Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2848/17.8T8STB.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: NOVAÇÃO
NEGÓCIO UNILATERAL
Data do Acordão: 01/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2848/17.8T8STB.E1 – 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Banco (…) Portugal, S.A., NIF (…), com sede na Rua (…), n.º 2, em Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, como processo comum, contra (…), NIF (…), residente na Praceta (…), n.º 5, 2.º-Dto., 2950 Aires, e (…), NIF (…), residente na Rua (…), lote D, loja C, em Lisboa, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento da quantia de € 23.554,41 (vinte e três mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos à taxa de 4%, desde 28.01.2011 até 13.04.2017, e de juros de mora vincendos, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que, no exercício da actividade bancária, o autor (transmissário do estabelecimento do Banque … Finance), a solicitação e no interesse do réu (…), celebrou com este um contrato de aluguer, referente ao veículo automóvel com a matrícula 91-(…)-28, tendo o 2.º réu, (…), subscrito o referido contrato na qualidade de fiador. O contrato foi incumprido e, por esse motivo os réus foram interpelados para proceder ao pagamento do valor apurado por força do incumprimento do contrato e consequente resolução, o que sucedeu em carta registada com aviso de recepção em 10.04.2008. Em 10.10.2008, os réus acordaram no pagamento do valor em dívida de € 26.864,41, dividido por 127 prestações mensais e sucessivas de € 250,00 cada, e a última no valor de € 190,01. Mais uma vez, o acordo não foi integralmente cumprido, tendo o último pagamento ocorrido em 28.11.2011, permanecendo em dívida a quantia de € 23.554,41, a qual se tornou exigível na sua totalidade, porquanto o não pagamento de qualquer prestação importa o vencimento imediato de todas as restantes, tal como decorre do artigo 781.º do Código Civil. A acrescer são devidos juros de mora desde 28.01.2011.

Contestou o 1º réu (…), defendendo-se por excepção, considerando que por nos encontrarmos perante um contrato de adesão, um contrato que contém cláusulas contratuais gerais, deveria ter-lhe sido comunicado o alcance e significado jurídico e as consequências das cláusulas constantes do contrato, o que não ocorreu. Tal incumprimento por parte do autor implica que a cláusula 17.ª se considere não escrita, e consequentemente, excluída do contrato e não oponível ao réu, que estabelece em seu benefício o direito a obter do locatário uma indemnização manifestamente desproporcionada. Nestes termos, não deveria ter sido feita qualquer declaração de confissão de dívida, sendo ainda o valor aí constante muito superior ao capital em dívida e à cláusula penal, devendo ser de apenas € 20.262,88. Por estes motivos, o réu considera-se somente devedor de € 4.379,33. Entende ainda que, como o réu apenas contraiu o empréstimo para benefício do pai, é este o responsável pela dívida aqui em causa, não devendo o réu nada ao autor. Entende ainda que parte dos juros se encontram prescritos, nos termos do artigo 310, alínea d), do Código Civil.

O réu (…) não apresentou contestação.

No articulado de resposta à contestação (ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3 e 547.º do Código do Processo Civil), veio o autor entender que a prática do credor original e mantida pelo actual credor é de precisamente explicar aos clientes todo o teor das cláusulas e demais implicações do contrato. Não obstante, por o réu ter subscrito o reconhecimento de uma dívida, que permitiu manter a posse e utilização do veículo, surge uma nova obrigação, sendo certo que o valor da obrigação, assim como o valor de cada uma das prestações e o seu número total resultou da negociação entre o credor original e os ora réus, afastando-se assim o regime aplicável aos contratos de mera adesão. A indemnização por resolução do contrato pressupunha a entrega, pelo réu, do veículo. No entanto, por estes pretenderem ficar com o veículo, foi então acordada a confissão da dívida, assumindo os réus a obrigação de a pagar, o que levou a uma alteração do valor em dívida, plasmado na carta de resolução. Por fim, considera que atenta a confissão da dívida, o prazo de prescrição é de 20 anos, não sendo assim aplicável o regime da prescrição de juros.

Ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, foi dispensada a realização da audiência prévia e, em cumprimento do prazo constante do artigo 593.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, foi fixado o valor da causa, determinou-se o objecto de litígio e os temas da prova, foram admitidos os requerimentos.

Foi realizada a audiência final sendo que, no decurso da mesma, o autor reduziu o pedido para € 13.636,95, acrescido de juros vencidos desde 08.08.2013, à taxa de 4% ao ano , até efectivo e integral pagamento, nos termos permitidos pelo artigo 265.º do Código do Processo Civil, por ter tido conhecimento de um documento que comprova que o veículo foi subtraído aos réus e que, posteriormente, foi recebida a quantia de € 12.300,00, a título de salvado, que foi entregue pelo 1.º réu ao autor (primitivo credor) em 09.08.2013.

Proferida sentença foi a acção julgada improcedente e, em consequência, foram os Réus absolvidos dos pedidos.

Inconformado recorreu o A. tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – A douta decisão decidiu pela improcedência do pedido do Autor, desde logo e no que concerne ao contrato de locação n.º (…), pois entendeu que a comunicação, pelo autor, da cláusula 17ª do contrato de aluguer celebrada entre as partes não respeitou o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (a chamada LCCG), sendo que nos termos dos artigos 8.º, 9.º, 12.º, 13.º e 14.º do mesmo diploma legal a mesma cláusula seria considerada como não escrita;

2 – Decidiu ainda que o reconhecimento de dívida assinado pelo réu assenta numa relação material controvertida cujos efeitos foram destruídos com a declaração de resolução impulsionada pelo Autor, não tem qualquer validade e a dívida peticionada (objecto de redução em sede de audiência de julgamento) é inexigível;

3 -O ponto 13 dos factos provados, para além de dar como provada a comunicação aos réus da resolução contratual, reproduz ainda o seguinte:
“(…) Fica também obrigado, caso ainda não o tenha feito, a proceder de imediato à restituição do veículo objeto do contrato celebrado (…)”.

4 – Logo neste ponto, a douta decisão não vê no reconhecimento da dívida por parte do Réu qualquer validade, mas não retira qualquer efeito do facto do mesmo manter em seu poder o veículo do contrato antes e após a data em que subscreve o documento que plasma o reconhecimento da dívida.

5 -Um dos preceitos fundamentais e que assenta no princípio de atribuir a cada um o que é seu, “suum cuique tribuere” não é minimamente respeitado.

6 – Aquela solução jurídica, brilhantemente explicada na decisão e que se fundamenta no regime legal da LCCG, terá o seu palco na fase da outorga do contrato de locação e sua resolução, sendo certo que os valores da resolução se aplicariam no caso da restituição da posse do veículo locado por parte do Réu.

7 – O veículo nunca foi restituído pelo Réu, como resulta dos factos provados.

8 -A decisão e opinião decorrente da mesma ignoram, em absoluto o facto de o veículo se manter com o réu após a resolução do contrato de locação, em 10.04.2008, assim como após a subscrição do reconhecimento da dívida por parte do Réu, em 10.10.2008.

9 -O veículo automóvel locado, em face da resolução do contrato, seria para restituir, tal a consequência legal, quanto mais não fosse decorrente do regime geral da locação.

10 -O Réu nunca restitui o veículo porque pretendeu assumir uma nova obrigação, dado que manteve o veículo consigo, reconhecendo-se como adstringido ao pagamento daquela obrigações em prestações mensais e sucessivas e NUNCA RENDAS.

11 -O veículo esteve sempre na posse do Réu, após a data de comunicação da resolução contratual,

12 -O 1.º Réu subscreveu a declaração que resulta provada nos pontos 14, 15, 16, 17 e 18 dos Factos Provados, porquanto tinha a posse do veículo e pretendeu sempre adquirir a sua propriedade.

13 -A decisão judicial, em bom rigor, dá sempre o melhor dos dois mundos ao Réu, porque o desobriga do pagamento da indemnização da cláusula 17ª, pese embora não ser esse o pedido e a causa de pedir do Autor nos autos, e desobriga ainda o Réu do pagamento das obrigações decorrentes do reconhecimento da dívida (vide facto provado sob o n.º 14), olvidando que durante todo aquele tempo, ou pelo menos todo o tempo decorrente desde 10.04.2008 (facto provado 13) até 23.04.2013 (facto provado 18) o veículo esteve na posse do Réu.

14 -A alegada falta de explicação do teor das cláusulas do contrato de locação (art.º 5.º da LCCG) nunca poderá ser levada ao momento em que o réu continua a manter o veículo na sua posse (ou segundo o mesmo na posse dos pais…), sendo certo que tendo em conta esta realidade a mesma foi totalmente ignorada na decisão judicial a quo.

15 -O veículo foi mantido na posse do Réu (ou segundo o mesmo na posse dos pais…) não por imposição do Autor, mas por vontade daquele, sabendo muito bem o Réu que ao subscrever o reconhecimento da dívida estava consciente que o veículo se manteria na posse dos seus pais, para que a sua propriedade fosse adquirida findo o pagamento (em prestações) da quantia fixada, ultrapassando assim os efeitos decorrentes da resolução mediante a assunção de uma nova obrigação.

16 -É de forma perfeitamente consciente que o veículo se mantém na posse do Réu (ou segundo o mesmo na posse dos pais…), sendo que a declaração que o mesmo subscreve em 10.10.2008 (ponto 14 dos factos provada) considera essa situação e a vontade expressa da posse do veículo se manter com o Réu, tendo como contrapartida o cumprimento dos pagamentos fracionados de uma nova e única obrigação.

17 – A decisão reconhece que o valor do reconhecimento da dívida subscrito pelo Réu nada tem a ver com o valor da resolução contratual, mas entra logo numa contradição insanável dado que o valor da resolução do contrato pressupunha a restituição do veículo ao passo que o reconhecimento da dívida subscrito pelo Réu reconhecia o direto a este manter a posse, mas com a condição de pagar as prestações mensais acordadas.

18 -O reconhecimento da dívida por parte do Réu é escorreito e são e preenche todos os requisitos para se tornar uma fonte de obrigação e adstringir o mesmo no pagamento das prestações constantes do mesmo reconhecimento.

19 – O reconhecimento da dívida por parte do Réu é claramente justificado e não é uma declaração nua de sentido.

20 – O reconhecimento da dívida tem uma razão de ser que decorre da dívida a que se obriga a pagamento o Réu, porquanto a partir do momento em que o contrato de locação foi resolvido e o mesmo Réu optou por manter a posse do veículo, assumiu o pagamento de uma única obrigação, em prestações mensais e sucessivas, e frisamos: prestações e não rendas, dado que consta, no documento de reconhecimento da dívida que o não pagamento de uma das prestações implicará o vencimento de todas as demais.

21 -Ou seja, durante o período que medeia a subscrição do reconhecimento (10.10.2008 e a perda do veículo (23.04.2013), o reconhecimento da dívida terá sempre de produzir efeitos.
22 -A douta sentença não esclarece de todo estas questões, afundando-se numa lógica que perverte os princípios elementares do direito e a aplicação do regime subjacente à novação objectiva.

23 – Existiu uma novação objectiva da obrigação, tal como decorre do art.º 857.º do Código Civil.

24 – Com aquela novação da obrigação, passou a ser objecto de uma obrigação assumida pelo Réu, com vista ao pagamento em prestações mensais e sucessivas, sendo neste caso concreto aplicável sim, o regime do art.º 781.º do Código Civil, em face do incumprimento, tal como resulta do reconhecimento de dívida subscrito pelo 1º Réu.

25 – Com a novação objectiva ficou afastado o regime legal das obrigações de um contrato de execução continuada, como seria o caso do vencimento mensal de uma renda, obrigação que nasce em cada mês, e portanto não se coaduna com o regime do supra referido art.º 781.º do Código Civil.

26 -A nova obrigação resultou de uma premissa importante que assenta na manutenção da posse do veículo por parte do 1.º Réu com o objetivo de o adquirir após o pagamento integral do valor constante do reconhecimento que subscreveu.

27 -A douta sentença ao decidir como decidiu violou ainda o disposto no art.º 781.º, 857.º, 859.º, todos do código civil, sendo certo que constam do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si implicariam necessariamente decisão diversa da proferida, pelo que foi violado o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 615.º do CPC.

28 – A douta sentença deve ser revogada e em seu lugar decretada sentença que dê provimento ao pedido do Autor.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 31.07.2015, foi celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento entre o Banque (…) Finance, sucursal em Portugal, e o autor Banco (…) Portugal, S.A., que passou a exercer toda a actividade do primeiro.

2. O autor é uma entidade bancária, cuja actividade consiste, entre outras, no financiamento e aluguer de veículos automóveis.

3. Em 28.02.2017, no exercício daquela actividade, o autor celebrou com o 1.º réu, (…), o contrato denominado “contrato de aluguer” n.º (…), mediante o qual lhe cedeu a utilização do veículo automóvel da marca Citroen, modelo Jumper, com a matrícula 91-(…)-28.

4. Nas cláusulas particulares do referido contrato ficou estipulado que o veículo seria entregue pelo autor ao réu em 28.02.2007 e que este último procederia nessa data ao pagamento de € 6.161,27 e nos restantes 60 meses ao pagamento mensal de € 507,11, no valor total de € 36.587,87, constando ainda como ‘valor residual’ a quantia de € 2.891,90.

5. O 2.º réu, (…) outorgou o contrato referido em 3. na qualidade de fiador, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia.

6. Na cláusula 17.º, denominada ‘Rescisão por incumprimento’ das condições gerais do referido contrato, consta que:

“1 – O locador poderá rescindir, com justa causa e unilateralmente, o presente contrato sempre que o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais. A rescisão será comunicada ao locatário por meio de carta ou telefax dirigido à morada deste indicada nas Condições Particulares ou a outra que pelo locatário tenha sido, entretanto, comunicada ao locador por escrito, e produzirá efeitos cinco dias após a data do respectivo envio. No caso de rescisão por incumprimento, deverá o locatário pagar ao locador uma indemnização igual a 80% do valor das rendas vincendas e as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, devendo ainda suportar integralmente o custo da reparação de qualquer avaria ou dano que o veículo locado apresente (...)”.

7. Na cláusula 18.º designada ‘Restituição do Veículo’, encontra-se expresso que:

“Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do locatário, e com excepção de perda e destruição total, o veículo locado deve ser restituído no local e perante a entidade identificada na cláusula 4.ª das condições particulares”.

8. À data da assinatura do contrato era dependente dos pais e trabalhava com estes em feiras.

9. O réu celebrou o contrato mencionado em 3. a pedido do pai, (…) uma vez que este não tinha condições financeiras para o celebrar.

10. O veículo foi utilizado pelo pai do 1.º réu na sua profissão de feirante, embora este o tenha ocasionalmente conduzido para ir, a pedido dos pais, ao supermercado.

11. O pai do 1.º réu não sabe ler, nem escrever.

12. Em 30.10.2007, o 1.º réu encontrava-se em dívida na quantia total de € 3.740,72, motivo pelo qual o autor interpelou os réus para proceder ao pagamento desse valor, alertando-os para que “caso persista no incumprimento, consideraremos o contrato resolvido (...)”.

13. Em 10.04.2008, o autor fez a seguinte comunicação aos réus: ”resolvemos unilateralmente o contrato celebrado e acima identificado, pondo fim à vigência do mesmo, com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas, acrescidas de despesas e de juros de mora no valor de € 4.389,33. Como consequência da resolução terá que pagar o título de indemnização a quantia de € 15.873,55, conforme previsto nas condições gerais do contrato celebrado (...) Fica também obrigado, caso ainda não o tenha feito, a proceder de imediato à restituição do veículo objecto do contrato celebrado (...)”.

14. Em 10.10.2008, o 1.º réu declarou que devia ao autor a quantia de € 26.864,41 (vinte seis mil, oitocentos e sessenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos) e que iria proceder ao seu pagamento em 127 prestações mensais e sucessivas de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) cada uma e a última no valor de € 190,01 (cento e noventa euros e um cêntimo).

15. O pagamento da referida quantia seria efectuado até ao dia 10 de cada mês, tendo o seu início em 10.10.2008.

16. O montante referido em 12. corresponde ao capital em falta para que o 1.º réu possa adquirir o veículo descrito em 3..

17. Até 28.01.2011, o réu havia pago a quantia de € 3.610,00, tendo nesse dia procedido ao pagamento de apenas € 100,00.

18. Em 23.04.2013, na sequência de uma subtracção ilegítima do veículo descrito em 3. Por terceiro não identificado, localização do veículo e posterior peritagem ao mesmo, a (…) Seguros considerou a sua perda total e procedeu à entrega ao 1.º réu da quantia de € 12.300,00.

19. O 1.º réu entregou a quantia mencionada em 18. ao autor.

Factos não provados

A) Aquando da assinatura deste contrato, o/a vendedor/a do stand da Citroen procedeu à leitura da cláusula 17.ª e explicou o teor da mesma ao 1.º réu (artigos 2.º e 3.º da Contestação).

B) Os réus, em 10.10.2008, acordaram pagar o valor em dívida em 127 prestações.

C) O 2.º réu declarou e assinou o documento constante do ponto 14. dos factos provados.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC).

Discute-se essencialmente a questão de saber se terá ocorrido novação objectiva, isto é se estamos perante a existência de um acordo pelo qual as partes extinguiram uma obrigação entre elas existente, substituindo-lhe uma nova obrigação (art.º 857.º, CC).

É pacífico entre as partes ter sido celebrado um contrato de aluguer de veículo entre o autor e o 1.º réu, o primeiro na posição de locador, o segundo na posição de locatário e sendo o objecto do contrato o aluguer do veículo automóvel da marca Citroen, modelo Jumper, com a matrícula 91-(…)-28, nas condições contratuais dadas como provadas no ponto 4.

Impendia sobre o 1.º réu a obrigação de proceder à devolução do veículo, passado o tempo estipulado para a duração do contrato, podendo proceder ao pagamento da quantia de € 2.891,00, no final do contrato, caso quisesse adquirir o veículo.

Não discute também o recorrente o segmento da decisão recorrida que sustenta que a clausula 17.º do contrato em causa se deve ter por excluída do contrato nos termos do art.º 8.º, al. a), da LCCG por violação do disposto no art.º 5.º, n.º 2 da mesma lei dado que o A/recorrente não provou, como lhe competia, ter propiciado ao 1.º réu o efectivo conhecimento da mencionada cláusula.

É também pacífico que a ausência desta cláusula não invalida no seu todo o Contrato celebrado entre as partes, ficando o mesmo sujeito à regulamentação típica prevista no CC para a resolução contratual no âmbito do contrato de locação, sendo ainda certo que o A. procedeu à resolução do contrato de locação, mas que a causa de pedir nos presentes autos não assenta na resolução contratual, mas sim no incumprimento da obrigação nova assumida pelo 1.º R. em substituição da obrigação novada.

Como refere J. Dias Marques, in Direito Civil, pág. 233, entre a obrigação antiga ou novada, e a obrigação nova há certos laços de dependência que importa mencionar, colocando em destaque os seguintes:

Se a primeira obrigação estava extinta ou era inválida ao tempo em que a segunda foi contraída fica a novação sem efeito; extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da lei (art. 861.º, CC). Deste modo, a fiança que garante a obrigação antiga só se mantem na obrigação nova se for expressamente convencionadas, caso contrário, extingue-se por força da novação.

Como refere a decisão recorrida há que distinguir dois momentos negociais entre as partes.

Inicialmente, autor e réus celebraram um contrato de aluguer de veículo.

O 1.º réu não procedeu ao pagamento das prestações conforme acordado no contrato, tendo o autor, após interpelação, resolvido o contrato de aluguer de veículo, exigindo o pagamento aos réus de € 4.389,33, correspondente às rendas vencidas e de despesas e juros de mora, assim como uma indemnização no valor de € 15.873,55, correspondente 80% do valor das rendas vincendas e rendas vencidas e não pagas e juros de mora legal.

Posteriormente, o 1.º réu assinou um documento onde declarou que devia ao autor a quantia de € 26.864,41, e que iria proceder ao seu pagamento em prestações de forma a poder ficar com o veículo.

O valor que o autor peticiona nada tem a ver com o valor que entende ser credor com a resolução do contrato. Esse valor compreenderia as rendas vencidas, uma indemnização e a entrega do veículo.

O peticionado pelo autor aqui é o constante da declaração de reconhecimento de dívida por parte do 1.º réu, ao qual deve ser retirado o valor de € 3.610,00, já pago pelo 1.º réu e o valor de € 12.300,00 que recebeu do 1.º réu em consequência da perda total veículo por furto.

Estamos pois perante a problemática da admissibilidade do negócio unilateral como fonte autónoma de obrigações.

Dispõe o art.º 457.º, CC que a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei.

A admissibilidade do negócio unilateral como fonte autónoma de obrigações tem carácter excepcional. Em regra, portanto, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor.

Dispõe o art.º 458.º, n.º 1, CC que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

Não se consagra neste artigo o princípio do negócio abstracto. O que se estabelece é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental. Presume-se que esta obrigação tem uma causa, podendo, porém, o devedor fazer a prova do contrário (Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, I Vol., pág. 439 e 440).

Não ficou provado que as partes tenham acordado em que os RR efectuassem o pagamento da quantia peticionada em prestações.

A declaração de reconhecimento de dívida agora em causa pressupunha a existência de uma relação material controvertida, neste caso, a manutenção do contrato de aluguer de veículo pagamento de todas as prestações em falta no valor total de € 23.254,41 (tornando-se impossível a entrega do carro, com a consequente entrega do dinheiro recebido da seguradora pelo 1.º réu ao autor, no valor de € 12.300,00, este valor é agora de € 10.954,41).

O que acontece é que o ora recorrente resolveu o contrato que havia celebrado com os RR. E consequentemente deixou de existir a causa que constituía a fonte da obrigação assumida com a declaração do reconhecimento de dívida.

Como se concluiu na decisão recorrida, situação diferente ocorreria se houvesse um reconhecimento dos direitos resultantes da resolução do contrato e da dívida daí resultante, fundando-se essa declaração nos valores devidos em função da resolução contratual, o que não ocorre nos presentes autos, uma vez que a quantia peticionada não é a que resulta da resolução efectuada pelo autor.

Com o reconhecimento da dívida não nasceu uma nova obrigação para o Réu.

Como refere Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 213, também citado na decisão recorrida, não se poder inferir uma novação através de simples modificações da obrigação, como alterações do prazo de pagamento, taxas de juro, prestação de garantias. Também não constitui novação o reconhecimento da obrigação (…). Efectivamente, nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida.

Custas a cargo do recorrente.

Évora, 31 de Janeiro de 2019

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso