Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
557/18.0T8FAR.E1
Relator: MARIA DOMINGAS
Descritores: REIVINDICAÇÃO
POSSE
MERA DETENÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Não deve ser havido como possuidor, mas antes como mero detentor, aquele que exerce sobre determinadas fracções actos materiais de uso e fruição, sem que tenha feito prova de um modo aquisitivo da posse, nem da intencionalidade que comanda tal actuação.
II. Feita pelo reivindicante a prova da titularidade do direito de propriedade, resulta do disposto no art.º 1311.º do CC que não podem os possuidores ou meros detentores recusar a restituição do imóvel reivindicado, salvo os casos da existência de justo título que lhes permita permanecer no respectivo gozo.
III. A ocupação ilícita de imóveis, importando para o titular do direito de propriedade a privação do respectivo gozo, designadamente impedindo-o de os rentabilizar através do arrendamento ou promover a sua venda lucrativa, uso normal e corrente que deles fazia, constitui um dano indemnizável, não se impondo ao lesado que alegue e prove a existência de concretas propostas que se tenha visto na contingência de recusar.
IV. É de aceitar como critério válido de cálculo da indemnização o valor locativo das fracções.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 557/18.0T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 2


I. Relatório
(…), solteiro, maior, residente na Praceta (…), Bloco 1, Fração H, (…), Albufeira,
(…), Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em (…), Sítio do (…), Almancil;
(…), Unipesssoal, Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em (…), Sítio do (…), Almancil; e
(…), Lda., pessoa coletiva n.º (…), com sede em Urbanização (…), Sítio do (…), Vila (…), em Almancil,
instauraram contra
(…), Lda., pessoa coletiva nº (…), com sede na Casa (…), Caixa Postal (…), Caminho de (…), Albufeira, a presente acção declarativa, que disseram ser de simples apreciação, pedindo a final fossem “reconhecidos como possuidores das frações “M”, “N”, “P” e “Q” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…)”.
Em fundamento alegaram, acatando prévio convite ao aperfeiçoamento, que são os únicos e legítimos possuidores das identificadas fracções, as quais lhes foram entregues pela Ré no ano de 2016 na sequência de relações comerciais que com ela estabeleceram, incumbindo aos demandantes, sem dependência de prazo, a gestão do espaço, de forma a potenciar o seu valor e tendo em vista a sua posterior venda aos próprios pelo preço de € 667.085,84, quantia que o A. (…) investira na sociedade ré. Desde a referida entrega são os AA quem, de forma ininterrupta, com conhecimento de todos e sem qualquer impedimento, vem garantindo a limpeza e segurança do espaço, usando e fruindo as fracções em seu exclusivo proveito, posse que a Ré de resto reconhece, tanto assim que solicitou ao A. (…) que as desocupasse, o que motiva a propositura da presente acção.
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Citada, a ré contestou, impugnado a factualidade alegada pelos AA, os quais, segundo alegou, vêm ocupando e retendo ilegitimamente as fracções, ignorando a reiterada oposição da contestante e os insistentes pedidos de entrega.
Com fundamento nos prejuízos que a descrita actuação dos AA lhe vem causando, obstando ao arrendamento das fracções e frustrando potenciais negócios de venda das mesmas, tanto mais que lograram proceder ao registo da presente acção, formulou a final pedido reconvencional, pedindo a condenação dos reconvindos no pagamento da quantia de € 137.500,00, valor correspondente ao rendimento que as mesmas fracções teriam proporcionado desde a data do registo da posse.
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Realizada a audiência final foi proferida sentença que decretou a improcedência da acção, absolvendo a Ré do pedido, mas julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional, reconhecendo a ré/reconvinte (…), Lda., como proprietária e legítima possuidora das frações “M”, “N”, “P” e “Q” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…) e condenando os reconvindos a restituírem à ré as mencionadas frações, livres e desocupadas de pessoas e bens, a absterem-se da prática de quaisquer atos que afetem ou diminuam tal direito e impeçam a respectiva utilização e ainda no pagamento de uma indemnização, a liquidar, correspondente ao valor locativo das frações, desde 1 de junho de 2018 até à sua efetiva desocupação.

Inconformados, apelaram os AA e, tendo desenvolvido nas alegações as razões da sua discordância com o decidido, formularam a final as seguintes conclusões:
“1º. O Arguido tem legitimidade e está em tempo![1]
2º. Os AA., por si e em seus nomes próprios, e desde essa data, que, contínua e ininterruptamente, isto é, sem qualquer hiato temporal, à vista de toda a gente, sem qualquer oposição seja de quem for, de boa-fé, utilizam, fruem e ocupam tais fracções, na convicção firme de que efectivamente as fruem, utilizam e possuem por serem, como efectivamente são, seus únicos e legítimos possuidores.
3º. Os AA. são quem, por si e ininterruptamente desde 2012, com o conhecimento de todos, sem qualquer impedimento, seja de quem for, vigia pela limpeza e segurança de tais fracções e delas retira as suas utilidades, na convicção firme de ser, como são, os correspondentes responsáveis e possuidores.
4º. Os AA. não lesam qualquer direito de outrem.
5º. Os AA. fruem e utilizam as citadas fracções pacífica, legítima e publicamente.
6º. Os AA. possuem e usam as referidas fracções em seu exclusivo proveito e interesse.
7º. Os AA. fizeram obras de manutenção, melhoria e inovação nas referidas fracções.
8º. São os AA. desde essa data quem suporta todas as despesas de material, montagem de equipamento, limpeza e manutenção.
9º. São os AA. que zelam pela limpeza e segurança das fracções.
10º. Sempre à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém.
11º. São os legítimos possuidores.
12º. Foi a R. quem entregou as referidas fracções aos AA., no âmbito das relações comerciais entre as partes.
13º. A R. reconhece a posse dos AA. sobre as ditas fracções.
14º. A Sentença proferida está inquinada por erro de julgamento quanto à matéria de facto apurada, que condicionou as conclusões de direito proferidas.
15º. Não pode ser ignorado que os meios de prova descriminados impunham uma conclusão diferente quanto ao reconhecimento dos AA. como possuidores das fracções em causa.
16º. Na perspectiva dos Recorrentes, da douta Sentença extrai-se que a Mª Juiz incorreu em erro de julgamento, pois avaliou deficientemente alguns pontos da matéria de facto, o que levou a uma incorrecta subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável.
17º. A douta Sentença dá como provados factos que só por si levariam a uma decisão diferente da que resulta da Sentença.
18º. Tendo em conta a prova disponível nos autos e a produzida em sede de julgamento, designadamente a testemunhal, existem pontos da matéria de facto que se mostram mal julgados, distorcendo desta forma a decisão de direito formulada razão pela qual especificamente se impugnam para efeitos do artigo. 640º do CPC.
19º. Os Recorrentes fizeram prova da posse das referidas fracções e dos actos materiais de posse.
20º. Ao contrário do que resulta da douta Sentença, os motivos essenciais e elementos da posse foram bem explicados pela prova testemunhal apresentada.
21º. Foram provados todos os actos materiais da posse e tem que se frisar que a douta Sentença deu como provado que o A. (…) tem utilizado, fruído e ocupado tais fracções, vigia pela limpeza e segurança das mesmas e delas retira as suas utilidades em seu exclusivo proveito e interessa ou das empresas AA e às suas custas.
22º. A douta sentença entra em contradição consigo mesmo, com os factos provados e com a conclusão que retira dos mesmos.
23º. O que resulta da douta sentença é que a mesma só não dá como provada a posse dos AA. porque não vislumbra qualquer direito real subjacente. É verdade que os AA. reconhecem e não põem em causa o direto de propriedade da Ré sobre as referidas fracções, mas o facto de reconhecerem a propriedade não retira a posse aos mesmos.
24º. Direitos reais não é apenas a propriedade. A própria douta Sentença nos factos provados reconhece um direito real, o USO, previsto e regulado nos artigos 1484.º e seguintes. Aliás, os AA. alegaram tais factos na PI e comprovaram-no, a douta Sentença dá comprovado esse mesmo direito.
25º. Resulta do exposto que a douta Sentença erra quando refere que “(...) os autores – nem (…) nem as sociedades autoras – provaram deter as frações e fazê-lo de forma correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real”. O que como supra se demostrou não corresponde à verdade.
26º. Conclui-se, assim, que o facto de Ré ser a legítima proprietária das fracções não impede a posse por parte dos AA. e que aqui está em discussão.
27º. Conclui-se assim que os Recorrentes são os únicos e legítimos possuidores das fracções M, N, P e Q do prédio urbano denominado “(…), sito em (…), Albufeira.
28º. Quanto ao pedido reconvencional, também não se entende a decisão final. A douta Sentença refere que “Ocorre que a reconvinte não demonstrou que se tivesse oposto a essa detenção antes de ter formulado aqui o pedido reconvencional quando o podia ter feito, desde logo no processo n.º 1244, no qual, realmente, não foi formulado qualquer pedido.”
29º. A douta Sentença está a decidir sobre uma questão de que não poderia tomar conhecimento.
30º. O facto de ter dado como provado que a ocupação por parte dos AA. poderá hipoteticamente impossibilitar o arrendamento não dá o “direito” de julgar procedente o pedido reconvencional. A Ré não fez prova e não se fez qualquer prova em julgamento que existisse a real possibilidade de um arrendamento ou que a mesma estive a ser prejudicada de alguma forma, são apenas suposições da douta Sentença.
31º. A sentença é nula nos termos do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, 615º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC e erro de julgamento.
32º. A douta Sentença não especifica os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão. Limita-se simplesmente a invocar um artigo, a referir partes dos depoimentos, que aliás apontam para tudo menos para a decisão tomada.
33º. Os fundamentos da Sentença estão em oposição com a decisão.
34º. A douta Sentença dá como provado que “(…) tem utilizado, fruído e ocupado tais frações (art. 3.º da petição inicial), vigia pela limpeza e segurança de tais frações e deles retira as suas utilidades (art. 4.º da petição inicial), em seu exclusivo proveito e interesse ou das empresas autoras (art. 7.º da petição inicial), às suas custas (arts. 8.º a 11.º da petição inicial.), e depois decide em sentido contrário.
35º. A Sentença conhece questões de que não deveria tomar conhecimento.
36º. A Sentença julga procedente o pedido reconvencional com base em nenhum facto provado.
37º. O Tribunal não respeitou as regras na interpretação, valoração e sistematização da prova.
38º. A Douta Sentença sofre de qualquer erro, vício e nulidade.
39º. Deve ser reparada a Sentença, quer na parte da fundamentação, quer na parte decisória.
40º. Assiste toda a razão aos Recorrentes.
41º. Deve ser revogada a douta Sentença.
Indicou como normas jurídicas violadas as contidas nos art.ºs 1255.º e ss e 1484º do CC; art.ºs 608º, n.º 2, 615º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do CPC.
Contra alegou a ré/recorrida, defendendo naturalmente a manutenção do julgado.
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Delimitação do objecto do recurso:
No corpo das alegações os apelantes indicaram ter a sentença incorrido em erro de julgamento quanto “à matéria de facto apurada”, sustentando que a reapreciação da prova testemunhal e documental proferida “impõe uma diferente conclusão”. Na parte B) dessas alegações, na qual alude ao “ponto 7 dos factos provados e ponto 1 dos não provados”, procede a longas transcrições do depoimento de parte prestado por (…), testemunhos de (…) e (…) e declarações de parte de (…), sem que, todavia, delas extraia qualquer conclusão.
Nas conclusões formuladas os recorrentes retomaram a temática do erro na decisão da matéria de facto, designadamente nas enunciadas sob os n.ºs 14., 15., 16. e 18.
"14º. A Sentença proferida está inquinada por erro de julgamento quanto à matéria de facto apurada, que condicionou as conclusões de direito proferidas.
15º. Não pode ser ignorado que os meios de prova descriminados impunham uma conclusão diferente quanto ao reconhecimento dos AA. como possuidores das fracções me causa.
16º. Na perspectiva dos Recorrentes, da douta Sentença extrai-se que a Mª Juiz incorreu em erro de julgamento, pois avaliou deficientemente alguns pontos da matéria de facto, o que levou a uma incorrecta subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável.
(…)
18º. Tendo em conta a prova disponível nos autos e a produzida em sede de julgamento, designadamente a testemunhal, existem pontos da matéria de facto que se mostram mal julgados, distorcendo desta forma a decisão de direito formulada, razão pela qual especificamente se impugnam para efeitos do artigo 640º do CPC.
Face ao teor da alegação e transcritas conclusões importa, antes de mais, verificar se foram observados os ónus formulados pelo convocado artigo 640.º do CPC.
Dispõe o n.º 1 do mencionado preceito que, sendo impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deverá o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, “a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (vide n.º 1).
Resulta do assim preceituado que o impugnante da matéria de facto está vinculado ao cumprimento de três requisitos formais, cuja inobservância conduz à rejeição do recurso nesta parte, a saber: i. terá necessariamente de especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; ii. terá ainda de especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo da gravação, que imponham uma decisão diversa sobre os pontos de facto objecto da impugnação, ónus cujo cumprimento demanda a reapreciação crítica dos meios de prova e, estando em causa prova gravada, a exacta indicação das passagens em que o recorrente funda a sua discordância, podendo, se o entender, proceder à respectiva transcrição; iii. terá finalmente de enunciar a decisão alternativa.
Por outro lado, sabendo-se que é pelas conclusões que se define o objecto do recurso (cfr. artigo 635.º do CPC), delimitando os poderes de cognição do tribunal superior de recurso, havendo impugnação da matéria de facto é de exigir ao impugnante que nelas especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e, bem assim, o sentido da decisão que sobre eles, em seu entender, deverá ser proferida, sob pena de se terem tais questões de facto por excluídas do objecto do recurso.
Vistas as alegações produzidas pela recorrente e a despeito da sua já referida declarada intenção de impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, constata-se que em parte alguma, quer das alegações, quer das conclusões, a recorrente especificou os pontos de facto que tinha por incorrectamente julgados, fosse por referência à sentença - que elencou com precisão os julgados provados e não provados - fosse por referência aos articulados.
Tal omissão, não suprível mediante convite ao aperfeiçoamento, importa antes a rejeição do recurso na parte em que impugna a decisão da matéria de facto, impugnação de que, com o apontado fundamento, não se conhecerá (cfr. artigo 640.º, n.º 1, do CPC).
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Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, são as seguintes as questões submetidas à apreciação deste Tribunal de recurso:
i. das nulidades da sentença;
ii. da posse;
iii. do direito da reconvinte a uma indemnização.
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i. Das nulidades da sentença
Os recorrentes dizem ser a sentença nula, imputando-lhe os vícios da falta de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e excesso de pronúncia previstos, respectivamente, nas als. b) c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
A nulidade decorrente da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito a que se reporta a invocada al. b) do preceito em referência sanciona, conforme é sabido, a violação do dever de fundamentação genericamente consagrado no artigo 154.º do CPC (vide n.º 1).
O dever de fundamentação das decisões corresponde a uma exigência constitucional (cfr. art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e, sendo um instrumento legitimador da própria decisão – quanto mais persuasivo for o seu discurso, mais facilmente será convencido o seu destinatário a acatar o respectivo conteúdo –, constitui ainda garantia da efectividade do direito ao recurso. Todavia, conforme sem divergência conhecida vem sendo entendido, só a absoluta, que não a deficiente ou pouco persuasiva fundamentação, recai na previsão legal. Assim, para que se verifique o vício da falta de fundamentação, exige a lei que tenham sido de todo omitidas as razões, de facto e/ou de direito, que conduziram à prolação daquela concreta decisão. O que não se verifica na sentença impugnada.
Com efeito, e tal como se verifica da mera leitura da decisão recorrida, foram elencados os factos provados e não provados, bem como os fundamentos jurídicos, tendo-se considerado no caso que a materialidade da factualidade apurada não permitia a caracterização da actuação dos recorrentes como posse mas antes como mera detenção, atento o disposto nos art.ºs 1251.º e 1253.º do CC, acrescentando-se ainda que sempre eventual posse por aqueles exercida cederia perante a prova de que era a Ré a titular do direito, o que conduziu à improcedência da pretensão formulada.
Os recorrentes discordam, como é seu direito, da decisão, mas não se verifica o imputado vício.
Ocorre ainda esclarecer que eventuais deficiências de fundamentação da decisão proferida quanto aos factos que, no dizer dos recorrentes, se verifica igualmente -tendo-se a Sr.ª juíza, nas suas palavras, limitado a reproduzir por súmula alguns dos depoimentos e testemunhos produzidos, sem apreciação crítica da prova-, podendo dar lugar à sua anulação parcial quando e se estiver em causa facto essencial nos termos prevenidos na al. d) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC, não integra as causas de nulidade da sentença taxativamente previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do antes citado art.º 615.º do mesmo diploma legal. Não é, contudo, o caso dos autos, encontrando-se a decisão proferida sobre os factos suficientemente fundamentada, nela se dando conta das razões pelas quais a testemunha (…), para dar um exemplo, não mereceu credibilidade ao julgador.
Não nos merece acolhimento, é certo, a afirmação de que a “autoridade do caso julgado” cobre “alguma factualidade vinculativa na relação entre (…) e a (…)”, no que parece ser uma referência ao conteúdo da sentença proferida no âmbito do processo 1244/16.9 T8FAR que opôs estas mesmas partes, porquanto, conforme é sabido, a factualidade assente no âmbito de um processo não pode ser importada para outro, encontrando-se subtraída ao caso julgado, quer na sua vertente exceptiva, quer no plano positivo ou de imposição da sua autoridade[2]. Todavia, vistos os factos provados, verifica-se que neles se encontra correctamente dada como assente apenas e só a factualidade que a certidão da sentença, enquanto documento autêntico, permite que se dê como demonstrada, pelo que o entendimento antes expresso, que cremos incorrecto, nenhuma interferência teve na decisão.
Quanto à também invocada existência de contradição entre os fundamentos e a decisão, importa referir brevemente que, tal como sintetizou o STJ, apelando aos ensinamentos de Amâncio Ferreira, em aresto de 30/5/2013, no processo n.º 660/1999.P1.S1, acessível em www.dgsi – e que embora proferido no domínio da lei cessante mantém plena actualidade – “A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”. E continua “A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, n.º 1, al. d), do CPC. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento”.
Os recorrentes, ao que se extrai das alegações, encontram contradição na circunstância de se terem dado como provados todos os factos constitutivos de uma situação de posse cujo reconhecimento a final lhes vem a ser negado com o fundamento de que não se vislumbra qual o direito real correspondente.
Face a tal alegação cremos incorrerem os recorrentes em claro equívoco, pois na sentença recorrida não foi reconhecida uma situação possessória, mas antes de mera detenção, termos em que, feita a prova de que era a Ré a titular do direito de propriedade sobre as fracções que, em via reconvencional, reivindicou, foi meramente consequente a procedência da reconvenção e improcedência da acção.
Por outro lado, a admitir que, por incorrecta interpretação das normas jurídicas aplicadas, se concluiu na sentença que os recorrentes não eram possuidores ao invés do que deveria ter sido reconhecido, não estamos perante o vício da contradição entre os fundamentos e a decisão, mas antes erro de julgamento, que nessa sede cumprirá apreciar. Pode discordar-se – e as apelantes mais uma vez discordam – da solução encontrada, mas essa é questão que atina ao julgamento da causa, não afectando a validade formal da sentença.
Finalmente, no que respeita ao vício do excesso de pronúncia igualmente imputado à decisão, sanciona a violação do dever de pronúncia consagrado no n.º 2 do art.º 608.º e aí delimitado. Nos termos do aqui preceituado, estando o juiz obrigado a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras), não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Os recorrentes alegam que o Tribunal excedeu o seu dever de pronúncia, pois “o facto de ter dado como provado que a ocupação por parte dos AA poderá hipoteticamente impossibilitar o arrendamento não dá o direito de julgar procedente o pedido reconvencional”. Mas mais uma vez não assiste razão aos recorrentes.
Não há dúvida de que, tendo a Ré formulado em via reconvencional pedido de condenação dos reconvindos no pagamento de indemnização pela ocupação indevida, o juiz estava obrigado a pronunciar-se sobre ele. Os recorrentes discordam do entendimento de que a privação do uso por força da ocupação que vêm fazendo das fracções constitua dano indemnizável e, bem assim, do critério seguido para fixação do montante indemnizatório. Trata-se, no entanto, e mais uma vez, de imputação de erro de julgamento, sem interferência na validade formal da sentença.
Improcede totalmente, nos termos expostos, a arguida nulidade da sentença.
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II. Fundamentação
De facto
1. A ré (…) figura no registo como proprietária das frações M, N, P, e Q, do prédio urbano denominado “(…)”, sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), por as ter adquirido à massa insolvente de (…), Construção Civil, compra e venda de propriedades, Lda. - Ap. (…) de 4/2/2016 (arts. 2.º da petição inicial e 1.º da contestação).
2. A (…) é uma sociedade por quotas cujo objecto consiste, além do mais, na administração, gestão e exploração de imóveis, de que é actual gerente (…), tendo (…) sido gerente da mesma entre Maio de 2013 e Junho de 2016 (fls. 120/345).
3. A (…) é gerida por (…), o qual é sócio com (…), identificado na audiência como seu pai (fls. 339).
4. A (…) é gerida por (…), seu gerente (fls. 341).
5. A (…) é gerida por (…), o qual é sócio com (…) – (fls. 343).
6. (…) disponibilizou à ré a quantia de € 291.241,14 para compra das frações à massa insolvente (art. 3.º do aperfeiçoamento).
7. (…) tem utilizado, fruído e ocupado tais frações, vigia pela limpeza e segurança das mesmas e dela retira as suas utilidades, em seu exclusivo proveito e interesse ou das empresas autoras e às suas custas (art.ºs 3.º, 4.º, 7.º e 8.º a 11.º da petição inicia).
7. a) Os AA reconhecem o direito de propriedade titulado pela Ré sobre as fracções identificadas em 1. (confissão constante dos art.ºs 2.º da petição e 15.º do articulado aperfeiçoado de fls. 139v.º-140, a considerar nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).
7. a) A Ré tem por objecto: a administração, gestão e exploração de imóveis, rústicos e urbanos, de instalações comerciais e industriais, de equipamentos e empreendimentos turísticos, próprios ou de terceiros, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, arrendamentos, exploração de estabelecimentos de restauração e bebidas e de estabelecimentos de diversão nocturna, realização e exploração de actividades de diversão e recreativas. Organização de actividades de animação turística (certidão permanente junta aos autos – facto dado como assentes nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC).
8. A ré solicitou, através da presente acção, que os autores desocupassem as frações, mas sem sucesso (art.º 15.º da petição inicial e art.º 7.º da contestação).
9. Os autores procederam ao registo da acção – Ap. (…), de 08.02.2018 (art. 8.º da contestação).
10. A existência de registos da acção em que se discute a posse dos autores sobre as frações dificulta a venda das mesmas pela ré (arts. 8.º e 9.º da reconvenção aperfeiçoada de fls. 133).
11. A ocupação das frações pelos autores impossibilita o arrendamento das frações pela ré (art.º 15.º da reconvenção aperfeiçoada de fls. 133).
12. No âmbito do processo que correu termos sob o n.º 1244/16.9T8FAR, em 10 de Maio de 2016, (…) e (…) pediram a condenação da aqui também ré a pagar-lhes a quantia global de € 667.085,84, decorrente de empréstimos que lhe teriam feito, de € 291.241,14 o primeiro e € 375.844,40 o segundo, e a ser reconhecido o direito de retenção sobre as mesmas.
Antes tinham pedido o arresto das mesmas frações, o qual veio a ser deferido, mas entretanto, em Fevereiro de 2019, vieram as providências a ser julgadas caducas – fls. 352 do apenso “A” (arts. 9.º e 10.º da contestação).
13. A acção veio a ser julgada improcedente por sentença de 20 de Março de 2017, confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora por acórdão de 8 de Novembro de 2018 – fls. 159 v./197 v. (art. 14.º da contestação).
14. (…) apresentou, neste mesmo tribunal, no âmbito do processo 1244/16.9T8FAR, uma versão factual distinta da que ora invoca, com o propósito de manter a ocupação sobre as ditas frações (art.º 19.º da contestação).
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2.2. Factualidade não provada
Ficou por demonstrar:
- Que desde o início do ano de 2016 que a ré (…), na qualidade de proprietária das frações M, N, P e Q do prédio urbano denominado “(…)”, sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), inscrito na matriz predial urbana no artigo (…), da freguesia de Albufeira e Olhos de Água, tenha entregado as mesmas aos autores para seu uso exclusivo (art.º 2.º da petição inicial), sem prazo específico, e após acordo através do qual a ré tivesse reconhecido não ter capacidade para explorar e manter o espaço limpo e organizado, e recebido de (…) a quantia de € 667.085,84, o preço pelo qual os autores viriam a adquirir as frações (arts. 3.º a 10.º do aperfeiçoamento).
- Que a ré reconheça qualquer posse dos AA. sobre as ditas frações (art. 14.º da petição inicial).
- O valor locativo de cada fracção (art.º 16.º da reconvenção aperfeiçoada de fls. 133).
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De Direito
ii. Da posse
Os autores e ora recorrentes pretendiam, com a propositura da presente acção, o reconhecimento da sua qualidade de possuidores das frações “M”, “N”, “P” e “Q” do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Albufeira sob o n.º (…), sendo a Ré a titular do direito de propriedade.
Tendo visto negada tal pretensão, insistem agora, nesta via de recurso, que a factualidade apurada nos autos evidencia a sua qualidade de possuidores, tendo a sentença recorrida errado na interpretação e aplicação aos factos das pertinentes normas jurídicas.
A posse, segundo a noção que nos é fornecida pela nossa lei civil, é “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real” (art.º 1251.º do Código Civil[3]).
Conforme vem sendo tradicionalmente entendido, aceitando que a nossa lei civil acolheu nesta matéria a tese subjectivista[4], a posse pressupõe a reunião do elemento material, “corpus”, que se traduz nos actos materiais praticados sobre a coisa, e do elemento psicológico, o “animus”, ou intenção de se comportar como verdadeiro titular do direito real correspondente aos actos materiais praticados. Todavia, reconhecida a dificuldade de fazer a prova da posse em nome próprio que não seja coincidente com a prova da titularidade do direito aparente, dispõe o n.º 2 do art.º 1252.º que “em caso de dúvida presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto[5], a não ser que não tenha iniciado a posse, sentido da ressalva final deste preceito.
No caso em apreço resultou provado apenas e tão-somente que o autor (…) tem utilizado, fruído e ocupado as fracções reivindicadas pela Ré, diligenciando pela limpeza e segurança das mesmas e delas retirando as suas utilidades, em seu exclusivo proveito e interesse ou das empresas autoras e às suas custas (cfr. ponto 7.). Será tal factualidade suficiente, conforme sustentam os apelantes, para que lhes seja reconhecida uma situação possessória – a qual, desde já se esclarece, não é reconhecida pela ré, não tendo obviamente valor declarativo como tal, antes pelo contrário, o pedido de restituição formulado.
Tendo presente que a posse se exerce por referência a um direito real, os actos descritos, na sua materialidade, assemelham-se ao aproveitamento feito pelo titular do direito de propriedade. Todavia, e conforme os AA reconhecem, é a Ré a titular deste direito, o que sempre seria de presumir à luz do que dispõe o art.º 7.º do Código do Registo Predial, pelo que nunca aqueles poderiam exercer posse em nome próprio nos termos do direito de propriedade. E porque não se apurou – nem sequer alegada foi – a intencionalidade que comanda tal actuação, resta a sua qualificação como mera detenção.
Defendem os apelantes (só) agora em sede de recurso que deverão ser havidos como possuidores nos termos de um direito real de gozo menor, no caso o direito de uso.
Previsto no art.º 1444.º, “O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família” (vide n.º 1), podendo adquirir-se por contrato, testamento ou disposição da lei (cf. art.º 1440.º, por expressa remissão do art.º 1485.º e com a excepção prevista na al. b) do art.º 1293.º). Ora, em parte alguma os AA invocaram o título constitutivo do direito de uso que pretendem agora lhes seja reconhecido ou alegaram sequer factos susceptíveis de o identificar, tendo-se limitado a alegar, sem provar, que as fracções lhes tinham sido entregues pela própria ré, para as usarem e fruírem. Deste modo, e porque já se afastou que actuassem sobre as fracções nos termos do direito de propriedade, tal importa a degradação da apurada actuação material para a categoria da mera detenção.
Por outro lado, reconhecendo embora que enquanto situação jurídica abstracta a posse é independente dos direitos a que se reporta, podendo ser adquirida por algum dos modos previstos no art.º 1263.º, para além do facto de os recorrentes não terem logrado fazer prova de aquisição da posse em nome próprio, resulta ainda do disposto no art.º 1278.º que, recorrendo ao tribunal, o possuidor só será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito.
Finalmente, nos termos do art.º 1311.º, tendo a Ré apelada em sede reconvencional pedido a restituição das fracções, demonstrada a titularidade do direito de propriedade sobre as mesmas - que os recorrentes, de resto, não questionam, antes reconhecem - não podem estes, independentemente da sua qualidade de possuidores ou meros detentores, recusar a respectiva restituição, uma vez que não invocaram qualquer título que lhes permitisse permanecer no seu gozo.
Improcedem, pelo exposto, e nesta parte, os argumentos recursivos, impondo-se manter a decisão, na parte em que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção no que respeita ao pedido de reconhecimento do direito de propriedade da reconvinte e condenação dos reconvindos na restituição dos imóveis.
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iii. Da indemnização pela privação do uso
Insurgem-se os reconvindos contra a condenação de que foram alvo, com fundamento no facto da reconvinte não se ter feito prova do dano, uma vez que não se demonstrou que existisse qualquer possibilidade real de arrendar as fracções, ainda que desocupadas.
O problema da ressarcibilidade do denominado dano da privação do uso não tem merecido por parte dos nossos tribunais uma resposta uniforme. Tal como se reconhece no acórdão do STJ de 14/7/2016 (processo 3102/12.7TBVCL.G1.S1, acessível em www.dgsi.pt), é possível surpreender um primeiro grupo de decisões que faz depender o arbitramento da indemnização, considerando existir dano reparável, da demonstração do não uso do bem atingido, existindo o propósito de dele se aproveitarem as respectivas utilidades, ao passo que noutros arestos se exige ainda a prova de um dano concreto.
A este respeito, tendo para nós que estamos perante um dano de natureza patrimonial, orientação que cremos hoje largamente maioritária, perfilha-se o entendimento de que a ocupação ilícita de imóveis, como é o caso dos autos, importando para o titular do direito de propriedade a privação do respectivo gozo, impedindo-o designadamente de os rentabilizar através do arrendamento ou promover a sua venda lucrativa, uso normal e corrente que deles fazia, constitui um dano indemnizável, não se impondo ao lesado que alegue e prove a existência de concretas propostas que se tenha visto na contingência de recusar. Bastará, portanto, “que a realidade processual mostre que o lesado pretendia usar a coisa ou que normalmente a usaria, para que o dano decorrente da sua privação ocorra e, por via disso, a respectiva indemnização pela privação do uso seja devida” (do aresto acima citado, podendo ver-se no mesmo sentido, os acórdãos do STJ de 2/6/2009, processo 1583/1999.S1 e de 1/3/2018, processo 4685/14.2 T8FNC.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt; na doutrina Prof. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 9.ª edição, pág. 348).
No caso em apreço, como se vê da factualidade apurada, a recorrida é uma sociedade que tem por objecto precisamente, e para além do mais que se deixou consignado no ponto 7. a), “a administração, gestão e exploração de imóveis, rústicos e urbanos, de instalações comerciais e industriais, de equipamentos e empreendimentos turísticos, próprios ou de terceiros, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e arrendamentos”, podendo concluir-se, segundo presunção judiciária autorizada, ser esse o destino que pretendia dar às fracções, o que resultou impedido ou dificultado pela acção dos demandantes, conforme ficou demonstrado (v. pontos 10. e 11. dos factos assentes).
Uma vez provada a existência do dano, não merece a nosso ver censura o recurso feito na decisão recorrida ao critério do valor locativo das fracções para fixação da indemnização, a liquidar, contando-se da data da notificação do pedido reconvencional, por se terem os reconvindos constituído em mora quanto à obrigação de restituir pelo menos a partir de então.
Improcedendo todos os fundamentos do recurso, impõe-se manter a sentença recorrida.
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2.ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso, mantendo a sentença recorrida.
Custas a cargo das recorrentes.
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Sumário:
(…)
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Évora, 14 de Julho de 2020
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
Mário Rodrigues da Silva


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[1] Trata-se seguramente, o que o texto evidencia, de lapso potenciado pelo uso de meios informáticos, pelo que a conclusão 1.ª não será considerada.
[2] V. acórdão Ac. STJ de 5 de Maio de 2005, no processo 05B691, acessível em www.dgsi.p, no qual se opera ainda a distinção com o regime do valor extra processual das provas a que se reporta o artigo 421.º do CPC, aqui sem aplicação.
[3] Diploma a que pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem.
[4] Pressuposto que, todavia, tem vindo a ser progressivamente questionado pela doutrina - v., sugestivamente, Prof. Dr. Rui Ataíde, “SOBRE A DISTINÇÃO ENTRE POSSE E DETENÇÃO”, acessível em https://www.oa.pt/upl/%7B4513b71a-245e-4bdd-ac4a-8c64a6757bc4%7D.pdf.
[5] Tendo o STJ fixado o entendimento de que “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa” (cfr. assento de 10/5/96, no DR de 24/6/1996, hoje com valor de AUJ).
A este respeito, escreveu o Prof. Dr. Rui Ataíde no artigo citado na nota anterior: “A impraticabilidade geral do subjetivismo psicológico é, enfim, confirmada pela própria prática judiciária. Confrontados com a exigência impossível de afirmar por via directa o animus do agente, os Tribunais portugueses recorrem à presunção estabelecida no art.º 1252.º/2, segundo a qual, em caso de dúvida, se infere a posse naquele que exerce o poder de facto. A orientação foi finalmente consagrada em Assento do Supremo Tribunal de Justiça (hoje com o valor de jurisprudência uniformizada), que votou por unanimidade o entendimento de que “podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”, revelando que o proclamado subjetivismo só se revela viável pela demonstração do exercício do poder de facto, que constitui ironicamente o elemento nuclear da orientação objetivista”.