Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47488/20.0YIPRT.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
SUBEMPREITADA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I) A assunção de dívida é a aceitação por parte de um terceiro (assuntor) do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste.
II) Na assunção de dívida, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, operando-se apenas, por força do contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor ou entre o novo devedor e o credor, uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação.
III) Tendo a ré, dona da obra, na sequência de acordo prévio com a autora, em que garantiu o pagamento dos trabalhos efectuados pela autora, subempreiteira, caso a empreiteira não procedesse ao pagamento dos mesmos, vindo a aceitar que tais trabalhos lhe fossem facturados a si, directamente, e tendo procedido ao pagamento parcial dos mesmos, praticou actos conducentes à assunção do pagamento de dívida, nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Romeira e Guerreiro, Lda., instaurou procedimento de injunção contra a sociedade Imofind – Investimentos Imobiliários, Lda., solicitando a notificação da requerida para proceder ao pagamento da quantia de €39.759,41 (trinta e nove mil setecentos e noventa e cinco euros e quarenta e um cêntimos), sendo o montante de €39.255,24 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), referente a capital, a quantia de €387,17 (trezentos e oitenta e sete euros e dezassete cêntimos) referente a juros e o valor de €153,00 (cento e cinquenta e três euros) respeitantes à taxa de justiça
Para tanto, invocou que a requerida é dona da obra, sita na Urbanização do Barranco, em Carvoeiro, na qual a requerente levou a cabo uma (sub)empreitada, e que, em 26.02.2020, apresentou à requerida a factura n.º 20/2017, no valor de global de € 54.255,24, mas que a requerida apenas fez um pagamento parcial de €15.000,00, ficando em dívida o valor remanescente, ou seja, €39.255,24,

2. Regularmente notificada a requerida deduziu oposição, arguindo a ineptidão da petição inicial e, a titulo de impugnação, alegou inexistir qualquer vínculo contratual entre a requerida e a requerente, pois que a requerida era a dona da obra e a segunda uma subempreiteira contratada pela empreiteira, tendo a requerida efectuado um pagamento parcial da factura cujo pagamento remanescente é agora exigido, apenas para obstar à paragem dos trabalhos de construção.
Mais alegou que a requerente litiga de má fé ao instaurar a presente acção, e, consequentemente pediu a sua condenação no pagamento de indemnização que computa no montante global de €1.112,00 (mil centos mil euros).

3. Em face da oposição deduzida, os autos prosseguiram como acção de processo comum, tendo sido proferido despacho, em 23.11.2020, que julgou não verificada a excepção de ineptidão e convidou a A. a apresentar petição inicial aperfeiçoada, articulado no âmbito do qual a mesma alegou que, em virtude do incumprimento da empreiteira, a R., na qualidade de dona da obra, assumiu, em reunião realizada em 08.08.2019, a obrigação de garantir o pagamento dos trabalhos realizados, tendo para o efeito emitido um cheque no valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), como garantia do pagamento integral dos trabalhos contratados, cheque esse que depois de ter sido apresentado a pagamento, em 29.09.2019, foi, contudo, devolvido com fundamento em extravio.
Mais alegou que posteriormente a própria R. solicitou a emissão da factura que se acha em dívida, a qual pagou parcialmente, ficando por pagar o montante de €39.255,24 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), que não foi liquidado, sem prejuízo de a R. ter sido interpelada e de lhe ter sido dado prazo para que liquidasse o valor remanescente em dívida.

4. Após a R. ter declarado expressamente que mantinha a oposição/contestação já anteriormente apresentada, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se identificou o objecto do litígio e fixaram-se os temas da prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
«a) julgo a acção procedente e, em consequência, condeno a ré «Imofind – Investimentos Imobiliários, Limitada», a pagar à autora «Romeira e Guerreiro, Limitada» a quantia de €39.255,24 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, contabilizados, desde 24.07.2020, à taxa legal em vigor para os juros comerciais, até efectivo e integral pagamento;
b) absolvo a autora «Romeira e Guerreiro, Limitada» do pedido de condenação como litigante de má-fé que foi formulado pela contra-parte.»

6. Inconformada veio a R. interpor recurso, pedindo a revogação da sentença e a sua absolvição do pedido, com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
A) As presentes Alegações versam sobre o teor da sentença proferida em 7 de Outubro de 2021, a qual condenou a Recorrente no pagamento da quantia de “… €39255,24 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, contabilizados, desde 24.07.2020, à taxa legal em vigor para os juros comerciais, até efectivo e integral pagamento”;
B) A Recorrente considerou-se regularmente notificada a 11.10.2021, por via do disposto no artigo 255.º C.P.C., dispondo do prazo de 30 dias, mais 10 dias, nos termos do artigo 638.º, n.º 1 e n.º 2, igualmente do C.P.C., sendo apresentadas as presentes Alegações de recurso em prazo.
C) Assumindo a Recorrente que a atribuição do efeito suspensivo ao recurso de apelação reveste carácter excepcional, sendo estabelecidos expressamente na lei os casos em que tal efeito pode ser atribuído,
D) Considera, contudo, que deverá ser previamente apreciada a sua pretensão de ver ao presente recurso atribuído efeito suspensivo, por considerar inegável que ao não ser, o que por mera hipótese de raciocínio se concebe sem conceder, resultaria para si um prejuízo / dano apreciável.
E) Estamos, como é sabido, perante uma expressão premeditadamente aberta, tratando-se de um conceito jurídico indeterminado, isto é, de conceito carecido de preenchimento valorativo.
F) Ora, atendendo a que a Recorrida mantém a sua actividade normal e não tendo logrado demonstrar a existência de qualquer dano real aos seus interesses pela actuação da Recorrente (ou demais intervenientes), a atribuição de efeitos suspensivo ao presente recurso NENHUM DANO lhe poderá trazer.
G) Já o mesmo não pode dizer a Recorrente, pois caso se execute a sentença imediatamente, e promova a Recorrente à liquidação do valor determinado pelo Tribunal a quo como sendo devido, pode ver-se a braços com uma situação financeira complexa, na medida em que se encontra ainda a dar passos em direcção à recuperação económica do período pós-pandémico,
H) Simultaneamente, nenhuma garantia existe de que pagando a Recorrente à Recorrida o valor estipulado pelo Tribunal a quo, e, posteriormente, essa decisão for revogada, a Recorrida tenha meios para a restituição, sobretudo, quando o representante da Recorrida afirmou em Tribunal – vide minuto 18:45 da respectiva gravação – que a empresa enfrenta dificuldades.
I) Assim, por atender ser adequado e que verificados os pressupostos legais, a Recorrente disponibiliza-se para a liquidação de DUC autónomo no valor de € 39.255,24 (trinta e nove mil, duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), no prazo que o Tribunal a quo venha a fixar – cfr. artigo 647.º, n.º 4 do C.P.C. - a título de caução, mediante a atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso.
J) Entendeu o Tribunal a quo, mal no nosso entender, um conjunto de factos que considerou suficientes para a condenação da Recorrente e que elencou em 8 pontos, identificados no ponto 54. supra.
K) É de facto verdade que a Recorrente celebrou um contrato de empreitada com a empresa «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» a construção de quatro habitações unifamiliares, sitas em Carvoeiro, tendo, por sua vez, a «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» celebrado com a Recorrida um contrato de subempreitada.
L) Não corresponde, contudo, à verdade que a Recorrente tenha celebrado com a Recorrida qualquer contrato ou acordo no sentido de “… garantiu a posição da autora, perante um previsível não pagamento pela «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», dos trabalhos já realizados…”,
M) Sendo bastante clarificador dessa realidade o testemunho de (…), ao minuto 38:28, e acima transcrito no ponto 62.º, do qual parece ter o Tribunal a quo feito tábua rasa, admitindo, sem qualquer fundamento para tal ou prova concreta nesse sentido, que a versão apresentada pela testemunha (…) merecia maior credibilidade que a sua.
N) Nessa medida, e por ser falso que a Recorrente tenha assumido o pagamento de trabalhos realizados antes e ao abrigo da execução do contrato de subempreitada celebrado pela Recorrida com a RMO – Rui Mota Oliveira Services, S.A., o ponto 4. da matéria dada como provada, deve passar para o elenco da matéria dada como não provada.
O) Não considerou o Tribunal a quo, apesar de ter dado como provado o facto 3. (Em meados de Junho de 2019, a «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» recusou o pagamento dos trabalhos já realizados pela autora, motivo pelo qual a mesma suspendeu a execução da obra mencionada em 1) e 2).), a factualidade inerente ao não pagamento à Recorrida pela empreiteira.
P) Atente-se ao próprio teor dos documentos juntos pela Recorrida com o seu articulado superveniente, nomeadamente o documento identificado com o n.º 3, resulta evidente que era a Recorrida quem incumpria com as obrigações assumidas, não realizando os trabalhados a que se vinculou por via do contrato de subempreitada que celebrou com a RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA..
Q) Como pode o Tribunal a quo considerar que a Recorrente iria assumir o pagamento de trabalhos que sabia antemão (porque acompanhava o andamento dos trabalhos) que os trabalhos se não encontravam efectuados?
R) Foi aceite, como se fosse mais crível o testemunho de (…) (o qual actuou nesta relação como verdadeiro gerente de facto e nessa medida parte na demanda), do que o da testemunha (…), que actuou em representação da Recorrente,
S) Assumindo o Tribunal a quo ser verídica a versão apresentada por (…) que a partir de 08.08.2019, a Recorrente assumiu sem reservas o pagamento de todos os trabalhados – passados e futuros – que a RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA. não liquidasse,
T) Desconsiderando na íntegra o testemunho de (…) acima transcrito no ponto 77., e o qual, de forma clara e sem contradições, repetiu por diversas vezes a instâncias das mandatárias.
U) Outro ponto, totalmente ignorado pelo Tribunal a quo, foi a circunstância de ter a empreiteira RMO – Rui Mota Oliveira Services, S.A. iniciado um processo especial de revitalização em Janeiro de 2020, e que posteriormente se converteu em processo de insolvência, e nos quais a Recorrida consta da lista de credores reconhecidos.
V) Nada foi aferido sobre o eventual recebimento da Recorrida de qualquer valor em sede de tais processos, podendo a Recorrida, inclusivamente, ver-se enriquecida sem qualquer causa, porquanto pode colocar-se o cenário de receber no âmbito do processo de insolvência, e agora, por via desta sentença, receber novamente pelo mesmo facto.
W) Ao invés, o Tribunal a quo acabou por fundamentar a sua decisão na figura da assunção de dívida (cfr. artigo 595.º do Código Civil), considerando que a Recorrente denota “… não só uma situação de incumprimento do acordado, mas também uma evidente e até chocante falta de ética negocial, evidenciando a ré ser uma entidade que não é confiável.”,
X) Afirmando que o cheque que a Recorrente entregou à Recorrida para garantia futura da realização de trabalhos, foi revogado “… a seu belo prazer”.
Y) Cumpre esclarecer, além da total ausência de fundamentação de tais afirmações, que e no âmbito do processo-crime apresentado pela Recorrida contra a Recorrente, ao qual foi atribuído o n.º de inquérito 339/20.9PAPTM, correndo junto do Departamento de Investigação e Acção Penal – 1.ª Secção de Portimão, foi proferido Despacho de Arquivamento, em data posterior ao da sentença, e que pela manifesta superveniência, deve ser admitido e considerado por V. Exas..
Z) Desse Despacho constam as declarações dos representantes de facto e de direito da Recorrida - (…) e (…) – as quais são contrárias à versão que pretenderam fazer valer nos presentes Autos,
AA) Uma vez que declararam ter apresentado o cheque a pagamento para se fazerem pagar de trabalhos devidos expressamente pela RMO, sem cuidar informar a Recorrente dessa realidade,
BB) E sem respeitar o critério de que tais trabalhos em dívida fossem posteriores à já sobredita reunião de 08.08.2019.
CC) Foram desconsiderados e até interpretados a contrario os depoimentos das testemunhas (…) (ao minuto 67:44) e (…) (ao minuto 12:54), acima transcritos, o que não pode aceitar-se.
DD) Não sendo, coincidentes a versão que os representantes de facto e de direito da Recorrida apresentaram junto dos órgãos de polícia criminal e a versão agora apresentada, e tendo resultado demonstrado isso mesmo em sede de audiência de julgamento, deve o facto 5. da matéria dada como provada, na redacção que lhe conferiu o Tribunal a quo, passar para o elenco da matéria dada como não provada.
EE) Claro que esta postura da Recorrida é consentânea com a própria posição da Recorrida em não accionar qualquer meio judicial de cobrança contra o devedor – a RMO – por ter sabido que a mesma se encontrava em dificuldades financeiras – testemunho de (…), ao minuto 27:08, acima transcrito no ponto 90..
FF) Ou seja, dúvidas parecem não restar que, a partir de determinada data, a Recorrida escolheu qual seria a empresa que responsabilizaria pelo pagamento dos trabalhos alegadamente efectuados,
GG) Não de acordo com o contrato que celebrou, mas em função da facilidade em recuperar o valor pretendido, situação essa que ao Tribunal a quo não poderia ter passado despercebida, como passou!
HH) A Recorrida soube ler e aproveitar-se da situação de “aperto” em que ficou a Recorrente com uma obra parada, com valores avultados entregues à empreiteira e a necessidade de contratar uma nova empreiteira para concluir as obras,
II) Tal como da circunstância de ter o novo empreiteiro geral ter exigido que a Recorrida permanecesse em obra – vide os depoimentos de (…), ao minuto 49:23 e 54:46 (…), ao minuto 78:15.
JJ) Pelo exposto, é inadmissível, e de refutar, esta postura, devendo assim os factos 6. e 7. da matéria dada como provada, na redacção que lhe conferiu o Tribunal a quo, passar para o elenco da matéria dada como não provada.
KK) O Tribunal a quo não aplicou o regime legal aplicável ao contrato de empreitada e subempreitada, aceite unanimemente pela jurisprudência nacional, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça, o qual entende sem reservas em Acórdão proferido em 09.06.2005, por unanimidade, deixou plasmado que na subempreitada, que entra na categoria geral do subcontrato, não existe qualquer vínculo directo entre o dono da obra e o subempreiteiro, pelo que, só criadas relações obrigacionais novas entre o empreiteiro e o subempreiteiro.
LL) As originárias, derivadas do contrato primitivo, entre o dono da obra e o empreiteiro respetivo, mantêm-se, as quais não estavam em crise nos presentes Autos.
MM) Ou seja, apresentando-se o subempreiteiro como empreiteiro do empreiteiro, e sendo entre estes sujeitos que o contrato de subempreitada vigora e vincula, não se afere da legitimidade da Recorrida para assacar a responsabilidade de pagamento de quaisquer valores devidos pela realização dos serviços de “execução de escavação de fundações e execução de estruturas de betão armado, na Urbanização do Barraco, em Carvoeiro, Lagoa (Algarve)” sobre a Recorrente,
NN) Na medida em que a responsabilidade de pagamento de quaisquer valores devidos por esses serviços sempre será do Empreiteiro e não da Recorrente, que actua na qualidade de dona de obra.
OO) É destituída de fundamentação a convicção do Tribunal a quo, no que respeita à suposta assunção de responsabilidade da Recorrente pelo pagamento do valor devido pelo empreiteiro, pois não é crível que a Recorrente tendo já pago ao empreiteiro os valores devidos pelos trabalhos que deveriam ter sido efectuados pela Recorrida, aceitasse pagar novamente por esses trabalhos.
PP) O Tribunal a quo ao não ter equacionado a hipótese de ter a Recorrida percebido das dificuldades de recuperação dos valores que lhe eram devidos pela empreiteira RMO – Rui Mota Oliveira Services, S.A., e do aproveitamento da situação de desespero da Recorrente para terminar a obra em causa e da crença da nova empreiteira de que a obra apenas poderia prosseguir com o seu apoio,
QQ) Errou nas conclusões a que chegou, sendo certo que apenas com a revogação completa da sentença proferida em 07.10.2021 se alcançará justiça!

7. Contra-alegou a A./Recorrida pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da impugnação da matéria de facto;
(ii) Saber se é devido pela R. o pagamento do remanescente da factura em causa nos autos.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Através de documento particular, datado de 12 de Novembro de 2018, epigrafado de contrato de empreitada a ré «Imofind – Investimentos Imobiliários, Limitada» adjudicou à «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» a construção de quatro habitações unifamiliares, sitas em Carvoeiro.
2. Através de documento particular, datado de 09 de Abril de 2019, epigrafado de «contrato de subempreitada n.º 0001» a autora «Romeira e Guerreiro, Limitada» obrigou-se perante a sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA, a realizar, na empreitada designada por Lote n.º 4 – Moradia Urbanização d Barranco, em Carvoeiro, todos os trabalhos inerentes à sub empreitada de execução de escavações e fundações e execução das estruturas de betão armado incluindo todos os materiais prescritos, mão de obra e equipamentos necessários à sua execução, em conformidade com o aderno de encargos e projectos.
3. Em meados de Junho de 2019, a «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» recusou o pagamento dos trabalhos já realizados pela autora, motivo pelo qual a mesma suspendeu a execução da obra mencionada em 1) e 2).
4. Na sequência de uma reunião que foi realizada em 08.08.2019, com vista a que a execução da obra prosseguisse, a ré «Imofind – Investimentos Imobiliários, Limitada» garantiu a posição da autora, perante um previsível não pagamento pela «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», dos trabalhos já realizados, remetendo-lhe, em 28.08.2019, através de correio registado, o cheque n.º 6600171418, do Novo Banco, no montante de €50 000,00 (cinquenta mil euros).
5. Ante a recusa da sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» em pagar os trabalhos facturados, o referido cheque foi apresentado, pela autora, a pagamento, no dia 24.09.2019, mas foi objecto de devolução, por a ordem de pagamento nele contida ter sido revogada pela própria ré, mediante invocação de uma situação, não verídica de extravio, do título de crédito.
6. Já depois de ter cessado o contrato mencionado em 1) e de ter sido contratado um novo empreiteiro geral, a autora, emitiu, a pedido da ré, e, remeteu à mesma, a factura n.º 20/17 de 26.02.2020, no montante global de €54 255,24 (cinquenta e quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), a qual é relativa aos trabalhos anteriormente realizados na obra e que não pagos pela sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA».
7. A ré, por ter interesse que a autora prosseguisse com os trabalhos que já tinha anteriormente iniciado, aceitou a factura em causa, e, procedeu, através de transferência bancária, datada de 28-02-2020, ao pagamento do montante de €15 000,00 (quinze mil euros), fazendo consignar que se tratava apenas do pagamento de parte da factura n.º 20/17.
8. A Ré foi citada, para os termos da presente acção, no dia 23.07.2020.
*
B) – O Direito
1. A recorrente discorda da decisão recorrida, que, por ter concluído que a R. (Imofind – Investimentos Imobiliários, Lda.) que havia assumido o pagamento da dívida da empreiteira (RMO-Rui Mota Oliveira Services, SA.), caso esta faltasse aos pagamentos dos trabalhos realizados pela subempreiteira (Romeira e Guerreiro, Lda.), aqui A., a condenou no pagamento do remanescente da factura n.º 20/17, de 26/02/2020, de que a R. havia apenas liquidado parcialmente.
E a divergência da recorrente para com a sentença começa, logo, quanto à matéria de facto, verificando-se que impugna a matéria dos pontos 4), 6) e 7) dos factos provados, resultando ainda do contexto das conclusões a sua divergência também quanto à matéria do ponto 5).
Assim, e porque a recorrente indica as provas que impõem, na sua opinião, decisão diversa, indicando o sentido da decisão pretendida, entende-se que cumpriu, na medida do necessário, com os ónus de impugnação a que, nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil, está adstrito o recorrente que impugna a matéria de facto.

2. No essencial, as razões apontadas pela recorrente, no sentido das pretendidas alterações à matéria de facto, radicam na circunstância de o tribunal recorrido ter valorizado apenas as declarações da testemunha (…) (sócio da A. e marido da gerente da A.) em detrimento dos depoimentos das testemunhas (…) (que actuou como procurador da filha (…), sócia-gerente da R. Imofind) e (…) (responsável da empresa Montesill, que retomou a empreitada após a cessação do contrato estabelecido entra a R. e a primeira empreiteira – RMO).
De facto, concluiu-se na sentença que para prova dos factos provados teve-se em conta:
«- toda a prova documental que foi junta com os articulados apresentados pelas partes;
- o depoimento do sócio da autora - (…) - o qual depós, de forma contextualizada, sem quaisquer hesitações e em termos que são integralmente corroborados, nos aspectos que relevam para a decisão da presente causa, pelo conteúdo da própria prova documental (nomeadamente pelo teor do cheque e da ordem de transferência com a qual a ré procedeu ao pagamento parcial da factura que foi emitida em seu nome o que torna, de acordo com as regras da experiencia comum, verosímil que tal factura tenha igualmente sido emitida a seu pedido, pois de outra forma teria sido objecto de restituição ou devolução).
Já os depoimentos das testemunhas (…) e (…) não mereceram qualquer crédito, por se tratarem de depoimentos notoriamente tendenciosos (pois, veja-se que o primeiro depoente, que tem notória participação na administração/gestão da ré, fez questão de não explicitar o extravio do cheque), sendo que a versão dos factos que ambos os depoentes relataram em juízo para justificar o pagamento dos € 15 000,00 (quinze mil euros), nenhum suporte tem no teor prova documental, nem se sequer se compadece com aquela que foi a actuação prévia da própria ré.»

3. Embora seja certo que na sentença recorrida se credibilizou o depoimento da testemunha (…), em detrimento dos depoimentos de (…) e (…), verifica-se que tal ocorreu fundamentadamente, sendo ainda certo que a prova dos factos em causa não se baseou apenas no dito depoimento, mas também na prova documental junta, que torna credível o depoimento prestado.
Antes de entrarmos na análise das concretas questões colocadas, importa sublinhar que, não obstante se garantir no sistema processual civil um duplo grau de jurisdição, nomeadamente quanto à reapreciação da matéria de facto, não podemos ignorar que continua a vigorar entre nós o princípio da livre apreciação da prova, conforme decorre do artigo 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, ao estatuir que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (…)”.
Para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).
Assim, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, “[a]lgumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347).
E, como nos dá conta o Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça de 25/01/2016 (processo n.º 05P3460), disponível, como os demais citados sem outra referência, em www.dgsi.pt: “(…) VII - O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
VIII - O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. (…)”
Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.
Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.
Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente.
Vejamos, então, a situação concreta dos autos.

4. No ponto 4 da matéria de facto deu-se como provado que: «4. Na sequência de uma reunião que foi realizada em 08.08.2019, com vista a que a execução da obra prosseguisse, a ré «Imofind – Investimentos Imobiliários, Limitada» garantiu a posição da autora, perante um previsível não pagamento pela «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», dos trabalhos já realizados, remetendo-lhe, em 28.08.2019, através de correio registado, o cheque n.º 6600171418, do Novo Banco, no montante de €50 000,00 (cinquenta mil euros).»
A recorrente não põe em causa que ocorreu a dita reunião na data indicada, nem que tenha garantido a posição da A. perante um previsível não pagamento pela empreiteira à subempreiteira dos trabalhos realizados por esta, nem tão pouco que tenha remetido o cheque de garantia, cuja remessa, aliás, está documentalmente provada (cf. doc. de fls. 46).
O que a recorrente diz é que essa garantia foi apenas dada para o futuro, ou seja, para os trabalhos realizados após o dito acordo e que não viessem a ser pagos pela empreiteira à subempreiteira, como referiu a testemunha (…) (procuradora da gerente da R.), não abrangendo os trabalhos já realizados.
Porém, tal depoimento não se mostra credível, porquanto a versão que apresenta dos factos não se mostra sequer compatível com a actuação da R. referida nos pontos 6 e 7 dos factos provados.
Dos depoimentos prestados, que se auditaram integralmente, conclui-se que a versão dos factos apresentada pela testemunha (…), merece credibilidade e tem apoio na prova documental junta.
De facto, quanto a este ponto da matéria de facto, a testemunha bem explicou que, face aos atrasos de anteriores pagamentos e por a RMO não ter efectuado o pagamento de trabalhos realizados e objecto de auto de medição elaborado pela própria empreiteira, se viu obrigado a parar os trabalhos em obra, porque não tinha capitais próprios para avançar, e que na dita reunião de 08/08/2019, promovida pela própria empreiteira, estabeleceu os pressupostos de que dependia a continuação da execução dos trabalhos em obra, tendo-lhe então sido garantido que se a RMO falhasse os pagamentos a Imofind substituía-se à RMO, tendo como garantia enviado o cheque de € 50.000.
Ora, se a A. parou a obra por falta de pagamento e se para a continuar estabeleceu como condição receber os trabalhos já realizados, pois não tinha capitais próprios para avançar com a obra sem o pagamento do que já havia feito, não faz qualquer sentido que a garantia prestada pela R., que queria que a obra avançasse, visasse apenas os trabalhos futuros, ficando-se com a nítida convicção que a dita garantia visou todos os trabalhos executados pela A. e que não fossem pagos pela RMO. E os factos indicados em 6 e 7 demonstram que, efectivamente, o depoimento da testemunha (…) não é credível, como adiante se explicará.
Deste modo, permanece inalterada a dita factualidade.

5. Quanto à matéria do ponto 5, deu-se como provado que: «5. Ante a recusa da sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» em pagar os trabalhos facturados, o referido cheque foi apresentado, pela autora, a pagamento, no dia 24.09.2019, mas foi objecto de devolução, por a ordem de pagamento nele contida ter sido revogada pela própria ré, mediante invocação de uma situação, não verídica de extravio, do título de crédito
Também aqui não encontramos fundamento para alteração da dita factualidade.
Não subsistem dúvidas que o cheque foi apresentado a pagamento e que foi devolvido com a menção de “extraviado”, pois tais factos estão provados documentalmente.
E também não subsistem dúvidas que o cheque em causa havia sido entregue à A. como garantia, nos termos acima referidos, resultando do depoimento de (…), que só foi apresentado após a RMO ter recusado o pagamento de trabalhos realizados pela A..
E não vemos que a junção aos autos do despacho de arquivamento da queixa crime apresentada pela A. contra a R. altere esta factualidade, pois o que dali resulta é o arquivamento do procedimento criminal por a data constante do cheque ser posterior à data da sua emissão e entrega, não se destinando o mesmo ao pagamento imediato do valor nele inscrito, mas antes a garantir tal pagamento futuro.
E foi isso o que sucedeu e se provou nos autos, ou seja, a A. accionou a garantia, apresentando o cheque a pagamento, verificado que estava o pressuposto para essa apresentação: a falta de pagamento pela RMO.
E de nada vale à recorrente argumentar que a RMO não pagou à A. porque colocava em causa a realização dos trabalhos, questionando o auto de medição, o que, aliás, não faz sentido, posto que o auto de medição foi elaborado pela própria RMO e a A. até aceitou o valor indicado pela RMO, como bem explicou, de modo claro e coerente, a testemunha (…).
Além disso, não podemos deixar de manifestar também a nossa perplexidade pelo facto de a testemunha (…), que bem conhecia o acordo referido no ponto 4 dos factos provados, pois representa a R. e esteve na dita reunião, não soubesse explicar porque motivo a R. deu o cheque como “extraviado”, sendo evidente que, sabendo a R. que remeteu o cheque para garantia do acordado, tal facto (o extravio) não era verdadeiro.
Assim, nada há que alterar quanto a esta matéria.

6. Nos pontos 6) e 7) deu-se como provado que:
«6. Já depois de ter cessado o contrato mencionado em 1) e de ter sido contratado um novo empreiteiro geral, a autora, emitiu, a pedido da ré, e, remeteu à mesma, a factura n.º 20/17 de 26.02.2020, no montante global de €54 255,24 (cinquenta e quatro mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), a qual é relativa aos trabalhos anteriormente realizados na obra e que não pagos pela sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA».
7. A ré, por ter interesse que a autora prosseguisse com os trabalhos que já tinha anteriormente iniciado, aceitou a factura em causa, e, procedeu, através de transferência bancária, datada de 28-02-2020, ao pagamento do montante de €15 000,00 (quinze mil euros), fazendo consignar que se tratava apenas do pagamento de parte da factura n.º 20/17.»
A R. pretende que tal matéria seja dada como não provada.
Não questiona a R. que a dita factura tenha sido emitida após a cessação do contrato de empreitada que tinha firmado com a RMO, nem que a factura lhe tenha sido enviada e que não a devolveu.
O que diz é que a factura não era devida porque reportava-se a trabalhos da subempreitada cujo pagamento era da responsabilidade da empreiteira e não da dona da obra.
Esquece-se, porém, a R. que a emissão da factura decorre na sequência da garantia prestada de pagamento dos trabalhos realizados pela A., caso a empreiteira não procedesse ao seu pagamento, e o facto de a factura não ter sido devolvida, mais não é do que um acto de aceitação da mesma, o que o pagamento parcial, referido no ponto 7, confirma.
Como explicou a testemunha (…), a dita factura só foi emitida após a A. ter sido contactada pela R. e pela nova empreiteira, através da testemunha (…), para continuar com a obra, tendo a A. condicionado a sua aceitação ao pagamento das obras em atraso, aceitando a R. a emissão da factura e dito que fazia o pagamento.
Acresce que, a testemunha (…) não conseguiu explicar porque motivo não foi devolvida a factura e, se, como disse, não era para pagar, não se compreende que tal devolução não tenha ocorrido e muito menos que se tenha efectuado uma transferência de € 15.000,00 para pagamento de parte da factura, como expressamente resulta da ordem de transferência de 28/02/2020, onde se refere na descrição do movimento “Parte FT 20 17” (cf. doc. de fls. 50 v.).
Não colhe a versão dos factos invocada pela R., de que tal pagamento ocorreu por via do novo contrato de empreitada que a R., entretanto, firmou com a Montesill – à qual adjudicou a obra por € 100.000,00, dos quais diz que pagou € 85.000,00 à nova empreiteira e, a pedido desta, € 15.000,00 à A., para que esta continuasse na obra e concluísse os trabalhos que antes havia iniciado –, mas que não era para pagamento da factura.
Tal versão não está documentalmente provada, contraria a prova documental junta referente ao pagamento da factura, e, por conseguinte, não é credível.
Aliás se o pagamento em causa tivesse sido feito no âmbito da nova empreitada, em que a A. continuaria como subempreiteira, então teria sido junta a respectiva documentação e, certamente, seria a empreiteira a pagar à subempreiteira os trabalhos realizados.
Assim, também quanto à referida matéria de facto a prova produzida não impõe a alteração da mesma.

7. Deste modo, improcede o recurso quanto à matéria de facto.

8. No que se reporta à subsunção jurídica dos factos, concluiu-se na sentença que a R. assumiu a obrigação de pagar dívida da empreiteira, o que constitui uma assunção de dívida de terceiro, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil, fundamentando-se no seguinte:
«Dos factos provados resulta que a autora inicialmente nenhuma relação negocial tinha, de facto, com a ré «Imofind Investimentos Imobiliários, limitada», dona da obra, sendo uma subempreiteira contratada pela empreiteira geral, ou seja, pela RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA» (cfr. art.º 1213.º do Cod. Civ)
Pelo que nessa qualidade de subempreiteira autora havia, num primeiro momento, estabelecido, sim, uma relação contratual com a sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», a qual assumia a mencionada posição de empreiteira geral.
Em todo o caso, dos factos dados como provados resulta, igualmente, que a ré «Imofind – Investimentos Imobiliários, limitada», sem prejuízo de ser a dona da obra, prometeu pagar (cfr. art.º 458.º do Cod. Civ), à autora, o valor dos trabalhos efectuados, até ao montante feito constar num cheque que emitiu – título de crédito esse que a ré não permitiu que fosse pago, já que revogou a ordem de pagamento nele contida.
Sendo que em momento posterior, acresceu à referida promessa de pagamento – que se acha titulada pelo referido cheque e tem previsão no indicado art.º 458.º do Cod. Civ - uma verdadeira assunção de dívida – figura prevista por sua vez no art.º 595.º, também do Código Civil - pois que ré assumiu – com adopção de comportamentos que se acham ostensivamente comprovados por prova documental - o pagamento da dívida que inicialmente era da titularidade da sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», tendo, como reflexo dessa assunção, liquidado a factura que foi, a seu pedido, emitida em seu nome (pois de outra forma tê-la-ia recusado).
Pelo que na presente situação a aludida promessa inicial de pagamento – que se acha titulada pela emissão do dito cheque (art.º 458.º do Código Civil) é, assim, secundada por uma verdadeira assunção de dívida (cfr. art.º 595.º do Código Civil) – que se acha materializada, quer no pedido, feito pela ré (à autora) de emissão da factura objecto destes autos (e que é emitida em nome da ré), na aceitação de tal factura, aceitação essa que culmina no seu pagamento, ainda que meramente parcial.
A propósito da assunção de dívida, estabelece o art.º 595.º do Código Civil:
“1. A transmissão a título singular de uma dívida pode verificar-se:
a) Por contrato entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor;
b) Por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor.
2. Em qualquer dos casos, a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
Como se vê, a assunção de dívida constitui uma aceitação do pagamento de um passivo por um devedor perante o credor deste, com libertação (assunção liberatória) ou não (assunção cumulativa) do primitivo devedor.
Nesta figura jurídica, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, mas que, por força do referido negócio jurídico, existindo alterações apenas ao nível do sujeito passivo, isto é, do adstrito ao cumprimento da prestação debitória, que assim passa a ser o novo devedor por ter assumido aquela obrigação (assuntor).
Sendo que o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar se o credor tal expressamente declarar (art.º 595.º, n.º 2, do Código Civil) – assunção liberatória da dívida – pois, de contrário, mantém-se solidariamente obrigado perante o credor – assunção cumulativa da dívida.
Na presente situação, a ré, independentemente daquela que foi a concreta motivação que esteve na base de tal comportamento, assumiu claramente, perante a ora preponente, uma dívida cujo pagamento era inicialmente da responsabilidade exclusiva da sociedade «RMO – Rui Mota Oliveira Services, SA», mas que deixou de o ser, em face da conduta da própria ré, a qual comporta necessariamente consequências jurídicas – cfr. art.º 595.º, n.º1, al. b) do Cod. Civ.
Ao solicitar que a factura fosse emitida em seu nome – e mais do que isso – ao proceder ao seu pagamento (ainda que parcial) parcial – assumindo ainda que existia um valor residual a liquidar - a ré – com tal conduta assumiu (pensamos que sem margem para qualquer dúvida) uma dívida que era da responsabilidade inicial do(a) empreiteiro(a) geral, e, como tal passou, tal dívida, a ser igualmente da sua responsabilidade, apenas podendo a ré ficar liberada do compromisso que assumiu perante a autora, caso a outra co-devedora houvesse pago o montante que se acha em divida, o que, contudo, a demandada não alegou; tendo alegado, sim, desconhecer a existência de qualquer pagamento por parte da primeira ou primitiva devedora
Ao que acresce, que existindo uma situação de devedores solidários – já que a anterior devedora não foi exonerada, pela autora, do dever de pagar o montante e dívida – cfr, art.º 595.º - nada obsta a que autora reclame o pagamento do crédito, quer junto da empreiteira – como o terá feito, inclusivamente, no âmbito de um PER (factualidade essa é, assim, manifestamente irrelevante) - quer da dona da obra, esta na qualidade de assuntor.
(…)
Nestes termos, e, num contexto em que realização dos trabalhos facturados não foi colocada em causa pela ré e em que a ora ré assumiu, perante a autora, a obrigação de lhe pagar integralmente um crédito que lhe era devido por um terceiro; pagamento esse que concretizou mas de forma parcial, deve a demandada, por ter incumprido o acordo de assunção de dívida firmado, ser condenada a pagar à proponente o remanescente de tal crédito, que ainda se encontra em dívida, e, que ascende ao montante de € 39.255,24 (trinta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos), procedendo assim tal pretensão.»

9. A R. discorda do assim decidido, referindo que a responsabilidade pelo pagamento de quaisquer valores pelos serviços prestados pela A., subempreiteira, no âmbito do contrato de empreitada, é da empreiteira, com quem foi estabelecida a relação contratual, e não da dona da obra.
E, efectivamente, assim seria, caso a R. não tivesse assumido o pagamento da dívida da empreiteira, nos termos da alínea b) do n.º 1 do citado artigo 595º do Código de Processo Civil.
A assunção de dívida é a aceitação por parte de um terceiro (assuntor) do pagamento de um passivo de um devedor perante o credor deste.
Nesta figura jurídica, como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28/03/2019 (proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1), disponível como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt, o credor continua a ser titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, operando-se apenas, por força do contrato celebrado entre o antigo e o novo devedor, ratificado pelo credor (alínea a) do n.º1 do artigo 595º do Código Civil) ou entre o novo devedor e o credor (al. b) do nº1 do citado artigo 595º), uma mudança na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração do conteúdo nem da identidade da obrigação [neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. I , 3ª ed. revista e actualizada, pág. 579].
De harmonia com o disposto no n.º 2 do citado artigo 595º, o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar mediante declaração expressa do credor, situação em que estamos perante uma assunção liberatória de dívida. Na ausência de uma tal declaração por parte do credor, o primitivo devedor mantém-se, juntamente com o novo devedor, solidariamente, obrigado perante o credor, existindo, neste caso, uma co-assunção ou assunção cumulativa de dívida do primitivo devedor.
De referir ainda que o credor só deixará de ser o titular do direito de crédito objecto da assunção, quando a dívida for paga (extinção pelo pagamento), ou se o transmitir por cessão ou por outra via a outrem.
Ora, no caso dos autos, não se nos suscitam dúvidas de que a R., na sequência da promessa de garantir o pagamento dos trabalhos prestados pela subempreiteira, caso a empreiteira não procedesse ao pagamento dos mesmos, ao aceitar que esses trabalhos lhe fossem facturados a si directamente, tendo até feito um pagamento parcial dos mesmos, assumiu o pagamento da dívida que a empreiteira tinha para com a subempreiteira, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil, tornando-se responsável pelo pagamento.
Assim, tendo apenas efectuado o pagamento da quantia de € 15.000,00, do montante global de € 54.255,24, correspondente aos trabalhos anteriormente realizados e não pagos, podia a A. exigir-lhe o pagamento do remanescente, apenas podendo a R. ficar liberada do compromisso que assumiu perante a A., caso a outra co-devedora houvesse pago o montante que se acha em dívida, o que, contudo, a demandada não alegou nem se mostra provado.
Ao que acresce que, como se diz na sentença, existindo uma situação de “devedores solidários” – já que a anterior devedora não foi exonerada, pela A., do dever de pagar o montante em dívida (cf. artigo 595º, n.º 2, do Código Civil), nada obsta a que A. reclame o pagamento do crédito, quer junto da empreiteira – como o terá feito, inclusivamente, no âmbito de um PER - quer da dona da obra, esta na qualidade de assuntor.
E se a R. ao, assumir o pagamento de uma dívida de um terceiro, emitiu uma declaração que era contrária à sua vontade real, tendo assim actuado com reserva mental (nos termos do art.º 244.º do Código Civil), esse mesmo vício – ou seja essa desconformidade entre a vontade exteriorizada e a vontade real – não invalida a declaração emitida, por não ter sido provado que tal desconformidade era do efectivo conhecimento da A..
É evidente que a R. poderá ter ficado prejudicada, caso tenha pago integralmente a empreitada à antiga empreiteira, mas esse é problema que a R. tem que resolver com aquela, ao qual a A. é alheia.

10. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
*
Évora, 9 de Junho de 2022
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)