Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
47/13.7GCBNV.E1
Relator: MARIA DE FÁTIMA BERNARDES
Descritores: CRIME DE RECETAÇÃO
DOLO
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECRETADO O REENVIO
Sumário:
I - O crime de recetação previsto no n.º2 do artigo 231.º do Código Penal contém um tipo doloso, não podendo ser punido a título negligente.

II – Ocorre insuficiência para a decisão da matéria de facto provada se o tribunal, afastando o dolo direto na actuação dos arguidos, omitiu qualquer referência aos elementos que caraterizam o dolo necessário e o dolo eventual, reportados ao crime de recetação, quer em sede de decisão de facto, quer em sede de decisão de direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 – RELATÓRIO

1.1. Neste processo comum n.º 47/13.7GCBNV.E1, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo Local Criminal de Benavente, Juiz 2, foram submetidos a julgamento, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos CC, JJ e AA, melhor identificados nos autos, estando pronunciados pela prática, em autoria material e na forma consumada:

- O arguido CC, em concurso efetivo, de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal;

- O arguido JJ, de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal; e

- O arguido AA, em concurso efetivo, de um crime de recetação, p. e p. pelo artigo 231º, n.º 1, do Código Penal; de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º e 218º, n.º 1, por referência ao artigo 202º, al. a), do Código Penal e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1, alínea a) do Código Penal.

1.2. Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual, finda a produção da prova, o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 358º, n.ºs 1 e 3, do CPP, procedeu à comunicação aos arguidos da alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia[1] e da alteração da qualificação jurídica de tais factos, em termos de serem suscetíveis de integrar a prática de um crime de recetação p. e p. pelo n.º 2 do artigo 231º do Código Penal, não tendo os arguidos requerido (cf. ata de fls. 606 e 607).

1.3. Foi proferida sentença, em 11/12/2018, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, o Tribunal decide:

a) Condenar o arguido CC pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.°, n.º 2, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

b) Condenar o arguido CC pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

c) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em a) e b), condenar o arguido CC na pena única de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos, o que perfaz a quantia de € 550,00 (quinhentos e cinquenta euros);

d) Condenar o arguido JJ pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.°, n.º 2, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos) o que perfaz a quantia de € 220,00 (duzentos e vinte euros);

e) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.°, n.º 2, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

f) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

g) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.°, n.º 1 e 218.°, n.º 1, por referência ao artigo 202.°, alínea a), todos do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

h) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas em e) a g), condenar o arguido AA na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa à taxa diária de 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos, o que perfaz a quantia de € 1.210,00 (mil, duzentos e dez euros);

i) Condenar os arguidos no pagamento das custas processuais, que se fixam de 2 (duas) U. C. de taxa de justiça e nos demais encargos com o processo, nos termos do disposto nos artigos 513.° e 514.°, ambos do Código de Processo Penal e artigo 8.° e 13.°, ambos do Regulamento das Custas Processuais.

j) Julgar procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo demandante MM, e em consequência condenar os demandados CC, JJ e AA no pagamento da quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros), à qual acrescem os respectivos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da sua notificação do pedido de indemnização e até integral pagamento.

k) Custas cíveis a cargo dos arguidos/demandados CC, JJ e AA na proporção do decaimento (artigos 527.°, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, artigo 523.°, do Código de Processo Penal) sem prejuízo do disposto no artigo 4.°, n.º 1 alínea n) do Regulamento das Custas Processuais.
(…).»

1.4. Inconformados com o assim decidido, recorreram os três arguidos para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso que, respetivamente, apresentaram, as conclusões que se passam a transcrever:

1.4.1. Conclusões do recurso apresentado pelo arguido CC:
«A - O ora recorrente, estava acusado da prática como autor material, em concurso real e na forma consumada de:

i) um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.° n.º 1 do Código Penal; e

ii) um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.° n.º 1 alíneas a), d) e e) do Código Penal

B - Estava ainda deduzido um pedido de indemnização cível pelo demandante MM, peticionando a condenação dos demandados, entre os quais, o aqui recorrente, no pagamento solidário da quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais, causados pela conduta dos arguidos, constante da acusação.

C - Dizendo-se que em data não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, o arguido CC adquiriu a posse de uma máquina mini retroescavadora, sem se assegurar da proveniência da mesma.
E que,

D - Por forma a criar uma aparência de aquisição legítima da referida máquina, o arguido, ficou na pose de um texto escrito a computador, com o título "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento", em que consta como primeiro outorgante Christiano D., e como segundo outorgante o arguido.

E - Onde o primeiro outorgante se reconhece como devedor do arguido pela quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), arrogando-se proprietário da máquina mini retroescavadora, que declara entregar ao arguido para pagamento da referida dívida.

F - Com esse propósito, o arguido ficou na posse de recibo em branco timbrado com o logótipo da sociedade A, Madeiras e Derivados, Lda., como se a sociedade em causa lhe tivesse vendido por € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a máquina mini retroescavadora com o número de série 0807700, que anexou ao texto impresso.

G - O contrato e a factura estão datados de 10.07.2012, como se o arguido tivesse adquirido a máquina nessa data, quando a mesma foi furtada ao proprietário em 21.01.2013 que a detinha desde 2001.

H - Entretanto o arguido em conjunto com o também arguido JJ, e com o propósito de obter dinheiro para o primeiro, decidiram em comunhão de esforços vender a máquina.

I - Tendo para o efeito contactado o arguido AA, que a comprou por € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros).

J - O arguido ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, a um indivíduo que realizava obras na sua rua, sem se assegurar que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

K - Ao usar os documentos com a aparência de contrato de reconhecimento de dívida e dação em cumprimento e factura de compra e venda, relativos à retroescavadora JCB com o número de série 807700 e datados de 10.07.2012, quis e representou fazer constar falsamente que a havia adquirido de forma lícita, para assim a poder vender e desresponsabilizar-se criminalmente pela sua posse.

L - Bem sabia que tais documentos eram falsos e que com a sua conduta obtinha benefícios aos quais não tinha direito, como ainda colocava em causa a fé pública e a credibilidade que os contratos e facturas, enquanto documentos, gozam no comércio jurídico, bem como causava prejuízos ao proprietário da retroescavadora, o que não o demoveu da sua conduta.

M - Entendendo-se que o agiu o arguido de forma deliberada, livre e consciente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

N - A audiência de discussão e julgamento veio a ter lugar, tendo em sede de julgamento, o aqui recorrente prestado declarações, sido ouvidas testemunhas da acusação e no que aqui importa, igualmente testemunhas arroladas por aquele.

O - Consideraram-se provados com interesse para a decisão da causa, e que provinham da acusação os seguintes factos:

i) que em data não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, o arguido CC adquiriu a posse de uma máquina mini retroescavadora, sem se assegurar da proveniência da mesma.

ii) Por forma a criar uma aparência de aquisição legítima da referida máquina, o arguido, ficou na pose de um texto escrito a computador, com o título "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento", em que consta como primeiro outorgante Christiano D., e como segundo outorgante o arguido.

iii) Nesse texto, o primeiro outorgante reconhece-se devedor do arguido pela quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), arroga-se proprietário da máquina mini retroescavadora, que declara entregar ao arguido para pagamento da referida dívida.

iv) Mantendo o mesmo propósito, o arguido ficou na posse de recibo em branco timbrado com o logótipo da sociedade A., Madeiras e Derivados, Lda., como se a sociedade em causa lhe tivesse vendido por € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a máquina mini retroescavadora com o número de série 0807700, que anexou ao texto impresso.

v) O contrato e a factura estão datados de 10.07.2012, como se o arguido tivesse adquirido a máquina nessa data, quando a mesma foi furtada ao proprietário em 21.01.2013 que a detinha desde 2001.

vi) Christiano D. não consta como sócio da sociedade A., que se encontra dissolvida.
vii) Tão pouco existem registos de que Christiano D. tenha declarado à segurança social, rendimentos auferidos em 2012 pela sociedade A..

viii) Entretanto o arguido em conjunto com o também arguido JJ, e com o propósito de obter dinheiro para o primeiro, decidiram em comunhão de esforços vender a máquina.

ix) Tendo para o efeito contactado o arguido AA, que a comprou por € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros).

x) O arguido ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, a um indivíduo que realizava obras na sua rua, sem se assegurar que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

xi) Ao usar os documentos com a aparência de contrato de reconhecimento de dívida e dação em cumprimento e factura de compra e venda, relativos à retroescavadora lCB com o número de série 807700 e datados de 10.07.2012, quis e representou fazer constar falsamente que a havia adquirido de forma lícita, para assim a poder vender e desresponsabilizar-se criminalmente pela sua posse.

xii) Bem sabia que tais documentos eram falsos e que com a sua conduta obtinha benefícios aos quais não tinha direito, como ainda colocava em causa a fé pública e a credibilidade que os contratos e facturas, enquanto documentos, gozam no comércio jurídico, bem como causava prejuízos ao proprietário da retroescavadora, o que não o demoveu da sua conduta.

P - Consideraram-se como não provados os seguintes factos:
i) que o arguido sabia que a máquina havia sido furtada;
ii) que o arguido de modo próprio ou através de alguém cuja identidade se desconhece, elaborou e imprimiu o contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento;
iii) que o arguido adquiriu o recibo e preencheu ou solicitou que o preenchessem;
iv) que a máquina se encontrava guardada e o arguido se apercebeu que a máquina era furtada;
v) que o arguido ao assim agir quis e representou receber a retroescavadora VCB com o número de série 807700, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

Q - Entendeu a Mma Juiz a quo, quanto ao crime de receptação, que o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado negligentemente, e considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entendeu o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa, nos termos dos artigos 231.° n.º 2 e 47.° n.º 1 do Código Penal.

R - Quanto ao crime de falsificação de documento, fixar uma pena de 100 (cem) dias de multa, nos termos dos artigos 256.° n.º 1 alínea e) e 47.° n.º 1 do Código Penal.

S - Foi então aplicada ao aqui recorrente, uma pena única de 110 (cento e dez) dias de multa.

T - Foi ainda considerado procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante, condenando-se o aqui recorrente a solidariamente com os demais arguidos, pagar a quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros).

U - Não pode o recorrente concordar e subscrever a sentença proferida.

V - O Tribunal a quo condenou o ora recorrente nos seguintes termos:
- quanto ao crime de receptação, que o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado negligentemente, e considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entendeu o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa, nos termos dos artigos 231.º n.º 2 e 47.º n.º 1 do Código Penal.

W - Salvo o devido respeito, o recorrente não concorda com a decisão contra si proferida, no que respeita à aplicação e interpretação da norma legal em causa, ou seja, o art.º 231.º n.º 2 do Código Penal ao entender-se que a conduta do aqui recorrente deverá ser punida a título de negligência.

X - A douta sentença ora recorrida refere que o arguido não sabia que a máquina havia sido furtada ou se apercebeu que a máquina era furtada (página 15, referente aos factos dados como não provados);

Y - Adiante, refere a douta sentença (pág. 26 no fim do antepenúltimo parágrafo), que o aqui recorrente, "(...) actuou com manifesta negligência."
Z - "Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos (...)" (penúltimo parágrafo da página 27)

AA - "ln casu, não se provou que os arguidos soubessem da proveniência ilícita (...)" (4° parágrafo da página 32)

BB - Culminando a douta sentença, com a conclusão que os arguidos "(...) actuaram com manifesta negligência." (4° parágrafo da página 34)

CC - Entende a por isso, a Mma Juiz a quo, que o referido preceito pune a negligência do crime de receptação.

DD - Não pode o aqui recorrente subscrever tal entendimento, porquanto, o que o n.º 2 do art.º 231.° do Código Penal pune e o distingue do n.º 1 da mesma disposição legal, é o dolo eventual.

EE - Atente-se entre outros ao Acórdão da Relação de Guimarães de 14 de Setembro de 2009 (in, www.dgsi.pt). o qual refere que a punição do crime de receptação "a título de negligência não está prevista especialmente em nenhuma norma."

FF - Afirmando ainda que, "um artigo que previsse e punisse um crime negligente sem o referir expressamente, constituiria uma anomalia, do ponto de vista da harmonia do sistema (...)".

GG - Igualmente o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 12 de Setembro de 2017 (in, www.dgsi.pt), que teve como relator o Venerando Desembargador, Clemente Lima, afirma-se igualmente que "o crime de receptação previsto no artigo 231.° n.º 2 do Código Penal contém um tipo doloso, não podendo ser punido a título negligente."

HH - "A referida conclusão decorre não só da interpretação literal do preceito, como à luz do princípio da legalidade (artigos 29.° n.º 1 da Constituição e artigo 1.º do CP), como ainda dos princípios nulla pena sine lege e da intervenção mínima."

II - Resulta assim, que o aqui recorrente, teria que ser absolvido da prática do crime de receptação, porquanto, considerando o Tribunal a quo e a douta sentença proferida, que o crime de receptação a existir, teria sido praticado na forma negligente, mas não punindo a lei o dito ilícito que não na forma dolosa, outro entendimento não pode resultar que não seja o de absolver o aqui recorrente do referido ilícito.

JJ - Revogando-se a douta sentença nessa parte e conduzindo a uma nova pena a aplicar ao recorrente, bem como à determinação de um novo quantitativo diário.

KK - Foi o ora recorrente, condenado igualmente ao pagamento solidário com os demais arguidos, da quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros), a título de danos não patrimoniais ao ofendido.

LL - A condenação essa, que decorre da existência do crime de receptação, que como se viu não existe, porquanto o mesmo não é punível na forma negligente.

MM - Se o aqui recorrente, foi negligente na aquisição da máquina retroescavadora, bem como os demais arguidos, o ofendido adquiriu a máquina em causa com os mesmos pressupostos e fundamentos.

NN - Não existiu intuito de o aqui recorrente enganar terceiros, que adquiriu na convicção ainda que negligente, que a máquina tinha proveniência lícita.

OO - Negligência essa, que se é assacada ao aqui recorrente o deveria ser igualmente ao ofendido, como resulta da própria sentença.

PP - Como motivação para a decisão da matéria de facto, estão as declarações do demandante, que se encontram resumidas, na página 20 da douta sentença.

QQ - De onde resulta que o mesmo entendeu "que não achou o preço solicitado pelo arguido muito caro" e questionado quanto ao documento que lhe foi entregue e confrontado com o mesmo "(...) disse o demandante que não estranhou o mesmo pois que o arguido era vendedor, e que, as máquinas que teve anteriormente, foram igualmente adquiridas naqueles termos, sendo que a declaração de venda da sua máquina, também foi o arguido quem a redigiu."

RR - O documento em causa, era uma declaração de venda, preenchida à frente do demandante, pelo arguido AA mas em nome de outra pessoa.

SS - Se o demandante compra nestas condições, ele próprio está a ser negligente e o modo de aquisição da máquina no seu caso concreto, não difere em nada, sobre a forma como os arguidos e o aqui recorrente adquiriram.

TT - Independentemente dessa circunstância e para lá dela, ao se entender absolver o aqui recorrente quanto ao crime de receptação, terá que ser o mesmo absolvido do pedido cível deduzido.

UU - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Maio de 2008 (in, www.dgsi.pt). refere que "(...) o receptador, incorreu, solidariamente (...), pois, com dolo, violou ilicitamente o direito que outrem tinha que lhe fosse restituído um determinado bem próprio e, por isso, ficou obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes dessa violação."

VV - "o crime de receptação é um facto que acarreta a manutenção, consolidação ou perpetuação de uma situação patrimonial anormal, decorrente de um crime anteriormente praticado por outrem, pelo que o seu agente viola também o direito de propriedade ou detenção do dono ou detentor da coisa deslocada."

WW - Aproveitando as palavras do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, a "situação anormal" que existia, decorre tão só do furto cujo autor se desconhece.

YY - Em relação a todos, a condenação foi ao abrigo do n.º 2 do art.º 231º do Código Penal, entendendo-se como negligente a sua conduta.

ZZ - Entendendo-se ser de cair o referido crime, a transmissão da retroescavadora deixa de ficar a cobro do ilícito criminal e como tal permitir um ressarcimento civil ao ofendido/demandante.

AAA - Tratar-se-ia então de uma compra e venda normal entre as partes.

BBB - Uma venda directa entre o arguido em causa (AA), e o ofendido/demandante, à qual o aqui recorrente era e é absolutamente alheio.

CCC - Ao cair o crime de receptação (como se entende), todo o negócio jurídico posterior à transmissão da máquina por parte do aqui recorrente, é alheio àquele, por inexistir já a referida (no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), "(...) manutenção, consolidação ou perpetuação de uma situação patrimonial anormal (...)."

DDD - Que existe de facto, mas apenas e só por conta do furto, mas ao qual o aqui recorrente é absolutamente alheio.

EEE - Terá igualmente que se concluir, dever o presente recurso obter provimento e sendo proferido acórdão que absolva o aqui recorrente do pagamento do pedido de indemnização cível deduzido, ou seja, do pagamento da quantia de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros).

FFF - Deverá em resumo a sentença ora recorrida ser revogada, na parte que condenou o aqui recorrente pelo crime de receptação negligente ao abrigo do n.º 2 do art.º 231.º do Código Penal e consequentemente na parte que o condenou no pagamento do pedido cível do demandante, no montante de € 13.200,00 (treze mil e duzentos euros).

NO ENTANTO V.EXAS. MELHOR DECIDIRÃO FAZENDO COMO SEMPRE A COSTUMADA
JUSTIÇA!!!»

1.3.2. Conclusões do recurso apresentado pelo arguido JJ:

«1 - O artigo 231º, nº 2 do Código Penal prevê um tipo de ilícito punível com dolo eventual.

2 - O crime de receptação previsto no nº 2 do artigo 231º é exclusivamente doloso, porquanto se fosse intenção do legislador punir tais condutas a título de negligência, tal circunstância seria expressamente consagrada.

3 - Tal interpretação é a que melhor harmoniza a aplicação da lei especial com a lei geral, uma vez que o artigo 13º do Código Penal determina que só são puníveis a título de negligência os crimes em que conste expressamente tal possibilidade.

4 - Acresce que, deve ser esta a interpretação a ser seguida, pois só assim se garante o respeito pelos princípios da nulla poena sine lege (artigo 1º Código Penal), bem como do princípio da legalidade previsto no artigo 29º, nº 1 da CRP.

5 - Deste modo, o Tribunal a quo ao determinar que o ora Recorrente agiu de forma meramente negligente, devia ter absolvido o mesmo da prática do crime de receptação, uma vez que a negligência nesse ilícito típico não é punível.

6 - Por outro lado, ainda que se seguisse o entendimento do Tribunal a quo, na realidade, não ficou cabalmente demonstrado o requisito essencial de punibilidade do artigo 231º, nº 2 do Código Penal segundo o qual deve existir uma suspeita razoável do objeto provir de um facto ilícito.

7 - Isto porque, não foi corretamente levada em consideração na douta sentença a relação familiar e de parentesco existente entre os arguidos JJ e CC.

8 - A máquina apresentava uma avaria, e já aparentava alguns anos, pelo que não estava desconforme com os valores de mercado, para máquinas idênticas.

9 - Do conhecimento que o ora Recorrente tinha em relação a essa máquina, ou dos atas por si praticados, contactos encetados, modo de negociar, este não foge da normalidade dos negócios entre particulares.

10 - Não consta dos factos dados como provados qualquer urgência na venda da máquina, nem quaisquer aspetos ou comportamentos do arguido pelos quais se possa concluir que o mesmo pudesse suspeitar da existência de ilicitude.

11 - Inclusive, em lado algum da matéria de facto dada como provada o Tribunal a quo alude à relação de parentesco entre o ora Recorrente e o arguido CC.

12 - Aludindo a essa circunstância apenas duas vezes em sede de motivação, e em sentidos contraditórios.

13 - Mais concretamente, a fls. 27 da decisão lê-se o seguinte: "relativamente ao arguido JJ, da prova produzida em audiência resultou que a máquina lhe foi facultada pelo arguido CC, atenta a relação de parentesco entre a ex-mulher deste último e o arguido JJ, para que o arguido procedesse à realização de alguns trabalhos na sua propriedade,"

14 - E, em contraste, a fls. 34 da mesma decisão mencionou-se que "no tocante ao arguido Jorge, o mesmo aceitou receber em sua casa a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade apurada, a qual lhe foi entregue pelo arguido CC, sem que este se assegurasse que aquele objecto pertencia ao arguido CC, que lha entregou, considerando além do mais que o laço de parentesco não tinha um grau intenso de familiaridade, nem o questionou acerca da sua proveniência, acabando ainda assim por intermediar na venda da máquina".

15 - Num lado defende-se a relação de parentesco como natural para que o Arguido CC entregasse a máquina ao arguido JJ para que este procedesse à realização de alguns trabalhos na sua propriedade, mas por outro já se defende a mesma relação de parentesco com argumento em sentido contrário, isto é, de que o laço não tinha um grau intenso de familiaridade, contradição que não pode deixar de se assinalar.

16 - Para além disso, nem sequer resulta da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo quais os factos com um grau de certeza e substância suficiente para se afirmar a verificação da razoabilidade da suspeita, o que se mostrava fundamental para o preenchimento do ilícito típico em causa, pelo que nesse aspeto padece de vício de falta de fundamentação.

17 - Assim, face a tudo o supra exposto, verificam-se incongruências e insuficiências insanáveis que levam à absolvição do arguido.

18 - E, em consequência à sua absolvição em termos de pedido de indemnização civil.

19 - Na realidade, o artigo 483º do Código Civil, ex vi 129º C. Penal, exige a verificação cumulativa de diversos requisitos, tais como o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

20 - Pelo que, não sendo o crime de receptação imputável ao arguido a título de mera negligência, e não se provando o dolo eventual, não se encontrando verificado o elemento subjetivo do tipo legal de crime, concomitantemente, não se reúnem os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, não existindo qualquer obrigação de indemnizar por parte do Recorrente.

21 - Face ao exposto, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente da prática do crime de receptação, assim como do pedido de indemnização civil.

22 - Mostrando-se violados entre outros, os artigos 231º, nº 2; 1º e 13º do Código Penal, art.° 379º al. c) do C.P.Penal, 483º do Código Civil e 29º n.º 1 da CRP.

JUSTIÇA!»

1.3.3. Conclusões do recurso apresentado pelo arguido AA:

«1 - Há contradição entre a matéria de facto dada como provada e as declarações prestadas pelas testemunhas de acordo com o resumo que consta na Motivação da Decisão De Facto constante da sentença, ora recorrida;

2 - Na verdade, foi dado como provado em 13.dos FACTOS PROVADOS que o arguido AA não se assegurou da proveniência da máquina em curso. Ora, tal não é verdade de acordo com o que dizem as declarações do arguido ora recorrente, e da única testemunha que presenciou o negócio, o Sr. PP, declarações essas constantes em resumo na "Motivação da Decisão de Facto" da sentença ora recorrida.

3 - Destes depoimentos resulta que o arguido não só se assegurou como devia e podia, como até lá deixou a máquina cerca de uma semana para conclusão de alguns trabalhos que andava a realizar.

4 - Além de que solicitou ao arguido JJ que completasse o documento de venda por o mesmo estar incompleto, dizendo-lhe, ainda que para a venda era necessária uma factura ou declaração de venda. Que mais podia fazer?

5 - Também não podia ter sido dado como provado o que foi em 15. 16. e 17. Dos Factos Provados, pois as únicas declarações que a tal respeitam são as do arguido ora recorrente, as da testemunha FF e as do interessado e requerente cível e nenhuma delas vai no sentido de dar como provados tais factos.

6 - Foi também dado como provado em 16. e 18. que o arguido recorrente recebeu do ofendido 10.000€ em notas do Banco Central Europeu e uma máquina avaliada em 3.000€ pela venda da sua máquina. A isso acresceram mais 200 euros para o transporte. No fundo, o arguido/ recorrente terá recebido pela máquina em causa o valor de 13.200€. Ora, isto não tem qualquer suporte de prova. Antes pelo contrário. Sobre o negócio entre o arguido e aquele interessado (porque de interessado se trata) só foram ouvidos os seguintes intervenientes: o arguido, o interessado e a testemunha FF. O arguido refere como preço a quantia de 7.000€ (4.000€ em notas e 3.000€ referente ao valor da máquina recebida); O interessado refere os 13.000€ ou 13.200€, a testemunha FF refere que o valor da máquina era de 7.000/8.000 euros. Aliás, é este, sensivelmente, o valor pelo qual a mesma tinha vindo a ser negociada (veja-se o depoimento das outras testemunhas constantes em resumo na sentença) e até os restantes factos dados como provados.

7 - Portanto, temos unicamente duas respostas contraditórias (arguido e ofendido) e várias "avaliações" sobre o valor da máquina todas em montantes semelhantes ao valor referido pelo arguido.

8 - É ao ofendido/interessado/demandante cível que competia fazer a prova do valor do negócio. Não o fez, aliás, nem juntou qualquer testemunha para o efeito no seu pedido cível.

9 - Deste modo, não devia ter sido dado como provado a existência de qualquer plano previamente traçado pelo recorrente, nem o recebimento deste pela máquina do valor de 13.200€, sendo 200€ para o transporte, nem que o negócio começou e se concretizou no mesmo dia com a "troca de máquinas".

10 - Ao ser dado isto como provado há uma contradição insanável na douta sentença recorrida, entre o que depreende e regista do depoimento das testemunhas e do que depois dá como provado.

11 - Por outro lado, foram dados como provados outros factos que em nada podem levar a concluir pela prática de qualquer crime pelo arguido/recorrente.

12 - Com efeito, em 18. e 19. Dos Factos Provados, foi dado como provado que o arguido/recorrente convenceu o ofendido/interessado MM que o documento assinado por GG (vide 18. Dos Factos Provados) era bastante para a transferência da propriedade da máquina. Era e é. Não era nem é exigível qualquer outra formalidade para a transferência de propriedade de uma máquina daquelas.

13 - E que mal tem estar assinado por aquela GG?! Não está provado que ela vive maritalmente com o arguido? Não foi ela que a pagou?! Basta ver o que consta na douta sentença quanto às declarações do arguido sobre esta matéria, bem como ver o que foi dito sobre esta matéria pela testemunha PP que se reproduz "... tendo sido aí que foi arranjada, com o intuito de ficar para a companheira do arguido ... ".

14 - No mesmo sentido errado foi dado como provado em 27. e 28. o seguinte:

"27. O arguido AA, aproveitando-se do facto de ter um stand de compra e venda de máquinas industriais e agrícolas, novas e usadas, quis ainda e representou convencer o ofendido MM, a adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700 por valor elevado, recebendo ainda outra em troca, e entregando-lhe uma mera declaração de compra e venda vaga, assinada por terceiro, dizendo-lhe que seria o bastante para comprovar a propriedade da mesma.

28. O arguido, enquanto comerciante de máquinas industriais e agrícolas, bem sabia que tal não correspondia à verdade, aproveitando-se da ingenuidade do ofendido, que julgava estar a adquirir licitamente um bem."

15 - Ora, volta a dizer-se que a declaração entregue é bastante e até o usual naquele tipo de comércio de máquinas (basta até atentar às declarações do ofendido MM quando foi confrontado com a dita declaração e disse "... que as máquinas que teve anteriormente, foram igualmente adquiridas naqueles termos".

16 - Não há aqui qualquer aproveitamento por parte do arguido, reafirmando-se aqui que o documento não estava assinado por um "terceiro", mas sim pela sua companheira que era a verdadeira dona da máquina por a ter pago.

17 - Em 26. e 29. volta, erradamente, a dar-se como provado que o arguido/recorrente não se assegurou, quando a adquiriu, da licita proveniência da máquina em questão com o propósito alcançado de obter vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

18 - Ora esta conclusão não está alavancada em qualquer prova, nem sequer na experiência comum.

19 - Na verdade, da leitura da "Motivação da Decisão de Facto", ressalta que o arguido comprou a máquina pelo preço que a mesma valia, depois de a comprar ainda a deixou a trabalhar por conta de terceiros, à vista de toda a gente; teve-a num Stand; reparou-a; exigiu documentos ao vendedor que comprovassem minimamente a sua aquisição; verificou que tinha número de série não adulterado e finalmente vendeu-a, convencido que tudo estava bem, nomeadamente quanto à sua lícita proveniência. Se tal não fosse a sua convicção, não se tinha oferecido para a matricular, onde todo o registo da máquina iria ser pedido. Nesta parte atente-se especialmente ao que foi dito pela testemunha FF, como refere a douta sentença: “... Relativamente à entrega da máquina ao ofendido, referiu que explicaram as formalidades do kit de matrícula, e que o fariam caso assim pretendessem, não tendo obtido resposta por parte do comprador ...”.

20 - Não foi também feita prova nenhuma sobre a alegada entrega pelo ofendido dos ditos 13.000 €. Aliás, sobre os 13.000 €, existe uma referência única, peregrina, que é a do próprio interessado, pelo que nunca devia ter sido dado como provado o que foi e que consta em 38. Dos FACTOS PROVADOS.

21 - Porém, mesmo a serem dados como provados os factos que foram, nunca poderiam ter como resultado a condenação sofrida pelo arguido recorrente.

Vejamos:
Crime de Receptação, previsto e punido pelo artigo 231º nº 2, do Código Penal:

O recorrente, como se vê pelo que consta da própria sentença na MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO assegurou-se da legitima proveniência da máquina em questão, e nada o fez suspeitar (qualidade, preço, facto de estar por contra de terceiros, aspecto do vendedor, etc ...) de que a mesma não teria sido adquirida de forma licita.

Aliás, o preço, o comportamento do recorrente aquando do negócio da máquina, quer quando a mesma foi adquirida, quer quando foi vendida, tudo leva a crer que estava absolutamente convicto de que nada de anormal se passava.

A própria sentença refere, quando analisa a prova produzida que "nenhuma prova foi feita que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, pelo que tais factos foram dados como não provados".

Não se percebe, assim, a condenação do arguido por este crime.

Crime de Falsificação de Documento, p. e p. pelo artigo 346° n'º 1 alínea e) do C.P.

Também aqui não se percebe a condenação. O documento foi assinado pela companheira do recorrente, pois foi ela que deu o dinheiro para a compra da máquina, não se vendo aqui qualquer problema em ela ter sido representada pelo companheiro, ora recorrente, no negócio de compra e venda da mesma, representação essa normal em qualquer casal, quando se trata de negócio de máquinas e/ou carros.

Aliás, se dúvidas houvessem quanto à legalidade do documento, a própria acusação deveria chamar, pelo menos a depor como testemunha, a referida GG.

Não o fazendo, não pode agora duvidar-se e condenar-se o recorrente por falsificação de documento assinado de acordo com a sua subscritora.

Quanto ao Crime de Burla p. e p. pelos artigos 217º nº 1 e 218 nº 1 por referência ao artigo 202°, alínea a) todos do C.P.

Também aqui não se concorda com a condenação do arguido recorrente. Para mais, quando se dá como assente na própria sentença que não foi feita qualquer prova de que o arguido tinha conhecimento da proveniência ilícita dos bens.

Bem como não foi feita qualquer prova (embora tenha sido dado como provado) sobre o recebimento dos 10.200€ pelo arguido.

22 - E nem se diga que o facto de o arguido ter um stand de vendas de máquinas usadas serve de qualquer justificação para o prejudicar.

23 - Devia sim, era ser tido em consideração o facto de o arguido ter um stand, ter mais de 70 anos, ter negociado muitas máquinas e ter o seu registo criminal imaculado.

24 - E todas estas conclusões, que deveriam ter levado à absolvição do arguido, estão bem patentes numa leitura à MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO no que toca ao que terá sido dito pelas testemunhas.

25 - Onde andou mal a M. Juiz "a quo" foi na análise que fez da prova produzida nos presentes autos, ou melhor ainda, na análise da prova que fez constar na douta sentença ora recorrida.

26 -Mas há uma questão prévia a isto tudo, é que nem sequer ficou provado nos autos que tenha havido qualquer furto da máquina.

27 - E é fraca, muito fraca mesmo, a explicação dada na douta sentença de que não há dúvidas de que existiu um furto da máquina só porque há muitos anos foi feita uma participação.

28 - Mais, refere-se nos autos que tal participação criminal foi arquivada, sem mais. E se não existiu furto?

29 - E a ter existido, de acordo com o constante no Facto 1. dado como provado, foi o mesmo participado ou não à respectiva seguradora, sendo obrigatório o seguro uma vez que a máquina estava em obra?

30 - O seguro pagou? A verdade é que, para que pague, é necessário que a participação do furto seja também feita à MOTIVO, já que esta representa aquela marca da máquina.

31 - A quem foi entregue a máquina depois de apreendida?

32 - Será que quem a recebeu, já tinha sido pago pelo seguro?

33 - O requerente cível e ofendido nos presentes autos, defendeu, como devia, a sua propriedade sobre a máquina quando foi abordado pelas entidades policiais que procederam à sua apreensão?

34 - Se tivesse reagido judicialmente a essa apreensão, será que a mesma tinha tido sucesso?

35 - A ausência de respostas a estas questões deixa manco o presente processo, pois a verdade é esta: se por qualquer razão o ofendido tivesse vendido a máquina a outro e esta fosse apreendida na posse desse, estava também aqui o ofendido como arguido.

36 - Isto para dizer que os arguidos não podem ser condenados desta forma, isto é, só porque intervieram numa cadeia de actos, tendo todos eles origem num acto, longínquo, um alegado furto, que só é furto porque houve uma participação criminal que acabou .... arquivada.

37 - Por último, se se entender que o arguido praticou os crimes de foi pronunciado - o que só se concebe como mera hipótese académica - então deveria tão só ter sido condenado pelos mínimos. Isto atento os critérios estabelecidos no artigo 71º, nº 2 do Código Penal e o que foi dado como provado em 36. Dos Factos Provados.

38 - São estes os pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, bem como as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e que ora se especificam nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412º, n.º 3, al. a) e b) do Código de Processo Penal;

39 - A douta sentença, ora recorrida ao condenar, como condenou o arguido AA, violou flagrantemente, entre outros preceitos legais, para cuja aplicação se invoca o douto suprimento, o disposto nos artigos 231º nº 2, 256º, nº 1 alínea e), 217º nº 1 e 218º nº 1 do Código Penal, bem como o artigo 71º nº 2 do mesmo Código e ainda os artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal.

40 - São assim, especificamente como refere o artigo 412º, n.º 2, al. a) e b) do C. Proc. Penal, estas as normas jurídicas violadas, pela douta sentença em recurso, bem como é este o sentido que, no nosso entendimento, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou cada uma destas normas, quando as devia ter interpretado e aplicado no sentido que supra expressamos e, sobretudo, são os supra apontados factos que consideramos incorrectamente julgados, pois as provas foram no sentido de imporem uma decisão diversa da ora recorrida;

PELO EXPOSTO,
Concedendo-se provimento ao presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser substituída por outra que dê como não provados os factos supra referidos no presente recurso, já que sobre eles prova nenhuma foi feita.

E, assim:
- Absolva o arguido AA de todos os crimes em que foi condenado; ou, se assim se não entender, condene o arguido pelos mínimos legais.

- Deve ainda ser, em qualquer dos casos, o pedido cível julgado totalmente improcedente, por não provado, ou, se assim se não entender, serem unicamente os arguidos condenados solidariamente a pagar ao ofendido a quantia de 7.000 €, que corresponde ao montante que valia a máquina em causa e ao montante por ela pago por aquele.

V. Exªs, porém, farão, como for de JUSTIÇA»

1.5. Os recursos foram regularmente admitidos.

1.6. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta aos recursos, pugnando pela sua improcedência e consequente manutenção da sentença recorrida, formulando, a final as seguintes conclusões:

1.6.1. Na resposta ao recurso do arguido CC:
«I - Perante as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, as questões a decidir respeitam a saber: 1- A não punibilidade do crime de receptação a título negligente; 2- A absolvição do pedido cível.

II. Apenas nos pronunciaremos sobre a primeira questão.

III. Concordamos com a douta sentença recorrida de que o crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 2, do Código Penal é punido a título de negligência.

IV. Citando a douta sentença recorrida "por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do n.º 1 do artigo 231.º, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do n.º 2 só encontra expressão se aí se integrarem as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigue da sua legítima proveniência, neste sentido vide Simas Santos e Leal Henriques in "Código Penal Anotado", 3.° volume, pág. 1089, 4.a edição, Rei dos Livros".

V. Deverá pois manter-se a douta sentença relativamente à condenação do arguido pelo crime de receptação, p. e p. pelo artigo 231.°, n° 2, do Código Penal.

Contudo, Vossas Excelências decidirão, conforme for de JUSTIÇA»

1.6.2. Na resposta ao recurso do arguido JJ:

«I - Perante as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, as questões a decidir respeitam a saber: 1- Se o crime de receptação é punido a título de negligência; 2- Se existe nulidade da sentença em virtude de falta de fundamentação nos termos do artigo 379º, na 1, al. a) do Código de Processo Penal, com referência ao artigo 374º, nº 2, do mesmo diploma.

II. Relativamente à primeira questão, concordamos com a douta sentença recorrida de que o crime de receptação é punido a título de negligência.

III. Citando a douta sentença recorrida "por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do n.º 1 do artigo 231.º, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do n.º 2 só encontra expressão se aí se integrarem as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigue da sua legítima proveniência, neste sentido vide Simas Santos e Leal Henriques in «Código Penal Anotado», 3.º volume, pág. 1089, 4.ª edição, Rei dos Livros. Como refere igualmente Maia Gonçalves (in "Código Penal Português Anotado", 14ª edição, página 740) «Quanto ao elemento subjectivo deste crime há, em nosso entendimento, que fazer distinção entre os casos previsto no na 1 e no na 2. No caso previsto no na 1 exige-se o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, e ainda um dolo específico, consistente na intenção de o agente obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial. No caso previsto no na 2 é punível a negligência. Sempre assim entendemos baseada na história do preceito, (...), abrangendo claramente um caso em que o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso está obrigado, não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto, e enquadrando, portanto, um caso de negligência inconsciente (art. 15º, nº 2); e ainda na inutilidade do preceito em caso de ser exigível dolo, pois estão a factualidade seria subsumível à previsão do nº 1»".

IV. Relativamente à segunda questão, lida a sentença, nomeadamente na parte que se refere à enumeração dos factos provados, aos motivos de factos que fundamentam a decisão e ao exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal não se verifica qualquer falta de fundamentação, não avultando qualquer falta de indicação da motivação dos juízos em matéria de facto pelo que não se verifica a nulidade da sentença alegada pelo Arguido.

V. Deverá pois manter-se a douta sentença relativamente à condenação do arguido pelo crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n° 2, do Código Penal.

Contudo, Vossas Excelências decidirão, conforme for de JUSTIÇA

1.6.3. Na resposta ao recurso do arguido AA:
«I - Perante as conclusões do recurso que delimitam o objeto do mesmo, as questões a decidir respeitam a saber: 1- Se tendo em conta a prova produzida em sede de audiência de julgamento foram indevidamente dados como provados os factos constantes dos pontos 13, 15 a 19, 26 a 29 e 38 da matéria de facto dada como provada; 2- Não preenchimento do tipo legal do crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º, nº 2, do Código Penal; 3- Não preenchimento do tipo legal do crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea e), do Código Penal; 4- Não preenchimento do tipo legal do crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal; 5- A medida da pena.

II. Relativamente à primeira questão, os factos provados relativamente à conduta do Arguido basearam-se em toda a prova produzida na audiência de julgamento.

III. Da fundamentação expendida pelo Tribunal a quo deduz-se não só a existência de uma actividade probatória, mas também que a valoração a que o tribunal procedeu, em consequência dela, relativamente a determinados factos em detrimento de outros se situou no puro campo da depuração dos meios dessa actividade.

IV. Da sentença recorrida resultam os motivos de facto que fundamentam a decisão, indicando-se e apreciando-se criticamente a prova produzida e atendida, pelo que, em nosso entender, não padece a mesma de qualquer vício.

V. No tocante à segunda questão, o arguido foi condenado pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 2, do Código Penal.

VI. Ora entendemos que o nº 2, do artigo 231º do Código Penal pune a prática do crime de receptação a título negligente.

VII. Citando a douta sentença recorrida "por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do n.º 1 do artigo 231.°, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do n.º 2 só encontra expressão se aí se integrarem as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigue da sua legitima proveniência, neste sentido vide Simas Santos e Leal Henriques in «Código Penal Anotado», 3.° volume, pág. 1089, 4.ª edição, Rei dos Livros. Como refere igualmente Maia Gonçalves (in "Código Penal Português Anotado", 14ª edição, página 740) «Quanto ao elemento subjectivo deste crime há, em nosso entendimento, que fazer distinção entre os casos previsto no nº 1 e no nº 2. No caso previsto no nº 1 exige-se o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, e ainda um dolo específico, consistente na intenção de o agente obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial. No caso previsto no nº 2 é punível a negligência. Sempre assim entendemos baseada na história do preceito, (...), abrangendo claramente um caso em que o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso está obrigado, não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto, e enquadrando, portanto, um caso de negligência inconsciente (art. 15°, n° 2); e ainda na inutilidade do preceito em caso de ser exigível dolo, pois então a factualidade seria subsumível à previsão do n° 1»".

VIII. Assim, dos factos provados constam todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.º, n.º 2, do Código Penal.

IX. Relativamente à terceira questão, dos factos dados como provados constam todos os elementos objetivos e subjetivos da modalidade do crime de falsificação de documentos previsto e punido pela alínea e) do n° 1 do artigo 256.°, do Código Penal.

X. No tocante à quarta questão, dos factos dados como provados constam todos os elementos objetivos e subjetivos da modalidade do crime de burla qualificada, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1, por referência ao artigo 202.º, alínea a), todos do Código Penal.

XI. Relativamente à quinta questão, entendemos que a pena única em que o Arguido foi condenado é adequada aos factos dos presentes autos, nomeadamente às exigências de prevenção geral relativamente aos crimes, bem como à necessidade de ressocialização do arguido.

XII. Deverá pois manter-se a douta sentença. Contudo, Vossas Excelências decidirão, conforme for de JUSTIÇA»

1.7. O demandante MM também respondeu aos recursos, pugnando pela respetiva improcedência e manutenção da sentença recorrida.

1.8. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 788 a 800, no sentido de:

- Em relação aos recursos interpostos pelos arguidos CC e JJ dever ser-lhes negado provimento, confirmando-se a sentença recorrida, nos seus precisos termos, sem prejuízo de dever ser suprida por este Tribunal da Relação, a contradição existente na fundamentação, operando-se a correta subsunção jurídica dos factos provados, reportando-os, tal como o Tribunal a quo fez, ao crime previsto no artigo 231º, n.º 2, do CP, embora considerando que a matéria de facto traduz condutas cometidas a título de dolo eventual e, não como entendeu o Tribunal a quo, a título de negligência;

- Quanto ao recurso do arguido AA, em primeira linha, dever ser rejeitado por manifesta improcedência ou, caso assim não seja entendido, julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, com a reserva assinalada no referente aos recursos interpostos pelos arguidos CC e JJ.

1.9. Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o recorrente JJ exercido o direito de resposta, reiterando o vertido na motivação de recurso e concluindo nos mesmos termos. O demandante também ofereceu resposta, secundado o parecer do Exm.º PGA.

1.10. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:

O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cf. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cf. art.ºs 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.

Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cf. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.

No caso vertente, tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação de recurso que, respetivamente, apresentaram, são suscitadas as seguintes questões:

Nos recursos dos arguidos CC e JJ:

- Erro de subsunção;
- Não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.

No recurso do arguido AA:
- Nulidade da sentença por contradição insanável da fundamentação;
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 18, 19, 26 a 29;
- Erro de subsunção;
- Medida da pena;
- Não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.
*
Para que possamos apreciar as questões suscitadas, importa ter o teor da sentença recorrida, pelo que, se passa a transcrever, nos segmentos que, para o efeito, relevam:

2.2. Sentença recorrida
«(…)
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A) Factos provados
Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes
factos:

- Da Acusação
1. Entre as 24h00 do dia 20.01.2013 e as 8h15 do dia 21.01.2013, indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, dirigiram-se ao estaleiro sito na Rua Norton de Matos, Porto Alto, do qual retiraram e levaram consigo, com recurso a veículo de carga, a máquina industrial Mini Retroescavadora da marca JCB, modelo ICX, com o número de serie 807700, de cor amarela e ainda um conjunto de baldes de 230, 460 e 1000 que se encontravam na mesma colocados, da propriedade da sociedade A.H., Lda ..

2. A referida máquina foi adquirida pela sociedade acima indicada, por locação financeira, pelo valor total de 34.537,50Euros, em Outubro de 2001.

3. Os baldes foram adquiridos em data não concretamente apurada mas anterior a 20.01.2013, por 1.425,00Euros.

4. Em data também não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, o arguido CC adquiriu a posse da referida máquina mini retroescavadora, sem se assegurar da proveniência da mesma.

5. Por forma a criar uma aparência de aquisição legítima da referida máquina, o arguido CC, ficou na posse de um texto escrito a computador, com o titulo "contrato de reconhecimento de divida e dação em pagamento" em que consta como primeiro outorgante Christiano D. e como segundo outorgante o arguido.

6. Nesse texto, o primeiro outorgante reconhece-se devedor do arguido pela quantia de 7500.00Euros, arroga-se proprietário da máquina mini retroescavadora acima identificada, que declara entregar ao arguido para pagamento da referida dívida.

7. Mantendo o mesmo propósito, o arguido ficou na posse de recibo em branco timbrado com o logotipo da sociedade A., Madeiras e Derivados, Lda, como se a sociedade em causa lhe tivesse vendido, por 7500.00Euros, a máquina mini retroescavadora com o número de série 0807700, que anexou ao texto impresso acima referido.

8. Tanto o referido contrato, como a factura estão datados de 10.07.2012, como se o arguido tivesse adquirido a máquina nessa data, quando a mesma foi furtada ao proprietário em 21.01.2013 que a detinha desde 2001.

9. Christian o D., não consta como sócio da sociedade A., que se encontra dissolvida, tendo tido como último sócio gerente, JP, falecido em 25.01.2009.

10. Tão pouco existem registo de que Christiano D. tenha declarado à segurança social, rendimentos auferidos em 2012 pela sociedade A..

11. Entretanto, os arguidos CC e JJ, com o propósito de obterem dinheiro para CC com a máquina mini retroescavadora acima identificada, decidiram em conjugação de esforços e intentos proceder à venda da mesma.

12. Assim, em data não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, contactaram com o arguido AA, gerente da sociedade A. P. & Filhos, Lda, sita em Alvaiázere, que se dedica à compra e venda de máquinas industriais e agrícolas, novas e usadas e propuseram-lhe a compra da máquina mini Retroescavadora da marca JCB, modelo ICX, com o número de série 807700, acompanhada de cópia dos "contrato" e "Factura" acima identificados.

13. O arguido AA foi ver a máquina em casa de JJ, onde se encontrava, constatou que a mesma não tinha placa de identificação e sem se assegurar da proveniência da mesma, ainda assim aceitou comprar a mesma pelo valor de 6500,00Euros que entregou a JJ, que por sua vez entregou a CC.

14. No dia 13.02.2016, o ofendido MM dirigiu-se ao Stand de vendas do arguido AA e disse-lhe que tinha uma mini retroescavadora para trocar por outra que tivesse baldes à frente e trás, perguntando-lhe se teria alguma assim para vender.

15. O arguido AA com o propósito de vender a Mini Retroescavadora da marca JCB, modelo ICX, com o número de serie 807700 e fazer seu o montante que conseguisse pela mesma, disse ao ofendido MM que em casa tinha uma retroescavadora com as características que aquele pretendia, mas que apenas no dia seguinte lha podia mostrar.

16. Assim, mantendo plano previamente traçado, no dia 14.02.2016, o arguido AA mostrou ao ofendido a Mini Retroescavadora da marca JCB, modelo ICX, com o número de série 807700, que se encontrava guardada no interior de um barracão anexo à sua residência sita em Alvaiázere, pedindo-lhe pela mesma 10.000.00Euros, acrescido da retroescavadora que o ofendido tinha para dar em troca, que avaliou em 3000.00Euros e ainda 200.00Euros para o transporte, o que foi aceite pelo ofendido.

17. Ainda nesse dia, o arguido AA entregou a Mini Retroescavadora ao ofendido e levou consigo a retroescavadora que era de MM.

18. No dia 15.02.2016, no seu Stand de Alvaiázere, o arguido recebeu do ofendido 10.200.00Euros em notas do Banco Central Europeu, fez sua a retroescavadora que aquele lhe deu em troca e entregou ao ofendido MM uma declaração de venda manuscrita e assinada por GG, sua companheira, com os seguintes dizeres:

"Eu abaixo assinado declaro que vendi a minha máquina da marca JCB, modelo /e, usada no estado em que se encontra com o n° de série Recebi nesta data o montante de referida venda desta máquina.
Recebi um bobcat em troca"

19. Convencendo-o que a mesma bastaria para comprovar a transferência de propriedade da retroescavadora JCB, não sendo necessário qualquer outro documento.

20. Passados uns dias, o ofendido solicitou a inspecção para reparação da retroescavadora o que foi feito por vendedor da JCB, que alertou as entidades policiais que a mesma era furtada, tendo estas procedido à sua apreensão.

21. Em sede de interrogatório, realizado em 29.03.2016, no Posto Territorial de Pombal, o arguido AA entregou ao militar da GNR cópia do contrato de reconhecimento e dação em pagamento e da factura com o logotipo da A., por forma a convencer os autos que desconhecia que a retroescavadora JCB com o número de série 807700, era furtada.

22. O arguido CC ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, a um indivíduo que realizava obras na sua rua, sem se assegurar de que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

23. Ao usar os documentos com a aparência de contrato de reconhecimento de divida e dação em cumprimento e factura de compra e venda, relativos à retroescavadora JCB com o número de série 807700 e datados de 10.07.2012, quis e representou fazer constar falsamente que a havia adquirido de forma lícita, para assim a poder vender e desresponsabilizar-se criminalmente pela sua posse.

24. Bem sabia o arguido que tais documentos eram falsos e que com a sua conduta obtinha benefícios aos quais não tinha direito, como ainda colocava em causa a fé pública e a credibilidade que os contrato e facturas, enquanto documentos, gozam no comércio jurídico, bem como causava prejuízos ao proprietário da retroescavadora, o que não a demoveu da sua conduta.

25. O arguido JJ ao agir da forma descrita, quis e representou ter na sua residência a retroescavadora JCB com o número de série 807700 e mediar a sua compra e venda, sem se assegurar da sua proveniência, com o propósito conseguido de obter para CC vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

26. O arguido AA ao agir como agiu, quis e representou adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700, sem se assegurar de que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

27. O arguido AA, aproveitando-se do facto de ter um stand de compra e venda de máquinas industriais e agrícolas, novas e usadas, quis ainda e representou convencer o ofendido MM, a adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700 por valor elevado, recebendo ainda outra em troca, e entregando-lhe uma mera declaração de compra e venda vaga, assinada por terceiro, dizendo-lhe que seria o bastante para comprovar a propriedade da mesma.

28. O arguido, enquanto comerciante de máquinas industriais e agrícolas, bem sabia que tal não correspondia à verdade, aproveitando-se da ingenuidade do ofendido, que julgava estar a adquirir licitamente um bem.

29. O arguido AA, agiu com o propósito conseguido de vender um bem que adquiriu sem acautelar a sua proveniência e assim obter uma vantagem patrimonial que não lhe era devida e ainda causar um empobrecimento no ofendido MM.

30. Quis ainda e representou o arguido AA utilizar um documento, que bem sabia ser falso pois sabia que a retroescavadora era furtada, com o propósito de encobrir a sua conduta.

31. Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.

Quanto à situação pessoal dos arguidos:

Relativamente ao arguido CC:
32. Do teor do relatório social resulta:
"I- Dados relevantes do processo de socialização

A trajetória de desenvolvimento e de socialização de CC decorreu num contexto habitacional pacato, face ao qual cimentou sentimentos de identificação.

Mais velho de uma fratria de dois, o arguido foi criado num seio familiar que não experienciou dificuldades económicas, tendo a subsistência sido assegurada com o proveito das atividades laborais estáveis dos progenitores.

A interação na família nuclear foi sustentada num ambiente afetivo, sendo destacados como valores basilares a educação moral e a disciplina veiculada pelas figuras parentais na estruturação da sua personalidade.

Por opção abandonou o sistema de ensino quando frequentava o sétimo ano de escolaridade, tendo, contudo, retomado os estudos na adultícia, a fim de concluir o nono ano de escolaridade.

CC relata ter iniciado a atividade profissional pelos treze anos de idade, como ajudante numa oficina de automóveis. Foi neste ramo que se manteve ativo, até aos 24/25 anos de idade por conta de outrem e posteriormente em nome individual, enquadramento que lhe foi proporcionando estabilidade financeira.
Nas informações policiais, o nome do arguido ainda figura como suspeito da prática de crimes contra a propriedade (NUIPC 1523/11.1PBAMD, em 29-11-2011), circunstância da qual refere ter sido condenado numa sanção de cariz pecuniário.

No plano da intimidade salienta-se que o arguido tem dois filhos menores, fruto de matrimónio que se dissolveu há três anos.

II - Condições sociais e pessoais

Face ao período a que reportam os alegados factos subjacentes ao processo judicial em análise e em comparação ao exposto no ponto precedente, o contexto vivencial de CC não patenteia alterações significativas.

Em termos laborais, o arguido mantém a atividade no ramo da mecânica automóvel, desde fevereiro do ano em curso como SS Unipessoal, Lda., opção que fundamenta com mais-valias de natureza fiscal (escalão de tributação).

Nos documentos que nos faculta aferimos que tem o vencimento mensal de 516,20 euros ilíquidos.

CC refere que este montante se afigura suficiente para cumprir os compromissos regulares, tanto mais que as despesas do imóvel são liquidadas através da empresa, onde a oficina está incorporada no mesmo.

O arguido elege como ações ocupacionais dos tempos livres a realização de atividades com os filhos - presentemente com dezasseis e onze anos de idade -, nos períodos em que estes permanecem consigo (guarda partilhada). Menciona ainda a visita periódica aos progenitores, a realização de actividades desportivas e o convívio com os pares, os quais, tanto quanto tem conhecimento, não têm um estilo de vida pró-criminal.

No domínio pessoal, em contexto de entrevista, o arguido evidenciou competências na interacção pessoal e capacidade de reconhecimento do significado de ilicitude.

III -Impacto da situação jurídico-penal
CC verbaliza ter acolhido com surpresa a instauração do presente processo judicial, aludindo que o impacto major tem-se refletido na esfera pessoal, concretamente a intensa apreensão por estar envolvido numa acusação que perceciona como grave. É sob esta égide que menciona alterações no ciclo vigília-sono, não tendo, contudo, procurado consulta na especialidade.

Não se revendo em absoluto nas acusações pelas quais responde, o discurso do arguido assume uma postura de vitimização no processo judicial, legitimada com base em argumentos que associa à sua baixa escolaridade. Não obstante, revela considerar o bem jurídico em apreço.

O arguido expressa a expectativa de uma absolvição e alude a eventual intenção de interpor os recursos possíveis, caso o desfecho venha a recair numa condenação.

IV - Conclusão
A trajetória de vida de CC foi pautada no investimento na realização profissional, percurso que se foi materializando na ininterrupta inserção laboral, no ramo de atividade que o gratifica.

Em caso de condenação, face ao caso em apreço, os fatores de risco mais prementes no actual enquadramento vivencial do arguido residem na postura de vitimização que assume face ao processo judicial, desresponsabilizando-se dos factos que lhe são imputados.

Como pontos fortes identificam-se as competências para o empreendedorismo, o equilíbrio económico e a existência de uma rede de suporte familiar consistente."
- Dos antecedentes criminais

33. Por sentença datada de 10/11/2014, transitada em julgado em 10/12/2014, proferida no âmbito do processo comum singular n.º ---/11.1 PBAMD, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Loures - Juízo Local Criminal - Juiz 2, foi o arguido condenado, pela prática em 28/11/2011, de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231.°, n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de € 16,00, a qual se mostra extinta.

Relativamente ao arguido JJ
34. Do teor do relatório social resulta:
"I - Condições Pessoais e Sociais
JJ reside com a mulher de 56 anos, empregada num lar de idosos e mais três filhos, de 33,18 e 9 anos, todos com significativos problemas de aprendizagem.

A dinâmica do agregado foi descrita como difícil, devido aos problemas cognitivos dos filhos e sobretudo à impulsividade da filha mais velha.

O arguido trabalha como manobrador de máquinas na empresa "DJ, Lda. há mais de vinte anos, auferindo o ordenado mínimo. Atualmente, tem tido também a incumbência de conduzir a carrinha da empresa que transporta os operários para as diferentes obras que a empresa tem.

Geralmente, sai de casa por volta das 6:20 horas e regressa por volta das 19 horas. Aufere pouco mais de €600 de vencimento.

A mulher desenvolve a atividade de auxiliar num lar de idosos, encontrando-se atualmente de baixa, devido a "problemas de cabeça". Aufere o ordenado mínimo.

A filha mais velha tem problemas de saúde, encontra-se medicada e beneficia de uma reforma há cerca de sete anos.

A nível de ocupação de tempos livres, o arguido refere cuidar de algumas hortas, tendo por vezes, a ajuda dos filhos.

JJ é natural da ----, Cardigos, localidade onde sempre viveu.

Os pais eram trabalhadores rurais e viviam sobretudo da horta. O arguido identificou a sua infância com problemas económicos significativos e com conflitos entre os pais, que surgiam essencialmente, quando o pai chegava embriagado a casa. Dos cinco filhos do casal, JJ era um dos mais novos.

Todos ajudavam nas atividades da casa.

O percurso escolar iniciou-se em idade normativa, tendo o arguido concluído a 4° classe. Não continuou os estudos para se iniciar no mundo laboral, a fim de contribuir para a economia familiar. Deste modo, começou por trabalhar a resinar pinheiros, passou seis anos numa padaria e, posteriormente, trabalhou como rural.

Com o passar dos anos, conseguiu ingressar na área da construção civil, passando a desenvolver a atividade de manobrador de máquinas. Há mais de vinte anos que se encontra na mesma empresa.

O arguido foi dispensado do Serviço Militar.

A nível afetivo, contraiu matrimónio aos 27 anos de idade, descrevendo a vida conjugal como normativa, atribuindo à filha mais velha, a responsabilidade por eventuais dificuldades na dinâmica do relacionamento intrafamiliar.

Em sede de entrevista, o arguido desenvolveu um discurso contido, revelando compreensão pelos seus atos e entendendo as consequências daí recorrentes. Demonstra competências sociais, embora registe algumas limitações pessoais, nomeadamente a nível do discurso e da gestão da dinâmica familiar.

O atual processo judicial, é sentido pelo arguido como um fator ansiogénico, deixando transparecer preocupação com a sua evolução.

JJ afirmou-nos que ao longo do seu percurso de vida, nunca tinha tido contacto com o sistema penal judicial.

II - Conclusão
Os dados recolhidos, sugerem que JJ protagonizou um processo de desenvolvimento marcado por dificuldades económicas e por conflitos entre os progenitores.

Obteve alguma qualificação escolar, tendo ingressado no mundo laboral onde conseguiu obter estabilidade profissional.

Após o matrimónio, com o nascimento da primeira filha viu chamadas a si responsabilidades familiares, que lhe permitiram delinear um projeto de vida estável. Neste contexto, caso se comprove a sua responsabilidade criminal e seja condenado, parece-nos que o arguido possui condições para o cumprimento de uma medida penal de natureza comunitária sem a supervisão deste serviço."

- Dos antecedentes criminais
35. O arguido não tem antecedentes criminais.

Relativamente ao arguido AA:

36. Do teor do relatório social resulta:
"I - Dados relevantes do seu processo de socialização
AA é natural de Alvaiázere, sendo o sétimo de um conjunto de 10 irmãos, filhos de um casal de modesta condição socioeconómica, em que o pai era trabalhador das madeiras e a mãe doméstica.

O processo de desenvolvimento do arguido terá sido marcado pelas precárias condições de vida do seu agregado, referindo que até aos 12 anos nunca teve uma cama, dormindo na palha num palheiro junto à casa de um vizinho, juntamente com os seus irmãos e por vezes não tinham o que comer.

AA fez, ainda, referencia ao facto dos seus pais serem consumidores de bebidas alcoólicas, problemática que afetava fundamentalmente a economia familiar e não as relações entre os membros do agregado.

Frequentou a escola na idade própria e após a conclusão do 4° ano de escolaridade, aos 10 anos, abandonou os estudos porque os seus pais não tinham possibilidades económicas para que prosseguisse.

Com 11 anos foi servir (sic) para uma família em Alvaiázere que era proprietária de uma mercearia e loja de fazendas e vivia em casa dos patrões. Permaneceu ali até aos 13 anos, altura em que mudou para uma loja de idêntica natureza na região de Ourém - …, onde esteve até aos 16 anos de idade. Por conta deste último patrão, foi para Lisboa trabalhar na construção civil, tendo ali permanecido cerca de 3 anos e regressado, posteriormente a …- Ourém.
Após o seu regresso estabeleceu-se por conta própria com um negócio de aluguer de "bulldozers" para escavações, tendo constituído a "SP e Filhos, Lda.", que ainda hoje mantém.

O arguido casou em 1967 e tem desta relação 4 filhos, todos a viver de forma autónoma. A esposa do arguido faleceu há mais de 20 anos, sendo referido pelo arguido e filho que tinha a Doença bipolar (transtorno afetivo) e que era frequente estar internada na psiquiatria. Esta situação levou à separação do casal, tendo o arguido deixado a casa de família e mudado com os 4 filhos para Alvaiázere.

Refere ter contratado uma senhora para o ajudar a cuidar dos filhos, porque a sua vida profissional lhe ocupava muito tempo, sendo que esta senhora viria a tornar-se sua companheira, relação que permanece na atualidade.

II - Condições sociais e pessoais

AA vive com GG, em casa própria com razoáveis condições de habitabilidade.
O relacionamento familiar é pautado por fortes laços afetivos entre os diferentes membros da família, que têm manifestado grande apoio ao arguido.

O arguido encontra-se reformado há alguns anos, mas manteve a "SP e Filhos, Lda.", que nos últimos anos se dedica apenas à compra e venda de máquinas retroescavadoras.

Quando constituiu a sua empresa estabeleceu-se na zona de Alvaiázere e trabalhou ai muitos anos, sendo que apenas um dos seus filhos se envolveu neste negócio e trabalhou com o pai cerca de 17 anos, tendo-se, posteriormente, estabelecido por conta própria no mesmo ramo de atividade e comprado ao pai as instalações iniciais da empresa, em Alvaiázere, ficando o arguido com as instalações que, posteriormente havia adquirido e que ficam sedeadas em Pombal.

AA refere ter uma pensão de reforma no valor de 275,00€ mensais, acrescendo a este valor aquilo que aufere com a venda de máquinas, que é variável, sendo que os rendimentos são suficientes para fazer face às despesas. Faz alguma agricultura de subsistência e cria animais para consumo próprio.

Refere, ainda, ser proprietário de terrenos e imóveis que foi adquirindo ao longo da sua vida. O arguido foi durante alguns anos membro da Assembleia Municipal de Alvaiázere. O arguido ocupa os seus tempos livres em casa com a família.

Em termos sociais não parecem existir problemas de integração, sendo referenciado como uma pessoa educada e respeitadora e disponível para colaborar em iniciativas locais.

III -Impacto da situação jurídico-penal
O arguido refere que este processo teve um impacto concreto a nível pessoal que o abalou bastante, tendo necessidade de procurar ajuda especializada, pelo que ainda mantém acompanhamento em consultas de psiquiatria.

Com o aproximar da data do julgamento sente-se mais ansioso e expectante, embora crente na boa resolução deste processo.

Beneficia de todo o apoio da sua família que também se mostra confiante na resolução do processo e não existem repercussões ao nível da sua imagem social.

IV - Conclusão
AA nasceu e cresceu no seio de uma família numerosa de modesta condição sócio económica, tendo a sua infância sido marcada principalmente pela precariedade das condições de vida do seu agregado. Apesar das dificuldades vivenciadas o seu percurso de vida parece ter decorrido sem problemas significativos de forma estruturada e consolidada, a nível familiar, profissional e social.

Este é o primeiro confronto do arguido com o sistema de Justiça.

Sem referência a problemas significativos até à ocorrência dos factos constantes dos presentes autos, AA dispõe de enquadramento estruturado e suporte familiar importante, ocupação profissional e boa integração social.

Caso o arguido venha a ser condenado, somos de opinião que se lhe for aplicada uma medida de execução na comunidade, esta deve ter a supervisão da DGRSP, com uma intervenção directamente dirigida para interiorização dos valores sociais postos em causa no presente processo.”

- Dos antecedentes criminais
37. O arguido não tem antecedentes criminais.

- Do Pedido de Indemnização Cível
38. O demandante entregou ao arguido AA a quantia em numerário de € 10.200,00 (dez mil e duzentos euros), e uma máquina em troca com o valor atribuído de € 3.000,00 (três mil euros).

Mais resultou provado em sede de audiência quanto ao Pedido de Indemnização Cível

39. O demandante ficou privado da máquina retroescavadora que adquiriu e da máquina que deu em troca.
*
B) Factos não provados

Da prova produzida em audiência com relevância para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos.
Que:

a) No circunstancialismo referido em 4., o arguido sabia que a máquina havia sido furtada;

b) No circunstancialismo referido em 5., o arguido de modo próprio ou através de alguém cuja identidade se desconhece, elaborou e imprimiu o documento aí referido;

c) No circunstancialismo referido em 7., o arguido adquiriu o recibo em branco aí referido, e o preencheu ou solicitou que o preenchessem;

d) No circunstancialismo referido em 13., a máquina encontrava-se guardada e o arguido se apercebeu que a máquina era furtada.

e) O arguido CC ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

f) O arguido JJ ao agir da forma descrita, quis e representou guardar na sua residência a retroescavadora JCB com o número de série 807700 e mediar a sua compra e venda, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de obter para CC vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

g) O arguido AA ao agir como agiu, quis e representou adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de mais tarde a vender por valor superior, obtendo assim uma vantagem patrimonial que bem sabia não ter direito.
*
C) Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida, bem como dos documentos juntos aos autos a qual foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica das provas.

Assim, vejamos.
O arguido JJ, optou por não prestar declarações, fazendo uso do direito ao silêncio.

O arguido CC prestou declarações referindo que adquiriu a máquina, através de encontro de contas, que explicou derivar de um arranjo de uma viatura na sua oficina e de um trabalho para orçamentar o arranjo de outra, tendo tais trabalhos ficado por pagar, referindo que as viaturas eram de uma empresa que efectuou obras no Bairro onde o arguido reside. Mencionou que exigiu por diversas vezes o pagamento em falta, tendo-lhe sido proposta a entrega da máquina retroescavadora, a qual por ter um valor superior à dívida que era de € 2.500,00, fez com que o arguido entregasse ao indivíduo, responsável pela obra, ao que se recorda talvez de nacionalidade brasileira, a quantia de € 5.000,00 em numerário. Questionado disse que, muito embora não fosse a sua área de actividade, acedeu a ficar com a máquina, porquanto se exigia que as pessoas efectuassem limpezas de terrenos, e, na medida a que a sua agora ex-mulher, tinha terrenos de família que necessitavam ser limpos, encontrou ali uma oportunidade. Aludiu ainda o arguido que apenas efectuou a venda da máquina, porque, entretanto, iniciou processo de divórcio, e quanto à intervenção do arguido JJ, mencionou que o mesmo guardou a máquina a seu pedido, assim como, encontrou comprador para a máquina igualmente a seu pedido, tendo vendido a máquina ao arguido AA pelo preço de € 6.500,00. Questionado disse que não participou a venda da máquina às Finanças, por não ser a sua área de actividade.

No tocante aos documentos que lhe foram entregues com a máquina, disse que os mesmos foram redigidos por um advogado, e que não reparou no facto de os nomes constantes da factura e da declaração serem diferentes.

O arguido AA negou a prática dos factos que lhe são imputados, referindo que procedeu à aquisição da máquina, por esta ser necessária à D. GG para recolha de estrume dos animais, tendo sido esta quem se comprometeu a efectuar o seu pagamento, na medida em que o declarante não tinha dinheiro, referindo ainda que a venda lhe foi proposta pelo arguido JJ, no estaleiro do arguido em Pombal, o qual lhe mencionou, desde logo, que a máquina era de um primo. Referiu que foi com o arguido JJ que acertou o preço de € 6.500,00, e que foi este último quem lhe pediu para manter a máquina por mais uma semana, em virtude de necessitar de fazer com ela alguns trabalhos, razão pela qual apenas foi buscar a retroescavadora, à zona da Sertã, onde o JJ residia, cerca de uma semana mais tarde, após o contacto deste. Quanto ao local onde deixou a máquina, disse que inicialmente esteve junto à sua residência, em cima do reboque, cerca de 2/3 dias, altura em que depois a levou para o estaleiro, onde foi reparada, tendo o custo da referida reparação orçado em cerca de € 3.000,00.

Relativamente aos documentos da máquina, disse que o JJ lhe entregou um papel escrito à máquina, o qual, por achar estar incompleto, solicitou àquele que o completasse, mencionando que para a venda era apenas necessária factura ou declaração de venda, porque não estava sujeita a qualquer registo.

No que respeita à venda da máquina a MM, disse que o mesmo andava a ver máquinas, tendo visto a retroescavadora, ao que insistiu pela sua aquisição, tendo face a essa insistência aceitado proceder à venda, tendo o declarante referido que no negócio efectuado ficou com uma máquina mais pequena, suficiente para as necessidades, até porque relatou não saber trabalhar com a pá traseira da retroescavadora. Mais disse que, o preço acordado englobava os custos do transporte da retroescavadora a meias, e que, foi o declarante que se deslocou à zona de Viseu para entregar a máquina e recolher a outra.

Relativamente ao preço, começou por referir que o preço de venda da máquina foi de € 7.000,00, tendo sido efectuado acerto de contas com a máquina mais pequena que trouxe, referindo que entregou a MM a quantia de € 3.000,00. Mais disse que recebeu o pagamento em dinheiro da parte do ofendido. Questionado quanto aos documentos que entregou, disse que levou a declaração assinada pela D. GG, pois foi ela quem a pagou, aludindo ainda que, quando adquiriu a máquina o fez a título particular, com o propósito de a vender, e não ter de comunicar ao fisco, razão pela qual não fez a aquisição em nome da empresa de que é gerente.

A testemunha MF, disse ser militar da GNR, tendo quanto aos factos em apreciação referido que foram contactados, em Março de 2016, pelo dono da máquina que tem residência na Benedita, o qual lhes indicou que havia sido contactado pela empresa MOTIVO, a qual para além de vender máquinas JCB, vende também peças, dando conta que haviam sido solicitadas peças para a máquina em causa nos autos, a qual havia sido furtada. Mencionou ainda que o comprador da máquina, quando contactado, disse que não possuía quaisquer documentos para além de uma declaração e um cartão de visita de quem lhe tinha vendido a máquina. Referiu a testemunha que não conseguiram chegar a um suspeito de nacionalidade brasileira, por não ter sido localizado em virtude de já não se encontrar em território nacional. Relativamente ao furto da máquina em 2013, desconhece quais as diligências que foram efectuadas. As suas declarações revelaram-se claras e elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 1. e 20. dos factos provados.

A testemunha MF, disse ser militar da GNR, tendo quanto aos factos referido que efectuou as diligências de atendimento no posto a AH, por causa de um contacto que este teria tido por parte da MOTIVO, em virtude de uma aquisição de peças para uma máquina que estava dada como furtada desde 01/2013 num estaleiro no Porto Alto, sendo que quanto ao furto, foi-lhes facultada posteriormente por parte do posto de Samora Correia a participação do mesmo. Mais disse que foi contactada a MOTIVO, tendo sido esta empresa quem identificou a pessoa que havia efectuado a encomenda das peças. As suas declarações revelaram-se claras e elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 1. e 20. dos factos provados.

A testemunha LP, disse ter prestado serviços à MOTIVO empresa que é importadora e representante da JCB entre 2014 e 2017, tendo quanto aos factos explicado o seu conhecimento acerca dos procedimentos em casos de furto de máquinas à JCB e a resposta da MOTIVO a essas situações, assim disse que os proprietários das máquinas, após a queixa, comunicam à MOTIVO, assim como quando há venda da máquina e consequentemente de proprietário, todavia, tal não é sempre efectuado. Relativamente às reparações das máquinas, disse que podem ser efectuadas com peças da marca ou sem ser da marca, mas que quando é feita com peças da marca, é solicitado o modelo e número de série, sendo nessa altura que o sistema pode informar que a máquina foi furtada e informam o cliente de que existiu uma pessoa a solicitar peças para a sua máquina. Relativamente ao arguido AA, disse que este chegou em tempos a efectuar negócios com a empresa, mas que nunca fez qualquer negócio consigo. Questionado quanto à forma de actuação quando não há registo das diversas compras e vendas de máquinas, disse que é contactado o proprietário inicial para proceder à regularização da situação. Foi a testemunha confrontada com o teor de fls. 135, tendo quanto ao mesmo referido que se lhe fosse apresentado um documento similar não efectuaria a compra da máquina por inexistir número de série, no entanto se lhe apresentassem uma factura de compra, da qual constasse o chassis da máquina, já o faria porque a factura legitimaria a propriedade. Igualmente questionado quanto à aquisição de peças originais para máquinas antigas, disse que normalmente as pessoas não o fazem.

Relativamente à base de dados da MOTIVO disse que quando a venda é efectuada através da MOTIVO consta na base de dados, se a venda for feita entre particulares, não existe qualquer registo. As suas declarações revelaram-se claras e elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 1. e 20. dos factos provados.

A testemunha AH, ofendido/demandante nos presentes autos, disse conhecer apenas o arguido AA, tendo quanto aos factos referido que por necessitar de uma retroescavadora deslocou-se à zona de Pombal, tendo visitado o stand do arguido, ao que o questionou acerca de uma máquina retroescavadoras com características idênticas à em causa nos autos, o qual inicialmente disse não ter, mas no final e antes de a testemunha abandonar o stand, o arguido disse que tinha uma máquina com as mencionadas características na sua Quinta, ao que numa altura posterior foi combinada a deslocação da testemunha à Quinta do arguido, que se veio a concretizar. Mais disse o demandante que, quando voltou a Pombal, foi à Quinta do arguido, encontrando-se a retroescavadora num barracão, e foi nessa altura que acordaram os termos do negócio, tendo o arguido solicitado a quantia de € 12.500,00. No que respeita ao pagamento do preço, disse o demandante que o preço final foi de € 10.200,00, entregue em dinheiro, após realização de encontro de contas, ou seja, o valor da retroescavadora foi de € 12.500,00, ao qual se abateu o valor de € 3.000,00 da máquina do demandante dada em troca, e apurado o valor a liquidar, acresceu ainda o montante de € 500,00 pelo garfo da máquina e € 200,00 pelo transporte, tendo então o valor de € 10.200,00 sido pago em dinheiro a solicitação do arguido. Relativamente à forma de pagamento, foi o demandante questionado, tendo o mesmo sido peremptório em afirmar que o pagamento em dinheiro foi solicitado pelo arguido, pois caso quisesse cheque, teria feito o pagamento dessa forma, pois que em dinheiro, viu-se obrigado a efectuar o levantamento de duas contas bancárias, por não ter disponibilidade do montante a entregar numa só conta, e porque a máquina foi entregue a um sábado em Viseu, o pagamento, em virtude do levantamento que era necessário efectuar, só foi feito na segunda feira em Pombal. Mencionou ainda o demandante que a máquina necessitava de reparação por estar a perder óleo, e pretendia efectuar ainda a legalização da máquina, pelo que, solicitou tais diligências a um mecânico, o qual se comprometeu a efectuá-Ias, no entanto, o depoente foi surpreendido pela GNR que lhe disse ter a máquina em questão sido furtada. O demandante referiu que não achou o preço solicitado pelo arguido muito caro. Questionado quanto ao documento que lhe foi entregue, e com o qual foi confrontado (fls. 135 dos autos), disse o demandante que não estranhou o mesmo pois que o arguido era vendedor, e que, as máquinas que teve anteriormente, foram igualmente adquiridas naqueles termos, sendo que a declaração de venda da sua máquina, também foi o arguido quem a redigiu. As suas declarações revelaram-se claras e elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 14. a 20. e 39. a 40.dos factos provados.

A testemunha SC, disse conhecer o arguido CC por ter trabalhado para este cerca de 4 anos, tendo quanto aos factos mencionado que viu uma retroescavadora na Serra da Luz, na sede da empresa de venda de peças de automóveis, e que a memorizou por ter sido a única que ali viu, aludindo a esse respeito que em conversa com o arguido este lhe disse que a referida máquina era para fazer trabalhos nuns terrenos. mais disse a testemunha que, a máquina permaneceu algum tempo naquelas instalações, fixando tal período entre uma semana e um mês, sendo que um indivíduo de nome Francisco chegou a utilizar a máquina para realizar alguns trabalhos. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 4. dos factos provados.

A testemunha FF, disse ser amigo e ter sido sócio entre 2010 e 2017 do arguido CC, tendo referido quanto aos factos que se recorda de ter sido descarregada uma retroescavadora na empresa, e, a esse respeito o arguido lhe disse que era um pagamento de uma pessoa que lhe devia dinheiro de trabalhos realizados na oficina. Questionado foi peremptório em afirmar que foi sócio da empresa de peças e não da oficina, sendo que as dívidas eram da oficina. Do negócio da retroescavadora apenas pode dizer que viu o arguido a entregar dinheiro a uns senhores e um deles entregar-lhe uns papéis. Mais disse que chegou a fazer uso da retroescavadora nuns terrenos de sua propriedade, até o arguido necessitar da mesma, em virtude de o "governo andar a apertar com a limpeza dos terrenos". Referiu que a máquina esteve nas instalações da empresa, cerca de 3 a 4 anos depois de esta ter começado a laborar. Questionado quanto aos terrenos do arguido, disse que era da propriedade da agora ex-mulher, e que o arguido vendeu a máquina com o divórcio, afirmando também que o arguido não era pessoa de não confirmar documentação que lhe fosse entregue "porque não é uma pessoa com os olhos tapados", e que, confirmaria sempre o chassis da máquina. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 4. dos factos provados.

A testemunha RP, disse conhecer o arguido CC por ter tido com este relações comerciais, tendo quanto aos factos referido que reparou a bomba injectora da retroescavadora, não podendo precisar quando, esclarecendo a este respeito que se deslocou à oficina para ir buscar a bomba injectora na sequência de um telefonema do arguido, no qual mencionava que a máquina perdia gasóleo, e que o arranjo demorou, talvez, uma semana. Mencionou ainda a testemunha que não cobrou qualquer valor ao arguido pela reparação, pois apesar de na altura trabalhar para uma empresa, o seu patrão permitia-lhe que em algumas situações oferecesse o serviço, que no caso da máquina seria de cerca de € 100,00, que englobava o custo da peça e mão de obra. Questionada a testemunha esta aludiu ainda ao facto de as chapas de identificação da máquina estarem danificadas, as quais foram substituídas. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 4. dos factos provados.

A testemunha RL, disse conhecer o arguido JJ, por viver com a filha deste há cerca de 13 anos, tendo quanto aos factos referido que chegou a ver a máquina no terreno do arguido, na zona da horta, não conseguindo, contudo, precisar a data, especificando que esta estava junto a uma vala que estava a ser aberta, e que se situava a cerca de 20 metros da casa do arguido. Mencionou a testemunha que o arguido lhe confidenciou que pretendia ficar com a máquina, mas que a sogra mencionou que não estavam interessados. Questionado disse que o local onde a máquina se encontrava era visível da estrada que dá acesso à casa do arguido, mas não da estrada principal. Quanto à personalidade do arguido descreveu-o como uma pessoa simples e trabalhadora. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 32. dos factos provados.

A testemunha MT, disse ser mulher do arguido JJ e quanto aos factos referiu não se recordar quando a máquina esteve em sua casa, mas que a mesma foi emprestada pelo arguido CC, cujos sogros são primos do arguido JJ. Mencionou que a máquina esteve sempre à vista de toda a gente, e que, o marido pensou adquiri-la, mas que a mesma tinha problemas, e a testemunha achava que não tinham condições económicas para fazer a referida aquisição, apesar de desconhecer o valor da máquina, mas segundo afirmou "certamente seria mais do que aquilo de que podiam dispor", e que, a opção por não adquirir coincidiu com o arguido CC dizer que por causa do divórcio já não necessitaria mais da referida máquina, a qual foi depois vendida, tendo visto a pessoa que a comprou uma vez. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta aos pontos 11. e 32. dos factos provados.

A testemunha PP, disse conhecer o arguido AA, por ser empregado de um filho deste e ser igualmente amigo da família, mencionou quanto aos factos que foi, com o arguido AA a casa de JJ, numa primeira ocasião para ver a máquina e numa segunda ocasião para ir buscar a retroescavadora. Mais referiu que a máquina necessitava de ser reparada - bomba hidráulica e casquilhos - tendo sido a testemunha que efectuou tal reparação. Questionado quanto ao valor da mesma, disse que teria um valor de € 6.000,00/7.000,00, uma vez que já teria cerca de 10/15 anos. Relativamente ao local onde foi deixada a máquina disse que ficou em cima do reboque, na casa do arguido e só depois é que foi para o stand, e posteriormente voltou para a casa do arguido, tendo sido aí que foi arranjada, com o intuito de ficar para a companheira do arguido. Quanto ao custo da reparação disse que orçou em cerca de € 2.500,00/3.000,00, e que as peças não foram adquiridas na MOTIVO, mas sim na concorrência por serem mais baratas. Mencionou que viram o número de série da máquina e que as placas de identificação são presas com um rebite. Quanto à localização da máquina no stand, disse que estava junto às demais que ali se encontravam, desconhecendo, todavia, se era para vender. As suas declarações revelaram-se esclarecedoras quanto à forma como obteve conhecimento dos factos, no entanto, as mesmas revelaram preocupação em não prejudicar o arguido AA, considerando que quando tinha dúvidas quanto à resposta a dar, olhava amiúde para o arguido, previamente à resposta, relativamente à utilização dada pela máquina pelo arguido e quanto à Quinta do mesmo, tendo sido dessa forma valoradas e analisadas pelo Tribunal e permitindo apenas a resposta ao ponto 13. dos factos provados.

A testemunha RC, disse conhecer o arguido AA por ter feito alguns serviços de pintura para este há 15 anos atrás, tendo quanto aos factos referido que pintou um tractor que ainda não estava vendido, bem como lavou e deu uns retoques de pintura numa máquina havia sido colocada à venda, mas que depois foi para os Cabaços, não tendo mais a testemunha visto a mencionada máquina. Relativamente à personalidade do arguido, descreveu-o como uma boa pessoa, que sempre ajudou a testemunha. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 13. dos factos provados.

A testemunha FP, disse ser filho do arguido AA, tendo quanto aos factos começado por referir o procedimento de venda de máquina como a dos autos, no qual salientou que as máquinas não estão sujeitas a matrícula, salvo se circularem na via pública, sendo registadas através do número de série. No tocante ao negócio da retroescavadora, mencionou que acompanhou parte do negócio da venda, pois foi com o pai entregar a máquina ao pé de Viseu. Relativamente ao período de tempo em que a máquina esteve na casa do seu pai, disse que terá sido cerca de 3/4 meses, tendo sido utilizada para proceder à limpeza do estrume dos animais que criam na Quinta, sendo que esteve lá inicialmente, depois foi colocada no estaleiro/stand, desconhecendo se esteve à venda, tendo voltado depois para a casa do pai onde foi reparada, desconhecendo, no entanto, o custo da reparação. Relativamente à entrega da máquina ao ofendido, referiu que explicaram as formalidades do kit de matrícula, e que o fariam caso assim pretendessem, não tendo obtido resposta por parte do comprador. Questionado quanto ao valor da máquina, disse que a mesma valeria cerca de € 7.000,00/8.000,00 à data da venda, mas que actualmente vale menos. No que respeita à máquina adquirida pelo seu pai ao ofendido, disse que o fez, porque não necessitava da pá atrás da retroescavadora, não sabendo tão pouco trabalhar com ela. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 13. dos factos provados.

A testemunha AS, disse conhecer o arguido AA há cerca de 18 anos por razões profissionais, sendo igualmente seu amigo, descrevendo-o com o uma boa pessoa, honesto, desconhecendo que tenha tido quaisquer problemas com a actividade de vendedor que desempenhou. No tocante à máquina dos autos, disse que foi vendedor da MOTIVO, empresa que até uma determinada altura era a única que efectuava a venda de peças originais da marca da retroescavadora, situação que actualmente já não sucede. Aludiu ainda a testemunha ao facto de ter acompanhado muitas vezes o arguido AA na compra de máquinas em segunda mão, e relativamente a estas a MOTIVO dava à testemunha os números e série para averiguar se alguma das que estava à venda tinha sido furtada. Referiu ainda que na aquisição de peças à MOTIVO apenas é necessário indicar o número de série. As suas declarações revelaram-se elucidativas quanto ao conhecimento que possui dos factos, bem como à forma como dos mesmos obteve conhecimento e por esse motivo, forma merecedoras de credibilidade, contribuindo para convicção do Tribunal e permitindo a resposta ao ponto 13. dos factos provados.

A análise da prova produzida nos presentes autos, compreendendo declarações de arguidos, documentos e depoimentos de testemunhas, terá de ser efectuada arguido a arguido, por forma a melhor se perceber a sucessão de eventos envolvendo a máquina retroescavadora referida no ponto 1.

Mas previamente a tal análise, e muito embora tenha sido proferido despacho de arquivamento quanto ao furto, dúvidas inexistem que a máquina em causa nos autos foi furtada do estaleiro sito na Rua Norton de Matos, Porto Alto, propriedade da sociedade AH, Lda., uma vez que foi efectuada a participação do furto, conforme se alcança do teor do auto de notícia que faz fls. 2 a 3 dos autos, e que o mesmo terá ocorrido entre o dia 20 de Janeiro e 21 de Janeiro do ano de 2013, sendo que, constando dos documentos de fls. 151 a 153 e 150, a data de Julho de 2012, necessariamente se concluiu que os mesmos não correspondem à realidade, tanto mais que o número de série da máquina furtada é o mesmo da máquina em causa nos autos e que foi adquirida pelo arguido CC.

Feita esta introdução, e no que respeita ao arguido CC, da conjugação da prova produzida em julgamento, e dos documentos juntos aos autos, resulta que o arguido CC foi abordado por um indivíduo de nacionalidade brasileira que lhe ofereceu a retroescavadora por conta de valores que se encontravam em dívida na oficina que aquele explora, valores esses decorrentes da reparação de uma viatura. Efectuada a abordagem o arguido CC aceitou a entrega da máquina, mas por esta ter um valor superior à dívida da oficina, acabou por entregar a quantia de € 5.000,00 em dinheiro ao mencionado individuo que não mais viu. Ora aqui chegados, importa considerar, à luz das regras de lógica e da experiência comuns, a conduta do arguido, assim, se aceitamos que possa existir uma dívida de uma determinada entidade à oficina do arguido, como acontece em tantas outras, decorrente de uma revisão a um veículo e respectiva mudança de pneus e de uma verificação de outro carro para possível reparação que não se veio a verificar, não colhe a simplicidade com que aborda o negócio que lhe foi proposto.

Na verdade, não colhe que alguém que o arguido apenas conhece por estar a realizar obras na sua rua, e por conta de uma dívida de € 2.500,00, venha propor a entrega de uma máquina retroescavadora com um valor superior, e, para além do mais, exigir o pagamento em dinheiro, pois que se se tratava de uma empresa que efectuava obras públicas, não se compreende como aceitava pagamentos em dinheiro, sendo que a máquina certamente constituiria um activo da mencionada empresa.

Acresce que, tratando-se de um "conhecimento de rua", pois que o arguido não conhecia as pessoas em causa, nem com elas tinha qualquer relacionamento, certamente que um "negócio" como aquele que foi realizado, teria contornos ilícitos, e nesta medida, o arguido ao aceitar o negócio sem que previamente se tivesse assegurado, como podia e devia ter feito, da sua proveniência, actuou com manifesta negligência.

Por sua vez, não colhe a explicação do arguido que acedeu a ficar com a máquina por causa da exigência do Governo nas limpezas das matas e terrenos, porquanto tal imposição apenas foi feita, com acuidade e divulgação, no ano transacto, após os incêndios de Junho e de Outubro de 2017, não valendo tal situação como justificação da sua conduta no ano de 2013.

No que respeita aos documentos constantes dos autos identificados como "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento" e à factura junta respeitante à empresa "A.., Madeiras e Derivados, Lda.", importa tecer as seguintes considerações, o primeiro documento, que faz fls. 151 a 153 dos autos, mostra-se datado de 10/07/2012, e surge na qualidade de primeiro outorgante Christian D., e bem assim, que o mesmo Cristiano D. se assume como legítimo proprietário da máquina retroescavadora em causa nos autos, o que, considerando a factura junta aos autos a fls. 150 da "A., Madeiras e Derivados, Lda.", com a mesma data, seria sempre questionável o porquê de o documento ter um nome e a factura ter outro.

No que respeita à autoria dos mencionados documentos, o arguido refere ter sido um advogado a redigir o "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento", que não identifica, nem elucida o Tribunal quem solicitou ao Advogado a elaboração do documento, no entanto, sempre se dirá que o documento foi elaborado com o sentido de fazer crer que o valor da dívida e da máquina eram o mesmo, ou seja, € 7.500,00, e daí a dação em pagamento, no entanto, o arguido sabendo que o valor em dívida à oficina era de € 2.500,00, e que entregou ao mencionado indivíduo a quantia de € 5.000,00, necessariamente a explicação dada pelo arguido não colhe, porquanto, não se compreende a diferença de valores, o que apenas poderá ser explicado com uma tentativa de iludir os incautos, quando o arguido pretendesse proceder à venda da máquina retroescavadora.

Ora, tudo considerado permite ao Tribunal concluir, que o documento foi forjado, mas nada mais se tendo apurado, e sabendo o arguido que o teor do mesmo não correspondia à verdade, necessariamente se concluiu que o arguido fez uso de um documento falso, por forma a permitir fazer crer que o negócio se verificou do modo como se mostra apresentado documentalmente, o que sabia não corresponder à verdade.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo em consideração que quando estes factos foram praticados o arguido já tinha instaurado um processo por factos similares, donde não poderia desconhecer a ilicitude da sua conduta.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

Relativamente ao arguido JJ, da prova produzida em audiência resultou que a máquina lhe foi facultada pelo arguido CC, atenta a relação de parentesco entre a ex-mulher deste último e o arguido JJ, para que o arguido procedesse à realização de alguns trabalhos na sua propriedade. Resultou igualmente que o arguido pensou adquirir a máquina retroescavadora, mas que não o fez, por esta necessitar de reparação, e por a sua mulher o alertar para a incapacidade financeira para o fazerem, tendo ainda mediado a venda da máquina retroescavadora ao arguido AA. No entanto, não resultou da prova produzida que o arguido CC tenha indicado qual o valor pretendido para venda da máquina, ao invés, provou-se que foi o arguido JJ quem negociou o valor com o arguido AA, e para ser assim, resulta mais uma vez, das regras da lógica e da experiência comum, que o arguido CC concedeu ao arguido JJ margem de actuação, na medida em que, caso este último não adquirisse a máquina, que a poderia negociar com terceiros.

Acresce ainda que, muito embora o arguido trabalhe com máquinas pesadas, não pode tal situação, por si só, ser elemento bastante para aferir da sua conduta, mas certamente que contribui para um melhor conhecimento de máquinas daquela natureza. E é nesta medida que, tendo o arguido um conhecimento mais específico daquele tipo de máquina, e não tendo uma relação de proximidade com o arguido CC, conforme foi referido pela testemunha MM, aliado ainda à distância entre as respectivas áreas de residência, e, não olvidando, porém, a eventual necessidade que o arguido JJ poderia ter de utilizar uma máquina com aquelas características para proceder à abertura de uma vala no seu terreno, certamente que se mostra questionável, e que o deveria ter sido por parte do arguido JJ, ter o arguido CC colocado a máquina na sua propriedade e permitido que este negociasse o preço da máquina, sem que aquele soubesse da forma como a máquina chegou às suas mãos.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo o arguido colaborado com o arguido CC, na venda da máquina retroescavadora, não podendo olvidar que a sua actuação configuraria a prática de um ilícito, considerando os termos acima expostos e que nos abstemos de tornar a reproduzir, salvo na parte em que se refere que a máquina esteve escondida, na medida em que a máquina foi utilizada pelo arguido à vista de quem ali passasse.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

Por fim, relativamente ao arguido AA, a versão por si apresentada em sede de audiência não colhe, para além do mais, porque se trata da sua profissão, independente se com muito ou pouco sucesso. Assim, importa considerar a sua alegação de que a máquina foi adquirida por GG, em virtude de o arguido não ter capacidade financeira para o fazer, mas di-lo ao mesmo tempo que refere que a referida GG fazia limpezas no stand do arguido e em casa deste. Ora, por muito poupada que a referida senhora fosse, certamente que não era em horas de limpeza que fizesse que obteria uma quantia bastante para adquirir uma máquina retroescavadora, pois que o arguido sendo a sua área de actividade não o conseguia fazer.

Acresce igualmente que, se a intenção de aquisição fosse da senhora GG, seria ela a negociar o preço de aquisição, e não o arguido AA como veio a acontecer. Por outro lado, também o preço de venda da máquina foi negociado pelo arguido AA, o que se mostra de molde suficiente para deitar por terra a sua versão dos factos.

Nesta medida, importa ainda salientar que, não sabendo o arguido trabalhar com parte traseira da máquina retroescavadora, e se esta teria como destino a limpeza de estrume, então para quê adquirir aquele tipo de máquina, certamente que a tê-lo feito como fez, tal se deveria ao preço da mesma, o qual seria inferior aos praticados no mercado, mercado do qual o arguido tinha necessariamente de ter conhecimento por ser a sua actividade. E apenas assim se pode concluir, porque a testemunha AS referiu que o arguido AA o acompanhou muitas vezes na compra e venda de máquinas usadas da mesma marca, por ter sido esta testemunha, vendedor da MOTIVO.

Ora, apresentando uma máquina de um tamanho superior àquele de que necessitamos, apenas se justifica a sua compra, se o seu valor foi inferior ao de mercado, e sendo inferior, e o seu pagamento efectuado em numerário, a sua proveniência será ilícita, ditam-nos as regras da lógica e da experiência comuns.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo em consideração que o arguido exercendo a sua actividade no ramo da compra e venda de máquinas, aliado ao facto de o preço por si pago ter sido em dinheiro, resulta que não poderia desconhecer a ilicitude da sua conduta.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

No tocante à venda da máquina ao ofendido MM, importa referir que o arguido AA optou por lhe vender a máquina por se ter apercebido da necessidade que aquele tinha de uma máquina com as características das dos autos, e fê-lo por um preço superior ao de aquisição com o intuito de obter lucro - vantagem patrimonial -, o que igualmente se compreende pelo facto de o pagamento ter sido realizado apenas e tão só em dinheiro, exigência feita pelo arguido AA, pois que o ofendido disse que, por não ter dinheiro disponível numa só conta o obrigou a deslocar-se a duas instituições bancárias em que tinha conta, e efectuar o pagamento na segunda feira seguinte à entrega da máquina. E neste campo importa enfatizar que, não fora a máquina obtida através de meios ilícitos, não se compreende como o arguido deixa uma retroescavadora em Viseu e dali regressa a sua casa sem o respectivo pagamento, não colhendo a este respeito o sentido de selar negócios com apertos de mão, pois se o arguido teve tantos cuidados na sua compra, que não o tenha tido na sua venda, sendo ele próprio comerciante de máquinas industriais.

Relativamente aos documentos emitidos, o ofendido foi peremptório em afirmar que os mesmos foram redigidos no stand, e foram-no pelo arguido AA, e nesta parte não podemos olvidar que o arguido AA, quando da aquisição, exigiu uma declaração de venda da mesma, razão pela qual foi emitida a declaração de fls. 154, a qual se mostrava feita em computador e assinada pelo arguido CC, não contendo, todavia, o número de série da máquina, nem o preço de aquisição, mas tão só a identidade do vendedor e um segmento em que seria aposto o nome do comprador, bem como a marca e modelo da máquina, por seu turno, por entender ser essa declaração insuficiente, solicitou ao arguido JJ (que representava o arguido CC) que acrescentasse, pelo seu punho, quer o número de série da máquina, quer o preço, o que foi feito, como resulta do documento de fls. 154.

Por sua vez, e no que ao documento entregue ao ofendido respeita, necessariamente se conclui que o arguido AA sabia que o mesmo não correspondia à verdade, porquanto a máquina retroescavadora não foi adquirida pela senhora GG, mas por si, uma vez que, foi o arguido quem negociou, quer a compra, quer a venda da máquina.

No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade do arguido aquando da prática dos factos, e que estes constituíam crime.

O Tribunal para prova dos factos constantes dos pontos 1. a 3., 5. a 10. e 21., teve em conta os documentos juntos aos autos: auto de notícia de fls. 2 a 3, relatório de diligência externa de fls. 106; termo de autorização de busca, de fls. 112 e 114; certidão de fls. 113 e 115; auto de apreensão de fls. 116 a 117 e de fls. 133 a 134; termo de entrega de fls. 118; registo fotográfico de fls. 119 a 120; informação e orçamento de fls. 122 a 126; declaração de fls. 135; termo de juntada de fls. 148; cópia de factura com logotipo da sociedade A. de fls. 150; cópia do documento com o titulo "contrato de reconhecimento de divida e dação em pagamento" de fls. 151 a 153; cópia de declaração de fls. 154; cópia do contrato de locação financeira mobiliária celebrado entre o Santander Leasing e AH. Lda, relativo à retroescavadora JCB , com inicio em 16.10.2001 de fls. 169; certidão permanente da sociedade A. - Madeiras e Derivados Lda, junto a fls. 197 a 201; consulta às bases de dados da segurança social em nome de JP de fls. 276; e, consulta às bases de dados da segurança social em nome Christiano D. de fls. 277 e 278.

No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade dos arguidos aquando da prática dos factos.

Os antecedentes criminais dos arguidos tiveram por base a análise dos certificados de registo criminal, juntos aos autos respectivamente a fls. 483 a 485, 486 e 487.

Para prova das condições económicas e pessoais dos arguidos a convicção do Tribunal alicerçou-se, ainda, e exclusivamente nos relatórios sociais elaborados pela DGRSP, respectivamente a fls. 550 a 553, 541 a 544 e 556 a 559.

No que respeita aos factos dados como não provados, resultou de a prova produzida ter imposto resposta negativa.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 - Enquadramento jurídico-penal
a) Do crime de Receptação
Os arguidos vêm acusados, cada um deles, da prática de um crime de receptação, constante do artigo 231.°, n.º 1 do Código Penal.

Dispõe este normativo que «Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir, ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias».

Trata-se de um tipo de crime exclusivamente doloso, exigindo-se para o seu preenchimento além do dolo genérico, um dolo específico relativamente à proveniência da coisa.

ln casu, não se provou que os arguidos soubessem da proveniência ilícita, pressuposto da actuação dolosa, pelo que a sua conduta não é susceptível de preencher o tipo de crime previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 231°, do Código Penal, mas apenas a conduta prevista no n.º 2 deste preceito legal.

Resulta deste preceito legal que «Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias».

O bem jurídico protegido com a incriminação é o património.

O objecto da acção é, assim, a coisa obtida por outrem mediante de facto ilícito típico contra o património.

São elementos objectivos constitutivos do crime tipificado no referido preceito legal: a) a acção típica, de adquirir ou receber a coisa a qualquer título; b) o objecto da acção, qualquer coisa obtida por outrem mediante facto ilícito típico contra o património, sendo as características da coisa e as circunstâncias que rodeiam a sua aquisição aptas a criar a suspeita da sua proveniência; c) a violação de um dever de informação não se assegurando o agente da legítima proveniência da coisa.

Os factores que podem criar a suspeita razoável de que a coisa provém de um facto ilícito típico contra o património são, como prevê o tipo legal, a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto.

Quanto ao elemento subjectivo há que tomar posição quanto a se se trata de um crime exclusivamente doloso ou se o preenchimento do tipo de crime de receptação previsto no n.º 2 do artigo 231.° integra a punição a título de negligência. Nomeadamente sobre se encerra em si um tipo doloso complexo, o qual integraria uma primeira atitude negligente de falta de cuidado na averiguação, mas também, e a seguir, um dolo eventual sobre a proveniência ilícita, ou se, constitui em si, um só tipo negligente, o que depende de se interpretar a expressão legal "faz razoavelmente suspeitar que" se reporta ao agente típico, ou ao homem médio que pelo juízo da experiência comum razoavelmente suspeitaria.

Com efeito, se a expressão típica "faz razoavelmente suspeitar que" se reportar ao agente, então essa expressão supõe uma vincada representação da realidade, e por isso, quase volitiva, no campo da aceitação, uma vez que a "suspeita" implica um juízo valorativo da realidade, pressupondo, então, pelo menos a existência de dolo eventual.

Reportando-se a expressão ao homem médio, então, estamos perante a construção de um tipo meramente negligente, uma vez que evidencia uma exigência típica sobre o agente, de previsibilidade da realidade, e nessa medida, desse juízo médio, só pode emergir um juízo de previsibilidade característico da negligência, e não já o querer, próprio de certo agente em particular.

Ora, por contraposição com a previsão do crime de receptação dolosa do n.º 1 do artigo 231.°, afigura-se que a utilidade da punição autónoma do n.º 2 só encontra expressão se aí se integrarem as condutas negligentes, em que perante a qualidade da coisa, a condição de quem oferece a coisa, o montante do preço proposto é exigível que o homem médio colocado na posição do agente averigúe da sua legitima proveniência, neste sentido vide Simas Santos e Leal Henriques in "Código Penal Anotado", 3.° volume, pág. 1089, 4.ª edição, Rei dos Livros.

Como refere igualmente Maia Gonçalves (in "Código Penal Português Anotado", 14ª edição, página 740) «Quanto ao elemento subjectivo deste crime há, em nosso entendimento, que fazer distinção entre os casos previsto no n° 1 e no n° 2. No caso previsto no n° 1 exige-se o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades, e ainda um dolo específico, consistente na intenção de o agente obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial. No caso previsto no n° 2 é punível a negligência. Sempre assim entendemos baseada na história do preceito, (...), abrangendo claramente um caso em que o agente, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias do caso está obrigado, não chega sequer a representar a possibilidade de realização do facto, e enquadrando portanto um caso de negligencia inconsciente (art. 15°, n° 2); e ainda na inutilidade do preceito em caso de ser exigível dolo, pois estão a factualidade seria subsumível à previsão do n° 1».

Resulta dos autos que o arguido CC e o arguido AA adquiriram a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade apurada, a qual havia sido previamente subtraída ao seu legítimo proprietário, tendo o pagamento sido efectuado em numerário, sem que estes se assegurassem que aquele objecto pertencia aos indivíduos que os venderam, nem os questionou acerca da sua proveniência. No tocante ao arguido JJ, o mesmo aceitou receber em sua casa, a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade apurada, a qual lhe foi entregue pelo arguido CC, sem que este se assegurasse que aquele objecto pertencia ao arguido CC que lha entregou, considerando para além do mais que o laço de parentesco não tinha um grau intenso de familiaridade, nem o questionou acerca da sua proveniência, acabando ainda assim por intermediar na venda da mencionada máquina.

Por outro lado, a forma de aquisição da máquina, apenas e só em numerário, por um valor tão elevado, era um indício que deveriam ter levado os arguidos a suspeitar de que os mesmos teriam sido obtidos através de actividade delituosa.

Assim, ao agirem do modo descrito sem que previamente se tivessem assegurado, como podiam e deviam ter feito, da sua proveniência, actuaram com manifesta negligência.

Destarte, não subsistem dúvidas que os arguidos, com a sua conduta, preencheram os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime receptação, previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 231.° do Código Penal.
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b) Do crime de Falsificação de Documento
Ao arguido CC é imputada a prática, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alíneas a), d) e e), do Código Penal, e ao arguido AA é imputada a prática, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alínea e), do Código Penal.

Dispõe o artigo 256.° do Código Penal que «1 - Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime: a) Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos documentos destinados a corporizá-lo; b) Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram; c) Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento; d) Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante; e) Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. 3 - Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.°, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias.(negrito nosso)».

A definição legal de documento consta da alínea a) do artigo 255.° do Código Penal, onde se prescreve que «Documento - a declaração corporizada em escrito, ou registada em disco, fita gravada ou qualquer outro meio técnico, inteligível para a generalidade das pessoas ou para um certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua emissão quer posteriormente; e bem assim o sinal materialmente feito, dado ou posto numa coisa para provar facto juridicamente relevante e que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas o seu destino e a prova que dele resulta

Para o estudo do iter criminis em referência, cabe iniciar com a compreensão de que, «(...) aquilo que constitui a falsificação de documentos é não a falsificação do documento enquanto objecto que incorpora uma declaração, mas a falsificação da declaração enquanto documento. (...) Documento, para efeitos do crime de falsificação, é, [pois,] a declaração e não o objecto em que esta é incorporada (...)» (Helena Moniz, in «Comentário Conimbricense do Código Penal», Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 676).

Trata-se de um crime formal ou de mera actividade e de um crime de perigo abstracto, bastando que o documento seja falsificado para que o agente possa ser punido, cujo bem jurídico protegido é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental.

Neste domínio, releva ainda que, «Na verdade, a fé pública não é um bem jurídico criminal, mas uma característica que emana de certos documentos, e a fé pública, a confiança pública na autenticidade e veracidade dos documentos será tanto maior quanto maior for a força probatória do documento. É este documento enquanto meio de prova que o direito quer proteger, quer tal destino (o de provar um facto) lhe seja dado desde o início quer posteriormente» (Helena Moniz in ob. cit.).

No atinente ao tipo objectivo do crime em apreço, podemos referir que o documento (no sentido exposto no artigo 255°) constitui o objecto da acção. Será sobre ele que incidirá a conduta do agente, bastando para a consumação do tipo legal o acto de falsificação.

O tipo comporta diversas modalidades de conduta, sendo elas as constantes das várias alíneas do citado artigo 256.° n.º 1 do Código Penal, isto é: a) fabricar ou elaborar documento falso; b) falsificar ou alterar documento; c) abusar de assinatura de outra pessoa para elaborar documento falso; d) fazer constar falsamente facto juridicamente relevante; e) usar documento falso (nos termos anteriores) e, por fim, f) facultar ou deter documento falsificado.

Esgrimindo cada uma das situações, atendendo que tal argumentação é necessária para a análise dos presentes autos, cumpre referir o seguinte:

Integra-se no acto de fabricar um documento (alínea a» a falsificação intelectual em que a declaração documentada, idónea a provar um facto juridicamente relevante, é distinta da declaração realizada (que é, por definição, inexistente). Procede-se a uma "contrafacção total, isto é, a feitura ex novo e ex integro de um documento" (Leal Henriques / Simas Santos in Código Penal Anotado, II volume, pág. 730).

A falsificação ou alteração do documento consiste no que a doutrina designa por falsificação material. Nestes casos verifica-se uma adulteração de um documento já existente.

No que concerne ao abusar da assinatura de outra pessoa, esta consiste numa fraude na identificação. Efectivamente, a assinatura é um meio de identificação de um indivíduo, por regra, única. Através dela, procura-se identificar um facto juridicamente relevante. A utilização, por outrem, da assinatura de uma pessoa numa declaração implica a falta de autenticidade da mesma, uma vez que não foi subscrita por quem figura nela como sendo o seu titular.

Quanto à narração de facto juridicamente relevante, cumpre salientar que a mesma consubstancia uma falsa declaração num documento regular, sendo apenas punida aquela que implicar a constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas.

No que concerne ao uso de documento falso, nos termos das alíneas a) a d) do artigo 256.° em análise, com tal conduta o agente tem intenção de dar um destino determinado ao documento que foi falsificado nos termos anteriormente descritos.
Esta conduta difere da prevista na alínea f), isto é, da detenção, porque, nesta, não se exige que o agente tenha destinado o documento a uma finalidade específica, mas tão só a simples disponibilidade do documento.

No que concerne à caracterização de documento autêntico, dúvidas não se colocam que a carta de condução em causa nos autos, enquanto documento que titula uma habilitação reconhecida pelo Estado, assume aquela natureza.

No tocante ao elemento subjectivo do iter criminis em estudo, para além do pressuposto, por parte do agente, de uma conduta dolosa, em qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14.° do Código Penal, requer-se ainda a "intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo". «Constitui benefício ilegítimo toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento falsificado» (Helena Moniz in ob. cit.).
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Reportemo-nos então ao caso dos autos, importando para tanto considerar se o preenchimento do tipo de ilícito se mostra verificado.

Para tanto há que fazer referência aos factos provados e não provados, tal como constam da fundamentação.

Relativamente ao arguido CC resulta que o arguido, ao entregar ao arguido AA os documentos referidos em 5. e 7. da factualidade provada, sabendo que os mesmos não correspondiam à verdade, actuou com o propósito de conferir credibilidade quer à venda que estava a efectivar.

Em face destes factos, conclui-se que o arguido praticou, efectivamente, o crime de falsificação que lhe vem imputado, tendo agido com dolo directo, pois que agiu livre, consciente e voluntariamente, com o propósito de proceder à venda da máquina referida em xxx. da factualidade provada, obtendo desse modo benefícios ilegítimos.

Relativamente ao arguido AA resulta que o arguido, ao entregar ao ofendido MP os documentos referidos em 18. da factualidade provada, sabendo que os mesmos não correspondiam à verdade, pois que a máquina havia sido por si adquirida, bem como por si negociado o preço de venda, e não pela senhora GG.

Em face destes factos, conclui-se que o arguido praticou, efectivamente, o crime de falsificação que lhe vem imputado, tendo agido com dolo directo, pois que agiu livre, consciente e voluntariamente, com o propósito de proceder à venda da máquina referida em 1. da factualidade provada, obtendo desse modo benefícios ilegítimos.
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c) Do crime de burla qualificada
O arguido AA vem ainda acusado da prática, em co-autoria, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.°, n.º 1 e 218.º, n.º 1, do Código Penal.

Nos termos do artigo 217.°, n.º 1 do Código Penal, comete o crime de burla "quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial".

O crime de burla caracteriza-se, assim, pela presença dos seguintes elementos:
i) A intenção de obter um enriquecimento indevido;
ii) O emprego de artimanha pelo agente;
iii) O erro ou engano da vítima;
iv) A prática de actos pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida;
e,
v) O prejuízo patrimonial da vítima ou de terceiro.

Ao nível da conduta típica o crime de burla é um crime de resultado e de execução vinculada, que, como ensina Almeida Costa (in "Comentário Conimbricense ao Código Penal", Coimbra Editora, Tomo II, página 293) se traduz "na utilização de um meio enganoso tendente a induzir outra pessoa num erro que, por seu turno a leva a praticar actos de que resultam prejuízos patrimoniais próprios ou alheios." Donde, continua o mesmo autor, "não se mostra suficiente a simples verificação do estado de erro: requer-se ainda, que nesse engano resida a causa prática, pelo burlado, dos actos de que decorrem os prejuízos patrimoniais".

A consumação da burla passa, pois, por um duplo nexo de imputação objectiva: por um lado, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio); e, por outro, entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial.

No plano dos factos, a conduta do agente comporta a manipulação de outra pessoa, caracterizando-se por uma sagacidade ou penetração psicológica que combina a antecipação das reacções do sujeito passivo com a escolha dos meios idóneos para conseguir o objectivo em vista.

Em termos subjectivos, para que o crime de burla se verifique é necessário que o agente actue dolosamente e com a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, sendo, por isso, um crime de intenção ou de resultado parcial ou cortado.

Acrescenta, por sua vez, o n.º 1 do artigo 218.° do Código Penal que "Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias", entendendo-se por valor elevado, nos termos da alínea a) do artigo 202.° do Código Penal, o que exceder 50 UC avaliadas no momento da prática dos factos.

A referida agravação da pena decorre da maior ilicitude da conduta neste caso.

Transpondo as precedentes considerações para a factualidade apurada verifica-se que a actuação do arguido AA, ao levar o demandante a efectuar o pagamento em numerário de € 10.200,00, bem como, a entregar-lhe a máquina referida em 18. da factualidade provada, e à qual foi atribuído o valor de € 3.000,00, sabendo que a proveniência da máquina retroescavadora que vendia não era lícita, prevalecendo-se do facto de ser proprietário de um stand de compra e venda de máquinas usadas, permitindo gerar a confiança do demandante e, bem assim, do domínio que tinha daqueles elementos falsamente transmitidos, consubstancia uma artimanha que induziu o demandante em erro, levando-o a entregar ao arguido a quantia total de € 13.200,00, que reverteu indevidamente (já que sem causa justificativa) a seu favor, o que resultou numa diminuição do património do demandante, já que por um lado a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade provada lhe foi apreendida, e, por outro, ficou desapossado da máquina referida em 18. da factualidade provada, porquanto a entregou em troca ao arguido AA, fazendo parte do preço por si pago ..

Por último, resultou igualmente provado que o arguido AA actuou de forma livre, com intenção de obter para si enriquecimento ilegítimo, obtendo do demandante a referida quantia, causando-lhes assim prejuízo patrimonial, mediante engano sobre factos que astuciosamente provocaram, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Acresce que o prejuízo causado ao demandante por via da descrita actuação é superior a 50 UC, avaliadas no momento da prática dos factos, que à data se encontrava fixada em € 102,00, o que corresponde a € 5.100,00.

Em face do exposto, dúvidas não restam que o arguido AA deve ser condenado pela prática, do crime de burla qualificada de que se encontrava acusado.
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4.2- Da Escolha da Pena
Importa agora determinar a natureza da sanção a aplicar aos arguidos, salientando-se que todos os ilícitos são punidos em alternativa com pena de prisão ou com pena de multa.

Em face da alternatividade entre a pena de prisão e a pena de multa, cumpre nesta sede proceder à escolha da pena abstractamente aplicável.

Prescreve o artigo 70.° do Código Penal que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição»

As finalidades da punição vêm consagradas no artigo 40.° n.º 1 do Código Penal, que expressamente refere que «A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

Face às disposições legais supra citadas, o Tribunal na escolha da pena deve atender unicamente às considerações de prevenção geral e de prevenção especial, considerando que, as finalidades da punição, superiormente limitadas pela medida da culpa, visam a protecção dos bens jurídicos e a ressocialização do agente do crime (artigo 40.°, n.ºs 1 e 2 do Código Penal), não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Dentro destes parâmetros, cumpre aferir qual a natureza da pena a aplicar (perspectivada em função da adequação, proporção e potencialidade para atingir os objectivos estipulados no referido artigo 40.°, do Código Penal), considerando a necessidade de promoção da recuperação social do arguido e satisfação das exigências de reprovação e de prevenção do crime: se uma pena privativa ou não privativa da sua liberdade (artigo 70.° do Código Penal).

O sistema jurídico-penal português explana uma preferência pelas reacções criminais não privativas da liberdade, pelo que deve dar-se prevalência à pena não privativa da liberdade, desde que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), nos termos do estabelecido nos artigos 40.° e 70.°, ambos do Código Penal e na esteira do princípio da necessidade consagrado no artigo 18.° n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

No entendimento de Figueiredo Dias in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 2005, pág. 124 «a circunstância de, no teor literal da lei, a pena de multa vir mencionada em segundo lugar depois da pena de prisão, não deve, em nada, prejudicar o reconhecimento de que a pena de multa é em todos estes casos a pena em abstracto legalmente preferida

Estas disposições legais são a expressão da filosofia subjacente do sistema punitivo do nosso Código Penal, que apesar de aceitar a pena de prisão como pena principal para os crimes de maior gravidade, «(…) afirma claramente que o recurso às penas privativas da liberdade só será legítimo quando, dadas as circunstâncias, se não mostrem adequadas as sanções não detentivas» cf. M. Maia Gonçalves, in "Código Penal Português", 18.ª edição, Almedina, 2007, pág.266.

Conforme refere Figueiredo Dias in ob. cit. pág. 332, são as necessidades de prevenção especial de socialização que prevalecem sobre a escolha do tipo de pena aplicar e que justificam, numa perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra as penas privativas da liberdade.

A prevenção geral apenas actuará sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico. Ou seja, apenas se deve optar pela pena privativa de liberdade se a aplicação da pena não privativa resultar insuportável para a comunidade, pondo irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

Destarte, são as finalidades de prevenção geral positiva de integração (protecção de bens jurídicos) e de prevenção especial (reintegração do agente) as que se consideram na escolha da pena, não sendo valorada a culpa do agente, que apenas se considera em sede de medida da pena.

Tendo em atenção as palavras da professora Anabela Miranda Rodrigues in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano I, 1991, onde refere que "(…) tendo uma orientação de prevenção, e agora de prevenção geral no seu grau mínimo - o único que deve afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial (…)", importa concluir que de entre as duas finalidades é a prevenção especial que deve prevalecer na escolha da pena.

Como refere Figueiredo Dias in "As Consequências Jurídicas do Crime", 1993, pág. 198 «§ 256 - Do que atrás ficou dito (§ 248) resulta já que a determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal (dita também medida legal ou abstracta" da pena) aplicável ao caso; na segunda, o juiz investiga e determina, dentro daquela moldura legal, a medida concreta (dita também judicial ou individual) da pena que vai aplicar; na terceira - como veremos, não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda -, o juiz escolhe (dentre as penas postas à sua disposição no caso, através dos mecanismos das «penas alternativas» ou das «penas de substituição») a espécie de pena que efectivamente deve ser cumprida (negrito nosso)».
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a) Do crime de receptação
O crime de receptação é punido com pena de prisão de prisão de 1 (um) a 6 (seis) meses ou pena de multa de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias (artigo 231.°, n.º 2, 41.°, n.º 1 e 47.°, n.º 1, todos do Código Penal).

No caso sub judicio, e considerando a conduta dos arguidos, e ponderando as necessidades de prevenção geral, que são elevadas traduzidas na necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas, são significativas, por se tratar de um ilícito cada vez mais frequente, que se repercute de forma bastante negativa no combate à criminalidade patrimonial, por permitir a disseminação dos bens furtados, sendo certo que muitos crimes contra o património, designadamente furtos, não seriam praticados se não houvesse receptadores.

No tocante às necessidades de prevenção especial há que avaliar individualmente cada um dos arguidos.

Assim, relativamente ao arguido CC apesar da existência de antecedentes criminais, respeitando o mesmo a crime de idêntica natureza, praticado em 2011, mas também o facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.

Assim, relativamente ao arguido JJ há pesar a inexistência de antecedentes criminais, e o facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.

Assim, relativamente ao arguido AA há pesar a inexistência de antecedentes criminais, e o facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.
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b) Do crime de falsificação de documento
O crime de falsificação de documento é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias - cfr. artigos 256.°, n.º 1, alínea e), 41.°, n.º 1 e 47.°, n.º 1, todos do Código Penal.

No presente caso, as exigências de prevenção geral são elevadas, face à necessidade social de confiança na validade e segurança dos documentos usados no tráfego jurídico, que sai profundamente abalada com condutas como aquela de que ora cuidamos, as mais vezes associadas à prática de outro tipo de ilícitos, designadamente contra o património.

No tocante às necessidades de prevenção especial há que avaliar individualmente cada um dos arguidos.

Assim, relativamente ao arguido CC apesar da existência de antecedentes criminais, respeitando o mesmo a crime de diversa natureza, praticado em 2011, mas também o facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.

Assim, relativamente ao arguido AA há pesar a inexistência de antecedentes criminais, e o facto de o arguido se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.
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c) Do crime de burla qualificada
O crime de burla qualificada é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 5 (cinco) anos ou com pena de multa de 10 (dez) até 600 (seiscentos) dias - cfr. artigos 218.°, n.º 1, 41.°, n.º 1 e 47.°, n.º 1, todos do Código Penal.

Em termos de prevenção geral, atenta a frequência com que continuamos a deparar-nos com condutas desta natureza, particularmente no sector de actividade em causa, o que é susceptível de pôr em causa a confiança necessária ao bom e regular funcionamento do comércio jurídico, são significativas as necessidades de reafirmação da validade da norma violada que o caso reclama.

Já quanto as necessidades de prevenção especial, apesar da inexistência de antecedentes criminais, e o facto de o arguido AA se encontrar familiar, social e profissionalmente inserido, pelo que, entende-se que a aplicação de uma pena de multa ainda realizará de forma adequada e suficiente as finalidades de prevenção geral positiva ou de reafirmação contrafáctica das normas violadas e de prevenção especial positiva ou de ressocialização.

Pelo exposto, o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa.
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4.3- Da Medida da Pena
Escolhidas as penas de multa, há que procurar determinar agora a sua medida dentro dos limites estabelecidos pela moldura penal aplicável em causa.

Na determinação, dentro da moldura penal abstracta, da medida concreta da pena, seguir-se-ão os critérios plasmados nos artigos 71.°, n.º 1 e 40.°, n.ºs 1 e 2, todos do Código Penal.

Prescreve o artigo 71.°, n.º 1 do Código Penal, que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção»

O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor. O limite máximo da pena é a culpa pessoal do agente, limite inultrapassável das finalidades preventivas, como consta do n.º 2 do artigo 40.° do Código Penal.

Dentro destes limites actua a socialização do delinquente - prevenção especial positiva - como forma eficaz de responsabilização e ressocialização do delinquente na sociedade.

Dentro destes limites deve o Tribunal atender de harmonia com o disposto no artigo 71.°, n.º 2 do Código Penal:

«Na determinação da medida concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena
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a) Do crime de receptação
O crime de receptação é punido com pena de multa de 10 (dez) a 120 (cento e vinte) dias (artigo 231.°, n.º 2 e 47.°, n.º 1, ambos do Código Penal).

ln casu, no que concerne à prevenção geral esta afigura-se elevada, a necessidade de manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das normas violadas.

No tocante às necessidades de prevenção especial há que avaliar individualmente cada um dos arguidos.

Assim, relativamente ao arguido CC o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado negligentemente, e considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa.

Assim, relativamente ao arguido JJ o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado negligentemente, e considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 40 (quarenta) dias de multa.

Assim, relativamente ao arguido AA o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado negligentemente, e considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 50 (cinquenta) dias de multa.
*
b) Do crime de falsificação de documento
O crime de falsificação de documento é punido com pena de prisão de multa de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias - dr. artigos 256.°, n.º 1, alínea e) e 47.°, n.º 1, ambos do Código Penal.

ln casu, no que concerne à prevenção geral, esta afigura-se elevada atentos os bens jurídicos ofendidos (a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental).

No tocante às necessidades de prevenção especial há que avaliar individualmente cada um dos arguidos.

Assim, relativamente ao arguido CC o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado com dolo directo, mas, considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 100 (cem) dias de multa.

Assim, relativamente ao arguido AA o grau de ilicitude, plasmado no valor e na tipologia do objecto em causa, inscrevendo-se na ilicitude típica, deve ser considerado médio, tendo o arguido actuado com dolo directo, mas, considerando o lapso de tempo entretanto decorrido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido uma pena de 100 (cem) dias de multa.
*
c) Do crime de burla qualificada
O crime de burla qualificada é punido com pena de prisão de multa de 10 (dez) até 600 (seiscentos) dias - dr. artigos 218.°, n.º 1 e 47.°, n.º 1, ambos do Código Penal.

ln casu, há que referir que as exigências de prevenção geral positiva fazem-se sentir neste caso de forma moderada alta, face ao número crescente de situações de ataques ao património, causando alarme social.

No que concerne à prevenção especial, há assim que considerar, o grau de ilicitude que é médio, atenta a forma de cometimento do ilícito, bem como o dolo que é directo.

Ponderando todos os elementos acima referidos e tendo em conta a moldura abstracta da pena, a culpa do agente e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal adequado fixar ao arguido AA uma pena de 200 (duzentos) dias de multa.
*
De harmonia com o disposto no artigo 47.°, n.º 2 do Código Penal, «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais», atenta a redacção introduzida pelo artigo 1°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, conjugado com o artigo único do Decreto-Lei n.º 136/2002, de 16 de Maio.

É ponto assente na jurisprudência que "o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhes ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, relator Conselheiro Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência Online, Referência 10218/1997.

Considerando a matéria dada como provada, decide-se fixar como quantitativo diário, em relação a todos os arguidos o montante de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).

4.4 - Do concurso
Nos termos do art.º 77.° do Código Penal, "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.".

Relativamente aos arguidos CC e AA mostra-se verificada uma situação de concurso.

A pena única tem como limite máximo, nos termos do n.º 2 do citado preceito, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicada.

Assim:
Relativamente ao arguido CC o limite máximo (no caso concreto, 150 (cento e cinquenta) dias de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso concreto, 100 (cem) dias de multa).

Atentos os contornos dos factos nos presentes autos, nomeadamente as exigências de prevenção geral relativamente a ambos os crimes, bem como a necessidade de ressocialização do arguido, ao que acresce o período de tempo entretanto decorrido, bem como o facto de o arguido se encontrar social, profissional e familiarmente inserido, o Tribunal entende adequado aplicar ao arguido CC, como pena única, 110 (cento e dez) dias de multa.

Relativamente ao arguido AA o limite máximo (no caso concreto, 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas (no caso concreto, 200 (duzentos) dias de multa).

Atentos os contornos dos factos nos presentes autos, nomeadamente as exigências de prevenção geral relativamente a ambos os crimes, bem como a necessidade de ressocialização do arguido, ao que acresce o período de tempo entretanto decorrido, bem como o facto de o arguido se encontrar social, profissional e familiarmente inserido, o Tribunal entende adequado aplicar ao arguido AA, como pena única, de 220 (duzentos e vinte) dias de multa.
*
De harmonia com o disposto no artigo 47.°, n.º 2 do Código Penal, «cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais», atenta a redacção introduzida pelo artigo 1°, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, conjugado com o artigo único do Decreto-Lei n.º 136/2002, de 16 de Maio.

É ponto assente na jurisprudência que "o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixarem de lhes ser asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar" - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Outubro de 1997, relator Conselheiro Abranches Martins, in Colectânea de Jurisprudência Online, Referência 10218/1997.

Considerando a matéria dada como provada, decide-se fixar como quantitativo diário, em relação a ambos os arguidos o montante de € 5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos).
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V - Do Pedido de Indemnização Cível
Nos termos do disposto no artigo 129.° do Código Penal a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime é regulada pela lei civil, de harmonia, portanto, com as regras constantes dos artigos 483.°, 496.°, 562.° e 566.° do Código Civil.

O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no artigo 483°, do Código Civil, segundo o qual "Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Assim, para que haja obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: (1) facto voluntário - no sentido de controlável pela vontade humana; (2) ilicitude - reprovação da conduta do agente no plano geral e abstracto da lei, em contraposição à culpa que se reporta a um comportamento concreto; (3) culpa imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades; (4) dano - todo o prejuízo, desvantagem ou perda que é causada nos bens jurídicos de carácter patrimonial ou não, podendo ser real (lesão causada no interesse juridicamente tutelado), patrimonial (reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado, englobando danos emergentes e lucros cessantes), ou não patrimonial (o que é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado); (5) nexo de causalidade - só há responsabilidade relativamente aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse aquela conduta, estando entre nós consagrada a teoria da causalidade adequada.

Dos factos provados, conforme já supra analisados e enquadrados juridicamente, resultam preenchidos os requisitos ora aludidos, inexistindo dúvidas de que a actuação dos arguidos, analisada no seu todo, causaram prejuízo patrimonial ao demandante, para além de constituir ilícito penal, é também lesiva do património do mesmo.

Desta forma, são os demandados civilmente responsáveis pelos factos ilícitos por si praticados, e, consequentemente, respondem solidariamente pelos danos que hajam causado, nos termos dos artigos 483.° e 490.° do Código Civil.

Em matéria de danos patrimoniais rege o princípio da reposição natural, expresso no artigo 562.° do Código Civil, de acordo com o qual a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Excepcionalmente, quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente ou seja excessivamente onerosa para o devedor, há que lançar mão da indemnização em dinheiro, a fixar de acordo com a teoria da diferença, segundo a qual a indemnização tem como medida, em princípio, a diferença entre a situação patrimonial real do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a situação hipotética que teria nessa data, se não tivesse ocorrido o facto lesivo gerador do dano - dr. artigo 566.° do Código Civil.

Conforme decorre do artigo 564.° do Código Civil, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado (dano emergente), como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes).

Numa análise mais aproximada, podemos afirmar que o dano emergente corresponde à situação em que alguém em consequência da lesão vê frustrada uma utilidade que já tinha adquirido, pelo que se incluem nesta categoria os prejuízos directos - traduzidos na perda, destruição ou danificação de um bem - e as despesas directas, necessárias ou imediatas - que correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito.

Por sua vez, o lucro cessante corresponde àquela situação em que é frustrada uma utilidade que o lesado iria adquirir se não fosse a lesão e abrange as vantagens ou benefícios que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o mesmo teria obtido nessas circunstâncias.

Decorre da factualidade apurada que em consequência da conduta dos arguidos, o demandante pagou a quantia monetária de € 10.200,00, bem como entregou uma máquina ao arguido AA com o valor atribuído por este de € 3.000,00.

Diz-nos o n.º 2 do artigo 566.° que a indemnização em dinheiro há-de ser fixada em função da diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que teria se não existissem danos, estatuindo o n.º 3 que quando não for possível apurar o valor exacto dos danos o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.

Ora, no apuramento do prejuízo sofrido pelos demandantes, não podemos deixar de levar em linha de conta que durante cerca de um ano o demandado MM efectuou o pagamento da quantia de € 13.200,00, tendo a máquina sido apreendida em virtude da sua proveniência ilícita, tendo esta apenas estado na sua posse cerca de um mês.

Destarte, resulta claro que o demandante ficou desapossado do seu dinheiro e da máquina dada à troca, correspondendo o montante de € € 13.200,00 ao seu prejuízo patrimonial, vulgo, dano patrimonial, do qual terá de ser ressarcido.

Face ao exposto, julga-se procedente o pedido de indemnização formulado pelo demandante, condenando-se os arguidos, solidariamente no seu pagamento, sendo que ao valor de € 13.200,00, acrescem os respectivos juros de mora, contados desde a data da notificação do pedido cível, e até integral pagamento.
(…).»

2.3. Apreciação dos recursos
2.3.1 Recurso do arguido CC

2.3.1.1. Do erro de subsunção
Sustenta o recorrente existir erro de subsunção dos factos dados como provados, no que que a si respeitam, ao crime de recetação, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 231º do Código Penal, porquanto, contrariamente ao entendimento sufragado pelo Tribunal a quo o preenchimento do tipo subjetivo desse crime não se basta a negligência, sendo exigido o dolo eventual, pelo que, na ausência deste último, não pode ser condenado, pela prática desse crime.

O Ministério Público, na 1ª instância, manifesta concordância com o entendimento de que o crime de recetação previsto no n.º 2 do artigo 231º do CP, é punido a título de negligência, pelo que, deve manter-se a condenação do ora recorrente pela prática do mesmo crime.

Por sua vez, o Exm.º PGA, no parecer que emitiu, defende que o crime de recetação previsto no n.º 2 do artigo 231º, exige o dolo eventual, não se bastando com a mera negligência, tal como sustentam os recorrentes.

Contudo, na ótica do Exm.º PGA tal não deve determinar a absolvição dos recorrentes da prática desse crime, por, em seu entender, a caraterização do elemento subjetivo tal como constante dos factos provados em 22, 25 e 26 e da motivação da decisão de facto exarada na sentença – da qual resulta que ao não se assegurar da proveniência da máquina, representou a possibilidade de a sua origem não ser lícita, aceitando essa possibilidade coim o fim de obter uma vantagem a que, nesse caso por si representado e com o qual se conformou, não tinha direito –, leva, inequivocamente, a concluir que os arguidos, ora recorrentes, atuaram com dolo eventual, em ordem a preencher o tipo subjetivo do crime de recetação, p. e p. pelo n.º 2 do artigo 231º do CP.

Neste quadro, invoca o Exm.º PGA a existência de contradição na fundamentação da sentença, nomeadamente, entre a matéria de facto provada, a motivação da decisão de facto e a fundamentação de direito, vício previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP, defendendo ser tal contradição suprível por este Tribunal da Relação, operando uma correta subsunção jurídica dos factos provados, reportando-os ao crime previsto no n.º 2 do artigo 231º do CP, embora considerando que a matéria de facto traduz condutas cometidas por cada um dos três arguidos, a título de dolo eventual, que não como entendeu o Tribunal a quo, a título de negligência.

Vejamos:
O crime de recetação encontra-se previsto no artigo 231º do Código Penal, que - na redação anterior à introduzida pela Lei n.º 8/2017, de 3 de março e que aqui aplicável -, dispõe:

«1. Quem, com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem, mediante um facto ilícito típico contra o património, a receber em penhor, a adquirir por qualquer título, a detiver, conservar, transmitir ou contribuir para a transmitir ou de qualquer forma assegurar, para si ou para outra pessoa, a sua posse, é punido com prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.

2. Quem, sem previamente se ter assegurado da sua legítima proveniência, adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou pela condição de quem lhe oferece ou pelo montante do preço proposto, faz razoavelmente suspeitar que ela provém de facto ilícito típico contra o património, é punido com prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
(…).»

Como é sabido e resulta manifestamente evidenciado no caso concreto, a doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores têm divergido sobre a questão de saber se a modalidade do crime de recetação prevista no n.º 2 do artigo 231º do CP, exige para o preenchimento do tipo subjetivo o dolo eventual[2] ou se se basta com a negligência[3].

O Tribunal a quo, tomando posição sobre tal querela acolheu o entendimento de que se trata de um crime negligente.

Divergindo desse entendimento, os recorrentes e o Exm.º PGA defendem que o crime de recetação, p. e p. no n.º 2 do artigo 231º do CP, é um crime doloso que exige para o preenchimento do tipo subjetivo, o dolo eventual.

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, acolhemos a posição de que estamos perante um crime que exige o dolo eventual, para que se mostre preenchido o tipo subjetivo.

E o principal argumento para que assim se entenda é o que é apontado por Pedro Caeiro[4], no sentido de que sendo excecional a punição do crime praticado com negligência, conforme resulta do disposto no artigo 13º do Código Penal[5], que faz depender a punição do crime negligente de disposição especial nesse sentido, disposição que não existe relativamente ao crime de que se trata. Nesta situação, a admitir-se, a punição do crime de recetação, por negligência, inexistindo disposição legal que assim o preveja, estar-se-ia a violar o princípio da tipicidade, consagrado no artigo 29º, n.º 1, da Constituição da Republica Portuguesa.

Outro argumento relevante e que também é aduzido por Pedro Caeiro é o de que «a imposição de um dever de informação acerca da proveniência legítima da coisa não se coaduna com a configuração negligente do tipo, ao menos nos casos em que o agente atua com negligência inconsciente. Tal imposição só faz sentido se o agente efetivamente suspeitar da proveniência da coisa, pois só aí se compreende que sobre ele impenda um especial dever de informação acerca dela, dever que não existe para o comum das transações patrimoniais.»

Se o agente nem sequer suspeita (não representa como possível a realização do facto) da proveniência ilícita da coisa, não se lhe pode impor tal dever de informação. A não se entender assim, afigura-se-nos que se estaria no domínio da responsabilidade objetiva, pelo incumprimento do dever de informação, por parte do agente, que não deve ser admitida, no direito penal.

Relativamente ao argumento aduzido em defesa da posição contrária, no sentido de que por contraposição com a previsão do crime de recetação dolosa do n.º 1 do artigo 231º, a utilidade da punição autónoma do n.º 2 só tem sentido se nela se integrarem as condutas negligentes, diremos, em apoio da tese que acolhemos, que não são coincidentes os elementos exigidos para o preenchimento do tipo subjetivo do crime de recetação, na modalidade prevista no n.º 1 e na modalidade prevista no n.º 2 do artigo 231º.

Na verdade, enquanto que, no n.º 1 se exige que o agente tenha conhecimento de que a coisa provém de facto ilícito contra o património[6] (dolo direto ou necessário) e que atue com a intenção de obter uma vantagem patrimonial para si ou para terceiros (dolo específico); no n.º 2 basta que o agente admita a possibilidade de que a coisa provém de facto ilícito típico contra o património, conformando-se com essa possibilidade, não se assegurando da sua proveniência legítima (dolo eventual)[7].

Assim, para que se preencha o tipo subjetivo do crime de recetação previsto no n.º 2 do artigo 231º do CP, é necessário que o agente, quer pela qualidade da coisa, quer pela condição de quem lha oferece, quer pelo montante do preço proposto ou, pela conjugação de todos estes elementos (e só destes, tratando-se de elementos típicos do crime, taxativos, portanto), os quais têm de ser representados pelo agente, ao menos a título de dolo eventual, que o agente admita a possibilidade de a coisa provir de facto ilícito típico contra o património e conformando-se com essa possibilidade, a adquira ou receba, a qualquer título a coisa, não se assegurando da sua legitima proveniência.

O cumprimento do dever de informação acerca da legítima proveniência da coisa tem de guiar-se por critérios de razoabilidade.

Assim, perante “a oferta”, por outrem ao agente, de uma coisa que, pelos motivos referidos na previsão legal do n.º 2 do artigo 231º do CP (quais sejam, a qualidade da coisa, a condição de quem lha oferece ou o montante do preço proposto), seja de molde a levantar uma suspeita razoavelmente fundada de que a coisa possa provir de facto ilícito típico contra o património, deve o agente promover as diligências exigíveis ao homem médio, naquela concreta situação, para se assegurar da legitima proveniência da coisa.

Feitas estas considerações e baixando ao caso dos autos:

Invoca o Exm.º PGA que a sentença recorrida enferma do vício da contradição na fundamentação, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. c), do CPP.

Para fundamentar a existência do apontado vício, aduz que considerando os factos dados como provados nos nºs. 4, 5, 13, 22, 25, 26, 29 e 31 e atento o que foi consignado na motivação da decisão de facto, nos segmentos que indica, resulta claro que os factos que o Tribunal deu efetivamente como provados, no que ao crime de recetação diz respeito, revelam que qualquer dos três arguidos agiu com dolo eventual – posto que ao não se assegurarem da proveniência da máquina, representaram a possibilidade de a sua origem não ser lícita, aceitando essa possibilidade com o fim de obter uma vantagem a que, nesse caso, por si representado e com o qual se conformaram, não tinham direito – e não, como contraditoriamente se considerou na sentença, “com manifesta negligência”, pelo que, a sentença incorreu numa contradição da própria fundamentação, nomeadamente, entre a matéria de facto provada, a motivação da decisão de facto e a fundamentação de direito.

Importa referir que por estando em causa um vício que também é de conhecimento oficioso, ainda que o Ministério Público não haja interposto recurso da sentença e só invocasse tal vício no parecer emitido, pode este Tribunal Relação dele conhecer.

Apreciemos, então:

Há contradição insanável da fundamentação da sentença quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente (cf. Cons. Simas Santos, in Recursos em Processo Penal, 5ª edição, Rei dos Livros, págs. 63 e 64 e Ac. do STJ de 24/02/2016, proferido no proc. 502/08.0GEALR.E1.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt).

Temos, assim, que a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na decisão proferida; pode reportar-se quer à fundamentação da matéria de facto, quer à contradição na matéria de facto com o consequente reflexo no fundamento da decisão de direito, quer aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz.

Conforme se escreve no Acórdão da RC de 03/02/2016, proferido no proc. 213/07.4TAPBL.C1, disponível em www.dgsi.pt:

«A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso].»

Lida a sentença recorrida, temos que, nos segmentos que relevam para a apreciação da questão que nos ocupa:

Foram dados como provados os seguintes factos:

«4. Em data também não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, o arguido CC adquiriu a posse da referida máquina mini retroescavadora, sem se assegurar da proveniência da mesma.

5. Por forma a criar uma aparência de aquisição legítima da referida máquina, o arguido CC, ficou na posse de um texto escrito a computador, com o titulo "contrato de reconhecimento de divida e dação em pagamento" em que consta como primeiro outorgante Christiano D. e como segundo outorgante o arguido.
(…)
11. Entretanto, os arguidos CC e JJ, com o propósito de obterem dinheiro para CC com a máquina mini retroescavadora acima identificada, decidiram em conjugação de esforços e intentos proceder à venda da mesma.

12. Assim, em data não concretamente apurada mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, contactaram com o arguido AA, gerente da sociedade A. P. & Filhos, Lda, sita em Alvaiázere, que se dedica à compra e venda de máquinas industriais e agrícolas, novas e usadas e propuseram-lhe a compra da máquina mini Retroescavadora da marca JCB, modelo ICX, com o número de série 807700, acompanhada de cópia dos "contrato" e "Factura" acima identificados.

13. O arguido AA foi ver a máquina em casa de JJ, onde se encontrava, constatou que a mesma não tinha placa de identificação e sem se assegurar da proveniência da mesma, ainda assim aceitou comprar a mesma pelo valor de 6500,00Euros que entregou a JJ, que por sua vez entregou a CC.
(…)
22. O arguido CC ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, a um indivíduo que realizava obras na sua rua, sem se assegurar de que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.
(…)
25. O arguido JJ ao agir da forma descrita, quis e representou ter na sua residência a retroescavadora JCB com o número de série 807700 e mediar a sua compra e venda, sem se assegurar da sua proveniência, com o propósito conseguido de obter para CC vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

26. O arguido AA ao agir como agiu, quis e representou adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700, sem se assegurar de que a mesma lhe pertencia ou qual a sua proveniência, com o propósito conseguido de a utilizar ou de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.
(…).»
E foram dados como não provados os seguintes factos:

«Que:
a) No circunstancialismo referido em 4., o arguido sabia que a máquina havia sido furtada;
(…)
d) No circunstancialismo referido em 13., a máquina encontrava-se guardada e o arguido se apercebeu que a máquina era furtada.

e) O arguido CC ao agir da forma descrita quis e representou receber a retroescavadora JCB com o número de série 807700, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de mais tarde a vender e assim obter uma vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

f) O arguido JJ ao agir da forma descrita, quis e representou guardar na sua residência a retroescavadora JCB com o número de série 807700 e mediar a sua compra e venda, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de obter para CC vantagem patrimonial à qual não tinha direito.

g) O arguido AA ao agir como agiu, quis e representou adquirir a retroescavadora JCB com o número de série 807700, bem sabendo que a mesma era furtada, com o propósito conseguido de mais tarde a vender por valor superior, obtendo assim uma vantagem patrimonial que bem sabia não ter direito.»

Na motivação da decisão de facto, procedendo ao exame crítico da prova produzida, na parte que aqui importa considerar, dando como provados os supra enunciados factos, consignou o Tribunal a quo, o seguinte:

«(…) no que respeita ao arguido CC, da conjugação da prova produzida em julgamento, e dos documentos juntos aos autos, resulta que o arguido CC foi abordado por um indivíduo de nacionalidade brasileira que lhe ofereceu a retroescavadora por conta de valores que se encontravam em dívida na oficina que aquele explora, valores esses decorrentes da reparação de uma viatura. Efectuada a abordagem o arguido CC aceitou a entrega da máquina, mas por esta ter um valor superior à dívida da oficina, acabou por entregar a quantia de € 5.000,00 em dinheiro ao mencionado individuo que não mais viu. Ora aqui chegados, importa considerar, à luz das regras de lógica e da experiência comuns, a conduta do arguido, assim, se aceitamos que possa existir uma dívida de uma determinada entidade à oficina do arguido, como acontece em tantas outras, decorrente de uma revisão a um veículo e respectiva mudança de pneus e de uma verificação de outro carro para possível reparação que não se veio a verificar, não colhe a simplicidade com que aborda o negócio que lhe foi proposto.

Na verdade, não colhe que alguém que o arguido apenas conhece por estar a realizar obras na sua rua, e por conta de uma dívida de €2.500,00, venha propor a entrega de uma máquina retroescavadora com um valor superior, e, para além do mais, exigir o pagamento em dinheiro, pois que se se tratava de uma empresa que efectuava obras públicas, não se compreende como aceitava pagamentos em dinheiro, sendo que a máquina certamente constituiria um activo da mencionada empresa.

Acresce que, tratando-se de um "conhecimento de rua", pois que o arguido não conhecia as pessoas em causa, nem com elas tinha qualquer relacionamento, certamente que um "negócio" como aquele que foi realizado, teria contornos ilícitos, e nesta medida, o arguido ao aceitar o negócio sem que previamente se tivesse assegurado, como podia e devia ter feito, da sua proveniência, actuou com manifesta negligência.

Por sua vez, não colhe a explicação do arguido que acedeu a ficar com a máquina por causa da exigência do Governo nas limpezas das matas e terrenos, porquanto tal imposição apenas foi feita, com acuidade e divulgação, no ano transacto, após os incêndios de Junho e de Outubro de 2017, não valendo tal situação como justificação da sua conduta no ano de 2013.

No que respeita aos documentos constantes dos autos identificados como "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento" e à factura junta respeitante à empresa "A., Madeiras e Derivados, Lda.", importa tecer as seguintes considerações, o primeiro documento, que faz fls. 151 a 153 dos autos, mostra-se datado de 10/07/2012, e surge na qualidade de primeiro outorgante Christian D., e bem assim, que o mesmo Cristiano D. se assume como legítimo proprietário da máquina retroescavadora em causa nos autos, o que, considerando a factura junta aos autos a fls. 150 da "A., Madeiras e Derivados, Lda.", com a mesma data, seria sempre questionável o porquê de o documento ter um nome e a factura ter outro.

No que respeita à autoria dos mencionados documentos, o arguido refere ter sido um advogado a redigir o "contrato de reconhecimento de dívida e dação em pagamento", que não identifica, nem elucida o Tribunal quem solicitou ao Advogado a elaboração do documento, no entanto, sempre se dirá que o documento foi elaborado com o sentido de fazer crer que o valor da dívida e da máquina eram o mesmo, ou seja, € 7.500,00, e daí a dação em pagamento, no entanto, o arguido sabendo que o valor em dívida à oficina era de € 2.500,00, e que entregou ao mencionado indivíduo a quantia de € 5.000,00, necessariamente a explicação dada pelo arguido não colhe, porquanto, não se compreende a diferença de valores, o que apenas poderá ser explicado com uma tentativa de iludir os incautos, quando o arguido pretendesse proceder à venda da máquina retroescavadora.

Ora, tudo considerado permite ao Tribunal concluir, que o documento foi forjado, mas nada mais se tendo apurado, e sabendo o arguido que o teor do mesmo não correspondia à verdade, necessariamente se concluiu que o arguido fez uso de um documento falso, por forma a permitir fazer crer que o negócio se verificou do modo como se mostra apresentado documentalmente, o que sabia não corresponder à verdade.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo em consideração que quando estes factos foram praticados o arguido já tinha instaurado um processo por factos similares, donde não poderia desconhecer a ilicitude da sua conduta.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

Relativamente ao arguido JJ, da prova produzida em audiência resultou que a máquina lhe foi facultada pelo arguido CC, atenta a relação de parentesco entre a ex-mulher deste último e o arguido JJ, para que o arguido procedesse à realização de alguns trabalhos na sua propriedade. Resultou igualmente que o arguido pensou adquirir a máquina retroescavadora, mas que não o fez, por esta necessitar de reparação, e por a sua mulher o alertar para a incapacidade financeira para o fazerem, tendo ainda mediado a venda da máquina retroescavadora ao arguido AA. No entanto, não resultou da prova produzida que o arguido CC tenha indicado qual o valor pretendido para venda da máquina, ao invés, provou-se que foi o arguido JJ quem negociou o valor com o arguido AA, e para ser assim, resulta mais uma vez, das regras da lógica e da experiência comum, que o arguido CC concedeu ao arguido JJ margem de actuação, na medida em que, caso este último não adquirisse a máquina, que a poderia negociar com terceiros.

Acresce ainda que, muito embora o arguido trabalhe com máquinas pesadas, não pode tal situação, por si só, ser elemento bastante para aferir da sua conduta, mas certamente que contribui para um melhor conhecimento de máquinas daquela natureza. E é nesta medida que, tendo o arguido um conhecimento mais específico daquele tipo de máquina, e não tendo uma relação de proximidade com o arguido CC, conforme foi referido pela testemunha MA, aliado ainda à distância entre as respectivas áreas de residência, e, não olvidando, porém, a eventual necessidade que o arguido JJ poderia ter de utilizar uma máquina com aquelas características para proceder à abertura de uma vala no seu terreno, certamente que se mostra questionável, e que o deveria ter sido por parte do arguido JJ, ter o arguido CC colocado a máquina na sua propriedade e permitido que este negociasse o preço da máquina, sem que aquele soubesse da forma como a máquina chegou às suas mãos.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo o arguido colaborado com o arguido CC, na venda da máquina retroescavadora, não podendo olvidar que a sua actuação configuraria a prática de um ilícito, considerando os termos acima expostos e que nos abstemos de tornar a reproduzir, salvo na parte em que se refere que a máquina esteve escondida, na medida em que a máquina foi utilizada pelo arguido à vista de quem ali passasse.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

Por fim, relativamente ao arguido AA, a versão por si apresentada em sede de audiência não colhe, para além do mais, porque se trata da sua profissão, independente se com muito ou pouco sucesso. Assim, importa considerar a sua alegação de que a máquina foi adquirida por GG, em virtude de o arguido não ter capacidade financeira para o fazer, mas di-lo ao mesmo tempo que refere que a referida GG fazia limpezas no stand do arguido e em casa deste. Ora, por muito poupada que a referida senhora fosse, certamente que não era em horas de limpeza que fizesse que obteria uma quantia bastante para adquirir uma máquina retroescavadora, pois que o arguido sendo a sua área de actividade não o conseguia fazer.

Acresce igualmente que, se a intenção de aquisição fosse da senhora GG, seria ela a negociar o preço de aquisição, e não o arguido AA como veio a acontecer. Por outro lado, também o preço de venda da máquina foi negociado pelo arguido AA, o que se mostra de molde suficiente para deitar por terra a sua versão dos factos.

Nesta medida, importa ainda salientar que, não sabendo o arguido trabalhar com parte traseira da máquina retroescavadora, e se esta teria como destino a limpeza de estrume, então para quê adquirir aquele tipo de máquina, certamente que a tê-lo feito como fez, tal se deveria ao preço da mesma, o qual seria inferior aos praticados no mercado, mercado do qual o arguido tinha necessariamente de ter conhecimento por ser a sua actividade. E apenas assim se pode concluir, porque a testemunha AS referiu que o arguido AA o acompanhou muitas vezes na compra e venda de máquinas usadas da mesma marca, por ter sido esta testemunha, vendedor da MOTIVO.

Ora, apresentando uma máquina de um tamanho superior àquele de que necessitamos, apenas se justifica a sua compra, se o seu valor foi inferior ao de mercado, e sendo inferior, e o seu pagamento efectuado em numerário, a sua proveniência será ilícita, ditam-nos as regras da lógica e da experiência comuns.

Quanto aos elementos subjectivos, os mesmos extraíram-se dos respectivos factos objectivos, analisados à luz das regras da lógica e da experiência comum, tendo em consideração que o arguido exercendo a sua actividade no ramo da compra e venda de máquinas, aliado ao facto de o preço por si pago ter sido em dinheiro, resulta que não poderia desconhecer a ilicitude da sua conduta.

Não tendo sido produzida em audiência nenhuma prova que permitisse concluir que o arguido tinha efectivo conhecimento da proveniência ilícita dos objectos, teve o Tribunal que considerar esse facto não provado, alterando a factualidade sob apreciação em conformidade.

No tocante à venda da máquina ao ofendido MM, importa referir que o arguido AA optou por lhe vender a máquina por se ter apercebido da necessidade que aquele tinha de uma máquina com as características das dos autos, e fê-lo por um preço superior ao de aquisição com o intuito de obter lucro - vantagem patrimonial -, o que igualmente se compreende pelo facto de o pagamento ter sido realizado apenas e tão só em dinheiro, exigência feita pelo arguido AA, pois que o ofendido disse que, por não ter dinheiro disponível numa só conta o obrigou a deslocar-se a duas instituições bancárias em que tinha conta, e efectuar o pagamento na segunda-feira seguinte à entrega da máquina. E neste campo importa enfatizar que, não fora a máquina obtida através de meios ilícitos, não se compreende como o arguido deixa uma retroescavadora em Viseu e dali regressa a sua casa sem o respectivo pagamento, não colhendo a este respeito o sentido de selar negócios com apertos de mão, pois se o arguido teve tantos cuidados na sua compra, que não o tenha tido na sua venda, sendo ele próprio comerciante de máquinas industriais.

Relativamente aos documentos emitidos, o ofendido foi peremptório em afirmar que os mesmos foram redigidos no stand, e foram-no pelo arguido AA, e nesta parte não podemos olvidar que o arguido AA, quando da aquisição, exigiu uma declaração de venda da mesma, razão pela qual foi emitida a declaração de fls. 154, a qual se mostrava feita em computador e assinada pelo arguido CC, não contendo, todavia, o número de série da máquina, nem o preço de aquisição, mas tão só a identidade do vendedor e um segmento em que seria aposto o nome do comprador, bem como a marca e modelo da máquina, por seu turno, por entender ser essa declaração insuficiente, solicitou ao arguido JJ (que representava o arguido CC) que acrescentasse, pelo seu punho, quer o número de série da máquina, quer o preço, o que foi feito, como resulta do documento de fls. 154.

Por sua vez, e no que ao documento entregue ao ofendido respeita, necessariamente se conclui que o arguido AA sabia que o mesmo não correspondia à verdade, porquanto a máquina retroescavadora não foi adquirida pela senhora GG, mas por si, uma vez que, foi o arguido quem negociou, quer a compra, quer a venda da máquina.

No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade do arguido aquando da prática dos factos, e que estes constituíam crime.
(…).
No que respeita aos elementos psicológicos e volitivos dados como provados, resultaram da análise da prova produzida, posto que de acordo com as regras da experiência e normalidade, outro não poderia ser o conhecimento e vontade dos arguidos aquando da prática dos factos.
(…)
No que respeita aos factos dados como não provados, resultou de a prova produzida ter imposto resposta negativa.»

Por último, em sede de enquadramento jurídico-penal dos factos, no que ao crime de recetação respeita e após tomar posição na querela que divide a doutrina e a jurisprudência sobre se a modalidade do crime prevista no n.º 2 do artigo 231º do CP, exige para o preenchimento do tipo subjetivo o dolo eventual ou se se basta com a negligência, sufragando o Tribunal a quo este último entendimento, concluiu pela subsunção da atuação dos arguidos, ora recorrentes, a tal tipo legal de crime, o que fundamentou da seguinte forma:

«Resulta dos autos que o arguido CC e o arguido AA adquiriram a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade apurada, a qual havia sido previamente subtraída ao seu legítimo proprietário, tendo o pagamento sido efectuado em numerário, sem que estes se assegurassem que aquele objecto pertencia aos indivíduos que os venderam, nem os questionou acerca da sua proveniência. No tocante ao arguido JJ, o mesmo aceitou receber em sua casa, a máquina retroescavadora referida em 1. da factualidade apurada, a qual lhe foi entregue pelo arguido CC, sem que este se assegurasse que aquele objecto pertencia ao arguido CC que lha entregou, considerando para além do mais que o laço de parentesco não tinha um grau intenso de familiaridade, nem o questionou acerca da sua proveniência, acabando ainda assim por intermediar na venda da mencionada máquina.

Por outro lado, a forma de aquisição da máquina, apenas e só em numerário, por um valor tão elevado, era um indício que deveriam ter levado os arguidos a suspeitar de que os mesmos teriam sido obtidos através de actividade delituosa.

Assim, ao agirem do modo descrito sem que previamente se tivessem assegurado, como podiam e deviam ter feito, da sua proveniência, actuaram com manifesta negligência.

Destarte, não subsistem dúvidas que os arguidos, com a sua conduta, preencheram os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime receptação, previsto e punido pelo n.º 2 do artigo 231.° do Código Penal.»

Confrontando os factos dados como provados e como não provados, respetivamente, a motivação da decisão de facto e a decisão de direito, salvo o devido respeito pelo entendimento do Exm.º PGA, não vislumbramos que exista contradição na fundamentação da sentença e entendemos que a matéria factual dada como provada não permite concluir, ao invés do que defende o Exm.º PGA, que os arguidos, ora recorrentes, ao receberem a máquina retroescavadora, nas circunstâncias em o fizerem, os arguidos CC e AA, adquirindo-a e o arguido JJ detendo a mesma na sua residência e mediando a sua compra e venda, nas circunstâncias que foram dadas como provadas, agiram com dolo eventual, em termos de preencher os elementos do tipo subjetivo do crime de recetação, na modalidade prevista no n.º 2 do artigo 231º e que supra se deixaram descritos.

Com efeito, o Tribunal a quo, dando como provado que cada um dos arguidos atuou da forma descrita sem se assegurar da proveniência da máquina retroescavadora e que o fez com o propósito conseguido de obter vantagem patrimonial – que no caso do arguido JJ se destinava ao arguido CC – à qual não tinha direito, explanou em sede de motivação da matéria de facto as razões por que os arguidos deviam ter suspeitado da proveniência ilícita daquela máquina e em sede de fundamentação de direito consignou que «(…) a forma de aquisição da máquina, apenas e só em numerário, por um valor tão elevado, era um indício que deveriam ter levado os arguidos a suspeitar de que os mesmos teriam sido obtidos através de actividade delituosa», para logo concluir que: «Assim, ao agirem do modo descrito sem que previamente se tivessem assegurado, como podiam e deviam ter feito, da sua proveniência, actuaram com manifesta negligência.»

Tendo sido dado como provado que os arguidos não se asseguraram da legitima proveniência da máquina retroescavadora em causa, em nenhum segmento da sentença, se afirma que os arguidos hajam representado ou admitido a possibilidade de tal máquina provir de facto ilícito típico contra o património – não bastando que provenha de um qualquer tipo de facto ilícito, sendo necessário que o seja daquela natureza – e que se conformasse com essa possibilidade, ao adquiri-la ou recebê-la, nos termos em que o fizeram.

Assim, considerando os factos dados como provados e como não provados, respetivamente, a fundamentação consignada e a decisão, entendemos que não se verifica o invocado vício da contradição insanável da fundamentação da sentença e especificamente, no segmento apontado pelo Exm.º PGA.

Questão diversa é que se prende com a de saber se as circunstâncias em que cada um dos arguidos atuou e que foram atendidas pelo Tribunal a quo, em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum, deveriam levar a que fosse extraída a ilação de que os arguidos admitiram a possibilidade de a máquina retroescavadora provir de facto ilícito típico contra o património e que se conformaram com essa possibilidade.

O Tribunal a quo deu como não provados os factos alegados na acusação que integravam o dolo direto. E tendo dado como provado que os arguidos não se asseguraram da legitima proveniência da máquina retroescavadora – no caso dos arguidos CC e AA, ao adquiri-la e no caso do arguido JJ, ao recebê-la e tê-la na sua residência – concluiu que os arguidos atuaram com negligência.

Acontece que estando os arguidos acusados por factos que integravam o dolo direto para que pudesse concluir que agiram com negligência, o Tribunal a quo teria de afastar os factos integradores do dolo necessário e do dolo eventual.

Para tanto, impunha-se ao Tribunal a quo que procedesse à respetiva indagação fáctica, o que passaria por apurar se os arguidos representaram ou não a possibilidade de a máquina retroescavadora de que se trata provir de facto ilícito típico contra o património – designadamente, de crime de furto – e, na afirmativa, se se conformaram ou não com essa possibilidade.

O texto da sentença sob recurso, quer na parte respeitante à decisão sobre a matéria de facto, quer na fundamentação de direito, mostra que não foi feita essa indagação, como decorre, desde logo, da circunstância de não se pronunciar sobre essa concreta questão.

Com efeito, resultando das considerações de direito expendidas na sentença recorrida, que o tipo de crime previsto no n.º 1 do artigo 231º do C.P., no que diz respeito ao preenchimento do tipo subjetivo, exige o dolo genérico, que de acordo com a posição defendida pelo Tribunal a quo, abrange qualquer das suas modalidades (ou seja, direto, necessário ou eventual) e, ainda, um dolo específico (evidenciando a decisão recorrida alguma ambiguidade na concretização do que entende integrar o dolo especifico, já que, se por um lado afirma que esse dolo é exigido “relativamente à proveniência da coisa”, por outro lado, cita em abono da posição que defende Maia Gonçalves que reportando-se ao dolo especifico necessário ao preenchimento do tipo subjetivo do crime em apreço, refere ser «consistente na intenção de o agente obter, para si ou para outra pessoa, vantagem patrimonial»), limitou-se a afastar o dolo direto, escrevendo: «In casu, não se provou que os arguidos soubessem da proveniência ilícita, pressuposto da actuação dolosa, pelo que a sua conduta não é susceptível de preencher o tipo de crime previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 231°, do Código Penal, mas apenas a conduta prevista no n.º 2 deste preceito legal.», omitindo qualquer referência aos elementos que caraterizam o dolo necessário e o dolo eventual, reportados ao crime de recetação, quer em sede de decisão de facto, quer em sede de decisão de direito.

Esses factos, que não foram indagados pelo Tribunal a quo, como lhe competia, ao abrigo do artigo 340º do CPP, são imprescindíveis para a decisão da causa, designadamente, para a prolação de decisão condenatória ou absolutória dos arguidos, no que ao crime de recetação diz respeito, tendo em conta a posição que defendemos, no sentido de que o crime de recetação, em qualquer das suas modalidades típicas, é um crime doloso, exigindo-se para o preenchimento do crime previsto no n.º 2 do artigo 231º do CP, o dolo eventual, nos termos sobreditos, não bastando a mera negligência.

Concluímos, assim, existir uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, vício previsto no artigo 410º, n.º 2, al. a), do CPP[8], por resultar do próprio texto da sentença recorrida a apontada insuficiência de investigação de matéria de facto para a decisão da matéria penal, na parte indicada.

Sendo o assinalado vício de conhecimento oficioso e não dispondo este Tribunal da Relação de elementos que permitam supri-lo, impõe-se ordenar o reenvio do processo, para novo julgamento[9], limitado ao apuramento da factualidade supra indicada (se os arguidos representaram ou não a possibilidade de a máquina retroescavadora de que se trata provir de facto ilícito típico contra o património e, na afirmativa, se se conformaram ou não com essa possibilidade), nos termos do disposto nos artigos 426º, n.º 1 e 426-A, ambos do CPP, e subsequente decisão de direito em conformidade.

Em face do ora decidido, fica prejudicada a apreciação das questões suscitadas nos recursos interpostos pelos arguidos.

3 – DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em ordenar o reenvio do processo para novo julgamento, restrito às questões de facto acima indicadas (cf. artigos 410º, n.º 2, al. a), 426º, n.º 1 e 426-A, todos do CPP) e decisão de direito, em conformidade.

Sem custas.

Notifique.

Évora, 21 de janeiro de 2020

MARIA DE FÁTIMA BERNARDES

FERNANDO MONTEIRO PINA

__________________________________________________
[1] Sendo os seguintes os factos comunicados:
Em data não concretamente apurada, mas que ocorreu entre 21.01.2013 e 13.02.2016, o arguido CC adquiriu a posse da referida máquina mini retroescavadora, sem se assegurar da proveniência da mesma.

O arguido AA foi ver a máquina em casa de JJ, onde se encontrava, constatou que a mesma não tinha placa de identificação, sem se assegurar da proveniência da mesma.

O arguido JJ teve a máquina na sua casa, emprestada pelo arguido CC, sem se assegurar da sua proveniência.

[2] Neste sentido, cfr., entre outros, na doutrina, Rodrigo Santiago, “O «Branqueamento» de Capitais e outros produtos do crime”, in RPCC, 4, 1994, pág. 533; Pedro Caeiro, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, págs. 496 a 499; e na jurisprudência vide, entre outros, Ac. da RE de 12/09/2017, proc. 252/15.1PBSTR.E1; Ac. da RP de 03/04/2013, proc. 310/12.4TDPRT.P1; Ac. da RL de 13/04/2010, proc. 1863/07.4PBPDL.L1-5; Ac. da RC de 27/04/2005, proc. nº 1142/05; Ac. da RG de 14/09/2009, proc. nº 869/02.4PBGMR, todos disponíveis em www.dgsi.pt e Ac. da RG de 23/06/2012, in CJ, Ano 2002, Tomo III, pág. 316.


[3] Neste sentido, cfr., entre outros, na doutrina, Simas Santos e Leal Henriques, in Código Penal Anotado, Vol. III, 4ª edição, Rei dos Livros, pág. 1089; Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado, 14ª edição, Almedina, pág. 740; Carlos Alegre, “Crimes Contra o Património, Notas ao Cód. Penal”, in Rev. do M.P., Cadernos 3, pág. 150; Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal …, 3ª edição, Universidade Católica Editora, anotações 15 e 16 ao artigo 231º, pág. 890; José António Barreiros, in "Os Crimes Contra O Património" Universidade Lusíada 1996, págs. 239 e 240. E na jurisprudência vide, Ac. do STJ de 09/10/1997, proc. 525/97, cujo sumário está disponível no Código Penal Anotado, Manuel Simas Santos e Leal Henriques, cit., pág. 1091.
[4] In ob. cit., pág. 496.

[5] Que estatui: «Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.»

[6] Embora não se exija que o agente conheça os exatos contornos do facto ilícito típico contra o património de que provém a coisa, designadamente, que conheça as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu a infração ou a identidade da vítima.

[7] - Cfr. Pedro Caeiro, in ob. cit., pág. 499.

[8] Este vício ocorre quando os factos provados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem – absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou de dispensa da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. – e isto, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda, porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência.

[9] Neste sentido decidiu o STJ, em Acórdão de 29/06/2006, proferido no proc. n.º 665/06-3, cujo sumário se encontra publicado no Boletim de sumários do STJ, 2006, pág. 156.