Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1217/22.2YLPRT.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Subjacente à suspensão da instância por prejudicialidade, prevista no artigo 272.º do CPC, estão considerações de racionalidade processual, pois se a decisão de uma das ações retira a razão de ser à outra, não fará sentido desenvolver atividade jurisdicional na ação que resultará prejudicada por tal decisão.
- O legislador preveniu, contudo, no n.º 2, duas situações em que essa racionalidade se deve ter por sacrificada: se houver fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da instância ou, se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma.
- A anterioridade da causa prejudicial não obsta, só por si, a que se demonstre que “aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão”. Ou seja, carregando, em si, o propósito único de interferência na ação principal. O que cabe à requerente da ação dependente demonstrar.
- O que obsta ao efeito suspensivo é o intentar duma ação prejudicial com o propósito único de obter a suspensão, não o propósito concorrente ou o prepósito secundário em relação a um outro juridicamente relevante.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1217/22.2YLPRT.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

A requerente (…), S.A. intentou, em 07/07/2022, o presente procedimento especial de despejo junto do BNA, contra V..., S.A., tendo por base a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 6/2006, de 27.02.

Tendo sido deduzida contestação, passaram a correr termos os presentes autos de ação especial de despejo distribuídos em 19/08/2022 no Juízo Local Cível de Loulé (cfr. Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, artigo 9.º, n.º 2 e artigo 10.º, n.º 2, ambos do Dec.-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, artigo 9.º, n.º 3 e artigo 11.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4, ambos da Portaria n.º 9/2013, de 10 de janeiro).

A ação respeita a contrato de arrendamento de um espaço (prédio rústico) para fins não habitacionais celebrado em 12/06/2012 entre (…), S.A. na qualidade de senhoria e V..., S.A, na qualidade de inquilina, respeitante ao “Centro Hípico de (…)”.

Por carta de 16/08/2021, veio a senhoria comunicar à inquilina a oposição a renovação do contrato de arrendamento, cujos efeitos, cessariam a 14 de junho de 2022.

A requerida na contestação alegou, sumariamente, que:

Por entender, que a referida carta/comunicação não provinha de quem tinha legitimidade substantiva para o fazer, intentou no dia 15/02/2022, ação de simples apreciação negativa, pedindo a declaração de nulidade da mesma.

Ação essa, que se encontra a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., com o número de processo 508/22...., no 1º Juízo Central Civil de .... Tendo, na mesma, sido proferido despacho saneador/sentença.

Tendo obtido decisão desfavorável, irá a requerida interpor recurso de tal decisão, estando em tempo de o fazer.

Não tem assim, a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento datada de 16 de Agosto de 2022 (leia-se “2021”) junta com o presente procedimento, exequibilidade para que possa fundamentar o presente procedimento.

Mais invoca a requerida que o clausulado contratual veda à requerente a possibilidade de se opor à renovação contratual durante a primeira renovação do contrato, ou seja, no período compreendido entre 15 de Junho de 2017 e 14 de Junho de 2022. Pelo que o contrato renovou-se automaticamente por um período de 5 anos no dia 15 de Junho de 2002 (“leia-se “2022”) até ao dia 14 de Junho de 2027.

Pede que o procedimento seja julgado improcedente e a presente oposição julgada provada e procedente. E em consequência ser a requerida absolvida do pedido, por falta de exequibilidade e inoperacionalidade da carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento datada de 16 de Agosto de 2021, a qual serviu de base ao presente procedimento; por ser vedado à ora requerente proceder à oposição do dito contrato de arrendamento em virtude do estipulado na cláusula segunda do mesmo; e por a requerente utilizar o presente procedimento como instrumento de bulling/assédio imobiliário contra a requerida. Ou, caso assim se não entenda, o que sem condescender, admite, deve o presente procedimento ser suspenso até trânsito em julgado da ação que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ... – Juiz 2, com o número de Processo n.º 508/22.....

Caso assim se não entenda e o despejo vier a ser decretado, deve ser diferido a entrega do locado pelo período de seis meses.

Por despacho de 22/08/2022 a Mmª Juíza concedeu o contraditório à requerente para, querendo, responder às exceções e contestar o pedido subsidiário de diferimento de desocupação do imóvel.

A requerente exerceu o contraditório em 05/09/2022. No seu requerimento invoca, no essencial que todos os fundamentos alegados na oposição a este procedimento carecem de fundamento factual e jurídico.

Concretizando, refere que:

A causa prejudicial foi intentada unicamente com a intenção de se obter a suspensão de um eventual procedimento especial de despejo ou ação de despejo que viesse a ser apresentado ou apresentada futuramente.

A interpretação dada pela requerida à cláusula 2ª não corresponde nem à letra da lei nem à vontade das partes.

Em diversa comunicação trocada entre as partes a requerida estava consciente da possibilidade contratual de não renovação do contrato a partir de 15 de junho de 2022.

Mais dá conta dos termos em que se desenvolveu a ação n.º 508/22.....

Requerendo, a final, que o pedido de suspensão do presente procedimento especial de despejo, apresentado a título subsidiário, pela requerida seja indeferido com fundamento na existência de fundadas razões para se crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente pela requerida, com vista a obter tal resultado, nos termos do disposto no artigo 272.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores trâmites.

Em requerimento autónomo, também de 05/09/2022 e com fundamentos idênticos veio contestar o pedido de diferimento da desocupação do locado, requerendo seja julgado improcedente.

Por despacho de 07/09/2022 a Mmª Juíza ordenou se solicitasse ao processo n.º 508/22...., a correr termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de ..., informação sobre o estado dos autos, designadamente se foi interposto recurso da sentença ali proferida.

Tendo sido obtida informação de que a sentença proferida naqueles autos ainda não transitara em julgado.

Foi então proferido o seguinte despacho (datado de 13/09/2022):

«A requerente (…), S.A. intentou, em 07.07.2022, o presente procedimento especial de despejo junto do BNA, contra V..., S.A., tendo por base a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação, nos termos do artigo 15.º, n.º 2, alínea c), da Lei n.º 6/2006, de 27.02.

(…)

Notificada nos termos do artigo 15.º-D da mencionada lei, a requerida deduziu Oposição, invocando, entre outros, a pendência de ação judicial na qual pediu a declaração de nulidade da referida comunicação de oposição à renovação que serve de base a este procedimento, sustentando, também nestes autos, a ineficácia de tal comunicação.

Ora, conforme resulta dos autos (tendo em consideração a posição das partes e as certidões juntas), corre termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de ..., sob o n.º 508/22...., ação de simples apreciação negativa, intentada em 15.02.2022, pela aqui requerida, ali Autora, em que pede que seja declarada nula a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

Dispõe o artigo 272.º, n.º 1, do CPC: “1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificativo”.

Citando o douto Ac. TRP de 18.12.2018, processo n.º 6090/15.4T8LOU-A, disponível em www.dgsi.pt “I. A razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.

II. Para efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do artigo 272.º do Código de Processo Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia”.

Nos autos do processo n.º 508/22.... discute-se a nulidade da comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento. E, nestes autos, é essa mesma comunicação que serve de base a este procedimento, sendo com fundamento na mesma que a aqui requerente sustenta a cessação do contrato.

Ou seja, a causa de pedir naqueles autos impõe que seja apreciada a validade da comunicação de oposição à renovação feita pela aqui requerente, a qual serve de fundamento ao despejo pedido nestes autos, sendo que, também aqui, a requerida pugna pela ineficácia daquela comunicação.

Não restam dúvidas que a resolução de tal questão, naquela ação, irá interferir nesta causa, uma vez que formará caso julgado quanto à mesma, havendo, pois, um nexo de prejudicialidade.

Salienta-se que, se nos afigura não ocorrerem as circunstâncias obstativas da suspensão enunciadas no n.º 2 do artigo 272.º do CPC. Quanto à primeira hipótese (instauração da causa prejudicial com a intencionalidade exclusiva de obter a suspensão), a anterioridade da propositura da causa prejudicial (ação de simples apreciação negativa) indicia claramente a impossibilidade de descortinar uma tal intencionalidade. Quanto à segunda hipótese (maior relevo dos prejuízos da suspensão face ao adiantamento da causa dependente), não se crê haver significativo prejuízo na suspensão da presente ação, enquanto causa dependente, apesar da fase adiantada em que se encontra (já na fase de julgamento) e da sua natureza urgente, tendo em conta a fase adiantada em que também se encontra a causa prejudicial, uma vez que nesta já foi proferida decisão em 1ª instância.

Face ao exposto, e por considerar que se verifica um nexo de prejudicialidade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, determino a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 508/22.... que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de ....”

Inconformada com tal decisão veio a requerente recorrer (requerimento de 04/10/2022), concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

1. Como vimos anteriormente, o recurso ora interposto pela recorrente visa impugnar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no seu Despacho de 13 de setembro de 2022, através da qual, e por se verificar um nexo de prejudicialidade, se determinou a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão final que venha a ser proferida no processo que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ..., Juiz 1, sob o n.º 508/22...., e alegadamente nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

2. De facto, após a recorrente ter apresentado este procedimento especial de despejo, a requerida veio-se opor ao mesmo peticionando, a título subsidiário e com interesse para este recurso, que fossem estes autos suspensos até ao trânsito em julgado da decisão final que viesse a ser proferida no âmbito do processo anteriormente mencionado.

3. Pedido este ao qual, por sua vez, a recorrente respondeu, no seu requerimento de resposta à oposição deduzida pela requerida, alegando, para este efeitos, factos dos quais decorre que o único propósito desta, ao intentar a ação que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ..., Juiz 1, processo n.º 508/22...., foi, em má-fé, obstar à entrega do locado, após o termo do prazo de duração do respetivo contrato de arrendamento para fins não habitacionais, e de forma a continuar a explorar o mesmo, sem qualquer título válido que assim o permitisse, através da promoção de eventos hípicos.

4. Por este motivo, com o seu requerimento de resposta à oposição deduzida pela requerida, a recorrente requereu ao Tribunal a quo que o pedido de suspensão deste procedimento especial de despejo, apresentado a título subsidiário pela requerida, fosse indeferido, com fundamento na existência de fundadas razões para se crer que a alegada causa prejudicial foi intentada unicamente por esta, com vista a se obter o resultado de suspender esta instância, e nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, devendo, por conseguinte, os autos prosseguirem os seus ulteriores trâmites.

5. Sucede que, como vimos, o Tribunal recorrido acabou por determinar a suspensão da presente instância, com fundamento na existência da causa prejudicial alegada pela requerida.

6. Com efeito, pronunciando-se a respeito dos fundamentos que, em tese, obstariam ao decretamento da suspensão da instância, apesar da verificação de um nexo de prejudicialidade, concluiu o Tribunal a quo que a anterioridade da propositura da causa prejudicial indiciava a impossibilidade de se descortinar da intencionalidade da requerida em, com esta, visar unicamente obter a suspensão do presente procedimento especial de despejo; sendo que, paralelamente, foi também referido por este Tribunal recorrido que, muito embora o mencionado procedimento especial de despejo se encontre numa fase adiantada (fase de julgamento), também a pretensa causa prejudicial se encontra em semelhante situação, uma vez que já foi proferida decisão em 1.ª instância nesta, pelo que, a assim o ser, no entender do Tribunal a quo, os prejuízos resultantes da suspensão da instância não superariam os benefícios logrados com a mesma.

7. Ora, atendendo a todo o contexto factual/processual, com que a requerida propôs esta pretensa causa prejudicial, a recorrente não se conforma com a esta decisão proferida pelo Tribunal a quo.

8. De facto, em primeiro lugar, esta tese de que a anterioridade da causa prejudicial, face à data de propositura da causa dependente, evidencia uma impossibilidade em se descortinar se a parte que intenta a causa prejudicial o faz ou não com a intenção única de obter a suspensão da instância da causa dependente mais não é que uma incorreta interpretação restritiva da norma consagrada no artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ao arrepio do disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil.

9. É que, efetuando-se uma leitura sistemática de todo o nosso ordenamento jurídico, nomeadamente das regras concertantes com o procedimento especial de despejo, facilmente se induz que, em face de um despejo que tem por base um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, não se vislumbra que causa prejudicial é que poderia ser intentada após a propositura do referido procedimento especial de despejo (alegada causa dependente), sem que isso significasse colocar em causa os princípio da preclusão da defesa e da preclusão dos meios que as partes têm ao seu dispor para fazerem valer as suas pretensões.

10. Por outras palavras, e focando-nos aqui no caso concreto da oposição ao procedimento especial de despejo, se com a mencionada oposição devem ser alegados todos os fundamentos de facto e de direito que, na ótica, do respetivo requerido obstem ao efeito jurídico pretendido com tal procedimento, i.e. a entrega do locado, então necessária se torna a conclusão de que, mais tarde, jamais poderia aquele requerido propor qualquer outra ação que pudesse atingir o efeito jurídico alcançado com o procedimento especial de despejo.

11. Como também, tratando-se aqui de um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, salvo erro, não é percetível para a recorrente quais os incidentes que a lei mande deduzir em separado e dos quais se possa retirar um nexo de prejudicialidade com este procedimento.

12. Como tal, desta leitura sistemática da lei, não se poderá induzir que o legislador tenha querido limitar a 1.ª parte, do n.º 2, do artigo 272.º do Código de Processo Civil tão somente aos casos em que a causa prejudicial foi intentada em momento posterior à propositura da causa dependente, porquanto, em determinadas situações (porventura, na maioria das hipóteses) nem sequer se poderá admitir a apresentação, em juízo, de uma causa prejudicial após a propositura da causa dependente, sob pena de flagrante violação do mencionado princípio da preclusão de meios que as partes têm à sua disposição para fazerem valer as suas pretensões.

13. Assim, ao efetuar-se tal interpretação, em patente desconsideração com a sistemática do nosso ordenamento jurídico, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil (porquanto, não atendeu aos critérios interpretativos neste consagrados) e, concomitantemente, interpretou incorretamente a regra prevista no artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

14. Mas mais do que isso: ao decretar a suspensão da instância, como base nesta interpretação incorreta do artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o Tribunal recorrido violou, ainda, este preceito.

15. Na verdade, dita o artigo anteriormente referido que, não obstante a existência de um nexo de prejudicialidade, o Tribunal não deverá ordenar a suspensão da instância, em duas situações, a saber: (i) se a propositura da ação prejudicial tiver tido como único propósito se obter a suspensão da causa dependente (ou, dito por outro modo, se não se puder descortinar que a pretensão que a respetiva parte pretenda fazer na causa prejudicial seja séria, encontrando-se votada ao fracasso) e (ii) se o adiantamento da causa dependente for tal que os prejuízos da suspensão superem as suas vantagens (o que deverá ser avaliado principalmente de uma forma objetiva, ou seja, tendo especialmente em conta interesses de índole processual, designadamente afetos ao princípio da celeridade e da boa administração da justiça, e não interesses subjetivos das partes).

16. Sucede que, a assim o ser, então é por si só notório que, in casu, se encontram demonstradas ambas estas situações previstas no artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

17. Com efeito, em primeiro lugar, tendo em conta os factos alegados pela recorrente no seu requerimento de resposta à oposição deduzida pela requerida, é indubitável para aquela que a pretensa causa prejudicial intentada pela requerida não corresponde a uma pretensão séria.

18. Desde logo, porque bem sabe a requerida, foi a recorrente quem procedeu à oposição à renovação do contrato de arrendamento aqui em causa, porquanto, para além de constarem da carta de oposição à renovação do contrato abundantes elementos alusivos tanto à recorrente como ao próprio contrato, celebrado entre as partes (e, em bom rigor, nenhum elemento alusivo à sociedade V..., S.A.), do texto da comunicação é inclusivamente visível o nome da própria recorrente (e não o da V..., S.A.).

19. Portanto, muito embora seja certo que, na data em que a requerida apresentou contra a recorrente a suposta causa prejudicial, ainda que não se tivesse proposto o presente procedimento especial de despejo, isto não significa que, ao intentar esta pretensa causa prejudicial, aquela não tivesse em vista obter a suspensão desta instância; na verdade, como se viu, ao propor a alegada causa prejudicial de forma não séria e litigando de má-fé, a requerida teve em vista um único propósito: o de obstar à entrega do locado, após o termo do prazo de duração do respetivo contrato, o que envolve, manifestamente, a intenção de futuramente, vir a utilizar tal ação de forma a suspender o eventual procedimento especial de despejo que, na data, já era previsível que a recorrente viesse a propor, após a extinção dos efeitos do contrato de arrendamento para fins não habitacionais (e sem que a requerida tivesse procedido à restituição do locado).

20. Mas, mesmo que se desconsidere esta posição da recorrente, sublinhe-se o seguinte: foram estas as palavras do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ..., Juiz 1, no âmbito do processo n.º 508/22...., ao condenar a requerida como litigante de má-fé.

21. Contudo, indo agora ainda mais longe: ao se concluir que não se verifica um significativo prejuízo na suspensão desta ação, por, apesar de a mesma já se encontrar na fase de julgamento, na suposta causa prejudicial já ter sido proferida decisão em 1.ª instância, o Tribunal a quo desconsidera 2 (duas) questões essenciais.

22. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 15.º-S, n.º 8, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, os atos a praticar pelo Tribunal, no âmbito do procedimento especial de despejo, assumem um caráter urgente (matéria esta que até foi referida pelo Tribunal recorrido, no Despacho aqui em crise), sendo, ainda, que, segundo o artigo 15.º-Q daquela lei, o recurso da decisão judicial para desocupação do locado tem sempre efeito meramente devolutivo.

23. Ou seja, se, por um lado, é expectável com que fosse proferida uma decisão final, respeitante a este procedimento especial de despejo, e por parte do Tribunal a quo, num momento antecedente àquela que venha a ser proferida pelo próprio Tribunal da Relação de Évora, relativamente ao recurso do Despacho Saneador-Sentença, que foi proferido no âmbito do processo que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Cível de ..., Juiz 1, com o n.º 508/22...., por outro lado é até mesmo bem possível que, caso a decisão final do presente procedimento especial de despejo fosse favorável à recorrente, esta pudesse, eventualmente, já se encontrar na posse do Centro Hípico de (…), aquando da prolação daquele Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora.

24. Mais, para além disto, é, ainda, necessário ter em consideração, que a requerida irá socorrer-se (quer seja em boa-fé ou mesmo em má-fé) de todos os mecanismos que tenha ao seu dispor para evitar o trânsito em julgado de qualquer decisão que venha a ser proferida no âmbito do processo, alegadamente, correspondente à causa prejudicial e, assim, atrasar, ao máximo possível, o desfecho de tal processo.

25. O que, inclusivamente, se evidencia através do Doc.º 1 que aqui se juntou, no qual o administrador único da requerida afirmou (aos utilizadores do Centro Hípico de …) que todo este litígio será decidido, no âmbito de um “processo principal”, i.e. o correspondente à pretensa causa prejudicial, que apenas será concluído, no seu entender, em 2 (dois) ou 3 (três) anos.

26. Em resultado, fica assim demonstrado que, além do mais, esta decisão proferida pelo Tribunal a quo viola também o disposto no artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

27. Pelo que, em função de todas as razões aqui invocadas, concluí a recorrente que se impõe ao Tribunal ad quem a revogação de tal decisão, substituindo-se por outra que determine que o presente procedimento especial de despejo prossiga os seus ulteriores trâmites, até final.

A final requer que seja revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, no seu Despacho de 13 de setembro de 2022, através da qual se determinou a suspensão da presente instância, substituindo-se esta por outra que ordene que este procedimento especial de despejo prossiga os seus ulteriores trâmites, até final.

Nas suas contra-alegações concluiu a recorrida:

A. Entende a ora recorrida que o douto tribunal a quo andou bem ao proferir o despacho de suspensão da instância no procedimento especial de despejo, com base no artigo 272.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

B. Na verdade, não tem a recorrente qualquer razão ou fundamento para a interposição do recurso a que ora se responde.

C. Encontrando-se tal recurso votado ao fracasso por, pelo menos, duas ordens de razões:

D. Está o dito recurso votado ao fracasso, pelo menos, por duas ordens de razões: por um lado, a matéria de facto alegada pela recorrente corresponde exatamente à resposta à oposição ao procedimento especial de despejo, deduzida pela recorrida, assim como faz menção, a recorrente, aos documentos por si juntos na dita resposta à oposição; por outro lado, porque tal matéria constitui objeto de uma outra ação (Processo n.º 508/22....), pelo que estamos perante um verdadeiro caso de litispendência.

E. Ademais, aquando do despacho de suspensão em causa, ainda não havia decorrido o prazo para a ora aqui requerida/recorrida exercer o contraditório relativamente aos documentos juntos com a resposta à oposição, pelo que a mesma não o exerceu, em virtude da dita suspensão.

Senão, vejamos:

F. Nas suas alegações, a recorrente indica os factos por si apresentados na resposta à oposição da requerida, aqui ora recorrida, assim como menciona os documentos que juntou na referida resposta à oposição.

Sendo que,

G. No dia 14 de Setembro de 2022, quer a ora aqui recorrida quer a recorrente, foram notificados do despacho que determinou a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 508/22...., que corre termos no Juízo Central Cível de .... E,

H. Nos termos do artigo 275.º, n.º 2, do CPC, os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão.

I. Ora, ao terem sido suspensos os presentes autos, ficou suspenso, sem margem de dúvida, o prazo para a ora aqui recorrida se pronunciar, ao abrigo do princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC) quanto à resposta apresentada pela recorrente, assim como para impugnar os documentos juntos pela mesma.

J. Pelo que, a referida matéria alegada no recurso, igual à alegada em sede de resposta à oposição deduzida pela ora recorrida, não deve ser considerada na apreciação do mesmo, tal como os documentos a que a recorrente faz menção.

K. A recorrente alega, no presente recurso, matéria que se encontra a ser discutida nos autos do processo n.º 508/22...., a correr termos no Juízo Central – Juiz 1 – Tribunal ....

L. Ao fazê-lo, pretende a recorrente discutir, nos presentes autos, matéria que se encontra a ser discutida na dita ação supra mencionada, nomeadamente a validade da alegada carta de oposição, datada de 16 de agosto de 2021.

M. Sendo certo que a validade da carta de oposição, com o devido respeito, não poderá ser analisada e discutida nos presentes autos, em virtude de ser o objeto principal na ação 508/22.....

N. Assim, bem deveria saber a recorrente que, para além do contrato de arrendamento, um dos requisitos para a propositura do PED é a validade de comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

O. Ora, estando essa validade da alegada carta de oposição a ser discutida no processo n.º 508/22...., não poderá a mesma ser discutida nestes autos.

P. Caso assim fosse, estaríamos perante uma exceção de litispendência.

Q. A litispendência consubstancia-se na repetição da mesma ação em dois processos, dependendo da verificação cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decisão anterior.

R. Andou, assim, bem, o douto tribunal a quo, ao proferir o despacho agora posto em causa pela recorrente.

S. Até porque as alegações apresentadas no recurso, pela recorrente, são uma cópia do que alegou na resposta à oposição da aqui recorrida, assim como são os mesmos que alega na ação pendente (contestação), que se encontra a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juiz Central Cível, Juízo 1, Processo n.º 508/22.....

T. Razão pela qual não poderão ser apreciados, em sede de recurso, pelo venerando Tribunal da Relação de Évora.

U. Caso contrário, salvo melhor opinião, estar-se-á perante uma exceção dilatória de litispendência.

V. Ao abrigo do disposto no artigo 580.º do CPC, a exceção da litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso, e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

W. Sendo que, uma causa repete-se, quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir – cfr. artigo 581.º, n.º 1, do CPC.

X. Em conclusão, verificar-se-á exceção dilatória da litispendência – cfr. artigo 577.º, alínea i), do CPC – no caso de haver repetição de uma causa, estando a primeira ainda em curso, e entre uma e outra se encontrar uma tríplice identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir.

Y. No caso concreto, quanto à identidade de sujeitos, não há dúvida. São as mesmas pessoas coletivas.

Z. Quanto à identidade de pedido, ambos os pedidos, ainda que não exatamente coincidentes em termos formais, são semelhantes, máxime idênticos, nos termos e para efeitos do artigo 581.º, n.º 3, do CPC, porque conduzem ao mesmo efeito jurídico.

AA. Nas palavras de João de Castro Mendes, a identidade do efeito jurídico exigida pelo n.º 3 do artigo 498.º [atual n.º 3 do artigo 581.º], bastar-se-á com uma identidade relativa, abrangendo o preceito “não só o efeito obtido no primeiro processo, como qualquer que nesse processo houvesse estado implicitamente mas necessariamente em causa” – in Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, 1968, p. 350.

AB. Assim, olhando aos pedidos em causa nas duas ações, é adequado considerar que, em ambas as ações, existe efetivamente a identidade de pedidos a que alude o n.º 3 do artigo 581.º do CPC.

AC. Com efeito, em qualquer das ações em confronto almeja a recorrente/requerente alcançar o mesmo efeito jurídico, ou seja, a validade da alegada carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento e consequente despejo da recorrida.

AD. Em suma, olhando à alegação fáctica apresentada, por parte da ora recorrente, de uma e outra ação, facilmente se conclui pela sua identidade, tendo em conta o alegado pela recorrente, quer na presente ação, quer na ação n.º 508/22.....

AE. No entanto, como bem refere o douto tribunal a quo, a resolução de tal questão (validade da carta de oposição) na ação n.º 508/22...., assume-se como uma causa prejudicial à dos presentes autos.

AF. Assim sendo, andou bem, o douto tribunal, pelo supra exposto, ao decidir como decidiu, ou seja, suspender os presentes autos.

AG. Em bom rigor, nas palavras do douto tribunal de 1.ª instância, no processo prejudicial, pode-se verificar que o mesmo menciona, no despacho saneador sentença, “consideramos ser possível extrair a conclusão (sem necessidade de produção de prova em audiência) de que a sociedade/autora bem entendeu o propósito que ali foi manifestado pela sociedade/senhoria – a sociedade (…) – de por fim ao contrato de arrendamento em causa, no termo do prazo corrido em conformidade com a devida antecedência da comunicação (artigo 236.º, n.º 1, do C.C.).”

AH. Ao mencionar tal expressão, aquele tribunal, não refere perentoriamente e com convicção, deixando dúvidas, que a sociedade V... SA., entendeu o propósito manifestado pela sociedade (…), SA., da oposição à renovação do contrato de arrendamento.

AI. Ora, sempre se diga que, caso a recorrida tivesse entendido como entendeu o douto tribunal, jamais a mesma teria proposto a ação de simples apreciação negativa que propôs.

AJ. Menciona ainda, aquele douto despacho saneador sentença, no que tange ao Processo n.º 508/22....: “na verdade e salvo melhor opinião que a missiva em causa não suscitava quaisquer dúvidas sobre a identidade da sociedade que correspondia à remetente da mesma e que se identificava com a senhoria.”

AK. Ora, mais uma vez, com a utilização da expressão “salvo melhor opinião”, se percebe a falta de certeza e convicção do douto tribunal que proferiu o despacho saneador.

AL. O douto despacho recorrido, posto em crise pela Recorrente/Requerente é bem explícito, quando menciona:

“Salienta-se que, se nos afigura não ocorrerem as circunstâncias obstativas da suspensão enunciadas no nº 2 do artigo 272.º do CPC. Quanto à primeira hipótese (instauração da causa prejudicial com a intencionalidade exclusiva de obter a suspensão), a anterioridade da propositura da causa prejudicial (ação de simples apreciação negativa) indicia claramente a impossibilidade de descortinar uma tal intencionalidade. Quanto à segunda hipótese (maior relevo dos prejuízos da suspensão face ao adiantamento da causa dependente), não se crê haver significativo prejuízo na suspensão da presente ação, enquanto causa dependente, apesar da fase adiantada em que se encontra (já na fase de julgamento) e da sua natureza urgente, tendo em conta a fase adiantada em que também se encontra a causa prejudicial, uma vez que nesta já foi proferida decisão em 1ª instância. Face ao exposto, e por considerar que se verifica um nexo de prejudicialidade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, determino a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 508/22.... que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central De ...”.

AM. Assim, ao fazer tal interpretação do artigo 272.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, não andou mal o douto tribunal a quo, conforme pretende a recorrente.

AN. Nem violou o mesmo o artigo 9.º do Código Civil.

Vejamos:

AO. Considerou e bem o douto tribunal a quo, através do despacho posto em crise pela recorrente, que não se verificam no caso concreto quaisquer das circunstancias obstativas da suspensão, nos termos do artigo 272.º, n.º 2, do CPC.

AP. Uma vez que não corresponde à verdade, que a recorrida/requerida, propôs a ação de simples apreciação negativa com a única intenção de suspender o presente PED.

AQ. Na verdade, a mesma não tinha conhecimento que a recorrente/requerente iria propor o presente processo.

AR. Intentou a dita ação de simples apreciação negativa, no exercício de um direito que lhe assiste, a fim de o tribunal se pronunciar sobre a validade da dita carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

AS. Assim alegou, e bem, o douto tribunal de primeira instância, quanto à primeira hipótese do artigo 272.º, n.º 2, do CPC, que a anterioridade da propositura da causa principal, ação de simples apreciação negativa, indica claramente a impossibilidade de descortinar uma tal intencionalidade.

AT. Assim como, alegou e bem, quanto à segunda hipótese do artigo 272.º, n.º 2, do CPC, quando menciona que não se crê haver significativo prejuízo na suspensão da presente ação, enquanto causa dependente, tendo em conta a fase adiantada em que se encontra a causa prejudicial, uma vez que nesta já foi proferida decisão em 1ª instância.

AU. Ora, sendo um direito que assiste à ora recorrente, a mesma interpôs recurso de tal decisão daquele tribunal, não o tendo feito, de forma alguma, com o intuito de protelar no tempo o litígio entre recorrente e recorrida, como pretende a recorrente fazer crer.

AV. Bem sabia a ora recorrente, aquando da interposição do presente recurso, que já tinha sido interposto recurso por parte da aqui recorrida da decisão da ação de simples apreciação negativa.

AW. Destarte, o direito à ação é um direito fundamental e discordando a ora recorrida do despacho saneador/ sentença proferido na ação n.º 508/22...., tinha todo o direito de recorrer do mesmo.

AX. Porém, a ora recorrente tenta, sem margem de dúvida, fazer crer ao tribunal, que a atuação e o direito da recorrente são abusivos, o que não corresponde de forma alguma à verdade.

AY. Assim sendo, andou bem, sem merecimento de qualquer censura, o douto tribunal a quo, quando suspendeu a presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC.

AZ. Pois de acordo com o referido artigo 272.º, n.º 1, do CPC, “ O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.”

BA. Em bom rigor, dúvidas não restam, no caso concreto, que o prosseguimento da causa (PED), está inteiramente dependente da ação de simples apreciação negativa, que se encontra a correr termos no Juízo Central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juiz 1, com o objetivo de apurar a validade da alegada carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento datada de 16 de agosto de 2022.

BB. Sendo que é essa carta/comunicação, que tem de servir de base ao presente procedimento.

BC. Ora, enquanto não for decidido se a mesma é válida ou não, não pode a mesma servir de base ao presente PED, não podendo o mesmo prosseguir.

BD. Por outro lado, a recorrente alega perentoriamente que o douto tribunal a quo, ao decidir como decidiu, premeia um comportamento ilícito e abusivo da recorrida, contrário aos mais elementares princípios de direito, o que não corresponde, mais uma vez, à verdade.

BE. Fundamenta a sua alegação pela junção de um documento (Doc. n.º 1) que ora se impugna, qualificado pela mesma, como mensagem.

BF. O referido documento, alega a recorrente que foi o administrador único da requerida que remeteu a utilizadores do Centro Hípico de (…), no próprio dia em que a sua mandatária foi notificada da decisão aqui em crise.

BG. No entanto, desconhece-se totalmente, após análise do dito documento, qual a respetiva data, qual o meio por que foi enviado, qual o seu remetente e qual o seu destinatário.

BH. Sendo assim, configura um abuso total, por parte da Recorrente, alegar que a dita mensagem foi enviada pelo administrador da recorrida no dia em que a mandatária da mesma foi notificada do douto despacho de suspensão.

BI. Pelo que, nunca poderá tal documento fazer prova daquilo que a recorrente pretende alegar, impugnando-se expressamente.

BJ. Finalmente, não existe nenhum comportamento ilícito, abusivo e contrário aos mais elementares princípios de direito por parte da ora recorrida, sendo que a recorrida apenas atuou e atua no exercício de direitos que lhe assistem.

BK. Aliás, a existir abuso de direito e uma conduta reprovável, é por parte da recorrente, ao intentar o presente PED utilizando uma comunicação cuja validade se encontra a ser discutida noutro processo.

BL. Omitindo tal facto e querendo forçosamente que seja decretado o despejo da ora recorrida.

BM. Quem teve um comportamento ilícito e reprovável foi, sem margem de dúvida, a ora recorrida, ao agir como agiu, intentando a presente ação (PED).

BN. Assim, agiu bem e muito bem o douto tribunal a quo ao decretar a suspensão da presente instância, nos termos do artigo 272.º, n.º 1, do CPC.

BO. E ao fazê-lo como fez, não violou o disposto do artigo 272.º, n.º 2, do CPC, assim como não violou o artigo 9.º do C.C., como pretende a recorrente.

BP. Pelo que, o despacho em causa não deve ser revogado, mantendo-se a suspensão da presente ação até trânsito em julgado da ação n.º 508/22.....

Pugna, assim, pela manutenção do despacho de suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do C.P.C., até trânsito em julgado da ação n.º 508/22.....


II

A factualidade a considerar contém-se no relatório supra.


III

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 608.º, in fine), são as seguintes as questões a decidir:

- Da existência de fundadas razões para se crer que a alegada causa prejudicial - a ação de simples apreciação negativa (n.º 508/22....) - foi intentada unicamente com vista a se obter o resultado de suspender a ação dependente.

- Da superioridade dos prejuízos em relação às vantagens com a suspensão, face ao adiantamento da causa dependente, em relação à causa prejudicial.

Propósitos que o artigo 272.º, n.º 2, do CPC salvaguarda, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores trâmites sem ceder ao pedido de suspensão, se demonstrados.

Dispõe o Artigo 272.º do Código de Processo Civil que:

“Suspensão por determinação do juiz ou por acordo das partes

1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

(…)»

A decisão de suspender a ação dependente tem em vista evitar que, para salvaguarda da unidade do sistema jurídico e da harmonia das decisões judiciais, sejam proferidas decisões contrárias e incompatíveis entre si.

Subjacente à suspensão da instância por prejudicialidade estão considerações de racionalidade processual, pois se a decisão de uma das ações retira a razão de ser à outra, então não faz sentido desenvolver atividade jurisdicional na ação que resultará prejudicada por tal decisão.

O legislador preveniu, contudo, duas situações em que essa racionalidade se deve ter por sacrificada: se houver fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da instância ou, se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma.

Como ponto de partida desta análise, não pode deixar de se atender à cronologia dos factos.

Assim:

-A carta a comunicar à inquilina a oposição à renovação do contrato de arrendamento foi enviada em 16/08/2021 e recebida por esta em 25/08/2021.

-A ação de simples apreciação negativa foi intentada em 15/02/2022.

-O procedimento de despejo que antecede a presente ação foi instaurado em 07/07/2022.

A ação de simples apreciação negativa antecede, assim, em quase 5 meses, o procedimento de despejo.

Nessa ação a recorrida pediu a declaração de nulidade da comunicação de oposição à renovação que serve de base a este procedimento, sustentando, naqueles como nestes autos, a ineficácia de tal comunicação (por razões de legitimidade substantiva e por desconformidade com o clausulado contratual).

Com base na sequência cronológica atrás traçada fundamentou o tribunal a quo que a anterioridade da propositura da causa prejudicial indiciava a impossibilidade de se descortinar da intencionalidade da requerida em, com essa causa, visar unicamente obter a suspensão do presente procedimento especial de despejo.

E que, muito embora este procedimento especial de despejo se encontre numa fase adiantada (fase de julgamento), também a pretensa causa prejudicial se encontra em semelhante situação, uma vez que nela foi já proferida decisão em 1.ª instância, pelo que, sendo assim, os prejuízos resultantes da suspensão da instância não superariam os benefícios logrados com a mesma.

A recorrente pretende que tal leitura induz a que a suspensão só não seria ordenada para efeitos da 1ª parte do n.º 2 do artigo 272.º, quando a causa prejudicial fosse posterior, o que a interpretação sistemática da lei não legitima. E que, no caso concreto, encontram-se demonstradas as duas situações previstas no artigo 272.º, n.º 2, do CPC para obstar à suspensão: a ação prejudicial ter tido como único propósito obter a suspensão da causa dependente; o adiantamento tal da causa dependente que os prejuízos com a suspensão superam as suas vantagens.

Não cremos que a interpretação do tribunal a quo padeça de qualquer erro de interpretação sistemática da lei, na medida em que interpretou “a anterioridade” apenas como indício da impossibilidade de se descortinar da intencionalidade de criar a suspensão, não como prova da mesma.

Na verdade, a anterioridade da causa prejudicial não obsta, só por si, a que se demonstre que “aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão”. Ou seja, carregando, em si, o propósito único de interferência na ação principal. O que cabe à requerente demonstrar.

Vejamos se o conseguiu.

A aqui requerida antecipadamente intentou uma ação com vista a anular os efeitos da carta de oposição à renovação do contrato que recebera. Fundamentando o seu pedido, no essencial, na falta de legitimidade substantiva do emitente para tal carta.

Esse mesmo fundamento foi transposto para a sua contestação a esta ação, pelo que, poderá dizer-se, naquela ação a ali autora/aqui requerida antecipou um litígio que nesta ação se repete.

Caso consiga naquela ação demonstrar a ineficácia da carta de oposição à renovação do contrato, a presente ação de despejo, tendo tal carta como pressuposto, resultará fracassada.

A causa prejudicial adiantou a discussão duma questão central, saber se é ou não válida a carta de oposição à renovação do contrato de arrendamento, fundamento do pedido de despejo da recorrida.

A primeira ação teve o propósito, se não único, pelo menos, principal, de invalidar os fundamentos de oposição à renovação do contrato de arrendamento, em fase ainda não judicial, fazendo subsistir o contrato de arrendamento. Se em tal momento, a ali autora, aqui requerida, do ponto de vista intelectual antecipou a possibilidade de poder a vir usar tal ação também como fundamento dum pedido de suspensão em eventual ação que contra si viesse ser deduzida, é questão que não tem a relevância jurídica que a recorrente atribui.

O que obsta ao efeito suspensivo é o intentar duma ação prejudicial com o propósito único de obter a suspensão, não o propósito concorrente ou o prepósito secundário em relação a um outro juridicamente relevante.

Assim, a valoração feita pela tribunal a quo em relação ao propósito da ação prejudicial não merece censura.

Impõe-se, por fim, apreciar se a presente ação, a causa dependente, está tão adiantada que os prejuízos da suspensão superam as vantagens da mesma.

Naqueles autos foi proferido saneador/sentença em 23/06/2022, que julgou a ação improcedente e condenou a ora requerida, ali Autora, como litigante de má-fé.

A sentença ali proferida ainda não transitou em julgado, estando em curso o prazo para recurso.

Embora ambas se encontrem em fase de julgamento, a presente ação em relação àquela não está adiantada, está até mais atrasada, porquanto nesta não foi ainda proferida decisão de mérito, ao contrário daquela, embora sem trânsito em julgado.

Confirmamos, pois, a apreciação do tribunal a quo no sentido de não haver significativo prejuízo na suspensão da presente ação, enquanto causa dependente, apesar de se encontrar em fase de julgamento e da sua natureza urgente, tendo em conta a fase adiantada em que se encontra a causa prejudicial, com decisão em 1ª instância.

Na verdade a natureza urgente deste processo não é incompatível com a suspensão da instância com fundamento em prejudicialidade, considerando os fundamentos de racionalidade processual em que assenta.

Improcedem, assim, as conclusões da recorrente.

Face ao exposto, a decisão da 1ª instância ao considerar que se verifica um nexo de prejudicialidade, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272.º, n.º 1, do CPC, desconsiderando os pressupostos fáctico-jurídicos do seu n.º 2 e, ao determinar a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão proferida no P. n.º 508/22.... que corre termos no Juiz 1 do Juízo Central Cível de ..., não merece qualquer censura.

Síntese conclusiva:

(…)


IV

Termos em que acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Évora, 10 de novembro de 2022

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)