levar e pronto enfim”

e) No mesmo dia, entre as 15h16min e as 15h33min, o Arguido enviou a JG as seguintes mensagens:

JJ: “À noite prefiro xupar te”
“Fazemos sexo hoje?”
“Zeca preciso de levar bem no rabo”

f) No mesmo dia, entre as 15h53min e as 15h55min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

Zeca G: “prefiro não ter dinheiro do que continuar com isto”
JJ: “mas n gostaste do bobo?”

g) No mesmo dia, entre as 16h27min e as 16h45min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Adorei o teu pau queria : (”
Zeca G: “Mas não já xega”
JJ: “Fordes me uma última vez e nunca mais falamos disso”
Zeca G: “Não sei tenho que pensar…”
JJ: “Mas foda completa”
JJ: “Esta noite tenho que ter sexo”
JJ: “Fodes me o cu todo”

h) No dia 11 de Junho de 2016, pelas 23h49min, o Arguido enviou a JG a seguinte mensagem:

JJ: “Gostava de chegar aí xupar te e foderes me e dava te o casaco e tu o cartão e acabava tudo”

i) No dia 12 de Junho de 2016, entre as 14h56min e as 15h17min, JJ e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Podias ter tudo”
JJ: “Faz uma proposta que queiras???!!!”
Zeca G: “Já não quero..”
JJ: “Uma que seja o que queres diz lá”
Zeca G: “NAO”
JJ: “Ta bom zeca”
Zeca G: “Faz tu”
JJ: “Zeca tu é que sabes no que alinhas. Diz me”
Zeca G: “Tu sabes no que alinho…”
JJ: “n n sei
Já não sei tens que me dizer”
Zeca G: “sabes sim e se não sabes soubesses
E eu agora tou em mente de comprar uma bike”
JJ: “E quanto é quantas vezes etc”
Zeca G: “Eu no maximo faco uma vez por semana”
JJ: “ou duas”
Zeca G: “agora quanto tu e que sabes o que posso dar
Uma”
JJ: “E o que não fazes diz lá”
Zeca G: “Dar as mãos os abraços também não… nada de mariquices...”
JJ: “50”
Zeca G: “Nao”
JJ: “Ok”
Zeca G: “Olha não quero nada nao me xateis adeus e arranja outra pessoa nem sei como e que voltei a fazer estas propostas de merda….”
JJ: “Queres quanto diz lá”
Zeca G: “Já não quero nada não vou voltar a fazer outra vez… nao vou nao vou nao vou”
JJ: “75”
Zeca G: “Não quero não quero nada…”
JJ: “Tao decide te fazes propostas e depois não queres foda se”
Zeca G: “Já não quero e esta e a minha resposta final”
JJ: “Queres sim e chegar foder e bazar quanto”
Zeca G: “Nada bao quero mais isto”
JJ: “Adoras eu xupar”
Zeca G: “nao nao e nao”
JJ: “okok 100”
Zeca G: “nao nao nao”
JJ: “200”
Zeca G: “Tas a gozar cmg so pode”
JJ: “Tu e que tas a gozar ora queres ora não queres. Eu quero o teu ou já te disse”
Zeca G: “Eu por um lado quero o dinheiro mas pelo outro nao quero fazer isso…”
JJ: “Podia fazer o esforço”
Zeca G: “E das me os 200?”
JJ: “Por semana???”
Zeca G: “Nao sei talvez não?”
JJ: “E buem eu dou te algum mas nada de exageros apenas quero que percebas que dou te o que posso para teres o mesmo que os outros”
Zeca G: “mas das me os 200 ou nao?”
JJ: “De uma vez nao”
Zeca G: “So preciso que me des 200 duas vezes”
JJ: “Pk??”
Zeca G: “Para puder comprar a bike”
JJ: “A bike n custa tanto”
Zeca G: “A que eu quero custa”
JJ: “Dou te 100 semana”
Zeca G: “Assim nao quero xau”
JJ: “Pk só pensas nos teus interesses tass bem”
Zeca G: “Xau”
JJ: “Xau pau bom”
Zeca G: “E da maneira que me tratas axas isto uma amizade normal? Se me falasses normal não sexualmente eu nao seria assim como sou para ti… eu só falo assim por tua culpa”

j) No dia 12 de Junho de 2016, entre as 15h28min e as 15h38min, o Arguido enviou as seguintes mensagens a JG:

JJ: “Mas eu quero o teu pau quero o teu prazer”
JJ: “Nada disso apenas n consigo controlar a vontade que tenho em te xupar e me foderes”
JJ: “Tens me tratado mal tenho vontade de ter sexo contigo sei que não vais querer”
JJ: “Eu até disse que me contentava com sexo virtual nem isso és capaz fdx”
JJ: “Queres sexo virtual?”

k) No dia 12 de Junho de 2016, pelas 16h20min, o Arguido enviou a seguinte mensagem a JG:

JJ: “Se eu for aí a noite fodes me?”

l) No dia 12 de Junho de 2016, entre as 16h38min e as 17h25min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Zeca achas que se me deres o que eu peo ficas mal com o que te dou? Se sincero”
Zeca G: “Uma foda um broxe por semana 150”
JJ: “100”
Zeca G: “150”
JJ: “Só uma vez por semana e muito”
Zeca G: “Eu não posso fazer mais…”
JJ: “100 e fica fechado”
150 tinhas que alinhar em tudo”
Zeca G: “Mas esse dinheiro e so por duas três semana no maximo para puder comprar a bike… Alinhar em tudo como assim?”
JJ: “Beijar e abraçar”
Zeca G: “Ai beijar nunca”
JJ: “E depois comprares a bike como e ??”
Zeca G: “Já te disse nunca te irei beijar”
JJ: “Ok Mas tocar e isso”
Zeca G: “Tocar aonde? Maos?”
JJ: “No corpo normal Tipo tocares me”
Zeca G: “eu em ti?”
JJ: “Sim normal”
Zeca G: “Tocar te nao toco…”
JJ: “Nem a foder ?? Fazemos assim dou te 75 sempre todas as semana sempre sempre”
Zeca G: “A foder e outra coisa Eu preciso da bike e 75 por semana não da”
JJ: “Em 4 semanas compras uma boa fogo. Se cumprires com tudo dou te mais algum às vezes”
Zeca G: “Ou e 150 durante 2, 3 semanas ou escusas de fazer mais propostas
A que eu quero custa quase 400 euros
Eu quero uma que me dure bastante tempo e não uma que se estrague facilmente”
JJ: “Compra uma mais maneira que seja menos”
Zeca G: “Não que quero aquela
Queres queres não queres problema teu”
JJ: “75 e podes não estar comigo algumas semanas”
Zeca G: “Entao para isso tinhas que me dar o desta semana”
JJ: “Começa hj isto”
Zeca G: “E das o desta semana?”
JJ: “Tu até podias nem tar comigo só quero prazer mesmo que por fotos ou webcam”
Zeca G: “Ah isso não cmg não resulta isso”
JJ: “Pk”
Zeca G: “Não quero não gosto”
JJ: “E broxe gostas?”
Zeca G: “Tens de perceber uma coisa eu não faco isto pelo gostar e tu sabes eu faco isto pelo guito…”
JJ: “Tão são 75 e tens que foder e eu xupar”
Zeca G: “Não tu davas 120 para isso agora so das 75 ??? Vai gozar com outro”
JJ: “Tu nem com 120 queres”
Zeca G: “E muito menos com 75”
JJ: “Só broxe”
Zeca G: “75 broxe so?”
JJ: “Sim 2 broxes”
Zeca G: “So posso tar um dia por semana”
JJ: “Xupo vens te e depois espero um pouco duplo e vens te de novo”
Zeca G: “Cmg isso não serve”
JJ: “Tão??? O que serve?”
Zeca G: “Cada 75”
JJ: “Hoje”
Zeca G: “Hoje nao”

n) No dia 12 de Junho de 2016, entre as 21h39min e as 17h25min, o Arguido enviou as seguintes mensagens a JG:

JJ: “Zeca quero que tenhas um dinheirinho bebe”
JJ: “Não te sentes bem em ter guito na carteira”
JJ: “E não queres ter sempre? Ainda por cima a tua mãe já sabe que te ajudo com guito… Tas a perder uma oportunidade lindo?”
JJ: “Tu já viste o guito que podes ganhar se fores um mocinho com cabeça e fixe para mim? Já pensaste nisso?”

o) No dia 12 de Junho de 2016, entre as 21h57min e as 21h28min, o Arguido enviou as seguintes mensagens a JG:

JJ: “Zeca tu pedes muito e fazes pouco”
JJ: “Não queres não tivesses feito acordo e isso pah!”
Zeca G: “Não fiz acordo nenhum”
JJ: “Há não? Tínhamos um de 120/semana! Falhaste.”

p) No dia 13 de Junho de 2016, entre as 15h43min e as 21h44min, o Arguido enviou as seguintes mensagens a JG:

JJ: “Quero pau”
JJ: “Quero o teu leite”
JJ: “Uma vez só”

q) No dia 13 de Junho de 2016, pelas 16h06min, o Arguido enviou as seguintes mensagens a JG:

JJ: “150 foda”

r) No dia 25 de Junho de 2016, entre as 17h03min e as 17h60min, o Arguido e JG trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Quero o teu pau”
Zeca G: “E que nem comeces da maneira que deixei de falar cntg volto a faze lo…”
JJ: “Fdx 100”
Zeca G: “100 o ke?”
JJ: “€”
Zeca G: “Não quero e que nem comeces deixa te dessas merdas por amor de deus”.

11. O Arguido tinha perfeita noção da idade de JG, uma vez que já o conhecia previamente, circunstância da qual se aproveitou.

(Factos referentes a RC)
12. Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 1 de Janeiro de 2017 e o dia 14 de Fevereiro do mesmo ano, o Arguido travou conhecimento com RC, nascido a 15 de Setembro de 2001, numa ocasião em que este último se dirigiu a um amigo comum de ambos para pedir um isqueiro e com quem o Arguido se encontrava nessa ocasião, na via pública, junto à papelaria explorada pela progenitora deste último, sita na Rua …, em Ferreira do Alentejo.

13. Num dos dias que se seguiram a esse primeiro contacto, mas anterior a 14 de Fevereiro de 2017, o Arguido remeteu um pedido na rede social “Instagram” para começar a seguir o perfil que RC detinha naquela rede social, no qual estão publicadas fotografias do seu rosto que vislumbram a sua idade, o que este aceitou, em virtude de o irmão do Arguido ser seu conhecido, já que o havia treinado no Futebol Clube….

14. Nessa sequência, o Arguido enviou mensagens através da rede social “Instagram” a RC pelas quais lhe perguntou se este fumava apenas tabaco, ou também droga, referindo-se a haxixe, e, igualmente, se este sabia de locais onde o Arguido pudesse adquirir produto estupefaciente, designadamente haxixe para consumo.

15. Em data posterior às acima referidas, mas ainda antes do dia 14 de Fevereiro de 2017, o Arguido ligou através do seu telemóvel com o n.º 96 3096865 para o telemóvel de RC e trocou com aquele mensagens escritas.

16. Em concretização do propósito que previamente havia formulado e melhor descrito no ponto 1. supra, em data não concretamente apurada, mas posterior às anteriormente referidas e situada até 14 de Fevereiro de 2017, o Arguido solicitou num telefonema que manteve com RC que este fosse ter consigo para “chupar o teu calipo”, expressão que queria significar praticar sexo oral na pessoa deste menor.

17. Igualmente em execução do propósito que previamente havia formulado, entre os dias 14 e 26 de Fevereiro de 2017, o Arguido através do seu telemóvel com o n.º 96 309--- trocou diversas mensagens com o menor RC, através da aplicação para telemóveis “Whatsapp”.

18. Nessas conversas, o Arguido solicitou ao menor RC que este, mediante a entrega de produto estupefaciente, designadamente de haxixe (vulgo “bolotas”), de tabaco e de dinheiro, lhe enviasse vídeos a masturbar-se a fim de tais atos serem visualizados pelo Arguido.

19. Tal como perguntou a RC se queria acompanhá-lo a Beja, em ocasião em que o arguido se iria deslocar a tal localidade para adquirir produto estupefaciente, designadamente, haxixe.

20. Nessas mesmas conversas, o Arguido solicitou, também, ao menor RC, mediante a entrega das mesmas contrapartidas, que este se encontrasse consigo para atos de natureza sexual, concretamente, para a prática de sexo oral.

21. Assim, e em concretização dos referidos propósitos, o Arguido enviou a RC, utilizando a aplicação “Whatsapp”, mensagens nas quais perguntava ao menor se o mesmo queria ir com ele adquirir produto estupefaciente, e oferecia ao menor produto estupefaciente, na quantidade de três “bolotas” de haxixe por semana, se este lhe enviasse um vídeo seu a masturbar-se uma vez por semana, assim como se o deixasse praticar sexo oral uma vez por semana, o que fez da seguinte forma:

a) No dia 15 de Fevereiro de 2017, entre as 15h11min e as 17h17min, o Arguido e RC trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Oi Sábado vou buscar. Queres ir?”
RC: “Só sai agora da escola tb”
JJ: “Queres ir?”
RC: “Aonde?”
JJ: “Buscar cena”
RC: “Aonde?”
JJ: “E perto”
RC: “Diz onde”
JJ: “Bja”
RC: “A Beja?”
JJ: “N sabes ler? Lol”
RC: “Quando”
JJ: “Sexta oi sábado à noite”

b) No dia 18 de Fevereiro de 2017, entre as 15h42min e as 20h07min, o Arguido e RC trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Preciso de saber se queres aquela metade Pk está esgotado o resto. E que não consigo arranjar mais hoje”
RC: “Das me isso se eu deixar?”
JJ: “Tas a ver esse tamanho né? E metade Pk essa foto N e de hoje”

c) Neste mesmo dia, pelas 19h55min, o Arguido enviou a RC, através da aplicação informática “Whatsapp” 1 (uma) fotografia na qual era exibido produto estupefaciente, designadamente haxixe (uma “bolota”) ilustrada a fls. 76 do Anexo I ao Relatório de Perícia Forense n.º 121/2017.

d) No dia 21 de Fevereiro de 2017, entre as 21h59min e as 22h24min, o Arguido e RC trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “oi fala aqui e mais seguro”
RC: “Nunca abaixo dos 15€”
JJ: “E não tenho mais nada?”
RC: “Ent o q queres mais”
JJ: “Eu trocava o meu lucro por aquilo

N queres ne?”
RC: “Depende de quantas bolotas me davas por cada vês”
JJ: “Achas mesmo que dava assim tantas?”
RC: “Quantas”
JJ: “Uma só por cada vez”
RC: “Esquece”
JJ: “Então? O que querias diz lá
Faz tu uma proposta”
RC: “5 por semana e ainda te dava o teu dinheiro”
JJ: “Mas e o que me davas?”
RC: “E deixava te fazer aquilo de duas em duas semanas”
JJ: “É melhor não… isso é bués tempo”
RC: “Ent faz lá uma proposta”
JJ: “Tipo eu nem sei se vale a pena… disseste que era pequeno”
RC: “Ent caga adeus”
JJ: “Foi o que disseste sei lá…”
RC: “Se vais começar com essas conversas adeus e infelizmente n temos acordo”
JJ: “Tu lá sabes boy”
RC: “Estás te a esquecer q eu n sou como tu é eu estar te a dizer de duas em duas semanas já tens sorte e já é um sacrifício para mim”
JJ: “Ok”
RC: “Adeus”
JJ: “Tu é que sabes
Ganhávamos todos”
RC: “Ent mas querias quantas vezes?”
JJ: “Por semana: 1x web 1x real 3 bol”
RC: “N to a entender?”
JJ: “3 bol por semana
Deixas uma vez por semana
E bts uma vez por semana
RC: “Nepia mano eu n sou gay para andar a Bayer ponhetas para uma câmera e depois nem sei o q fazes com o vídeo estás louco só pode e ainda por cima três bolotas ficas tu a ganhar claro só podia agora meteste piada

e) No mesmo dia, entre as 22h29min e as 22h24min, o Arguido e RC trocaram as seguintes mensagens:

JJ: “Mas a cena é diferente boy sou eu que forneço acho que tenho que ter alguns privilégios não?”
RC: “N pq tu n queres fornecer”
JJ: “Até quero boy mas tudo tem as suas contra partidas”
RC: “Eu n vou fazer nada do que pediste principalmente o da web”
JJ: “Okok
Já percebi isso
Se quiseres no fim de semana falamos de tudo pessoalmente e depois começamos na segunda
Que achas?”

22. Nas mensagens transcritas que o Arguido enviou ao menor RC, quando se refere a “cenas” e ao facto de ser ele a “fornecer”, aquele referia-se sempre a produto estupefaciente, designadamente haxixe (vulgo “bolotas”).

23. Nas mensagens transcritas que o Arguido enviou ao menor RC, quando se refere a trocar o lucro “por aquilo” e utiliza as expressões “1x web 1x real”, “Deixas uma vez por semana E bts uma vez por semana”, bem como quando refere “privilégios” e “contrapartidas”, referia-se sempre à prática de atos sexuais, designadamente, sexo oral e, igualmente, ao envio com periodicidade semanal de filmagens em que o menor se masturbava e filmava através de webcam, para posterior visualização pelo Arguido.

24. No dia 19 de fevereiro de 2017, o Arguido convidou pelo mesmo meio, através de mensagens escritas enviadas a partir do seu número de telemóvel acima referido, o menor RC a dirigir-se e a entrar na sua residência sita na Rua…, em Ferreira do Alentejo, o que apenas não se verificou porquanto o menor nunca se dirigiu a casa do Arguido.

25. No decurso do período temporal entre 12 e 26 de fevereiro de 2017, e sempre em concretização dos propósitos formulados e com os objetivos descritos, o Arguido entregou a RC pedaços de produto estupefaciente, designadamente, haxixe (vulgo “bolotas”) para consumo, o que fez, pelo menos, por cinco vezes, nas seguintes circunstâncias:

(i) No dia 12 de fevereiro de 2017, o Arguido colocou no pneu do veículo automóvel no qual se fazia transportar à data, da marca SEAT, modelo IBIZA, de cor branca e com um autocolante preto em forma de touro na parte de trás, o qual se encontrava estacionado na rua atrás do bar CONCRETOS, sito na Rua Mestre Aviz, em Ferreira do Alentejo, e no interior de uma caixa de pastilhas da marca TRIDENT, de mentol, um pedaço de produto estupefaciente, designadamente haxixe (vulgo “bolota”), tendo depois avisado o menor RC do local onde o havia colocado, após o que este se dirigiu ao local para o ir buscar.

(ii) Em data não concretamente apurada, mas no período temporal descrito, junto ao Centro de Saúde de Ferreira do Alentejo, sito na Rua Infante Dom Henrique, em Ferreira do Alentejo.

(iii) Em data não concretamente apurada, mas no período temporal descrito, junto ao Condomínio da Azinheira, sito à saída da localidade de Ferreira do Alentejo, na E.N. n.º 2 que liga esta localidade a Odivelas.

(iv) Em data não concretamente apurada, mas no período temporal descrito, junto ao edifício da Segurança Social sito na Avenida General Humberto Delgado, em Ferreira do Alentejo.

(v) Em data não concretamente apurada, mas no período temporal descrito, e durante a noite, junto ao jardim do “ferrinho de engomar”, o qual se situa entre a Avenida General Humberto Delgado e a Rua das Escolas em Ferreira do Alentejo e no interior do veículo automóvel descrito, o qual se encontrava estacionado junto do referido jardim, ocasião em que o Arguido disse ao menor RC, o qual ali se tinha deslocado em virtude de terem combinado que o Arguido lhe iria entregar produto estupefaciente, “deixas-me chupar-te e eu dou-te a droga, se não me deixares não levas nada”.

(vi) Nessa ocasião, RC simulou ter recebido um telefonema da mãe no telemóvel para se conseguir ausentar do local, acabando o arguido por lhe entregar o produto estupefaciente, designadamente haxixe (vulgo “bolota”), conforme tinham combinado, sem permitir que o arguido concretizasse o ato que pretendia.

26. O Arguido tinha perfeita noção da idade de RC, uma vez que já o conhecia previamente, circunstância de que se aproveitou.

27. O Arguido conhecia as idades dos menores JG e de RC e estava ciente de que ao atuar das formas descritas nas pessoas dos mesmos, perturbava e estava a prejudicar, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade, designadamente, na esfera sexual e que punha em causa o normal e são desenvolvimento psicológico, afetivo e da consciência sexual destes menores.

28. Com as mensagens escritas trocadas com o menor JG, agiu sempre o Arguido com a intenção de aliciar e convencer aquele para a realização de encontros visando a prática de atos sexuais, designadamente de coito oral e anal.

29. Ao agir da forma descrita, e em todas as ocasiões em que o fez, o Arguido atuou sempre com a intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, lesando a esfera íntima do menor JG e pretendendo dirigir ao mesmo propostas de teor sexual durante as conversas que com este manteve, através de mensagens escritas enviadas do seu número de telemóvel, indiferente à sua idade, da qual estava ciente, e às consequências da sua descrita atuação em relação ao mesmo, bem sabendo que o importunava, perturbava e causava susto e receio, o que quis e logrou concretizar.

30. Com a conduta descrita, o Arguido agiu com a intenção de levar JG a exibir os seus órgãos genitais, e a masturbar-se, através de fotografias e filmagens que partilharia com o Arguido.

31. Com a conduta descrita, atuou o Arguido com a intenção concretizada de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, pretendendo manter com o menor JG, o ato sexual supra descrito, a troco de contrapartidas monetárias, indiferente à sua idade, da qual estava ciente, e às consequências da descrita atuação em relação ao mesmo.

32. Com a conduta descrita, atuou o Arguido com a intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, pretendendo manter com o menor JG, atos sexuais de coito oral e anal, a troco de contrapartidas monetárias, indiferente à idade do ofendido, da qual que estava ciente, e às consequências da descrita atuação em relação ao mesmo, o que apenas não logrou concretizar por motivos alheios à sua vontade.

33. Com a conduta descrita, o Arguido agiu com a intenção de levar RC a exibir os seus órgãos genitais e a masturbar-se através de filmagens que partilharia com o Arguido.

34. Com as mensagens trocadas com o menor RC através da aplicação para telemóveis “Whatsapp”, o Arguido agiu com a intenção de aliciar e convencer aquele para a realização de encontros visando a prática de atos sexuais, designadamente de coito oral.

35. Ao agir da forma descrita e em todas as ocasiões em que o fez, o Arguido atuou sempre com a intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, lesando a esfera íntima do menor RC e pretendendo dirigir ao mesmo propostas de teor sexual durante as conversas que com este manteve, através de mensagens escritas trocadas através da aplicação para telemóveis “Whatsapp”, indiferente à sua idade, da qual estava ciente, e às consequências da sua descrita atuação em relação ao mesmo, bem sabendo que o importunava, perturbava e causava susto e receio, o que quis e logrou concretizar.

36. Com a conduta descrita, atuou o Arguido com a intenção de dar satisfação aos seus instintos lascivos e libidinosos, pretendendo manter com o menor RC, atos sexuais de coito oral, a troco de contrapartidas monetárias, bem como a troco da entrega de produto estupefaciente, designadamente haxixe, o que fez indiferente à idade do ofendido, da qual que estava ciente, e às consequências da sua descrita atuação em relação ao mesmo, o que apenas não logrou concretizar por motivos alheios à sua vontade.

37. O Arguido atuou, com as condutas descritas, livre e conscientemente, unicamente com o objetivo de satisfazer os seus instintos libidinosos, não ignorando a idade de RC, bem como que, com as suas atuações, limitava a liberdade e autodeterminação deste menor, circunstância com a qual se conformou.

38. O Arguido conhecia as características do produto estupefaciente – Haxixe – que entregou ao menor RC, em todas as ocasiões descritas, bem como das consequências nefastas que tal substância acarreta para a saúde dos seus consumidores.

39. Não obstante, o Arguido agiu com a intenção de ceder, em todas as ocasiões descritas, tal substância a RC, o que conseguiu, bem sabendo que o mesmo era menor de idade.

40. O Arguido agiu sempre de forma deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas e, ainda assim, não se coibiu de as adotar.

Pedidos de Indemnização Civil
41. As condutas do Arguido perturbaram psicológica e emocionalmente o menor RC e causaram-lhe sentimento de vergonha.

42. Devido a tais condutas, RC teve classificação negativa a quatro disciplinas, no segundo período do ano letivo 2017/2018.

43. Na época da prática dos factos, RC denotava um comportamento agressivo perante a família e na escola.

44. Após terem conhecimento dos factos praticados pelo Arguido e do consumo de estupefaciente pelo menor, a progenitora e a irmã de RC passaram a exercer um maior controlo e a vigiá-lo.

45. As condutas do Arguido perturbaram psicológica e emocionalmente o JG e causaram-lhe sentimento de vergonha.

46. Considerando o meio pequeno onde reside, JG teve receio que terceiros pudessem saber das condutas do Arguido de que foi alvo.

Mais se provou quanto às condições pessoais, económicas e respetiva inserção social do Arguido:

47. O Arguido encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Beja desde 17 de maio de 2017.

48. Do relatório social do Arguido resulta o seguinte:

I - CONDIÇÕES SOCIAIS E PESSOAIS
JJ encontra-se na situação de prisão preventiva, desde 17 de maio do ano transato, à ordem dos presentes autos, tendo-se integrado adequadamente no espaço prisional, apresentando ajustamento comportamental às regras que o regem.

À data da prisão, o arguido residia em Ferreira do Alentejo, localidade de onde é natural, conjuntamente com a progenitora, em casa da família, a qual reúne condições de habitabilidade e conforto.

Oriundo de um agregado organizado e de condição económica estável, efetuando seus progenitores a exploração de um café e de uma papelaria, JJ constitui-se o mais novo de uma fratria original três elementos, com diferença etária significativa ao irmão mais velho, falecido há dois anos, com cerca de 40 anos.

Com forte união à família, especialmente à progenitora após o falecimento do pai, ocorrido há cerca de 12 anos, foi até à data da sua prisão, o apoio diário daquela, ajudando-a na papelaria, após a sua jornada de trabalho, recolhendo os jornais sobrantes, dos postos de venda dispersos pela vila e efetuando a necessária operação informática sobre as sobras, face à distribuição. Ao nível dos afetos, JJ tem sido um filho muito próximo, revelando-se atento face às dificuldades emocionais da progenitora.

No meio de residência é tido por um jovem educado e trabalhador. Foi membro da Assembleia Municipal, demonstrando-se empenhado face às políticas desenvolvidas no concelho. A atual posição processual foi tema e motivo de censura social, a qual tem vindo a desvanecer-se.

Licenciou-se em Educação e Comunicação Multimédia, na Escola Superior de Educação, do Instituto Politécnico de Beja, há cerca de 5 anos.

Em termos laborais e após alguns períodos em que substituiu funcionários de uma bomba de combustíveis, durante o gozo dos respetivos períodos de férias e a passagem por curto período num lagar da região, JJ iniciou contrato de trabalho, no final de 2013 na firma C…, Lda, de comercialização e distribuição de combustíveis, proprietária de postos de combustíveis C.B., na categoria de Distribuidor e Cobrador de Gás.

JJ era considerado um trabalhador polivalente e exemplar, pela capacidade de entrega e perfeição relativa à execução das tarefas distribuídas, desde os trabalhos mais básicos e indiferenciados – limpeza e lavagem de equipamentos, como na área administrativa, de escritório e informática, desempenhos que lhe foram proporcionando subidas salariais diferenciadas face aos restantes funcionários. O arguido afirma-se gratificado pelo trabalho que realizava, sobretudo pela polivalência das tarefas que executava.

Tem sido a família, mãe e irmão, a assumir o cumprimento de alguns compromissos de ordem económica que JJ mantinha em meio livre, nomeadamente os decorrentes da aquisição de viatura automóvel e de ciclomotor.

Este é o segundo processo de natureza criminal que envolve o arguido. Com efeito, JJ foi condenado, por sentença transitada em julgado em 02 de fevereiro do ano transato, no âmbito do proc. --/14.6TAFAL, na pena de 40 meses de prisão, suspensa na sua execução, por prática de dois crimes de pornografia de menores.

O novo envolvimento criminal e similitude de alguns comportamentos de que se encontra acusado, como dos autos acima referidos, contribuíram para a procura de ajuda especializada face às dificuldades sentidas pelo arguido em torno da sua orientação sexual e assunção desta, situação que o tem mantido em desconforto emocional. Assim, e a suas expensas, vem sendo acompanhado semanalmente em consultas de Psicologia.

II - CONCLUSÃO
A socialização de JJ decorreu em contexto familiar normativo e estruturado, com referências pró-sociais.

No meio social onde cresceu o arguido encontra-se bem integrado, tendo-se empenhando ativamente na vivência societária.

Em termos familiares beneficia de uma estrutura de sólido apoio afetivo.

Possuidor de condições académicas superiores manteve uma situação laboral estável, gratificante e onde se lhe reconhecem capacidades de polivalência e empenho invulgares.

Releva-se como fator de proteção o envolvimento do arguido em processo terapêutico, preditor da vontade na adequação comportamental.

49. Por sentença proferida no âmbito do Processo n.º --/14.6TAFAL, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de Ferreira do Alentejo, do Tribunal da Comarca de Beja, proferida em 21/12/2016 e transitada em julgado em 2/02/2017, foi o Arguido condenado na pena de quarenta (40) meses de prisão, suspensa na sua execução condicionada a regime de prova, pela prática de um crime de pornografia de menores, em 14/03/2014.

50. O Arguido tem acompanhamento psicoterapêutico desde setembro de 2017.

51. O Arguido é socialmente reputado como de bom trato, educado e trabalhador.

Factos não provados
Da discussão da causa resultaram não provados os seguintes factos:

A. O Arguido enviou a JG as mensagens descritas em 10 dos factos no ano de 2017.

B. O Arguido estimulou e incentivou o consumo de haxixe por RC.

C. RC conduziu, em março de 2017, o veículo da progenitora, sem que estivesse habilitado para o efeito, motivado por perturbação provocada pela conduta do Arguido.

Motivação da Decisão de Facto
A decisão respeitante à factualidade considerada por provada radicou na análise crítica e ponderada da prova produzida em julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador.

Por sua vez, no que toca à factualidade considerada por não provada, a decisão estriba-se na circunstância de os elementos probatórios produzidos a esse respeito não terem logrado atingir um valor persuasivo e razoável que permitisse sustentar a convicção do Tribunal quanto à certeza da sua verificação, além da dúvida razoável.

Em concreto, os factos consignados por provados resultaram da prova pericial e documental produzida nos autos e da conjugação desses elementos com as declarações para memória futura prestadas por RC, com as declarações prestadas pelo Arguido e com os depoimentos das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa.

No tocante à prova pericial, o Tribunal tomou em consideração o relatório de Perícia Forense n.º 121/2017 realizada ao telemóvel do Arguido para apuramento de registo de contactos, chamadas, mensagens (lidas e não lidas), dados de imagem, áudio, vídeo e outros dados como comunicações registadas nas redes socias na internet (cfr. Apenso e respetivo Anexo I).

Do Anexo constam as conversações, e respetivo teor, mantidas pelo Arguido com JG, por mensagem de texto, e com RC, mediante mensagem na rede social whatsapp.

A prova pericial identificada e produzida nos autos encontra-se subtraída à livre convicção do julgador, sendo certo que não emerge qualquer fundamento que permita ao Tribunal radicar divergência quanto ao teor do relatório pericial apresentado (artigo 163.º, do C.P.P.).

A respeito da prova documental, o Tribunal tomou em consideração a comunicação de notícia de crime a fls. 42 a 44, prints de mensagens escritas a fls. 45 a 62, auto de diligência a fls. 97 e reportagem fotográfica associada a fls. 98 e 99, auto de diligência a fls. 129 e papel manuscrito pela mãe do Arguido a fls. 130 com o número de telemóvel deste, autos de busca e de apreensão a fls. 142, 143 e 147 a 148, informação a fls. 153 a 154, print a fls. 284 do perfil de JG na rede social facebook, cota a fls. 285 e print a fls. 286, certidões de assentos de nascimento de JG, de RC e do Arguido a fls. 469 a 474.
*
Como se disse, todos os referidos elementos foram devidamente conjugados com as declarações prestadas pelo Arguido e com as declarações para memória futura prestadas por RC que se encontram transcritas a fls. 440 a 462[1].

O Arguido admitiu a prática de sexo oral com JG, mediante pagamento da quantia de € 120,00, bem como todo o teor das conversações que teve com aquele e com o menor RC através de mensagens de texto de telemóvel e mensagens nas redes sociais instagram e whatsapp.

Assumiu, igualmente, as intenções libidinosas subjacentes a tais conversações, que são sobejamente percetíveis e apreensíveis do teor das mesmas que se encontra transcrito no anexo ao relatório pericial.

Em juízo, e no que respeita ao menor RC, uma vez que com JG chegou a manter ato sexual, o Arguido referiu que estava convencido de que o primeiro visado não iria aceitar as propostas de cariz sexual que lhe dirigiu, sendo que o que estimulava sexualmente era tão só o teor dessas conversações.

Não obstante a admissão das condutas de cariz libidinoso e sexual, o Arguido refutou integralmente a factualidade referente à detenção e cedência de bolotas de haxixe ao menor RC como contrapartida às propostas realizadas.

Diretamente instado sobre a fotografia enviada por mensagem para o telemóvel de RC a fls. 76 do Anexo I ao Relatório Pericial Forense, o Arguido declarou ter descarregado a mesma da internet, negando perentoriamente qualquer contacto com produto estupefaciente, bem como que detivesse haxixe e que o tenha cedido ao menor RC.

No tocante aos encontros descritos no libelo acusatório em que ocorreram as entregas de estupefaciente, o Arguido confirmou ter-se encontrado com o menor naqueles locais.

Atenta a prova pericial produzida nos autos e o reconhecimento pelo Arguido da prática das condutas descritas nos pontos 1 a 11, referentes a JG, bem como as propostas de cariz sexual em troca de cedência de haxixe dirigidas a RC, por mensagens, o Tribunal centrou-se no apuramento da matéria negada pelo Arguido concernente à detenção e cedência de haxixe.

Como resulta da análise da transcrição das declarações de RC, este descreveu de forma pormenorizada as circunstâncias de tempo e lugar em que se encontrou com o Arguido e em que este lhe cedeu bolotas de haxixe, bem como a situação descrita na acusação em que aquele lhe deixou oculto no pneu do seu veículo automóvel um pedaço do mesmo produto.

Da análise das declarações prestadas por RC é patente a espontaneidade da descrição que tece, exponenciada pelo facto de não se cingir a responder afirmativa ou negativamente às perguntas que lhe foram dirigidas.

RC descreve todo o encadeamento e sucessão de acontecimentos, desde que contactou com o Arguido, pela primeira vez, na rua para lhe pedir lume, referindo que o conhecia pelo facto de ser irmão de seu anterior treinador no Clube F e se encontrar acompanhado de um conhecido seu. Posteriormente a esse primeiro contacto, foi o Arguido que o convidou na rede social instagram e encetou conversa com o menor a respeito de venda e consumo de haxixe.

Nessa sequência, iniciou-se o aliciamento do menor RC para enviar vídeos a masturbar-se e/ou despido, tendo igualmente o Arguido proposto encontros para práticas sexuais, sempre em troco de cedência de bolotas de haxixe.

O menor RC recusou as propostas do Arguido, apesar da insistência, da reiteração e do convite para entrar em sua casa.

No tocante às situações em que ocorreu entrega de estupefaciente, RC descreveu-as de modo crível e verosímil, circunstanciando-as no tempo e nos espaço, por referência às mensagens trocadas com o Arguido com as quais foi confrontado, nessa diligência, tendo referido todos os episódios que constam da acusação (cfr. fls. 456v e 457, 451v e 452, 461v e 462).

A espontaneidade e genuinidade das suas declarações emergem do facto de ter admitido que ter-se-á encontrado com o Arguido, noutras situações, e que nem sempre aquele lhe cedia estupefaciente.

Aqui chegados, perante as descrições contraditórias apresentadas pelo Arguido e por RC, impunha-se ao Tribunal aquilatar qual das versões encontrou arrimo e eco no restante acervo probatório, evidenciando, por essa via, e por recurso a regras de experiência comum, maior credibilidade.

Estamos em crer que deverá prevalecer a versão do menor RC.

Por um lado, não se compreende que no hipotético cenário de o Arguido não deter droga, segundo atestou, porque é que não optou por aliciar o menor com pagamento de quantias monetárias para aquele adquirir droga, em vez de referir expressamente que detinha estupefaciente em todas as conversas mantidas com o menor.

Acresce a isto que o Arguido chegou a convidar o RC para o acompanhar para aquisição de estupefaciente em Beja (cfr. ponto 20 alínea a) dos factos provados).

O teor das mensagens trocadas com o menor e o discurso do Arguido, nessa sede, não são compatíveis, nem compagináveis com a versão que apresentou em juízo de que apenas iria adquirir droga caso o menor aceitasse as suas propostas de natureza sexual.

Da leitura atenta das conversações escritas descritas no libelo acusatório resulta claro que o Arguido enviou uma fotografia de uma bolota, após perguntar ao menor se pretende ficar com “aquela metade” de bolota, o que à luz de um declaratário normal deve ser interpretada como uma referência a um resto de estupefaciente que havia sido previamente cedido ao menor (cfr. ponto 21 alíneas b) e c) dos factos provados).

Considerando as declarações de RC, o teor das conversações mantidas e conjugando tais elementos com as regras da lógica e da experiência comum, o Tribunal deu prevalência à versão da vítima, cuja verosimilhança foi patente nos termos acima expendidos.

No que concerne à factualidade referente à intenção e representação inerentes às condutas do Arguido, ou seja, vetores intelectuais da sua conduta, ao conhecimento da idade das vítimas, o Tribunal ponderou a matéria consignada por provada e conjugou-a com critérios de razoabilidade e com regras de experiência comum, daí extraindo, sem margem para dúvida, a intenção que presidiu à sua realização e exteriorização, bem assim a representação dos resultados da mesma por parte do Arguido.

No que tange à factualidade referente aos pedidos de indemnização civil deduzidos nos autos, o Tribunal teve em consideração as declarações da Demandante SM, progenitora de RC, e os depoimentos das testemunhas AL, irmã daquele menor, e de IL, progenitora de JG, que reportaram ao Tribunal, de modo espontâneo, crível e sincero, as repercussões emocionais que as condutas do Arguido tiveram nas duas vítimas, concretizando alterações de comportamento de ambos.

No caso do menor RC, a progenitora e irmã deram nota da sua agressividade, quer no seio da família, quer na escola, uma atitude de isolamento, a baixa do seu rendimento escola – atestada pelos certificados de avaliação do estabelecimento escolar frequentado pelo menor juntos na audiência de julgamento – bem como o incómodo e desconforto atuais do menor sempre que se suscitam conversas sobre sexualidade e orientação sexual.

No tocante a JG, a progenitora descreveu igualmente uma alteração de comportamento, na sequência das condutas do Arguido, de vergonha e de manifesto receio de que terceiros pudessem conhecer a situação.

Acresce a isto que, atendendo ao cariz sexual das condutas do Arguido, aos atos de aliciamento dirigidos às duas vítimas e às suas idades, é adequado afirmar e concluir, à luz das regras da experiência, que tais atos tiveram consequências psicológicas consideráveis, causando-lhes vergonha, desconforto e atentando contra a sua intimidade.

Para efeitos da consignação dos factos relativos à situação económica e pessoal do Arguido, bem como as características de personalidade, o Tribunal teve em conta o teor do relatório social elaborado pela DRGSP (cfr. fls. 617 a 619) e do certificado de registo criminal (cfr. fls. 601 e 602) e os depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa, a saber, FB, psicólogo que acompanha o Arguido desde setembro de 2017, ML, progenitora do Arguido, CG, patrão do Arguido, JLC, MLF e GA, conhecidos e amigos do Arguido.

A testemunha NP, inspetor da Polícia Judiciária, apenas depôs sobre a fotografia enviada pelo Arguido a RC, nada acrescentando sobre os factos.
No tocante à factualidade consignada por não provada, considera o Tribunal que não foi carreada aos autos prova suscetível de sustentar a sua convicção quanto à verificação dos mesmos.

Vejamos.

Resulta da acusação um lapso manifesto de escrita, referindo-se que o Arguido enviou as mensagens escritas a JG em junho de 2017, sendo que dos restantes factos imputados ao Arguido e de todo o acervo probatória decorre que tais conversações foram mantidas no ano de 2016, sendo que o Arguido se encontra preso preventivamente desde 17 de maio de 2017 à ordem dos presentes autos (cfr. ponto A).

A prova produzida é insuficiente para sustentar que o menor RC tenha iniciado os consumos de estupefaciente por intermédio do Arguido, ou qual o grau de consumo do mesmo à data dos factos, razão pela qual não seja possível afirmar com certeza que o Arguido tenha fomentado esse consumo (cfr. ponto B).

De igual modo, o episódio do acidente em que o menor foi interveniente por conduzir veículo da progenitora sem habilitação para o efeito não é possível atribuir exclusivamente às condutas de que foi alvo por parte do Arguido (cfr. ponto C).
(…).”.

E, no conspecto do enquadramento jurídico-penal dos factos colocado em crise pelo recorrente, o acórdão recorrido mostra-se fundamentado nos termos seguintes:

“(…)
d) Do Crime de Tráfico de Estupefacientes
Estatui o artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, que estabelece o regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, que “quem sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I e III é punido (…)”.

Droga é toda a substância estupefaciente e psicotrópica, sendo que a canábis integra a tabela I-C de mesmo anexo.

Esta disposição define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pelo qual se punem diversas atividades e condutas ilícitas, sendo que cada uma delas com virtualidade bastante para integrar o elemento objetivo do tipo de crime.

Significa isto que estamos perante um crime, por um lado, de perigo comum abstrato ou de perigo comum, em que a lei se basta com a aptidão genérica das condutas descritas para lesarem os bens jurídicos protegidos, in casu, a saúde pública.

Por outro lado, trata-se de um crime exaurido ou de empreendimento, na medida em que é punível qualquer conduta que implique um simples contacto com a substância estupefaciente, verificando-se um quadro progressivo entre as condutas previstas, bastando a prova da prática de uma delas para se considerar o crime por consumado (cfr. Pedro Patto, “Comentário às Leis Penais Extravagantes”, Vol. I, Universidade Católica, 2010, pág. 487).

A referência axiológica-normativa é plurifacetada reconduzindo-se, mais latamente, à salvaguarda da saúde pública, mas também à manutenção das estruturas organizadas dos Estados.

Muito embora as soluções jurídico-incriminadoras, na área do combate à droga e sua disseminação, sejam questionáveis por prescindirem da verificação do dano e por optar pela punição de simples ações formais (como a simples detenção de droga, por ex.), a verdade é que através deste ilícito de perigo comum pretende-se prevenir danos e lesões efetivas de bens que constituem o sustentáculo da sociedade.

Se é verdade que “cada qual é o único guardião da sua saúde moral, física e intelectual, como sublinhou Stuart Mill, nada permite que se interfira na esfera da liberdade de outra pessoa, oferecendo-lhe substâncias que provocam dor e sofrimento” (cfr. Rui Pereira, “Descriminação do Consumo de Droga”, Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 1165).

Para além do tipo de tráfico comum, o legislador consagrou o tipo de tráfico agravado, no artigo 24.º do mesmo diploma legal, em função da verificação de circunstâncias taxativamente enunciadas.

In casu, o Arguido vem acusado da prática de um crime de tráfico de droga agravado pela alínea a), do artigo 24.º, que prevê a punição mais gravosa nos casos de as substâncias ou preparações serem entregues ou destinarem-se a menores ou diminuídos psíquicos.

Por sua vez, o artigo 25.º n.º 1, do referido diploma legal, consagra o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, que radica num juízo de diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração, em conjunto, dos diversos fatores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo, como os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados.

Prescreve aquela disposição o seguinte: “se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.”

No que respeita ao elemento subjetivo, qualquer um dos tipos de ilícito previstos no Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, acima elencados, exigem o dolo em qualquer das suas modalidades, que consiste na representação ou conhecimento pelo agente de que a prática daqueles atos respeita diretamente a substâncias ou produtos enumerados, nas tabelas anexas ao mesmo decreto-lei e na vontade de o realizar (artigos 13.º e 14.º, do Código Penal).

A doutrina e jurisprudência dos Tribunais superiores têm formulado alguns critérios de diferenciação entre o tipo de tráfico comum previsto no artigo 21.º e o de menor gravidade previsto no artigo 25.º, por forma a ultrapassar alguns óbices suscitados por putativas “zonas cinzentas” em que se situam alguns casos de dúvida sobre a real dimensão do tráfico.

Com efeito, para se considerar preenchido o tipo de tráfico de menor gravidade deverão estar verificadas, cumulativamente, as seguintes circunstâncias: (i) exercício da atividade pelo agente por contacto direto do agente com quem consome, isto é, sem recurso a intermediários; (ii) as quantidades fornecidas individualmente a cada consumidor deverão ser adequadas ao consumo individual dos mesmos e as quantidades detidas pelo agente, num determinado momento, deverão ser compatíveis com a pequena venda, num período de tempo razoavelmente curto; (iii) o período de duração da atividade não pode ser suficiente para que o agente seja considerado como “abastecedor”, a quem os consumidores recorrem sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo em que o arguido utilize os proventos obtidos, essencialmente, para consumo próprio; (iv) as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticados; (v) os meios de transporte empregues na atividade são os que o agente usa na sua vida diária; (vi) os proventos obtidos são os necessários para sua subsistência e do seu agregado familiar; (vii) a atividade deverá ser exercida em área geográfica restrita; (viii) não pode ocorrer qualquer circunstância prevista como agravante pelo artigo 24.º.

Neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30/04/2008, Processo n.º 07P4723 (Relator Juiz Conselheiro Raul Borges), de 23/11/2011, Processo n.º 127/09.3PEFUN.S1 (Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho), de 2/10/2014, Processo n.º 45/12.8SWSLB.S1 (Relator Juíza Conselheira Helena Moniz), e de 2/12/2013, Processo n.º 116/11.8JACBR.S1 (Relator Juiz Conselheiro Rodrigues da Costa), todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

No caso concreto, subsumindo os factos consignados por provados às considerações jurídicas acima expendidas, temos que a conduta do Arguido é reconduzível aos elementos do tipo objetivo e subjetivo do tipo de tráfico previsto no artigo 21.º.

Na verdade, resultou provado que o Arguido cedeu, pelo menos, em cinco circunstâncias distintas, bolotas de haxixe a RC, menor de idade.

Todo o circunstancialismo em que se desenvolveram tais condutas revela o nível de ilicitude acentuado requerido pelo artigo 21.º, afastando a diminuta ilicitude exigida pelo tipo de tráfico de menor gravidade.

No que tange à subsunção da conduta do Arguido na alínea a) do artigo 24.º, importa referir que apenas se demonstrou a cedência de estupefaciente a um menor durante um lapso temporal circunscrito e como contrapartida para aliciamento do menor para a prática de atos de cariz sexual e envio de fotografias e vídeos despido ou a masturbar-se.

Na verdade, essa cedência de estupefaciente como mecanismo de aliciamento do menor já foi previamente valorado para efeitos de imputação ao Arguido dos crimes de recurso à prostituição agravado, na forma tentada (artigos 174.º e 177.º n.º 6 do Código Penal) e pornografia de menores agravado (artigos 176.º n.º 1, alínea b), e 177.º n.º 6 do Código Penal).

Do enquadramento geral da conduta do Arguido não se afere a perigosidade excecional que este tipo de crime agravado pretende compreender e punir, sendo certo que a valoração, nesta sede, dessa conduta com a sua subsunção nesta circunstância agravativa, importaria, na ótica do Tribunal, incorrer numa dupla valoração em prejuízo do Arguido.

Todavia, se a conduta de cedência a menor não assume excecional gravidade exigida pelo tipo agravado de tráfico, a verdade é que a sua acentuada ilicitude não permite subsumi-la no tipo de menor gravidade previsto no artigo 25.º, que exige uma diminuta ilicitude que no caso não se verifica.

Neste conspecto, consideramos que a punição do Arguido se atém tão só na prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º.

Em conclusão, integrando os respetivos elementos objetivo e subjetivo, e não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, cometeu o Arguido um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.
(…)”.
No que respeita ao quantum das penas de prisão parcelares e única impostas ao recorrente, o acórdão recorrido encontra-se assim fundamentado:
“(…)
3.2. Da Pena Abstrata
Pela prática dos crimes acima descritos, incorre o Arguido nas seguintes penas:

(i)Crime de recurso a prostituição de menores é punido com pena entre um mês a três anos de prisão (artigo 174.º n.º 2, do Código Penal);

(ii)Crime de recurso a prostituição de menores, na forma tentada, é punido com pena prevista para o crime consumado, mas especialmente atenuada, ou seja, de um mês a dois anos (artigos 23.º n.º 2 e 73.º n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal);

(iii)Crime de recurso a prostituição de menores agravado, na forma tentada, é punido com pena prevista para o crime consumado, mas especialmente atenuada, ou seja, de um mês a dois anos e oito meses (artigos 174.º n.º 2, 177.º n.º 6 e 23.º n.º 2 e 73.º n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal);

(iv)Crime de pornografia de menores é punido com pena de um a cinco anos de prisão (artigo 176.º n.º 1, do Código Penal);

(v)Crime de pornografia de menores agravado é punido com pena um ano e quatro meses a seis anos e oito meses de prisão (artigo 176.º n.º 1 e 177.º n.º 6, do Código Penal);

(vi)Crime de tráfico de estupefacientes é punido com pena de 4 a 12 anos de prisão (artigo 21.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01).

3.3. Da Determinação da Medida da Pena
Uma vez que os crimes cometidos pelo Arguido são punidos apenas com penas privativas da liberdade, há que determinar as penas parcelares, tendo em consideração que essa operação é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º n.º 1, do Código Penal), ou seja, para a determinação concreta da medida da pena, a efetuar dentro dos limites legais, a culpa do agente e as finalidades de prevenção constituem o binómio fundamental.

O julgador deve atender, assim, às finalidades de prevenção geral (sobretudo positiva), no sentido da defesa dos bens jurídicos e do ordenamento jurídico, assegurando a estabilização das expectativas da comunidade, na vigência das normas jurídicas violadas.

Por outro lado, deve ponderar a finalidade de prevenção especial, uma vez que a pena aplicada ao Arguido deverá, igualmente, visar a reintegração ou ressocialização daquele, possibilitando a que no futuro aquele adote condutas conformes com os valores e bens tutelados pelo direito.

A culpa, ou juízo de censura que recai sobre o Arguido, constitui, por sua vez, o pressuposto-fundamento da validade da pena e tem, ainda, por função estabelecer o limite máximo da pena concreta a aplicar, como resulta do artigo 40.º n.º 2, do Código Penal.

Como tal, a culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub-molduras da prevenção.

Estabelece, ainda, o artigo 71.º n.º 2, do Código Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, sendo certo que não poderá valorar duplamente circunstâncias que o legislador já sopesou ao estabelecer a moldura penal aplicável ao crime em cotejo.

Desçamos, então, o caso concreto.

As necessidades de prevenção geral afiguram-se acentuadas, atentos os bens jurídicos violados pela prática dos crimes de natureza sexual, intimamente relacionado com a liberdade de autodeterminação ínsito ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana.

O aparelho judiciário desempenha um papel fundamental na dissuasão da prática deste tipo de crime que tem repercussões gravíssimas nas vítimas e no futuro desenvolvimento de crianças e adolescentes na sua esfera íntima.
No que tange ao do crime de tráfico de estupefacientes, os bens jurídicos tutelados pela norma consistem na saúde pública e na proteção da comunidade face ao flagelo social que constitui o consumo e tráfico destas substâncias, bem como a saúde física e psíquica do indivíduo que se entrega a este tipo de práticas e consumo.

A prática reiterada deste crime agudiza o flagelo da toxicodependência e contribui para o incremento do mercado destas substâncias, pelo que um dos papéis do Estado para fazer face a este problema social consiste em evitar e dissuadir a comercialização e disseminação destes produtos nocivos para a vida de qualquer indivíduo, cujas repercussões sociais são, como se disse, incomensuráveis.

O grau de ilicitude das condutas praticadas pelo Arguido e referentes aos crimes de natureza sexual é acentuado, atendendo à reiteração dos mesmos, ao discurso aliciador empregue pelo Arguido nos contactos mantidos com os dois visados para satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos.

Da análise das mensagens trocadas pelo Arguido com os menores é impressiva a linguagem pornográfica empregue, bem assim a sua persistência face à recusa das vítimas.

No tocante ao crime de tráfico, a ilicitude situa-se num grau inferior, considerando o tipo de estupefaciente cedido e o número de vezes que essa cedência ocorreu.

A culpa do Arguido é intensa, já que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo direto.

No que tange às necessidades de prevenção especial, importa reter que o Arguido já conta com uma condenação pela prática de crime de natureza sexual (pornografia de menor), tendo sido condenando em pena de prisão suspensa na sua execução.

Se aquando da prática dos factos cometidos na pessoa de JG o Arguido ainda era primário, o Tribunal não pode olvidar que as condutas referentes ao menor RC ocorreram poucos dias após o trânsito em julgado da referida condenação, o que denota uma personalidade indiferente à ameaça de cumprimento de pena de prisão que lhe foi dirigida nessa sede e, ainda, de modo expressivo e assinalável as necessidades de prevenção especial que o seu caso demanda, uma vez que reitera de forma impressiva a prática destas condutas de natureza sexual, manifestando uma profunda dificuldade de controlo dos seus impulsos sexuais.

No que concerne à conduta do Arguido posterior à prática dos factos, este reconheceu a prática dos factos referentes aos ilícitos de natureza sexual, negando a matéria referente ao tráfico de estupefaciente.

Apesar de ter referido estar arrependido, a sua postura não transpareceu o juízo crítico e de autocensura necessárias.

Milita a seu favor o facto de se encontrar profissional e familiarmente inserido, estar a ser acompanhado por psicólogo e ser reputado na comunidade em que se insere como uma pessoa responsável, trabalhadora e de bom trato.

Nestes termos, tudo ponderado, mostra-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas:

(i) Pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores na forma consumada na pessoa de JG a pena de um (1) ano de prisão;

(ii) Pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores, na forma tentada, na pessoa de JG a pena de seis (6) meses de prisão;

(iii) Pela prática de um crime de recurso a prostituição de menores agravado, na forma tentada, na pessoa de RC a pena de um (1) ano de prisão;

(iv) Pela prática de um crime de pornografia de menores na pessoa de JG a pena de dois (2) anos de prisão;

(v) Pela prática de um crime de pornografia de menores agravado na pessoa de RC a pena de quatro (4) anos e 6 (seis) meses de prisão;

(vi) Pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes a pena de quatro (4) anos e três (3) meses de prisão.

IV. Cúmulo Jurídico
Considerando que os crimes pelos quais o Arguido vai condenado se encontram em relação de concurso efetivo, ao abrigo do n.º 1 do artigo 30.º, do Código Penal, cumpre efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares acima determinadas, nesta sede, preenchidos que se encontram os pressupostos do n.º 1 do artigo 77.º, do Código Penal.

De harmonia com o disposto no artigo 77.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal, a pena mínima a aplicar ao Arguido é a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas, isto é, a pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão, sendo que o limite máximo deverá corresponder à soma de todas as penas parcelares, no caso, treze (13) anos e três (3) meses.

Atendendo ao circunstancialismo atrás referido referente, em particular, às exigências de prevenção geral que o caso demanda, à ilicitude dos factos e à personalidade do Arguido nos termos supra expendidos, afigura-se ajustado fixar a pena única de nove (9) anos de prisão.

(…).”.
Finalmente, no tocante à acção cível enxertada, no acórdão recorrido pode ler-se:
“(…)
V. Pedidos de Indemnização Civil
Segundo o artigo 16.º, da Lei n.º 130/2015, de 04 de Setembro, que estabelece o Estatuto da Vítima, “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”.

Para esse efeito, dispõe o n.º 2, daquele artigo, que há lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º- A, do Código de Processo Penal, aos casos de vítimas especialmente vulneráveis, exceto no caso em que a vítima a tal expressamente se opuser.

Deve entender-se por “vítima especialmente vulnerável”, aquela especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social (artigos 67.º-A n.º 1, alínea b), do C.P.P.).

As vítimas de criminalidade violenta ou especialmente violenta, onde se integram os crimes pelos quais o Arguido vai condenado, deverão ser sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do n.º 3, do artigo 67.º-A do C.P.P., por referências às alíneas j) e l) do artigo 1.º do mesmo diploma legal.

Segundo o artigo 82.º-A, do C.P.P., sob a epígrafe “reparação da vítima em casos especiais”, o Tribunal está habilitado a arbitrar, oficiosamente, uma indemnização à vítima de um crime, que não tenha deduzido pedido de indemnização civil.

Nos presentes autos, as duas vítimas das condutas do Arguido deduziram pedidos de indemnização civil, pelo que fica prejudicado arbitramento de indemnização oficiosamente à luz das normas acima indicadas.

JG peticionou a condenação do Arguido no pagamento da quantia de € 5 000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Por sua vez, SM, na qualidade de representante legal de RC, peticionou a condenação do Arguido no pagamento de indemnização no valor de € 15 000,00.

Dispõe o artigo 129.º, do Código Penal, que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

O regime da responsabilidade civil aquiliana, decorrente do artigo 483.º do Código Civil (“C.C.”) consagra que aquele que lesar ou provocar danos a outrem deve indemnizar o lesado.

De acordo com aquele preceito legal, tal dever de indemnizar o lesado fica dependente da verificação dos seguintes pressupostos: a) a prática pelo agente de uma ação ou omissão; b) considerada ilícita ou anti-jurídica, podendo esta ilicitude revestir a modalidade de violação de direito subjetivo ou de violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) culpa do lesante em sentido amplo, analisada da perspetiva do homem-médio (art. 487.º, do C.C.), o que significa que a sua conduta deve merecer a reprovação ou censura do direito, podendo revestir a forma de dolo ou negligência; d) a verificação de dano ou prejuízo; e e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Da matéria de facto provada e da apreciação que dela foi feita no tocante à responsabilidade criminal do Arguido, resultam provados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual – facto ilícito, culposo, verificando-se ainda a existência de nexo causal entre a prática dos factos e os danos que se consubstanciam no aviltante atentado contra a dignidade da vítima decorrente dos abusos sexuais de que foi alvo.

Com efeito, desde logo é evidente o carácter ilícito do comportamento do Arguido, dado que praticou três crimes de natureza sexual na pessoa de JG e dois crimes na pessoa de RC, atingindo a integridade física, a liberdade e autodeterminação sexual dos mesmos, atentando contra a sua dignidade enquanto pessoas.

Resulta ainda do artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que devido à sua gravidade, mereçam tutela do direito”.

O montante devido por danos não patrimoniais não corresponde propriamente a uma “indemnização”, na medida em que não se pretende uma reintegração do mal sofrido no património do lesado, mas sim a atribuição de um determinado montante pecuniário que permita ao lesado alcançar uma compensação para a dor física e/ou psíquica que sofreu com a conduta ilícita, sendo mais preciso referirmo-nos a compensação.

A lei admite a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-se aos danos que pela sua gravidade, mereçam essa tutela, cabendo ao Tribunal, caso a caso, aquilatar se um dano não patrimonial concreto é ou não merecedor de tutela.

O montante indemnizatório será fixado equitativamente, ao abrigo do n.º 3 do artigo 496.º, do Código Civil, devendo o julgador fazer uso de critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo sempre em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º do Código Civil, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Deverão, igualmente, ser considerados os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência.

Nestes termos, levando em conta as necessidades de proteção das vítimas decorrentes da prática de crimes de natureza sexual, os danos graves psicológicos que decorrem da prática deste tipo de crimes, as repercussões na formação das suas personalidade e na vivência das respetivas sexualidades, associado às idades de cada uma das vítimas e as apuradas condições económicas do Arguido, decide-se adequado fixar em € 5 000,00 (cinco mil euros) a indemnização a pagar pelo último a JG e em € 10 000,00 (dez mil euros) a indemnização a pagar a RC.
(…)”.

IV

Apreciando a editada questão prévia, [(i)], vejamos.

A vítima e demandante civil JG enxertou pedido de indemnização peticionando do arguido/demando, ora recorrente, o pagamento da quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.

O Tribunal a quo condenou o arguido/demandado, além do mais, no pagamento àquele demandante da quantia peticionada, isto é, da quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros).

O arguido na sua peça recursiva insurgiu-se (apenas) relativamente ao quantum arbitrado a título de indemnização, reclamando que o mesmo seja fixado em € 2 000,00 (dois mil euros).

Disciplina o artigo 400º, nº 2, do Código de Processo Penal que, “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.”.

Nos termos prevenidos no artigo 44º, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 16.08 [artigo que mantém o mesmo teor até à presente data na redacção em vigor dada pela Lei nº 23/2018, de 05.06], em matéria cível a alçada dos tribunais de primeira instância é de € 5 000,00 (cinco mil euros).

Vale o exposto por afirmar que, na medida em que o valor do pedido de indemnização civil em apreço é igual ao da alçada do Tribunal recorrido, o acórdão em crise neste conspecto é irrecorrível.

Porque assim, o acórdão recorrido na parte relativa ao arbitramento de indemnização e seu quantum ao demandante civil JG, ao abrigo das disposições legais citadas é irrecorrível, sem prejuízo, naturalmente, da parte cível do acórdão sob recurso poder ser passível de alteração nos termos mitigados previstos no artigo 403º, nº 3, do Código de Processo Penal, ou seja, se tal decorrer necessariamente da decisão que vier a ser proferida por este Tribunal ad quem em matéria penal.

Em consequência, neste conspecto, não se aprecia a pretensão recursiva do arguido por irrecorribilidade.

Precedendo a apreciação das de mais questões trazidas ao conhecimento deste Tribunal ad quem pelo recorrente, que se mostram delimitadas pelas conclusões extraídas pelo mesmo da correspondente motivação recursiva, tal não prejudica que este Tribunal proceda à apreciação oficiosa dos vícios da decisão sobre matéria de facto, de harmonia com o estatuído no artigo 410º, nº 2, do Código Processo Penal, desde que resultem do texto da decisão recorrida ou das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do preceituado no nº 3, do citado artigo.

Ora, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no mencionado preceito. A matéria de facto dada como provada é bastante para a decisão de direito, inexistem contradições insuperáveis de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, não se afigurando, por outro lado, que haja situações contrárias à lógica ou à experiência comum, constitutivas de erro patente detectável por qualquer leitor da decisão, com formulação cultural média. Também não padece o acórdão recorrido ou o processo de qualquer nulidade que não deva considerar-se sanada.

Assim, a factualidade dada como provada na decisão recorrida mostra-se definitivamente sedimentada.

Posto isto, importa apreciar a segunda editada questão, [(ii)], do alegado erro de julgamento em matéria de direito em que o Tribunal a quo terá incorrido por não ter subsumido o acervo fáctico dado como provado na decisão recorrida ao cometimento pelo arguido, além do mais, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 e, outrossim, o ter considerado incurso num crime de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do mencionado diploma legal.

O tipo mencionado no artigo 25º - tráfico de menor gravidade - dispõe que “Se nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI”, anexas ao aludido Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 - cfr. alínea a) do mencionado artigo 25º.

O tipo do artigo 25º é um tipo privilegiado em relação ao tipo fundamental, uma vez que tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.

Vale o exposto por se afirmar que a distinção entre as previsões normativas contidas nos artigos 21º e 25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, é feita em exclusivo [sublinhado nosso] com base na ilicitude do facto, que é aferida em face a todas as circunstâncias do caso, com vista à obtenção de um resultado final, que consiste em saber se, objectivamente, a ilicitude da acção é de relevo menor que a tipificada no tipo fundamental. Ou, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2008, proferido no processo nº 07P4723, disponível em www.dgsi.pt/jstj., a aplicação do tipo legal do artigo 25º, do mencionado Decreto “(…) tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito (…)” de tal sorte “(…) que o caso se situará aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base.”. Citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2006, proferido no processo nº 06P1389, disponível no mesmo indicado local, “O privilegiamento do crime de tráfico de menor gravidade dá-se, não em função da (considerável) diminuição da culpa, mas em homenagem à considerável diminuição da ilicitude da conduta, que se pode espelhar, designadamente: - Nos meios utilizados; - Na modalidade ou nas circunstâncias da acção; - Na qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.”

Como se lê no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2011, proferido no processo nº 127/09.3 PEFUN.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj,

I- No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pelo que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão.

II- Nesses casos, a que chamámos de «zona cinzenta», o legislador apontou para que se aplicasse o crime regra – o do art.º 21.º - mas permitiu que a sua moldura mais baixa convergisse com a penalidade própria do art.º 25.º, reservando este tipo criminal para outras situações de muito menor ilicitude.

III- Note-se que o legislador não se contentou com uma simples diminuição da ilicitude para enquadrar o crime de tráfico de menor gravidade, pois obrigou a que fosse “consideravelmente diminuída”. Do mesmo modo, não aceitou que o tráfico que é realizado pelo agente com a finalidade de obter droga para o seu consumo seja sempre integrado no crime privilegiado do traficante-consumidor, pois que essa finalidade tem de ser “exclusiva”. Em ambos os casos, o legislador deu um sinal claro ao intérprete de que os crimes privilegiados são a excepção e nunca a regra.

IV- Mas, como importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial, faremos uma tentativa de exemplificação teórica da situação factual que configura o tipo de crime de tráfico de menor gravidade, cujo objectivo final é o de guiar a jurisprudência para alguma objectividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas.

V- Mencionando a lei na previsão do art.º 25.º que a ilicitude do facto se deve mostrar “consideravelmente diminuída”, não nos parece que o pequeno vendedor de rua, que faz dessa actividade “um modo de vida” deva beneficiar de uma considerável diminuição de ilicitude. Haverá, na nossa perspectiva, que impor algum limite temporal máximo para a prática dessa pequena actividade.

VI- Porém, admitimos que aqueles que vendem na rua com a finalidade de, essencialmente, poderem prover o seu próprio consumo (não considerados legalmente como vendedores-consumidores para o efeito do art.º 26.º, onde se exige que essa finalidade seja exclusiva), devam gozar de uma maior condescendência quanto ao período temporal de manutenção da actividade, pois a toxicodependência é uma doença de difícil reversão, geradora de actos compulsivos.

VII- Note-se, também, que provavelmente não poderá ser considerado como «vendedor de rua», mas como «pequeno armazenista», aquele que, apesar de só ter sido observado pela polícia em pequenas vendas aos consumidores, detém em local próprio uma quantidade de droga que excede largamente a necessidade de satisfazer os seus «clientes» num período de tempo razoavelmente curto, tal como o retalhista no comércio cujo stock é limitado às exigências dos clientes nos tempos mais próximos.

VIII- Importa referir, também, que um problema importante que se deve equacionar é o da “qualidade” da droga, isto é, da percentagem do princípio activo que contém o produto estupefaciente apreendido. Com efeito, quanto mais puro for o produto, isto é, quanto mais princípio activo contiver, maior é a quantidade de doses individuais de consumo que pode proporcionar. Há que ter em conta, para esse efeito, a Portaria 94/96 de 26 de Março, que estabeleceu, com base nos "dados epidemiológicos referentes ao uso habitual", o limite quantitativo máximo, do princípio activo de cada produto, para cada dose média individual diária.

IX- A diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção.

X- Mas, a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas: a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas. e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.” [sublinhado este de nossa autoria].

É certo que as circunstâncias que podem agravar a moldura do crime de tráfico de estupefacientes previstas no artigo 24º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01 não são de funcionamento automático – v.g., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2005, proferido no processo nº 05P1273, acessível em www.dgsi.pt/jstj.

É certo também que o Tribunal a quo afastou a verificação in casu da circunstância agravante a que alude a alínea a), do artigo 24º, do citado Decreto-Lei nº 15/93, [que estatui que as penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se as substâncias ou preparações foram entregues ou se destinavam a menores ou diminuídos psíquicos], por ter entendido que a cedência de estupefaciente a um menor como mecanismo de “aliciamento do menor para a prática de actos de cariz sexual e envio de fotografias e vídeos despido ou a masturbar-se (…) já foi previamente valorado para efeitos de imputação ao Arguido dos crimes de recurso à prostituição agravado, na forma tentada (…) e pornografia de menores agravado” e do “enquadramento geral da conduta do Arguido não se afere a perigosidade excecional que este tipo de crime agravado pretende compreender e punir”.

Porém, a cedência a um menor de quinze anos de idade, ainda que num curto espaço de tempo, pelo menos por cinco vezes, de produto estupefaciente – haxixe – para consumo do mesmo menor, a troco da prática de actos de cariz sexual com o recorrente e do envio a este de fotografias e vídeos da mesma natureza, não deixando de integrar, em abstracto, a mencionada circunstância agravante [atenta a menoridade da vítima], são circunstâncias que, em nossa opinião, são incompagináveis com a ilicitude do facto consideravelmente diminuída a que alude a previsão do artigo 25º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01.

Porque assim, ressalvado o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, somos do entendimento que bem andou o Tribunal a quo ao subsumir os factos dados como provados no conspecto em apreço à prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22.01, com referência à Tabela I-C anexa ao mesmo diploma, não merecendo a decisão recorrida qualquer reparo.

Em consequência, prejudicada se mostra a apreciação da reclamada aplicação de pena parcelar de 2 (dois) anos de prisão – v.g. artigo 608º, nº 2, do Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 4º, do Código de Processo Penal.

Apreciando agora a terceira questão, [(iii)], trazida ao conhecimento deste Tribunal ad quem da reclamada comutação in mellius das penas parcelares de prisão aplicadas na decisão recorrida ao recorrente pela prática de um crime de pornografia de menores agravado (na pessoa de RC), p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6, do Código Penal e de um crime de pornografia de menores (na pessoa de JG), p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, alínea b), do citado Código e bem assim da pena única de prisão, à qual ademais não se opõem os Dignos Magistrados do Ministério Público na primeira e nesta instâncias, pese embora o que neste conspecto se discorreu na decisão recorrida, sempre se dirá que face ao disposto no artigo 71º, nº 1, do Código Penal, na determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção, sendo que, na sua concreta determinação, deve ainda o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, possam ser consideradas a favor ou contra o agente, as quais se encontram elencadas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f), do nº 2, do citado preceito legal.

Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respectivas consequências.

Cumpre, ainda, referir que nos termos do nº 1, do artigo 40º, do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (cfr. nº 2, do mesmo artigo).

Seguindo os ensinamentos do Professor Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., páginas 79 a 84, “Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
(...)
Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exactamente a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida óptima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exacto da pena. Abaixo do ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
(...)
Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vector mais importante daquele pensamento.”.

Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas, seguindo o mesmo ilustre Professor, ob. e loc. supra citados. “Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”.

Em suma, sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena – cfr. artigo 71º, do mesmo Código –, reproduzindo, uma vez mais, o Professor Figueiredo Dias, em “Temas Básicos da Doutrina Penal”, Coimbra Editora, 2001, pág. 110 e 111, “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”.

Postas estas considerações gerais, importa desde logo perfunctoriamente afirmar que bem andou e decidiu o Tribunal a quo ao quantificar as penas de prisão parcelares impostas ao arguido pela prática dos mencionados crimes respectivamente em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e em 2 (dois) anos de prisão, pois que as acentuadas exigências de prevenção geral cotejadas com as elevadas exigências de prevenção especial e com a gravidade dos factos apurados e a culpa do arguido as revelam adequadas e proporcionais.

Como nos diz neste conspecto, e bem, a decisão recorrida: “(…) As necessidades de prevenção geral afiguram-se acentuadas, atentos os bens jurídicos violados pela prática dos crimes de natureza sexual, intimamente relacionado com a liberdade de autodeterminação ínsito ao princípio basilar da dignidade da pessoa humana. O aparelho judiciário desempenha um papel fundamental na dissuasão da prática deste tipo de crime que tem repercussões gravíssimas nas vítimas e no futuro desenvolvimento de crianças e adolescentes na sua esfera íntima. No que tange ao do crime de tráfico de estupefacientes, os bens jurídicos tutelados pela norma consistem na saúde pública e na proteção da comunidade face ao flagelo social que constitui o consumo e tráfico destas substâncias, bem como a saúde física e psíquica do indivíduo que se entrega a este tipo de práticas e consumo. A prática reiterada deste crime agudiza o flagelo da toxicodependência e contribui para o incremento do mercado destas substâncias, pelo que um dos papéis do Estado para fazer face a este problema social consiste em evitar e dissuadir a comercialização e disseminação destes produtos nocivos para a vida de qualquer indivíduo, cujas repercussões sociais são, como se disse, incomensuráveis. O grau de ilicitude das condutas praticadas pelo Arguido e referentes aos crimes de natureza sexual é acentuado, atendendo à reiteração dos mesmos, ao discurso aliciador empregue pelo Arguido nos contactos mantidos com os dois visados para satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos. Da análise das mensagens trocadas pelo Arguido com os menores é impressiva a linguagem pornográfica empregue, bem assim a sua persistência face à recusa das vítimas. No tocante ao crime de tráfico, a ilicitude situa-se num grau inferior, considerando o tipo de estupefaciente cedido e o número de vezes que essa cedência ocorreu. A culpa do Arguido é intensa, já que deliberadamente quis praticar os factos, agindo com dolo direto. No que tange às necessidades de prevenção especial, importa reter que o Arguido já conta com uma condenação pela prática de crime de natureza sexual (pornografia de menor), tendo sido condenando em pena de prisão suspensa na sua execução. Se aquando da prática dos factos cometidos na pessoa de JG o Arguido ainda era primário, o Tribunal não pode olvidar que as condutas referentes ao menor RC ocorreram poucos dias após o trânsito em julgado da referida condenação, o que denota uma personalidade indiferente à ameaça de cumprimento de pena de prisão que lhe foi dirigida nessa sede e, ainda, de modo expressivo e assinalável as necessidades de prevenção especial que o seu caso demanda, uma vez que reitera de forma impressiva a prática destas condutas de natureza sexual, manifestando uma profunda dificuldade de controlo dos seus impulsos sexuais. [sublinhado nosso]

No que concerne à conduta do Arguido posterior à prática dos factos, este reconheceu a prática dos factos referentes aos ilícitos de natureza sexual, negando a matéria referente ao tráfico de estupefaciente. Apesar de ter referido estar arrependido, a sua postura não transpareceu o juízo crítico e de autocensura necessárias. Milita a seu favor o facto de se encontrar profissional e familiarmente inserido, estar a ser acompanhado por psicólogo e ser reputado na comunidade em que se insere como uma pessoa responsável, trabalhadora e de bom trato. (…)”.

Ante o que se deixa exposto e a que se adere, não se vê no conspecto sedimentado no Tribunal a quo qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa do arguido foi excedida, figurando-se as penas de prisão parcelares aplicadas ao arguido pela prática de um crime de pornografia de menores agravado, (na pessoa de RC), p. e p. pelos artigos 176º, nº 1, alínea b) e 177º, nº 6, do Código Penal e de um crime de pornografia de menores (na pessoa de JG), p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, alínea b), do citado Código, doseadas em medida adequada aos factos apurados e ademais temperadas com equilibrado critério.

Nestes termos, cremos que são de manter as aludidas penas parcelares aplicadas pelo Tribunal a quo ao recorrente.

Por fim, no tangente à fixação da pena única, tendo em consideração a relação concursal de todos os ilícitos cujo cometimento é imputado ao arguido, a moldura penal abstracta do cúmulo em apreço que tem como limite mínimo a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e limite máximo a pena de 13 (treze) anos e 3 (três) meses de prisão, e o que a este propósito, de harmonia com o estatuído no artigo 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal, na decisão recorrida se ponderou e se sufraga, enfim, atendendo à globalidade dos factos sedimentados na instância, ao número de crimes praticados e suas penas parcelares e ao que aqueles e estes revelam da personalidade do arguido, afigura-se-nos correcta e acertada a fixação da pena única de prisão a cumprir pelo recorrente em 9 (nove) anos de prisão, posto que não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas, antes se mostra adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do arguido, não se vislumbrando, por isso, fundamento para a pretendida alteração in mellius.

Ademais, mostra-se fixada de acordo com os critérios que têm sido defendidos na jurisprudência – v.g. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2010, proferido no processo nº 10/08.0 GAMGL.C1.S1 e de 12.07.2012, proferido no processo nº 2/09.1 PAETZ.S1, in www.dgsi.pt/jstj.

Em consequência, improcedem, pois, as pretensões do recorrente, mantendo-se o decidido na instância nos seus precisos termos.

Finalmente, importa apreciar a quarta questão, [(iv)], trazida à apreciação deste Tribunal pelo recorrente, do quantum indemnizatório arbitrado ao assistente e demandante civil RC, que entende ser excessivo.

Os fundamentos gerais da obrigação de indemnizar derivada de facto ilícito mostram-se suficientemente explanados na decisão recorrida, pelo que, neste momento, apenas nos importa atentar nas normas aplicáveis à determinação dos danos não patrimoniais.

Assim, estatui o artigo 496º, nº 3, do Código Civil, sob a epígrafe “Danos não patrimoniais”, que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; (…)”. E, por seu turno, este preceito refere como circunstâncias a atender “(…) o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”. E nestas demais circunstâncias adquirem particular relevo a natureza/intensidade dos danos em causa.

“Como o dano não patrimonial consiste num prejuízo que atinge bens imateriais, insusceptível de avaliação pecuniária, é irreparável mas susceptível de ser compensado por um equivalente monetário, residindo a dificuldade em encontrá-lo, por apelo, sempre imperfeito, ao que o dinheiro pode propiciar e que constitua um lenitivo no sentido de encontrar um equilíbrio entre a dor psicológica e física e o que o dinheiro, em substituição, pode propiciar. No encontro desse ponto de equilíbrio reside o exercício da equidade, critério para que a lei aponta.” – cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Coimbra de 01.02.2012, proferido no processo nº 6/06.6 PTLRA.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc.

E, na senda do que vem salientando o Supremo Tribunal de Justiça, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida – cfr., entre outros, Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.2011, proferido no processo nº 461/06.4 GBVLG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj, sendo que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica – cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.06.2010, proferido no processo nº 526/08.4 TMS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj.

Ora, no caso em apreço, como se alcança do teor da decisão recorrida supra transcrita no conspecto ora em apreço, [cfr. título III do presente aresto], o Tribunal a quo ponderou a natureza e extensão dos danos sofridos pelo assistente e demandante, atentando, e bem, à necessidade de protecção da vítima, aos danos graves psicológicos que decorrem da prática dos crimes de que foi alvo, às repercussões na formação da sua personalidade e no seu processo de desenvolvimento e crescimento atenta a sua (menor) idade, à apurada situação económica do arguido/demandado e ao grau de culpabilidade do mesmo (que actuou sempre com dolo directo e, por isso, intenso) e de mais circunstâncias do caso, ponderando tais circunstâncias de forma que se nos afigura equilibrada, e se traduziu na fixação de montante pecuniário que não afronta nem as regras da boa prudência, nem o bom senso prático, nem a justa medida das coisas.

Posto isto, concluímos que a indemnização arbitrada alcançou o ponto de equilíbrio a que acima se aludiu, não se vislumbrando qualquer manifesto excesso que importe a consideração da sua redução, devendo, consequentemente, ser mantida.

Em suma de tudo o que se deixa expendido, forçoso é concluir pela total improcedência do recurso interposto pelo arguido.

V
Tendo em consideração que o recorrente decaiu totalmente no recurso por si interposto, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 9, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, sem prejuízo do estatuído no artigo 4º, alínea j), deste mesmo Regulamento, impõe-se a sua condenação em custas, fixando-se a taxa de justiça devida em 5 (cinco) unidades de conta.

VI
Decisão
Nestes termos acordam em:
A) - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido JJ e, consequentemente manter o acórdão recorrido nos seus precisos termos.

B) - Condenar o recorrente nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.

Remeta-se, desde já, cópia do presente aresto ao Tribunal de primeira instância nos termos e para os efeitos prevenidos no artigo 215º, nº 6, do Código de Processo Penal.

[Texto processado e integralmente revisto pela relatora (cfr. artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal)]

Évora, 18-10-2018
(Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares (José Proença da Costa)

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[1] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2017, de 11/10/2017 (processo n.º 895/14.0PGLRS.L1-A.S1) publicado em DR, I SÉRIE, Nº 224, 21 DE NOVEMBRO DE 2017, P. 6090 – 6113, que fixou jurisprudência nos seguintes termos: “As declarações para memória futura, prestadas nos termos do art. 271.º, do CPP, não têm de ser obrigatoriamente lidas em audiência de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente utilizável para a formação da convicção do tribunal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 355.º e 356.º, n.º 2, al. a), do mesmo Código” (disponível para consulta em www.dgsi.pt).