Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2720/21.7T8STB-C.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: CITAÇÃO EDITAL
ANÚNCIO
INSOLVÊNCIA
EMBARGOS
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A citação edital considera-se feita no dia da publicação do anúncio, que é posterior à afixação do edital. Na verdade, trata-se de acto composto, cuja completude e perfeição implica a concretização de duas etapas sucessivas para a formalização da citação edital, pois só assim existe a garantia suficiente da cognoscibilidade pelo destinatário da existência do processo e da decisão de insolvência para os fins pressupostos pela norma.
2 – O n.º 8 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas determina que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação de créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio, mas fá-lo no pressuposto de que foi este o último acto de publicidade praticado.
3 – Por conseguinte, tendo ocorrido a inversão da ordem cronológica imposta por lei, sempre que daí resultar um prejuízo para algum dos destinatários, ter-se-á de admitir como tempestivamente deduzidos os embargos pelo credor que, respeitando o prazo fixado para o efeito, o computa a partir da afixação do edital por ter sido esse efectivamente o último acto de publicidade realizado.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2720/21.7T8STB-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo de Comércio de Setúbal – J1
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
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I – Relatório:
Nos autos de insolvência, AA veio interpor recurso da decisão que indeferiu os embargos à insolvência, por terem sido deduzidos fora de prazo.
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Na parte que interessa a decisão recorrida assenta na seguinte fundamentação:
«Temos que o prazo dos éditos terminou no dia 06.04.2022 (5 dias após a publicação do anúncio) e por isso o prazo de 5 dias para embargar terminou no dia 11.04.2022, não sendo de considerar o alegado pelo Embargado quanto ao eventual conhecimento anterior da sentença, uma vez que a Embargante, ao invocar a sua qualidade de credora, dispõe do mesmo prazo para embargar que é concedido aos outros credores.
E não releva o facto de os editais terem sido afixados apenas a 06.04.2022, pois como consta do anúncio, a data a considerar é a data da publicidade de anúncio, ou seja, o dia 01.04.2022.
A ser assim os embargos são extemporâneos, tendo de ser indeferidos.
Pelo exposto, e por terem sido deduzidos fora de prazo, indefiro os embargos à insolvência deduzidos por AA, podendo as questões por si suscitadas ser apreciados em sede de eventual impugnação dos créditos reconhecidos pelo Sr. BB».
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso apresentou as seguintes conclusões:
I. A decisão ora recorrida ao não reconhecer a alegada extemporaneidade dos embargos apresentados pela ora Recorrente violou as disposições constantes dos artigos 241.º do CPC e 37.º do CIRE.
II. Com efeito, ao ter sido ordenada a citação por edital caberia ao tribunal cumprir a lei e a lei determina que primeiramente devem ser afixados os editais, e posteriormente à realização deste acto, publicado o anúncio.
III. Este é, pois, a ordem dos atos processuais definidos pela lei e reconhecidos, em caso em todo idêntico pelo acórdão da Veneranda Relação de Évora anteriormente mencionado datado de 11/04/2019 cujo Sumario e fundamentação foram transcritas.
IV. Nos presentes autos os editais apenas foram publicados no dia 6.04.2022, e o anúncio foi publicado, conforme consta da decisão recorrida no dia 01.04.22, ou seja, nos presentes autos foi violada a disposição do artigo 241.º do CPC o qual ordena que primeiro sejam fixados os editais e apenas em momento posterior o anúncio.
V. Neste caso, o anúncio foi publicado antes do edital, e da sua afixação, pelo que se violou a lei.
VI. Tendo sido violada a lei, entendeu o tribunal recorrido iniciar o computo do prazo no momento da publicação do anúncio e não a partir do momento em que todos os atos de publicidade exigidos pela lei, estivessem cumpridos.
VII. Como já decidiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora esta prática e esta decisão desrespeita a lei, devendo contar-se o prazo a partir do último ato de publicidade, ou seja, a fixação dos editais.
VIII. No caso dos presentes autos tal ato ocorreu em 06.04.22, devendo, pois, contar-se o prazo a partir dessa data (afixação do edital).
IX. Contado o prazo no termo da lei, teremos de concluir que o mesmo teria terminado no passado dia 16/04/2022, ou seja, um sábado,
X. Tendo terminado num sábado, dia da semana em que os tribunais se encontram encerrados, a sua prática transferiu-se para o primeiro dia útil posterior, ou seja, segunda-feira, dia 18.04.2022.
XI. Beneficiando ainda a ora Embargante da faculdade de poder praticar até ao 3º dia útil posterior, neste caso, quinta-feira dia 21.04.2022, data em que foi praticado, nos termos do disposto no artigo 139.º do CPC.
XII. Neste caso, teremos, pois, de concluir que o ato, apresentação de embargos, foi praticado tempestivamente ao invés do que decidiu a decisão recorrida.
XIII. Pelo que a mesma decisão terá de ser revogada neste segmento e conhecidos os embargos.
XIV. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que o anúncio publicado no passado dia 01.04.2022, foi um ato nulo nos termos do disposto no artigo 195.º do CPC, uma vez que no momento em que foi realizado ainda não tinham sido praticados dois atos essenciais a sua regularidade, como seja, a afixação de editais.
XV. A ausência de fixação de editais prévia a publicação de anúncio, constitui uma nulidade, pelo que, sendo um ato nulo deve, nos termos do artigo 195.º ser anulado todo o processo subsequente.
XVI. No entanto, de acordo com o Acórdão de Tribunal de Évora já citado, tal nulidade poderá ser evitada desde que sejam conhecidos os embargos apresentados.
XVII. Nos termos do artigo 665.º pode o tribunal de recurso substituir-se ao tribunal recorrido.
XVIII. Ora, no caso dos presentes autos, o Recorrido carece de legitimidade para interpor a presente ação uma vez que o crédito que invoca como fundamento de legitimidade foi declarado prescrito, por decisão com trânsito em julgado, proferida em 21/12/2021, transitada em julgado no passado dia 5/01/2022 no processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ... - Juízo de Comércio - Juiz ... sob o n.º 4591/21.... - Insolvência pessoa singular, no qual a ora Recorrente foi Requerida, o Embargado Requerente, nos termos dos documentos n.º 11 a 15 da petição de embargos, constituídos por certidões judiciais dos referidos autos, que são inquestionáveis.
XIX. Assim, o tribunal recorrido não conheceu esta legitimidade fundada na autoridade de caso julgado, a qual pode e deve ser conhecida pelo tribunal de recurso.
XX. A autoridade do caso julgado e o caso julgado são elementos fundamentais de segurança jurídica.
XXI. Ora, como foi referido anteriormente, a presente insolvência foi decretada sem que houvesse ninguém a representar a insolvente, sendo que nestes casos existe um dever inquisitório reforçado.
XXII. O processo de insolvência não se destina a cobrança de créditos prescritos, muito menos quando a sua prescrição foi declarada e conhecida com transito em julgado.
XXIII. O tribunal recorrido ao não querer conhecer este facto, violou a autoridade do caso julgado, não podendo nem devendo o conhecimento desta decisão essencial ser postergado para momento ulterior.
XXIV. Uma vez que existia conhecimento dos autos deste facto – prescrição do crédito do Requerente e Recorrido – caberia o seu conhecimento ao abrigo dos poderes de inquisição.
XXV. Contudo, e uma vez que duvidas não haverá sobre a tempestividade dos embargos, caberá ao tribunal de recurso conhecer a prescrição do crédito do embargo e recorrido nos termos do disposto no artigo 665.º, declarando-se o Embargado parte ilegítima uma vez que o crédito que invoca encontra-se prescrito, não podendo ser exigido.
Termos em que deve o presente recurso ser recebido, conhecido, revogando-se a decisão recorrida no segmento respeitante à tempestividade da apresentação dos embargos, atentas as disposições dos artigos 37.º do CIRE e 241.º do C.P.C., bem como da jurisprudência desse mesmo tribunal.
Igualmente deverá ser conhecido a prescrição do crédito invocado, que consta de sentença judicial já transitada e devidamente invocada neste recurso, ordenando-se a revogação da decisão recorrida na sua totalidade, conhecendo-se a ilegitimidade do recorrido, e revogando-se a decisão recorrida, fazendo-se assim justiça.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da tempestividade da apresentação dos embargos à insolvência e à possibilidade de conhecimento das demais questões suscitadas por parte do Tribunal ad quem.
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III – Dos factos com interesse para a justa decisão da causa:
1. A sentença declaratória de insolvência foi proferida em 31/03/2022.
2. Consta do edital de citação dos credores que correm éditos de 5 dias para, entre outros, a dedução de embargos, igualmente no prazo de 5 dias.
3. E que o prazo para dedução de embargos se inicia com a publicação do anúncio.
4. O edital foi afixado no dia 06/04/2022.
5. Os presentes embargos foram intentados em 21/04/2022.
6. A publicação do anúncio ocorreu no dia 01/04/2022.
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IV – Fundamentação:
A questão fundamental assenta na apreciação da tempestividade dos embargos à insolvência apresentados pela recorrente e essa matéria está associada à interpretação das regras inscritas nos artigos 241.º[1] do Código de Processo Civil e 37.º[2] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Relativamente à notificação da sentença, tal como se extraí do disposto no n.º 7 do referenciado artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, para além do regime de conhecimento da decisão por parte dos 5 maiores credores e de alguns credores específicos, os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.
De acordo com a lei, os editais e anúncios devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) a e) e i) a n) do artigo 36.º[3] do referido diploma, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior.
Os objectivos visados com a notificação são prioritariamente três: proceder à convocação dos credores para que reclamem atempadamente os seus créditos e assim possam ficar em condições de exercer os demais direitos que a lei lhes confere lhes confere em consideração dessa qualidade; abrir espaço à eventual reacção à sentença, que se procederá em obediência aos artigos 40.º[4] e 42.º[5], conforme os casos; constituir o devedor e os administradores no especial dever de agirem em conformidade com a nova situação, garantindo, na correspondente medida, a eficácia plena da decisão»[6].
Os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo Tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
Vejamos.
A citação edital desdobra-se em vários actos, praticados em momentos diferentes. Na verdade, trata-se de um acto composto, cuja completude e perfeição implica a concretização de duas etapas sucessivas para a formalização da citação edital, pois só assim existe a garantia suficiente da cognoscibilidade pelo destinatário da existência do processo e da decisão de insolvência para os fins pressupostos pela norma.
A citação considera-se feita no dia da publicação do anúncio, que é posterior à afixação do edital[7]. A lei pressupõe que a ordem em causa é prosseguida. Aqui o problema surge porque no caso concreto ocorreu uma inversão da lógica e da temporalidade procedimental. E assim importa decifrar em que data ocorreu a eficácia plena da decisão para efeitos de reacção à decisão de decretamento da insolvência.
Na situação vertente, a questão controversa está associada ao início da contagem do prazo e o Tribunal recorrido firmou o entendimento que «não releva o facto de os editais terem sido afixados apenas a 06.04.2022, pois como consta do anúncio, a data a considerar é a data da publicidade de anúncio, ou seja, o dia 01.04.2022».
Na perspectiva do recorrente esta inversão da ordem das coisas não é admissível e o processo de insolvência reclama aqui a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, face à disciplina precipitada no artigo 17.º[8] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
E, nesta dimensão, foi postergada na citação do apelante uma formalidade essencial que impede que a data da publicação do anúncio seja o momento determinante para o início do cômputo do prazo para deduzir embargos. A não ser assim, também a preterição da afixação de editais não teria qualquer efeito e somos consequentemente defensores da tese que, nestes casos, havendo inversão da ordem cronológica estabelecida pela lei, o prazo para o exercício dos direitos associados apenas se inicia quando o acto de citação edital se mostre completo e perfectibilizado.
Efectivamente, o n.º 8 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas determina que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação de créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio, mas fá-lo no pressuposto de que foi este o último acto de publicidade praticado.
Por conseguinte, tal como já foi decidido neste Tribunal da Relação de Évora, tendo ocorrido a inversão da ordem cronológica imposta por lei, sempre que daí resultar um prejuízo para algum dos destinatários, ter-se-á de admitir como tempestivamente deduzidos os embargos pelo credor que, respeitando o prazo fixado para o efeito, o computa a partir da afixação do edital por ter sido esse efectivamente o último acto de publicidade realizado[9].
Quanto à contra-argumentação apresentada pela recorrida importa salientar que o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; está presente, desde logo, na norma do artigo 334.º do Código Civil que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte.
O instituto do abuso de direito arranca da constatação de que há certas situações em que o exercício formalmente correcto das faculdades contidas em certa esfera ou posição podem determinar uma solução jurídica que concretamente contraria os limites do seu reconhecimento e tutela[10].
Assim, neste particular assiste razão à recorrente e não existe aqui qualquer actuação abusiva tal como é proposto pela instituição bancária recorrida. E, por conseguinte, deve ser considerada tempestiva a oposição mediante embargos.
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Numa perspectiva dinâmica, fora do quadro das excepções legais, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Na verdade, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[11]. No mesmo sentido pode ser consultado Nuno Pissarra[12].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[13] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas[14] [15].
Por isso, como os recursos visam o reexame, por parte do Tribunal superior de questões precedentemente resolvidas pelo Tribunal a quo e não a pronúncia do Tribunal ad quem sobre questões novas, não vigora aqui a regra da substituição do Tribunal recorrido ao abrigo do disposto no artigo 665.º[16] do Código de Processo Civil.
Assim, relativamente às questões da autoridade do caso julgado, da prescrição ou outra que não tenha sido conhecida pela Primeira Instância em virtude da prolação da decisão recorrida, por não se estar perante um cenário de nulidade ou de possibilidade de conhecimento pelo Tribunal de Recurso, as demais questões suscitadas não serão objecto de apreciação nesta sede.
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, julgando-se tempestiva a apresentação dos embargos e, consequentemente, ordena-se o prosseguimento dos autos para conhecimento das questões suscitadas em sede de articulados.
Custas a final pela parte vencida, na proporção em que o for, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Notifique.
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Processei e revi.
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Évora, 15/09/2022
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] Artigo 241.º (Conteúdo do edital e anúncio):
1 - O edital especifica:
a) A ação para que o ausente é citado, o autor e, em substância, o pedido deste;
b) O tribunal em que o processo corre;
c) O prazo para a defesa, a dilação e a cominação, explicando que o prazo para a defesa só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da data de publicação do anúncio;
d) A data da respetiva afixação.
2 - O anúncio reproduz o teor do edital e menciona o local da respetiva afixação.
[2] Artigo 37.º (Notificação da sentença e citação):
1 - Os administradores do devedor a quem tenha sido fixada residência são notificados pessoalmente da sentença, nos termos e pelas formas prescritas na lei processual para a citação, sendo-lhes igualmente enviadas cópias da petição inicial.
2 - Sem prejuízo das notificações que se revelem necessárias nos termos da legislação laboral, nomeadamente ao Fundo de Garantia Salarial, a sentença é igualmente notificada ao Ministério Público, ao Instituto de Segurança Social, ao requerente da declaração de insolvência, ao devedor, nos termos previstos para a citação, caso não tenha já sido citado pessoalmente para os termos do processo e, se este for titular de uma empresa, à comissão de trabalhadores.
3 - Os cinco maiores credores conhecidos, com exclusão do que tiver sido requerente, são citados nos termos do n.º 1 ou por carta registada, consoante tenham ou não residência habitual, sede ou domicílio em Portugal.
4 - Os credores conhecidos que tenham a residência habitual, o domicílio ou a sede estatutária num Estado-membro diferente daquele em foi aberto o processo, incluindo as autoridades fiscais e os organismos da segurança social desses Estados-membros, são citados por carta registada, sem demora, em conformidade com o artigo 54.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015.
5 - Havendo créditos do Estado, de institutos públicos sem a natureza de empresas públicas ou de instituições da segurança social, a citação dessas entidades é feita por carta registada.
6 - O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de notificação e citação por via electrónica, nos termos previstos em portaria do Ministro da Justiça.
7 - Os demais credores e outros interessados são citados por edital, com prazo de dilação de cinco dias, afixado na sede ou na residência do devedor, nos seus estabelecimentos e no próprio tribunal e por anúncio publicado no portal Citius.
8 - Os editais e anúncios referidos no número anterior devem indicar o número do processo, a dilação e a possibilidade de recurso ou dedução de embargos e conter os elementos e informações previstos nas alíneas a) a e) e i) a n) do artigo anterior, advertindo-se que o prazo para o recurso, os embargos e a reclamação dos créditos só começa a correr depois de finda a dilação e que esta se conta da publicação do anúncio referido no número anterior.
[3] Artigo 36.º (Sentença de declaração de insolvência):
1 - Na sentença que declarar a insolvência, o juiz:
a) Indica a data e a hora da respectiva prolação, considerando-se que ela teve lugar ao meio-dia na falta de outra indicação;
b) Identifica o devedor insolvente, com indicação da sua sede ou residência;
c) Identifica e fixa residência aos administradores, de direito e de facto, do devedor, bem como ao próprio devedor, se este for pessoa singular;
d) Nomeia o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional;
e) Determina que a administração da massa insolvente será assegurada pelo devedor, quando se verifiquem os pressupostos exigidos pelo n.º 2 do artigo 224.º;
f) Determina que o devedor entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos referidos no n.º 1 do artigo 24.º que ainda não constem dos autos;
g) Decreta a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade do devedor e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos e sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 150.º;
h) Ordena a entrega ao Ministério Público, para os devidos efeitos, dos elementos que indiciem a prática de infracção penal;
i) Caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no artigo 187.º;
j) Designa prazo, até 30 dias, para a reclamação de créditos;
l) Adverte os credores de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem;
m) Adverte os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente;
n) Designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes, para a realização da reunião da assembleia de credores aludida no artigo 156.º, designada por assembleia de apreciação do relatório, ou declara, fundamentadamente, prescindir da realização da mencionada assembleia.
2 - O disposto na parte final da alínea n) do número anterior não se aplica nos casos em que for previsível a apresentação de um plano de insolvência ou em que se determine que a administração da insolvência seja efetuada pelo devedor.
3 - Nos casos em que não é designado dia para realização da assembleia de apreciação do relatório, nos termos da alínea n) do n.º 1, e qualquer interessado, no prazo para apresentação das reclamações de créditos, requeira ao tribunal a sua convocação, o juiz designa dia e hora, entre os 45 e os 60 dias subsequentes à sentença que declarar a insolvência, para a sua realização.
4 - Nos casos em que não é designado dia para realização da assembleia de apreciação do relatório nos termos da alínea n) do n.º 1, os prazos previstos neste Código, contados por referência à data da sua realização, contam-se com referência ao 45.º dia subsequente à data de prolação da sentença de declaração da insolvência.
5 - O juiz que tenha decidido não realizar a assembleia de apreciação do relatório deve, logo na sentença, adequar a marcha processual a tal factualidade, tendo em conta o caso concreto.
[4] Artigo 40.º (Oposição de embargos):
1 - Podem opor embargos à sentença declaratória da insolvência:
a) O devedor em situação de revelia absoluta, se não tiver sido pessoalmente citado;
b) O cônjuge, os ascendentes ou descendentes e os afins em 1.º grau da linha recta da pessoa singular considerada insolvente, no caso de a declaração de insolvência se fundar na fuga do devedor relacionada com a sua falta de liquidez;
c) O cônjuge, herdeiro, legatário ou representante do devedor, quando o falecimento tenha ocorrido antes de findo o prazo para a oposição por embargos que ao devedor fosse lícito deduzir, nos termos da alínea a);
d) Qualquer credor que como tal se legitime;
e) Os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente;
f) Os sócios, associados ou membros do devedor.
2 - Os embargos devem ser deduzidos dentro dos 5 dias subsequentes à notificação da sentença ao embargante ou ao fim da dilação aplicável, e apenas são admissíveis desde que o embargante alegue factos ou requeira meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência.
3 - A oposição de embargos à sentença declaratória da insolvência, bem como o recurso da decisão que mantenha a declaração, suspende a liquidação e a partilha do activo, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 158.º.
[5] Artigo 42.º (Recurso):
1 - É lícito às pessoas referidas no n.º 1 do artigo 40.º, alternativamente à dedução dos embargos ou cumulativamente com estes, interpor recurso da sentença de declaração de insolvência, quando entendam que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido proferida.
2 - Ao devedor é facultada a interposição de recurso mesmo quando a oposição de embargos lhe esteja vedada.
3 - É aplicável à interposição do recurso o disposto no n.º 3 do artigo 40.º, com as necessárias adaptações.
[6] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 263.
[7] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 471.
[8] Artigo 17.º (Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil).
1 - Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.
2 - A tramitação eletrónica dos processos abrange os atos a cargo dos administradores judiciais ou dos que perante si sejam praticados, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
[9] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/04/2019, publicitado em www.dgsi.pt.
[10] Tatiana Guerra de Almeida, em anotação ao artigo 334.º do Código Civil, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, pág. 788.
[11] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[12] Nuno Andrade Pissarra, “O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, páginas 287 e seguintes, acessível no site http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra.
Neste enquadramento visa-se evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se prejudique o normal andamento da causa.
[13] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[14] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre», in www.dgsi.pt.
[15] Também na segunda instância a jurisprudência editada é idêntica: No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».
[16] Artigo 665.º (Regra da substituição ao tribunal recorrido):
1 - Ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação.
2 - Se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários.
3 - O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias.