Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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Relator: | JAIME PESTANA | ||
Descritores: | NOVAÇÃO NEGÓCIO UNILATERAL | ||
Data do Acordão: | 01/31/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2848/17.8T8STB.E1 – 2.ª secção Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Banco (…) Portugal, S.A., NIF (…), com sede na Rua (…), n.º 2, em Lisboa, veio intentar a presente acção declarativa de condenação, como processo comum, contra (…), NIF (…), residente na Praceta (…), n.º 5, 2.º-Dto., 2950 Aires, e (…), NIF (…), residente na Rua (…), lote D, loja C, em Lisboa, pedindo que os réus sejam condenados no pagamento da quantia de € 23.554,41 (vinte e três mil, quinhentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos à taxa de 4%, desde 28.01.2011 até 13.04.2017, e de juros de mora vincendos, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento.
Alegou, em síntese, que, no exercício da actividade bancária, o autor (transmissário do estabelecimento do Banque … Finance), a solicitação e no interesse do réu (…), celebrou com este um contrato de aluguer, referente ao veículo automóvel com a matrícula 91-(…)-28, tendo o 2.º réu, (…), subscrito o referido contrato na qualidade de fiador. O contrato foi incumprido e, por esse motivo os réus foram interpelados para proceder ao pagamento do valor apurado por força do incumprimento do contrato e consequente resolução, o que sucedeu em carta registada com aviso de recepção em 10.04.2008. Em 10.10.2008, os réus acordaram no pagamento do valor em dívida de € 26.864,41, dividido por 127 prestações mensais e sucessivas de € 250,00 cada, e a última no valor de € 190,01. Mais uma vez, o acordo não foi integralmente cumprido, tendo o último pagamento ocorrido em 28.11.2011, permanecendo em dívida a quantia de € 23.554,41, a qual se tornou exigível na sua totalidade, porquanto o não pagamento de qualquer prestação importa o vencimento imediato de todas as restantes, tal como decorre do artigo 781.º do Código Civil. A acrescer são devidos juros de mora desde 28.01.2011.
Contestou o 1º réu (…), defendendo-se por excepção, considerando que por nos encontrarmos perante um contrato de adesão, um contrato que contém cláusulas contratuais gerais, deveria ter-lhe sido comunicado o alcance e significado jurídico e as consequências das cláusulas constantes do contrato, o que não ocorreu. Tal incumprimento por parte do autor implica que a cláusula 17.ª se considere não escrita, e consequentemente, excluída do contrato e não oponível ao réu, que estabelece em seu benefício o direito a obter do locatário uma indemnização manifestamente desproporcionada. Nestes termos, não deveria ter sido feita qualquer declaração de confissão de dívida, sendo ainda o valor aí constante muito superior ao capital em dívida e à cláusula penal, devendo ser de apenas € 20.262,88. Por estes motivos, o réu considera-se somente devedor de € 4.379,33. Entende ainda que, como o réu apenas contraiu o empréstimo para benefício do pai, é este o responsável pela dívida aqui em causa, não devendo o réu nada ao autor. Entende ainda que parte dos juros se encontram prescritos, nos termos do artigo 310, alínea d), do Código Civil.
O réu (…) não apresentou contestação.
No articulado de resposta à contestação (ao abrigo do disposto nos artigos 3.º, n.º 3 e 547.º do Código do Processo Civil), veio o autor entender que a prática do credor original e mantida pelo actual credor é de precisamente explicar aos clientes todo o teor das cláusulas e demais implicações do contrato. Não obstante, por o réu ter subscrito o reconhecimento de uma dívida, que permitiu manter a posse e utilização do veículo, surge uma nova obrigação, sendo certo que o valor da obrigação, assim como o valor de cada uma das prestações e o seu número total resultou da negociação entre o credor original e os ora réus, afastando-se assim o regime aplicável aos contratos de mera adesão. A indemnização por resolução do contrato pressupunha a entrega, pelo réu, do veículo. No entanto, por estes pretenderem ficar com o veículo, foi então acordada a confissão da dívida, assumindo os réus a obrigação de a pagar, o que levou a uma alteração do valor em dívida, plasmado na carta de resolução. Por fim, considera que atenta a confissão da dívida, o prazo de prescrição é de 20 anos, não sendo assim aplicável o regime da prescrição de juros.
Ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, foi dispensada a realização da audiência prévia e, em cumprimento do prazo constante do artigo 593.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, foi fixado o valor da causa, determinou-se o objecto de litígio e os temas da prova, foram admitidos os requerimentos. Foi realizada a audiência final sendo que, no decurso da mesma, o autor reduziu o pedido para € 13.636,95, acrescido de juros vencidos desde 08.08.2013, à taxa de 4% ao ano , até efectivo e integral pagamento, nos termos permitidos pelo artigo 265.º do Código do Processo Civil, por ter tido conhecimento de um documento que comprova que o veículo foi subtraído aos réus e que, posteriormente, foi recebida a quantia de € 12.300,00, a título de salvado, que foi entregue pelo 1.º réu ao autor (primitivo credor) em 09.08.2013. Proferida sentença foi a acção julgada improcedente e, em consequência, foram os Réus absolvidos dos pedidos. Inconformado recorreu o A. tendo formulado as seguintes conclusões: 1 – A douta decisão decidiu pela improcedência do pedido do Autor, desde logo e no que concerne ao contrato de locação n.º (…), pois entendeu que a comunicação, pelo autor, da cláusula 17ª do contrato de aluguer celebrada entre as partes não respeitou o disposto no art.º 5.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro (a chamada LCCG), sendo que nos termos dos artigos 8.º, 9.º, 12.º, 13.º e 14.º do mesmo diploma legal a mesma cláusula seria considerada como não escrita; O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto: 1. Em 31.07.2015, foi celebrado um contrato de transmissão de estabelecimento entre o Banque (…) Finance, sucursal em Portugal, e o autor Banco (…) Portugal, S.A., que passou a exercer toda a actividade do primeiro. 2. O autor é uma entidade bancária, cuja actividade consiste, entre outras, no financiamento e aluguer de veículos automóveis. 3. Em 28.02.2017, no exercício daquela actividade, o autor celebrou com o 1.º réu, (…), o contrato denominado “contrato de aluguer” n.º (…), mediante o qual lhe cedeu a utilização do veículo automóvel da marca Citroen, modelo Jumper, com a matrícula 91-(…)-28. 4. Nas cláusulas particulares do referido contrato ficou estipulado que o veículo seria entregue pelo autor ao réu em 28.02.2007 e que este último procederia nessa data ao pagamento de € 6.161,27 e nos restantes 60 meses ao pagamento mensal de € 507,11, no valor total de € 36.587,87, constando ainda como ‘valor residual’ a quantia de € 2.891,90. 5. O 2.º réu, (…) outorgou o contrato referido em 3. na qualidade de fiador, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia. 6. Na cláusula 17.º, denominada ‘Rescisão por incumprimento’ das condições gerais do referido contrato, consta que: “1 – O locador poderá rescindir, com justa causa e unilateralmente, o presente contrato sempre que o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais. A rescisão será comunicada ao locatário por meio de carta ou telefax dirigido à morada deste indicada nas Condições Particulares ou a outra que pelo locatário tenha sido, entretanto, comunicada ao locador por escrito, e produzirá efeitos cinco dias após a data do respectivo envio. No caso de rescisão por incumprimento, deverá o locatário pagar ao locador uma indemnização igual a 80% do valor das rendas vincendas e as rendas vencidas e não pagas, acrescidas de juros de mora à taxa legal, devendo ainda suportar integralmente o custo da reparação de qualquer avaria ou dano que o veículo locado apresente (...)”. 7. Na cláusula 18.º designada ‘Restituição do Veículo’, encontra-se expresso que: “Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo a rescisão por incumprimento do locatário, e com excepção de perda e destruição total, o veículo locado deve ser restituído no local e perante a entidade identificada na cláusula 4.ª das condições particulares”. 8. À data da assinatura do contrato era dependente dos pais e trabalhava com estes em feiras. 9. O réu celebrou o contrato mencionado em 3. a pedido do pai, (…) uma vez que este não tinha condições financeiras para o celebrar. 10. O veículo foi utilizado pelo pai do 1.º réu na sua profissão de feirante, embora este o tenha ocasionalmente conduzido para ir, a pedido dos pais, ao supermercado. 11. O pai do 1.º réu não sabe ler, nem escrever. 12. Em 30.10.2007, o 1.º réu encontrava-se em dívida na quantia total de € 3.740,72, motivo pelo qual o autor interpelou os réus para proceder ao pagamento desse valor, alertando-os para que “caso persista no incumprimento, consideraremos o contrato resolvido (...)”. 13. Em 10.04.2008, o autor fez a seguinte comunicação aos réus: ”resolvemos unilateralmente o contrato celebrado e acima identificado, pondo fim à vigência do mesmo, com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas, acrescidas de despesas e de juros de mora no valor de € 4.389,33. Como consequência da resolução terá que pagar o título de indemnização a quantia de € 15.873,55, conforme previsto nas condições gerais do contrato celebrado (...) Fica também obrigado, caso ainda não o tenha feito, a proceder de imediato à restituição do veículo objecto do contrato celebrado (...)”. 14. Em 10.10.2008, o 1.º réu declarou que devia ao autor a quantia de € 26.864,41 (vinte seis mil, oitocentos e sessenta e quatro euros e quarenta e um cêntimos) e que iria proceder ao seu pagamento em 127 prestações mensais e sucessivas de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) cada uma e a última no valor de € 190,01 (cento e noventa euros e um cêntimo). 15. O pagamento da referida quantia seria efectuado até ao dia 10 de cada mês, tendo o seu início em 10.10.2008. 16. O montante referido em 12. corresponde ao capital em falta para que o 1.º réu possa adquirir o veículo descrito em 3.. 17. Até 28.01.2011, o réu havia pago a quantia de € 3.610,00, tendo nesse dia procedido ao pagamento de apenas € 100,00. 18. Em 23.04.2013, na sequência de uma subtracção ilegítima do veículo descrito em 3. Por terceiro não identificado, localização do veículo e posterior peritagem ao mesmo, a (…) Seguros considerou a sua perda total e procedeu à entrega ao 1.º réu da quantia de € 12.300,00. 19. O 1.º réu entregou a quantia mencionada em 18. ao autor.
Factos não provados
A) Aquando da assinatura deste contrato, o/a vendedor/a do stand da Citroen procedeu à leitura da cláusula 17.ª e explicou o teor da mesma ao 1.º réu (artigos 2.º e 3.º da Contestação). B) Os réus, em 10.10.2008, acordaram pagar o valor em dívida em 127 prestações. C) O 2.º réu declarou e assinou o documento constante do ponto 14. dos factos provados.
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (art.º 639.º, CPC). Discute-se essencialmente a questão de saber se terá ocorrido novação objectiva, isto é se estamos perante a existência de um acordo pelo qual as partes extinguiram uma obrigação entre elas existente, substituindo-lhe uma nova obrigação (art.º 857.º, CC). É pacífico entre as partes ter sido celebrado um contrato de aluguer de veículo entre o autor e o 1.º réu, o primeiro na posição de locador, o segundo na posição de locatário e sendo o objecto do contrato o aluguer do veículo automóvel da marca Citroen, modelo Jumper, com a matrícula 91-(…)-28, nas condições contratuais dadas como provadas no ponto 4. Impendia sobre o 1.º réu a obrigação de proceder à devolução do veículo, passado o tempo estipulado para a duração do contrato, podendo proceder ao pagamento da quantia de € 2.891,00, no final do contrato, caso quisesse adquirir o veículo. Não discute também o recorrente o segmento da decisão recorrida que sustenta que a clausula 17.º do contrato em causa se deve ter por excluída do contrato nos termos do art.º 8.º, al. a), da LCCG por violação do disposto no art.º 5.º, n.º 2 da mesma lei dado que o A/recorrente não provou, como lhe competia, ter propiciado ao 1.º réu o efectivo conhecimento da mencionada cláusula. É também pacífico que a ausência desta cláusula não invalida no seu todo o Contrato celebrado entre as partes, ficando o mesmo sujeito à regulamentação típica prevista no CC para a resolução contratual no âmbito do contrato de locação, sendo ainda certo que o A. procedeu à resolução do contrato de locação, mas que a causa de pedir nos presentes autos não assenta na resolução contratual, mas sim no incumprimento da obrigação nova assumida pelo 1.º R. em substituição da obrigação novada. Como refere J. Dias Marques, in Direito Civil, pág. 233, entre a obrigação antiga ou novada, e a obrigação nova há certos laços de dependência que importa mencionar, colocando em destaque os seguintes: Se a primeira obrigação estava extinta ou era inválida ao tempo em que a segunda foi contraída fica a novação sem efeito; extinta a obrigação antiga pela novação, ficam igualmente extintas, na falta de reserva expressa, as garantias que asseguravam o seu cumprimento, mesmo quando resultantes da lei (art. 861.º, CC). Deste modo, a fiança que garante a obrigação antiga só se mantem na obrigação nova se for expressamente convencionadas, caso contrário, extingue-se por força da novação. Como refere a decisão recorrida há que distinguir dois momentos negociais entre as partes. Inicialmente, autor e réus celebraram um contrato de aluguer de veículo. O 1.º réu não procedeu ao pagamento das prestações conforme acordado no contrato, tendo o autor, após interpelação, resolvido o contrato de aluguer de veículo, exigindo o pagamento aos réus de € 4.389,33, correspondente às rendas vencidas e de despesas e juros de mora, assim como uma indemnização no valor de € 15.873,55, correspondente 80% do valor das rendas vincendas e rendas vencidas e não pagas e juros de mora legal. Posteriormente, o 1.º réu assinou um documento onde declarou que devia ao autor a quantia de € 26.864,41, e que iria proceder ao seu pagamento em prestações de forma a poder ficar com o veículo. O valor que o autor peticiona nada tem a ver com o valor que entende ser credor com a resolução do contrato. Esse valor compreenderia as rendas vencidas, uma indemnização e a entrega do veículo. O peticionado pelo autor aqui é o constante da declaração de reconhecimento de dívida por parte do 1.º réu, ao qual deve ser retirado o valor de € 3.610,00, já pago pelo 1.º réu e o valor de € 12.300,00 que recebeu do 1.º réu em consequência da perda total veículo por furto. Estamos pois perante a problemática da admissibilidade do negócio unilateral como fonte autónoma de obrigações. Dispõe o art.º 457.º, CC que a promessa unilateral de uma prestação só obriga nos casos previstos na lei. A admissibilidade do negócio unilateral como fonte autónoma de obrigações tem carácter excepcional. Em regra, portanto, fora dos casos em que a obrigação nasce directamente da lei (gestão de negócios, enriquecimento sem causa, responsabilidade civil, etc.), para que haja o dever de prestar e o correlativo poder de exigir a prestação é necessário o acordo (contrato) entre o devedor e o credor. Dispõe o art.º 458.º, n.º 1, CC que se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário. Não se consagra neste artigo o princípio do negócio abstracto. O que se estabelece é apenas a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental. Presume-se que esta obrigação tem uma causa, podendo, porém, o devedor fazer a prova do contrário (Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, I Vol., pág. 439 e 440). Não ficou provado que as partes tenham acordado em que os RR efectuassem o pagamento da quantia peticionada em prestações. A declaração de reconhecimento de dívida agora em causa pressupunha a existência de uma relação material controvertida, neste caso, a manutenção do contrato de aluguer de veículo pagamento de todas as prestações em falta no valor total de € 23.254,41 (tornando-se impossível a entrega do carro, com a consequente entrega do dinheiro recebido da seguradora pelo 1.º réu ao autor, no valor de € 12.300,00, este valor é agora de € 10.954,41). O que acontece é que o ora recorrente resolveu o contrato que havia celebrado com os RR. E consequentemente deixou de existir a causa que constituía a fonte da obrigação assumida com a declaração do reconhecimento de dívida. Como se concluiu na decisão recorrida, situação diferente ocorreria se houvesse um reconhecimento dos direitos resultantes da resolução do contrato e da dívida daí resultante, fundando-se essa declaração nos valores devidos em função da resolução contratual, o que não ocorre nos presentes autos, uma vez que a quantia peticionada não é a que resulta da resolução efectuada pelo autor. Com o reconhecimento da dívida não nasceu uma nova obrigação para o Réu. Como refere Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. II, pág. 213, também citado na decisão recorrida, não se poder inferir uma novação através de simples modificações da obrigação, como alterações do prazo de pagamento, taxas de juro, prestação de garantias. Também não constitui novação o reconhecimento da obrigação (…). Efectivamente, nos termos legais, só há novação se as partes exteriorizarem directamente o animus novandi, o que implica não se admitirem presunções de novação, nem poder resultar essa declaração tacitamente através de factos concludentes. Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisão recorrida. Custas a cargo do recorrente. Évora, 31 de Janeiro de 2019 Jaime Pestana Paulo Amaral Rosa Barroso |