Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
125/14.5TBEVR.E1
Relator: MÁRIO SILVA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PERDA DE INTERESSE
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A lei encara a eventualidade de a mora ocasionar a perda do interesse do credor na prestação tardia, ou de o devedor moroso não cumprir dentro do prazo adicional e perentório que aquele lhe tenha fixado.
2. Nestes dois casos, a obrigação considera-se, para todos os efeitos, como não cumprida, a mora transforma-se em não cumprimento definitivo.
3. A parte que invoca perda objetiva de interesse na celebração do contrato prometido tem o ónus da alegação e prova da factualidade de suporte de tal perda objetiva de interesse, segundo um critério de razoabilidade.
4. O critério legal da apreciação objetiva significa que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. 125/14.5TBEVR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

I- RELATÓRIO:
(…) instaurou em 22.01.2014 ação declarativa com processo comum contra (…) – Empreendimentos Imobiliários e Construções, S.A., pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, condenando-se a ré a pagar ao autor o montante de € 67.514,00, correspondente ao dobro do que pagou a título de sinal, acrescido dos juros que se vencerem desde a data de citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou para tanto e em síntese que em 31 de julho de 2008 foi celebrado contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual, a ré prometeu vender ao autor que por sua vez prometeu comprar a fração autónoma, destinada a comércio, designada na respetiva planta, por B4, situada no piso O do Bloco B, integrada no conjunto de edifícios que a ré está a construir nos prédios sitos na Avenida (…) e Avenida (…), em Évora, inscritos na matriz predial urbana da freguesia do (…) sob os arts. (…), (…) e (…). Foi convencionado que o preço seria de € 179.800,00, tendo o autor entregue à ré a título de sinal, o montante de € 33.757,00. A escritura deveria ser agendada pela ré logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se previa a partir de janeiro de 2010. Só em 8 de maio de 2013, a ré comunicou ao autor a data, hora e local de outorga da escritura de compra e venda, o que fez por carta dirigida ao autor. Nessa data, o autor já havia perdido o interesse na concretização do negócio prometido, pelo que por carta registada com aviso de receção enviada a 22 de maio de 2013, o autor operou a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a ré. Tem o autor direito a reclamar o pagamento do montante correspondente ao dobro do que pagou a título de sinal, o que ascende a € 67.514,00.
A ré contestou por impugnação, sustentando em síntese que o autor nunca teve a possibilidade de adquirir a fração autónoma objeto do contrato promessa, consistindo a presente ação numa tentativa de ilibar-se do seu evidente incumprimento e por reconvenção, em que pediu que seja declarada a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 31 de julho de 2008, com perda a favor da ré de todas as quantias pagas pelo autor a título de antecipação de pagamento.
Mais, pediu a condenação do autor como litigante de má-fé, nos termos dos artigos 542º, nº 2, alíneas a), b) e d) e 543º, ambos do novo CPC, com a consequente condenação em multa e indemnização à ré, em quantia nunca inferior a € 5.000,00.
O autor respondeu, concluindo pela procedência do pedido que formulou e pela improcedência do pedido reconvencional e do pedido de condenação do autor como litigante de má-fé.
Foi proferido despacho saneador com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença que absolveu o autor do pedido reconvencional deduzido pela ré e condenou a ré a pagar ao autor a quantia global de € 67.514,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Inconformado com o decidido, veio a ré interpor recurso, terminando as suas alegações com seguintes conclusões:
1.ª A recorrente interpõe recurso da sentença que a condena no pagamento do valor de € 67.514,00, dobro do valor que recebeu a título de sinal, acrescido de juros à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento e que absolve o recorrido do pedido reconvencional.
2.ª No contrato de promessa de compra e venda celebrado entre recorrente e recorrido, em 31.07.2008, foi expressamente convencionado, de entre o mais, com a expressão das respetivas vontades:

4ª. A fração autónoma mencionada na cláusula anterior e objeto do contrato prometido é constituída por um comércio e uma instalação sanitária e será construída com materiais escolhidos pela promitente vendedora, que respeitará o projeto de construção respetivo, nos termos aprovados pela Câmara Municipal de Évora e destina-se a comércio.

6ª. A escritura do contrato prometida será celebrada no Cartório Notarial de Évora e será marcada pela promitente vendedora, que por qualquer meio idóneo informará o promitente-comprador do dia, hora e local da sua realização, logo que se encontre concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção do Alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se prevê a partir de Janeiro do ano de 2010.

9ª. Os contraentes expressamente reconhecem que as suas vontades em celebrar o presente contrato promessa de compra e venda são única e exclusivamente motivadas pelo conteúdo expresso nas cláusulas inseridas neste acordo, pela realidade física construída e observável e pelos projetos aprovados e suas alterações.

12ª. O incumprimento por qualquer das partes de alguma das obrigações decorrentes do presente contrato implica, consoante a parte violadora, perda do sinal ou a sua restituição em dobro. Nos termos legais ambos os outorgantes ficam com o direito de execução específica do presente contrato promessa, conforme artigo 830º, do Código Civil.
3.ª As cláusulas 4ª e 9ª do CPCV, são disposições de vontade consensuais e de conteúdo essencial.
4.ª A cl.ª 12.ª é de cariz sancionatório pelo incumprimento contratual.
5.ª O recorrido alega na P.I., como motivação da causa de pedir:
10. A celebração do contrato-promessa foi feita na expectativa de que a fração autónoma que constituía seu objeto seria adquirida no início do ano de 2010, conforme expressamente referido no seu título.
11. O A. pretendia aí instalar o estabelecimento em que exerceria a atividade de consultadoria financeira, mediação de seguros e atividades análogas, a que, com a sua esposa, então se dedicava, pois que a procura dos seus serviços se encontrava, à data da outorga do contrato-promessa, em forte expansão.
12. Em Maio de 2013, data em que a R. pretendeu celebrar a escritura que titularia o negócio prometido, era já muito menor o volume de trabalho naquelas áreas, pelo que não mantinha o A. já interesse na concretização do negócio.
E, como fundamento da perda de interesse na concretização do negócio prometido:
13. Por outro lado, atento o lapso de tempo decorrido desde a data previsível de realização do negócio, sem que a R. houvesse agendado a outorga da escritura, o A. convenceu-se de que a R. teria desistido do negócio.
14. Motivo pelo qual afetou a outros fins os fundos que antes destinara ao pagamento do preço da fração que a R. prometera vender-lhe.
15. Por outro lado, o preço acordado entre A. e R. correspondia aos preços vigentes à data da celebração do contrato-promessa, para frações com as características de localização, área e finalidade daquela que constituía seu objeto.
16. Os preços praticados em Évora, na comercialização de frações com o mesmo tipo de área, finalidade e localização sofreram, porém, uma forte quebra, sendo, em Maio de 2013, substancialmente inferiores àqueles praticados em Julho de 2008.
17. Por todos estes motivos, o A. havia, à data em que foi feita a comunicação referida no art.º 7º supra, já perdido interesse na concretização do negócio prometido.
Concluindo:
18. Pelo que, através de carta registada com aviso de receção enviada a 22 de Maio de 2013, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o A. operou a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a R. – docs. nº 9 e 10.
6.ª O recorrido alega na P.I., como motivação da causa de pedir:
10. A celebração do contrato-promessa foi feita na expectativa de que a fração autónoma que constituía seu objeto seria adquirida no início do ano de 2010, conforme expressamente referido no seu título.
11. O A. pretendia aí instalar o estabelecimento em que exerceria a atividade de consultadoria financeira, mediação de seguros e atividades análogas, a que, com a sua esposa, então se dedicava, pois que a procura dos seus serviços se encontrava, à data da outorga do contrato-promessa, em forte expansão.
12. Em Maio de 2013, data em que a R. pretendeu celebrar a escritura que titularia o negócio prometido, era já muito menor o volume de trabalho naquelas áreas, pelo que não mantinha o A. já interesse na concretização do negócio.
7.ª E, como fundamento da perda de interesse na concretização do negócio prometido:
13. Por outro lado, atento o lapso de tempo decorrido desde a data previsível de realização do negócio, sem que a R. houvesse agendado a outorga da escritura, o A. convenceu-se de que a R. teria desistido do negócio.
14. Motivo pelo qual afetou a outros fins os fundos que antes destinara ao pagamento do preço da fração que a R. prometera vender-lhe.
15. Por outro lado, o preço acordado entre A. e R. correspondia aos preços vigentes à data da celebração do contrato-promessa, para frações com as características de localização, área e finalidade daquela que constituía seu objeto.
16. Os preços praticados em Évora, na comercialização de frações com o mesmo tipo de área, finalidade e localização sofreram, porém, uma forte quebra, sendo, em Maio de 2013, substancialmente inferiores àqueles praticados em Julho de 2008.
17. Por todos estes motivos, o A. havia, à data em que foi feita a comunicação referida no art.º 7º supra, já perdido interesse na concretização do negócio prometido.
8.ª Concluindo:
18. Pelo que, através de carta registada com aviso de receção enviada a 22 de Maio de 2013, cujo teor se dá aqui por reproduzido, o A. operou a resolução do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a R. – docs. nº 9 e 10.
9.ª A exposição dos factos essenciais que constituem a causa de pedir, mormente a motivação imediata e os que fundamentam a perda de interesse na concretização do negócio prometido, não é fiel e está em contradição com o supra invocado conteúdo do contrato-promessa de compra e venda.
10.ª A alegação factual expedida no art.º 10º, da P.I., na tentativa de rebocar aí um pressuposto da celebração do contrato promessa de compra e venda, não tem a menor correspondência com a vontade expressa pelas partes, antes com elas está em contradição conforme o que decorre da Clª 9ª do contrato, como da mesma forma sucede com o demais alegado e supra transcrito, sendo manifestamente inverídico o que aí também se alega – conforme expressamente referido no seu título – para colher de surpresa.
11.ª As partes acordaram a promessa de compra e venda de uma fração constituída por um comércio e instalação sanitária, nos termos aprovados pela Câmara Municipal de Évora, destinada a comércio, não para instalar o estabelecimento de prestação de serviços mencionada no art.º 11º, da P.I., a que se dedicava a esposa do recorrido, testemunha interessada diretamente na causa que prestou depoimento no interesse próprio sem qualquer valoração crítica pelo tribunal, que não fosse a consideração da verdade absoluta!
12.ª Revelam do douto despacho saneador os factos assentes da PI, os mencionados nas als. a) e b), com referência à data do CPCV e o conteúdo da Clª 4ª, o mencionado na al. f), com referência à Clª 6ª, e o mencionado na al. e), quanto à entrega pelo recorrido do valor de € 33.757,00 (trinta e três mil e setecentos e cinquenta e sete euros), a título de sinal.
Como matéria assente no aludido despacho avultam assentes os factos constantes das fls. g), h), e i).
13.ª A recorrente impugna, por incorretamente julgada, a decisão relativa à matéria de facto dada como provada na sentença, em III – Facto Provados, nº 13, que deve ser julgada não provada.
14.ª Aos autos não veio nenhum elemento de prova que permita o juízo de que a celebração do acordo referido em 1 dos factos provados, foi feita na expetativa de que a fração autónoma que constitui o seu objeto seria adquirida no início do ano 2010.
15.ª Quanto a esta matéria foi acordado na Clª 6ª, que a escritura será marcada logo que se encontre concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade…, que se prevê a partir de Janeiro do ano 2010.
16.ª O sentido verbal do conteúdo da Clª não autoriza o tribunal a atribuir o mesmo significado ao substantivo prever – ato ao efeito de prever, que ao substantivo expectativa – esperança baseada em suposto direito, responsabilidade, fazer previsão e formar expectativa.
17.ª O contrato parte de uma situação de incerteza para estimar que se possa verificar a partir de Janeiro de 2010, mas não expressa antecipação relativamente à constituição da propriedade horizontal ou antecipação da obtenção do alvará de licença de habitabilidade/ocupação, portanto o conteúdo do contrato-promessa não autoriza a constituição de expetativa para a consumação do negócio, mas apenas uma previsão – estimativa em situação de incerteza.
18.ª A prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, pela mulher do autor (…) e sua empregada, (…), não contém uma única frase, um simples indício ou uma palavra que permita extrair a dedução de prova de que a celebração do acordo referido em 1 dos factos provados, foi feita na expectativa de que a fração autónoma que constituirá o seu objeto seria adquirida no início de 2010. A senhora nem sequer ao tribunal declarou que o marido lhe disse, porque o autor é o marido e é a motivação dele que importa aos autos.
19.ª O depoimento prestado pela testemunha mulher do autor, em audiência de julgamento realizada em 08/04/2019, em toda a sua extensão melhor comprova a incorreção de julgamento de tais factos.
Entendemos ser necessária a transcrição integral porque sendo esta a única testemunha de seu marido autor, ao longo do declarado em audiência de julgamento estão ausentes todos e quaisquer elementos dos quais se possa deduzir a constituição da falida expetativa.
20.ª Resulta assim, que o contrato promessa de compra e venda da fração dos autos e da gravação dos identificados depoimentos constantes do processo, impõem decisão sobre tais pontos de facto impugnados diversa da recorrida, devendo por isso tal matéria ser considerada não provada.
21.ª A recorrente impugna a decisão relativa à matéria de facto constante de III – Factos provados, 14, que julgada incorretamente os seguintes pontos: 14 – o autor pretendia aí instalar o estabelecimento em que exerceria a atividade de consultoria financeira, mediação de seguros e atividades análogas, a que, com a sua esposa então se dedicava.
22.ª A pretensão do recorrido não é objeto da contratualização celebrada com a recorrente, conforme se alcança do meio probatório que é o contrato-promessa de compra e venda, que impõe por isso decisão sobre tal facto diversa da impugnada, pelo que deve assim tal facto ser considerado não provado.
23.ª Recorrente impugna, também, a decisão relativa à matéria de facto constante de III – Factos provados, 15, que julga incorretamente os seguintes pontos: 15 – em Maio de 2013, atento o lapso de tempo decorrido desde a data previsível de realização do negócio, sem que a ré houvesse agendado a outorga da escritura, o autor convenceu-se de que a ré teria desistido do negócio.
24.ª Por ser consequente, mais impugna a matéria de facto julgada provada em III –Factos provados – 16 – em consequência afetou a outros fins os fundos que antes destinava ao pagamento da fração que a ré prometera arrendar-lhe.
25.ª Para suporte do juízo de facto apresenta a sentença um alinhamento de fundamentos precários e desnecessariamente humilhantes para a recorrente que, sendo em conclusão relevante quanto à fundamentação, |a| matéria provada sob os números 1 a 9 inclusive resulta … a convicção do tribunal para a matéria de facto provada sob os números 10 a 19, …, resulta dos documentos juntos pelo autor em audiência de julgamento.
26.ª Os documentos juntos estão nos autos, são escrituras de compra e venda de frações realizadas no ano 2014, que foram juntas a 11h:01m:35s para efeitos de acareação, sem que se perceba para quê?
Para prova do quê?
27.ª Os documentos foram mal admitidos, porque sem pertinência para os fundamentos da ação – cfr. art.º 423º, mas no entanto o tribunal impediu ao mandatário da recorrente o direito ao exercício do contraditório – cfr. art.º 3º, nº 3, CPC, sobre tais documentos que lhe haviam sido notificados nos termos do disposto no art.º 427º CPC.
28.ª Os documentos nos quais a fundamentação se louva não submetidos ao contraditório consubstanciam nulidade que influi no exame ou na decisão da causa, sendo porém certo que a nulidade não foi tempestivamente arguida, mas tal não valida os documentos para efeitos de fundamentação do juízo sobre a matéria de facto, a qual fica assim sem suporte que a valide.
29.ª A recorrente não agendou a data da escritura até Maio de 2013.
30.ª Pelos depoimentos da mulher do autor, que em substância é autora, bem como da testemunha (…), o tribunal conseguiu atingir em fundamentação do juízo probatório que sendo apenas contactados em 2013 para fazerem a escritura, numa altura em que o mercado estava em declínio e o interesse tinha diminuído e nada mais.
31.ª O depoimento prestado em audiência de julgamento pela testemunha arrolada pela recorrente, (…), por videoconferência, muito distante do tribunal onde decorria a audiência de julgamento, é espontâneo e confirma o anterior prestado por (…) sobre os sucessivos pedidos de adiamento, mais esclarece que o empreendimento tinha 140 e tal frações e que tinham vinte contratos promessa de compra e venda. A partir de Setembro de 2010 começaram a contatar os clientes para saber se pretendiam fazer a escritura em 2010 ou em 2012.
32.ª Depoimento consentâneo com prestado por (…), quanto à dimensão do empreendimento imobiliário.
33.ª O Tribunal ausente ao fluir da audiência de julgamento não apreende que das cento e quatro e tal frações, em Setembro de 2010 apenas tinham sido prometidas em compra e venda vinte.
34.ª Ausente da realidade socioeconómica não percecionou que a recorrida fez exatamente o que lhe recomendava a boa gestão, sensatez e a responsabilidade, que era não escorraçar aqueles prometidos compradores que entraram em dificuldade para cumprir, mas tentar que não desistissem do negócio. Faltavam vender cerca de 120 frações imobiliárias, em Évora! Que foram vendidas com a saída da crise em 2014, 2015, 2016, etc., onde o tribunal faz um juízo distante, precipitado, ausente do mundo socioeconómico da época, mas com o qual fundamenta o decidido, entendeu a recorrente ser a única estratégia possível, aguardar pela melhoria da situação para comercializar o seu produto, abdicar do cumprimento coercivo que lhe colocaria as mãos cheias de nada e arruinaria a imagem do negócio.
35.ª O Recorrido nem sequer alegou devidamente a constituição em mora e, muito menos, o incumprimento definitivo, para se poder convencer que a recorrida tinha desistido do negócio, sendo que o tribunal passou ao lado do direito sobre a matéria, isto é não indicou, interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes às relativas ao pressuposto da constituição do devedor em mora e a sua conversão em incumprimento definitivo – artigos 805º e 808º, C.C.
36.ª O Recorrido que investiu o seu dinheiro na compra da fração, que via o empreendimento imobiliário composto de 140 frações construído, o stand de vendas sempre aberto com arranjos exteriores, devidamente cuidado, sem nada ao abandono, convenceu-se da desistência do negócio! Face a esse suposto convencimento que procedimentos adotou? Nenhum. Será que não pensou que iria perder o seu dinheiro em consequência desse suposto abandono.
37.ª O tribunal adjetiva a conduta correta da recorrida na gestão dos seus negócios em termos humilhantes e deprimentes, mas não adjetiva a do autor na desproteção dos seus interesses patrimoniais como ruinosa, negligente e perdulária. Pois não, porque não o é, foi antes o estado de necessidade na sobrevivência da crise económica.
38.ª Quanto à prova de que o autor em consequência afetou a outros fins os fundos que antes destinara ao pagamento da fração. Nada. Quais fins? Quanto? Onde e quando? Sobre tal fato apenas veio aos autos em sede de audiência de julgamento o simples depoimento do ilustre mandatário do autor, aquando da inquirição de (…).
39.ª O documento que titula o contrato-promessa de compra e venda e os depoimentos gravados das indicadas testemunhas impõem decisão sobre os indicados pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida, devendo ser considerados não provados os factos constantes de III – Factos provados, 15 e 16.
40.ª A procedência da supra impugnação da decisão relativamente à matéria de facto, conjugada com os factos provados, tem uma consequência lógica que é a inversão do julgamento da decisão relativa à matéria de facto não provada constante dos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, e 8, que devem ser considerados provados.
41.ª Assim, a recorrente por cautela, mais impugna a decisão dos factos não provados constantes dos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, que considera incorretamente julgada, quanto aos seguintes pontos:
2 - Após a obtenção do alvará a Ré começou a contactar os promitentes-compradores para realizar as escrituras definitivas de compra e venda.
3 - O Autor tenha ido sempre solicitando aos representantes da Ré o adiamento da escritura definitiva, tendo sempre invocado não estarem ainda reunidas as condições, nomeadamente financeiras, para a realização da escritura.
4 - A partir de finais de 2012 e durante os primeiros meses de 2013, os representantes da Ré fizeram contactos telefónicos de forma contínua, quer para o Autor, quer para a sua esposa Senhora Dª. (…) que não foram atendidos.
5 - A esposa do Autor se tenha deslocado às instalações dos representantes da Ré, alegando dificuldades financeiras e verbalizando que prefeririam "trocar" a compra da fração por "uma loja mais pequena", caso a Ré tivesse alguma para vender.
6 - No final da reunião, a esposa do Autor pediu que se aguardasse mais algum tempo e tenha ficado acordado com esta, que ela e o Autor iriam pensar e tentar arranjar uma solução, após o que contactariam a Ré, ou aqueles seus representantes a respeito do destino a dar à fração autónoma objeto do contrato-promessa aqui em apreço.
7 - A Ré nunca desde a data de celebração do acordo referido no número um dos factos provados, foi interpelada pelo Autor para a realização da escritura, ou informada sobre a perda de interesse na conclusão do negócio após o início de 2010.
8 - Nem nunca antes da presente ação, recebeu a Ré qualquer comunicação por parte do Autor a considerar resolvido o contrato e a pedir-lhe a devolução do sinal em dobro.
42.ª A decisão diversa da impugnada que se pretende obter, de julgamento de tais factos como provados, é a consequência lógica do juízo final sobre a matéria provada, mais tem apoio do contrato-promessa de compra e venda, ao que mais acresce em suporte e no depoimento gravado em audiência de julgamento das testemunhas, que supra se transcreve, sendo que tal prova testemunhal relativa ao juízo de todos os factos é subsumível a dois grandes segmentos, aos quais o tribunal passou ao lado.
43.ª A imobiliária que comercializava o empreendimento tem todo o interesse em contatar os clientes para a celebração das escrituras, para receber as comissões a que tem direito;
44.ª A recorrente tem todo o interesse em quanto antes escriturar as frações prometidas em compra e venda, para receber o respetivo valor, sem o qual não pode desenvolver o seu objeto social.
45.ª O tribunal julga incorretamente a supra impugnada decisão sobre a matéria de facto, e comete, também, erro de julgamento, como se disse, ao não identificar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – artº 607º, nº 3, CPC, em matéria de cumprimento e não cumprimento das obrigações – mora do credor.
46.ª A obrigação constituída pelo contrato-promessa de compra e venda é em termos de prazo para cumprimento uma obrigação pura. No âmbito das relações contratuais prometidas de compra e venda de frações imobiliárias, em que se não estabeleceu prazo certo de cumprimento da obrigação translativa do direito de propriedade prometido, dependente do promitente vendedor diligenciar pela constituição da propriedade horizontal e a obtenção da licença de utilização, colhe o entendimento da jurisprudência quanto ao pressuposto da constituição do devedor em mora (artigo 805º, nºs 1 e 2, C.C.) e da sua conversão em incumprimento definitivo mediante a interpelação admonitória prevista no art.º 808º, nº 1, C.C.,
47.ª Direito que a sentença erradamente ignorou e por isso consubstancia um extenso erro de apreciação e aplicação do direito.
48.ª A mora tem de ser convertida em incumprimento definitivo pela interpelação admonitória a que se refere o art.º 808, n.º 1, C.C., que tem de conter tês elementos: a intimação para o cumprimento; a fixação de um termo perentório para o cumprimento; a adnominação e a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo.
49.ª No cumprimento da obrigação que motiva os autos não ocorreu mora pela Recorrente e, muito menos, foi convertida em incumprimento definitivo.
50.ª A sentença enferma também de erro de julgamento ao condenar na restituição do sinal em dobro, ao abrigo do disposto no art.º 442º, nºs 1e 2, C.C., porque a Recorrente jamais se constituiu em mora e foi interpelada para cumprir por ato de exigência com fixação de prazo, como exige o nº 1, art.º 442º, C.C.
51.ª O regime legal do sinal não é aplicável porque não ocorreu incumprimento definitivo da promessa, sendo que tais efeitos também não se aplicam em caso de atraso ou mora no cumprimento.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, assim se fazendo Justiça.

O Recorrido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente pugna pela alteração da sentença, no que à matéria de facto diz respeito.
2. Em concreto, contesta o doutamente decidido, relativamente ao que consta dos nºs 13, 14, 15 e 16 dos Factos Provados;
3. Para tanto, alega fazer transcrição integral dos depoimentos das testemunhas (…) e (…);
4. A suposta “transcrição integral” não o é, porém; isto é, ou não transcreve a integralidade dos depoimentos, ou os tempos de gravação indicados não correspondem à realidade (são, pelo menos, diversos daqueles indicados na gravação da audiência disponibilizada ao recorrido);
5. O depoimento da testemunha (…) – a que a recorrente parece atribuir peso decisivo – não tem qualquer utilidade para esclarecimento dos factos em causa nos autos, porquanto, como o próprio reconheceu, os pretensos contactos com o recorrido, para marcação da escritura, foram estabelecidos pela sua esposa;
6. O mandatário do recorrente não prestou depoimento na audiência, e repugna a maliciosa alegação da recorrente a esse propósito;
7. O caso analisado nos autos configura situação de perda de interesse do credor na realização da prestação, por facto imputável ao devedor, e, portanto, de incumprimento definitivo, nos termos do art.º 808º do Código Civil;
8. Sendo aplicável, como doutamente fez o Mmo Juiz a quo, o regime legal do sinal, nomeadamente o que se mostra consagrado no art.º 442º, nº 2, do Código Civil.
Com a completa improcedência do recurso se fará a costumada justiça.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- OBJETO DO RECURSO:
Nos termos do disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 663º, nº 2, do CPC, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objeto do recurso e se delimita o seu âmbito, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.
Questões a decidir:
i) Impugnação da decisão de facto;
ii) Incumprimento definitivo e respetivas consequências.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Na 1ª instância foi fixada a matéria de facto da seguinte forma:
A) Factos provados
1 - Em 31 de julho de 2008, entre autor e ré foi celebrado um acordo que denominaram de "contrato-promessa de compra e venda".
2 - Nos termos do acordo supra referido, a ré prometeu vender ao autor, que, por sua vez, prometeu comprar, a fração autónoma, destinada a comércio, designada, na respetiva planta por B4, situada no piso 0 do Bloco B, integrada no conjunto de edifícios que a ré estava a construir nos prédios sitos na Avenida (…) e Avenida (…), em Évora, inscritos na matriz predial urbana da freguesia do (…) sob os artºs. (…), (…) e (…).
3 - Foi convencionado que o preço seria no montante de € 179.800,00, tendo o autor pago, no ato da outorga do contrato-promessa, o montante de € 17.980,00, a título de sinal e início de pagamento, pagamento que foi feito por cheque.
4 - Nos termos da cláusula 5ª do contrato-promessa, o autor deveria realizar pagamentos a título de reforço de sinal, nos montantes de € 8.091,00 e de € 7.686,00, o que o autor cumpriu através da entrega de cheques, de cujos valores a ré prestou quitação.
5 - O autor entregou, pois, à ré a título de sinal, o montante global de € 33.757,00.
6 - Nos termos da cláusula 6ª do acordo referido, a escritura que titularia o contrato prometido deveria ser agendada pela ré, logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se previa, a partir de janeiro do ano de 2010.
7 - A ré remeteu ao autor carta registada com aviso de receção datada de 8 de maio de 2013 e recebida pelo próprio autor no dia 13 de maio de 2013, informando-o de que marcara o dia 28 de maio de 2013 para a realização da escritura definitiva de compra e venda e indicando a hora e o local da sua realização, mais lhe solicitando a documentação que da parte do autor era necessária para realização da escritura.
8 - A ré através da sociedade (…) – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., agendou a escritura no Cartório Notarial da Lic. Teresa Isabel Nóbrega, sito em Évora.
9 - Na data agendada para a escritura, estando reunida toda a documentação necessária para a escritura, apenas compareceu no local a ré, pelo que a mesma não se realizou.
10 - Só em 8-05-2013 a ré, através de carta, comunicou ao autor a data, hora e local de outorga da escritura de compra e venda.
11 - Em 6-5- 2011 a ré obteve o Alvará de Utilização nº …/2011 emitido pela Câmara Municipal de Évora.
12 - Fê-lo decorridos mais de dois anos após a efetiva emissão, pela Câmara Municipal de Évora, do alvará de licença de utilização da fração que constituía objeto do contrato-promessa.
13 - A celebração do acordo referido em 1 dos factos provados, foi feita na expectativa de que a fração autónoma que constituía o seu objeto seria adquirida no início do ano de 2010.
14 - O autor pretendia aí instalar o estabelecimento em que exerceria a atividade de consultadoria financeira, mediação de seguros e atividades análogas, a que, com a sua esposa então se dedicava.
15 - Em maio de 2013, atento o lapso de tempo decorrido desde a data previsível de realização do negócio, sem que a ré houvesse agendado a outorga da escritura, o autor convenceu-se de que a ré teria desistido do negócio.
16 - E em consequência afetou a outros fins os fundos que antes destinara ao pagamento da fração que a ré prometera vender-lhe.
17 - O preço acordado entre autor e ré correspondia aos preços vigentes à data da celebração do contrato-promessa, para frações com as características de localização, área e finalidade daquela que constituía seu objeto.
18 - Com data de 22-5-2013 o autor enviou à ré, para a morada desta, uma carta registada com A/R com o seguinte teor:
"... Exmos. Senhores,
Tendo recebido comunicação de V. Exas, designando o dia 28 de maio de 2013 para outorga da escritura de compra e venda da fração que constitui objeto do contrato-promessa de compra e venda outorgado em 31 de julho de 2008, venho comunicar a V. Exas o seguinte:
Nos termos da cláusula 6ª do referido contrato-promessa, a escritura seria marcada por V. Exas, logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, que se previa a partir de janeiro de 2010.
O contrato-promessa foi celebrado, pois, no pressuposto de que a escritura se celebraria no início do ano de 2010, sendo que só agora, mais de três anos volvidos, pretendem V. Exas concretizar a venda.
Ora, decorrido todo este tempo, e considerando, nomeadamente, que o negócio a instalar na loja que prometi adquirir se encontrava, então, em expansão, e agora em franco declínio, que os fundos de que dispunha para custear a maior parte do preço foram canalizados para outro fim, na convicção de que, passado todo este tempo, V. Exas teriam desistido do negócio, e, finalmente, que os preços atualmente praticados para venda de espaços comerciais com as características daquele em questão são francamente inferiores àquele referido no contrato-promessa, não tenho já interesse na concretização do negócio.
Tal perda de interesse constitui fundamento para a resolução do contrato-promessa, e pois que é exclusivamente imputável a V. Exas.
Nestes termos, solicito a V. Exa que, nos termos da cláusula 12ª do contrato-promessa, e no prazo de 15 dias, se dignem proceder ao reembolso do valor do sinal, em dobro.
(...) ...".
19 - Esta carta não foi recebida pela ré por motivo que o autor desconhece.
20 – O autor contactou várias vezes os responsáveis da empresa de mediação imobiliária contratada pela ré para angariar a venda das frações do empreendimento, questionando-os sobre a marcação da escritura, obtendo invariavelmente respostas evasivas.

B) Factos não provados:
1 - Os preços praticados em Évora, na comercialização de frações com o mesmo tipo de área, finalidade e localização sofreram, uma forte quebra, sendo em maio de 2013, substancialmente inferiores àqueles praticados em Junho de 2008.
2 - Após a obtenção do alvará a ré começou a contactar os promitentes-compradores para realizar as escrituras definitivas de compra e venda.
3 - O autor tenha ido sempre solicitando aos representantes da ré o adiamento da escritura definitiva, tendo sempre invocado não estarem ainda reunidas as condições, nomeadamente financeiras, para a realização da escritura.
4 - A partir de finais de 2012 e durante os primeiros meses de 2013, os representantes da ré fizeram contactos telefónicos de forma contínua, quer para o autor, quer para a sua esposa Senhora Dª. (…) que não foram atendidos.
5 - A esposa do autor se tenha deslocado às instalações dos representantes da Ré, alegando dificuldades financeiras e verbalizando que prefeririam "trocar" a compra da fração por "uma loja mais pequena", caso a ré tivesse alguma para vender.
6 - No final da reunião, a esposa do autor pediu que se aguardasse mais algum tempo e tenha ficado acordado com esta, que ela e o autor iriam pensar e tentar arranjar uma solução, após o que contactariam a ré, ou aqueles seus representantes a respeito do destino a dar à fração autónoma objeto do contrato-promessa aqui em apreço.
7 - A ré nunca desde a data de celebração do acordo referido no número um dos factos provados, foi interpelada pelo autor para a realização da escritura, ou informada sobre a perda de interesse na conclusão do negócio após o início de 2010.
8 - Nem nunca antes da presente ação, recebeu a ré qualquer comunicação por parte do autor a considerar resolvido o contrato e a pedir-lhe a devolução do sinal em dobro.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
i) Impugnação da matéria de facto
A Recorrente considera incorretamente julgada a decisão dos factos não provados 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8, a saber:
2 - Após a obtenção do alvará a ré começou a contactar os promitentes-compradores para realizar as escrituras definitivas de compra e venda.
3 - O autor tenha ido sempre solicitando aos representantes da ré o adiamento da escritura definitiva, tendo sempre invocado não estarem ainda reunidas as condições, nomeadamente financeiras, para a realização da escritura.
4 - A partir de finais de 2012 e durante os primeiros meses de 2013, os representantes da ré fizeram contactos telefónicos de forma contínua, quer para o autor, quer para a sua esposa Senhora Dª. (…) que não foram atendidos.
5 - A esposa do autor se tenha deslocado às instalações dos representantes da ré, alegando dificuldades financeiras e verbalizando que prefeririam "trocar" a compra da fração por "uma loja mais pequena", caso a Ré tivesse alguma para vender.
6 - No final da reunião, a esposa do autor pediu que se aguardasse mais algum tempo e tenha ficado acordado com esta, que ela e o autor iriam pensar e tentar arranjar uma solução, após o que contactariam a ré, ou aqueles seus representantes a respeito do destino a dar à fração autónoma objeto do contrato-promessa aqui em apreço.
7 - A ré nunca desde a data de celebração do acordo referido no número um dos factos provados, foi interpelada pelo autor para a realização da escritura, ou informada sobre a perda de interesse na conclusão do negócio após o início de 2010.
8 - Nem nunca antes da presente ação, recebeu a ré qualquer comunicação por parte do autor a considerar resolvido o contrato e a pedir-lhe a devolução do sinal em dobro.
Dispõe o artigo 662º, nº 1, do CPC, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Na sentença recorrida, fundamentou-se a convicção do Tribunal relativamente aos factos provados da seguinte forma:
“As testemunhas (…) e (…), casados e ao tempo ambos mediadores imobiliários, representando a Ré depuseram de forma a confirmar a versão apresentada pela Ré, mas que com excepção da matéria que resultou provada sob os números 8 a 10 dos factos provados, mais nenhuma pode ser dada com provada, pois não é credível que uma empresa de mediação imobiliária e uma empresa de empreendimentos imobiliários, face aos sucessivos pedidos de adiamento da marcação da escritura por parte do Autor, tenham mantido sempre contactos verbais e apenas só em 2013 tenham contactado por carta registada o Autor.
Esta postura não faz sentido, nem tão pouco é verdadeira, nada alegaram que pudesse fazer entender este grau de "amadorismo", negocial para com o Autor, empresas como a Ré e a sua representante em Évora deveriam ter uma postura diferente, profissional que no caso dos autos não tiveram, nem conseguiram provar que tenham iniciado os contactos com os demais compradores, contrariamente ao Autor que juntou documentos que provam que houve, pelo menos, 12 fracções cuja escritura só foi realizada em 2014.

A matéria de facto não provada, tal como já o afirmámos, resulta de em audiência a prova produzida não poder conduzir a que o Tribunal dessa a mesma como provada ou por ausência de prova quer testemunhal quer documental, e a demais matéria constante dos "temas da prova" tratar-se de matéria conclusiva e considerações de direito”.
Procedeu-se à análise dos documentos juntos aos autos e à audição integral dos depoimentos das testemunhas através do sistema media studio.
As testemunhas (…) e (…) nada esclareceram de relevante, porquanto a primeira referiu que os contactos foram realizados pela sua mulher, a testemunha (…) e a segunda referiu que os contactos foram realizados pela imobiliária que ia transmitindo o que se passava à ré.
As testemunhas (…), esposa do autor e (…), que interveio como agente imobiliária na comercialização da fração em causa apresentaram versões completamente opostas relativamente aos factos em causa, tendo sido realizada acareação entre estas testemunhas, mantendo cada uma delas a sua versão.
A primeira referiu em síntese que nunca foi contactada pela ré para a realização da escritura.
A segunda referiu a existência de contactos, que devido a alegadas dificuldades económicas do autor, a ré anuiu no adiamento sucessivo da escritura.
A testemunha (…), que trabalhou para o autor até novembro de 2011, nada disse de relevante sobre a factualidade em causa.
Cumpre ainda referir que o artigo 414º do CPC estabelece que “A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita”. Ou seja, no caso de dúvida sobre a ocorrência de um facto equivale à falta de prova sobre esse facto, pelo que resulta em desvantagem para a parte que tinha o ónus da prova. Estabelece também o artigo 346º do CC que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor a contraprova a respeito dos mesmos factos, destina-la a torna-los duvidosos, se o conseguir, é a questão decidida contra a parte onerada com a prova”.
Por fim, cumpre referir que concorda-se com a fundamentação da sentença recorrida quando afirma que “não é credível que uma empresa de mediação imobiliária e uma empresa de empreendimentos imobiliários, face aos sucessivos pedidos de adiamento da marcação da escritura por parte do Autor, tenham mantido sempre contactos verbais e apenas só em 2013 tenham contactado por carta registada o Autor”.
Nestes termos, entendemos que se deve manter a factualidade tal como foi fixada na sentença recorrida.

ii) Incumprimento definitivo e respetivas consequências
O autor peticiona nesta ação a condenação da ré no pagamento de montante correspondente ao dobro do que pagou a título de sinal, o que ascende a € 67.514,00, insurgindo-se a ré contra a sentença recorrida que a condenou neste montante.
O contrato-promessa, de acordo com o artigo 410º, nº 1, do Código Civil (CC) é a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato, a que se chama o contrato-prometido ou contrato definitivo.
Com a celebração de um contrato-promessa emerge para os contraentes, a obrigação de facto positivo de contratar, de outorgar o contrato definitivo.
No caso em apreciação está, efetivamente em causa um contrato-promessa que o autor e a ré subscreveram, em 31-08-2008, nos termos do qual a ré declarou prometer vender ao autor que, por sua vez, declarou prometer comprar, a fração autónoma, destinada a comércio, designada na respetiva planta por B4, situada no piso O do Bloco B, integrada no conjunto de edifícios que a ré estava a construir nos prédios sitos na Avenida (…) e Avenida (…), em Évora, inscritos na matriz predial urbana da freguesia do (…) sob os artºs …, … e … (v. pontos 1 e 2 dos factos provados).
Nos termos da cláusula 6ª desse contrato, a escritura que titularia o contrato prometido deveria ser agendada pela ré, logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se previa, a partir de janeiro do ano de 2010 (v. ponto 6 dos factos provados).
O autor entregou à ré, a título de sinal, o montante global de € 33.757,00 (v. ponto 5 dos factos provados).
Conforme se refere no Ac. do TRL de 17-05-2018 (i) “acontece frequentemente, designadamente nos contratos-promessa de compra e venda que, paralelamente à prestação principal, derivam deles, as denominadas obrigações de meios, acessórias ou secundárias, em relação à obrigação principal decorrente do contrato-promessa, as quais se destinam a preparar o cumprimento ou assegurar a execução da prestação principal.
Com efeito, o contrato-promessa de compra e venda tem como objeto e obrigação principal a celebração da escritura de compra e venda, sendo esse o sinalagma específico do contrato.
Impende, assim, sobre o devedor/promitente, não só essa obrigação principal de celebrar o contrato prometido, mas também a obrigação instrumental dessa obrigação principal, de realizar os atos possibilitadores do cumprimento, permitindo que o negócio prometido se celebre nos exatos termos convencionados, isto é, todos os deveres secundários, acessórios ou instrumentais da obrigação principal necessários à viabilização/satisfação do interesse que levou à celebração do contrato”.
Foi o que, efetivamente, sucedeu no caso em análise em que se provou que as partes convencionaram que a escritura do contrato prometido seria agendada pela ré, logo que se encontrasse todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção de alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se previa, a partir de janeiro do ano de 2010 (v. ponto 6 dos factos provados).
É consabido que, caso não esteja determinado no contrato-promessa o dia, hora e local certos para a celebração da escritura, esta está dependente de interpelação.
No caso em apreciação, e como acima ficou dito, as partes subordinaram a celebração do contrato definitivo a determinadas condições documentais (obrigação acessória – conclusão do processo de legalização da propriedade horizontal e obtenção de alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação).
Está provado nos autos que em 6.5.2011 a ré obteve o alvará de utilização nº …/2011, emitido pela Câmara Municipal de Évora (v. ponto 11 dos factos provados).
Conclui-se, pois, que após 6.05.2011 as obrigações acessórias se encontravam concluídas, encontrando-se verificadas todas as condicionantes para que fosse celebrado o contrato de compra e venda.
A partir desta data, porque lhe incumbia o dever da marcação da escritura, a promitente-vendedora poderia passar a incorrer em situação de mora.
Escreveu-se no Ac. do STJ de 13-10-2016 (ii):
“No direito civil português o princípio geral é o de que o prazo de cumprimento de uma obrigação não constitui termo essencial. Tal resulta do regime – a todos os títulos relevantíssimo – da transformação da mora em incumprimento definitivo (art.º 808º do Código Civil). A falta de respeito pelo prazo de cumprimento da obrigação, que se presume estabelecido a favor do devedor (art.º 779º do CC), origina uma situação de mora (art.º 805º, nº 1, alínea a), do CC) que apenas se transforma em incumprimento definitivo por uma das duas vias previstas no art.º 808º: perda do interesse do credor apreciada objetivamente ou decurso de um prazo adicional razoável fixado pelo credor (via também denominada como interpelação admonitória, tendo como consequência a consagração daquilo que, graficamente, Pinto Oliveira – Princípios de Direito dos Contratos, 2011, págs. 807 e seguintes – qualifica como princípio das duas oportunidades).
Tradicionalmente, aplicam-se estas regras gerais à obrigação de contratar nascida de um contrato-promessa com ou sem a constituição de sinal. Não se ignora que o nº 3, do art.º 442º, do CC, na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, suscitou uma certa disputa doutrinal em torno da questão da aplicabilidade ou não do art.º 808º do CC aos contratos-promessa com sinal. A jurisprudência deste Supremo Tribunal (cor., por exemplo, os acórdãos de 02/06/2009 (proc. nº 136/09.2YFLSB) e de 02/03/2011 (proc. nº 5193/04.5TCLRS.L1.S1), consultáveis em www.sumarios.stj.pt) e o acórdão de 16/06/2016 (proc. nº 410/10.5TBABF.E1.S1), consultável em www.dgsi.pt) tem-se orientado em sentido afirmativo, isto é, tem considerado que – salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente – o não cumprimento da obrigação de contratar constitui o devedor em simples mora à qual não se aplica, sem mais, o regime da perda do sinal/exigência do sinal em dobro do art.º 442º, nº 2, do Código Civil. Para o efeito, é necessário que a mora se transforme em incumprimento definitivo por uma das vias do art.º 808º, a perda do interesse do credor ou a interpelação admonitória”.
“A parte que invoca perda objetiva de interesse na celebração do contrato prometido tem o ónus da alegação e prova da factualidade de suporte de tal perda objetiva de interesse, que tem de ser aferida segundo um critério de razoabilidade” (iii).
“Não basta, porém, uma perda subjetiva de interesse na prestação. É necessário, diz o nº 2 do artigo 808º, que essa perda de interesse transpareça numa apreciação objetiva da situação” (iv).
Como refere Mário Júlio de Almeida Costa (v) “a lei encara a eventualidade de a mora ocasionar a perda do interesse do credor na prestação tardia, ou de o devedor moroso não cumprir dentro do prazo adicional e perentório que aquele lhe tenha fixado. Nos dois casos, já assinalados, a obrigação considera-se, para todos os efeitos, como não cumprida; a mora transforma-se em não cumprimento definitivo”.

Esclareçamos, porém, as hipóteses do art.º 808º:
a) Quanto à perda do interesse do credor, na prestação, é a mesma “apreciada objetivamente” (art.º 808º, nº 2). Este critério significa que a importância de tal interesse, embora aferida em função da utilidade concreta que a prestação teria para o credor, não se determina de acordo com o seu juízo arbitrário, mas considerando elementos suscetíveis de valoração pelo comum das pessoas. Além disso, exige-se a efetiva perda do interesse do credor e não uma simples diminuição. O caso mais frequente consistirá no desaparecimento da necessidade que a prestação se destinava a satisfazer” (vi).
b) Dá-se o outro pressuposto da transformação da mora num incumprimento definitivo, se o devedor não cumpre no prazo suplementar e perentório que o credor razoavelmente lhe conceda. Um preceito que visa a tutela das situações em que convenha ao credor, não obstante a persistência do seu interesse na prestação, libertar-se do contrato, a fim de, por exemplo, conseguir de maneira diversa o resultado que o levou à celebração desse negócio ou dispor da contraprestação a cuja entrega estava vinculado. O referido prazo será fixado, via de regra, através de uma interpelação cominatória, mas nada impede que se determine logo no momento da constituição do vínculo obrigacional. Sempre se exigirá, todavia, uma declaração intimativa com um termo preciso para o cumprimento, resultando da sua inobservância a resolução automática do contrato”.
“Verificada a perda de interesse do credor, a mora equivale, desde logo, ao não cumprimento definitivo da obrigação.
Noutras situações, porém, pretendendo o credor converter, legitimamente, a mora no não cumprimento definitivo, a lei atribui-lhe o poder de fixar, ao devedor em mora, um prazo razoável para além do qual deixa de lhe interessar a prestação. Na realidade, o credor não é obrigado a permanecer vinculado ad aeternum e apenas o não cumprimento definitivo legitima a resolução do contrato.
Para esse efeito, o credor pode então interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência muito clara, de que a falta de prestação, no prazo fixado, o fará incorrer no incumprimento definitivo da obrigação.
Trata-se, pois, da chamada interpelação admonitória ou interpelação cominatória, que visa conceder ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato, nas palavras expressivas de Antunes Varela (ibidem, pág. 119)” (vii).
No caso presente, a ré, ora recorrente tinha o dever de marcar a escritura, nos termos da cláusula 6ª do contrato-promessa, o que significa que o prazo tem de se considerar fixado a favor desta, de harmonia com o disposto no artigo 779º do Código Civil, tendo para o efeito remetido ao autor, ora recorrido carta registada com aviso de receção datada de 8 de maio de 2013 e recebida pelo autor no dia 13 de maio de 2013, informando-o de que marcara o dia 28 de maio de 2013 para a realização da escritura definitiva de compra e venda e indicando o dia e hora da sua realização, mais lhe solicitando a documentação que da parte do autor era necessária para a realização da escritura.
Com a data de 22-05-2013 o autor, ora recorrido enviou à ré, ora recorrente para a morada desta, uma carta registada com A/R com o seguinte teor:
“Com data de 22-5-2013 o autor enviou à ré, para a morada desta, uma carta registada com A/R com o seguinte teor:
"... Exmos. Senhores,
Tendo recebido comunicação de V. Exas, designando o dia 28 de maio de 2013 para outorga da escritura de compra e venda da fração que constitui objeto do contrato-promessa de compra e venda outorgado em 31 de julho de 2008, venho comunicar a V. Exas o seguinte:
Nos termos da cláusula 6ª do referido contrato-promessa, a escritura seria marcada por V. Exas, logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, que se previa a partir de janeiro de 2010.
O contrato-promessa foi celebrado, pois, no pressuposto de que a escritura se celebraria no início do ano de 2010, sendo que só agora, mais de três anos volvidos, pretendem V. Exas concretizar a venda.
Ora, decorrido todo este tempo, e considerando, nomeadamente, que o negócio a instalar na loja que prometi adquirir se encontrava, então, em expansão, e agora em franco declínio, que os fundos de que dispunha para custear a maior parte do preço foram canalizados para outro fim, na convicção de que, passado todo este tempo, V. Exas teriam desistido do negócio, e, finalmente, que os preços atualmente praticados para venda de espaços comerciais com as características daquele em questão são francamente inferiores àquele referido no contrato-promessa, não tenho já interesse na concretização do negócio.
Tal perda de interesse constitui fundamento para a resolução do contrato-promessa, pois que é exclusivamente imputável a V. Exas.
Nestes termos, solicito a V. Exa. que, nos termos da cláusula 12ª do contrato-promessa, e no prazo de 15 dias, se dignem proceder ao reembolso do valor do sinal, em dobro” (v. ponto 18 dos factos provados).
Esta carta não foi recebida pela ré por motivo que o autor desconhece (v. ponto 19 dos factos provados).
O autor, ora recorrido fundamenta a perda de interesse, invocando os seguintes fundamentos:
-foi pressuposto de que a escritura se celebraria no início do ano de 2010;
-decorreram mais de 3 anos;
-o negócio que pretendia instalar na loja que prometi adquirir encontrava-se, então, em expansão, e agora em franco declínio;
-os fundos de que dispunha para custear a maior parte do preço foram canalizados para outro fim, na convicção de que, passado todo este tempo, V. Exas teriam desistido do negócio;
-os preços atualmente praticados para venda de espaços comerciais com as características daquele em questão são francamente inferiores àquele referido no contrato-promessa.
Resultou da factualidade provada que:
-nos termos da cláusula 6ª do acordo referido, a escritura que titularia o contrato prometido deveria ser agendada pela ré, logo que se encontrasse concluído todo o processo de legalização da propriedade horizontal, e a obtenção do alvará de licença de habitabilidade e/ou ocupação, a emitir pela Câmara Municipal de Évora, que se previa, a partir de janeiro de 2010;
-a ré remeteu ao autor carta registada com aviso de receção datada de 8 de maio de 2013 e recebida pelo próprio autor no dia 13 de maio de 2013, informando-o de que marcara o dia 28 de maio de 2013 para a realização da escritura definitiva de compra e venda e indicando a hora e o local da sua realização, mais lhe solicitando a documentação que da parte do autor era necessária para a realização da escritura;
-na data agendada para a escritura, estando reunida toda a documentação necessária para a escritura, apenas compareceu no local a ré, pelo que a mesma não se realizou;
-em 6.5.2011 a ré obteve o alvará de utilização nº …/2011 emitido pela Câmara Municipal de Évora;
-fê-lo decorridos mais de dois anos após a efetiva emissão, pela Câmara Municipal de Évora, do alvará de licença de utilização da fração que constituía objeto do contrato-promessa;
-a celebração do acordo referido em 1 dos factos provados (contrato-promessa) foi feita na expectativa de que a fração autónoma que constituía o seu objeto seria adquirida no inicio do ano de 2010;
-o autor pretendia aí instalar o estabelecimento em que exerceria a atividade de consultadoria financeira, mediação de seguros e atividades análogas, a que, com a sua esposa então se dedicava;
-em maio de 2013, atento o lapso de tempo decorrido desde a data previsível de realização do negócio, sem que a ré houvesse agendado a outorga da escritura, o autor convenceu-se de que a ré teria desistido do negócio:
-e em consequência afetou a outros fins os fundos que antes destinara ao pagamento da fração que a ré prometera vender-lhe;
-o preço acordado entre autor e ré correspondia aos preços vigentes à data da celebração do contrato-promessa, para frações com as caraterísticas de localização, área e a finalidade daquela que constituía seu objeto;
-o autor contactou várias vezes os responsáveis da empresa de mediação imobiliária contratada pela ré para angariar a venda das frações do empreendimento, questionando-os sobre a marcação da escritura, obtendo invariavelmente respostas evasivas (v. pontos 6, 7, 9, 11 a 17 e 20 dos factos provados).
Em face desta factualidade, temos de concluir que segundo os critérios acima assinalados, resultado de forma objetiva a perda do interesse contratual do promitente-comprador. Na verdade, não é razoável para o comum das pessoas que a ré tenha obtido em 6-5-2011 o alvará de utilização nº …/2011, emitido pela Câmara Municipal de Évora, o que fez decorridos mais de dois anos após a efetiva emissão e que só em 8-05-2013 a ré através de carta, comunicou ao autor a data, hora e local de outorga da escritura de compra e venda (v. pontos 10, 11 e 12 dos factos provados), ou seja, decorridos dois anos após a obtenção do alvará e mais de quatro anos após a efetiva emissão do mesmo pela Câmara, sendo que o prazo estimado para esse emissão foi janeiro de 2010, aquando da celebração do contrato-promessa em 31-07-2008 (v. pontos 1 e 6 dos factos provados).
Conforme resulta do nº 2 do artigo 442º do Código Civil “quem constituiu o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que não lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer coisa sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele o direito de exigir o dobro do que houver prestado ou, se houve tradição da coisa que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com a dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago”.
Segundo o disposto no artigo 441º do Código Civil, presume-se que tem caráter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que como principio de pagamento do preço, como sucedeu no caso presente.
Como de poder ler no Ac. do STJ de 2-2-2006 (viii) “o incumprimento definitivo, tratando-se de negócio bilateral, confere ao outro contraente o direito de resolver o contrato, constituindo o inadimplente na obrigação de indemnização que, no âmbito do contrato-promessa, se calcula nos termos do artigo 442º, nº 2, Código Civil, perda do sinal ou restituindo do sinal em dobro”.
No caso em apreço, encontra-se justificada a perda objetiva de interesse por parte do promitente-comprador (autor-recorrente) e há incumprimento da promitente-vendedora (ré-recorrida), que fica obrigado à restituição do sinal em dobro.
Em suma, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Sumário (artigo 663º, nº 7, do CPC).
(…)

V- DECISÃO:
Com fundamento no atrás exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Évora, 19 de dezembro de 2019
Mário Rodrigues da Silva - relator
José Manuel Barata
Conceição Ferreira
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(i) Proc. 22335/15.8T8SNT.L1-2, relatora Ondina Carmo Alves, www.dgsi.pt.

(ii) Proc. 7185/12.1TBCSC.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, www.dgsi.pt.

(iii) Ac. do TRC de 16-02-2017, proc. 2336/12.9TBLRA.C1, relator Vítor Amaral, www.dgsi.pt.

(iv) Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6.ª edição, 1995, p. 123.

(v) Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, p. 1054.

(vi) Em nota, o Autor esclarece ainda que “A lei impõe, em síntese, uma perda subjetiva do interesse com justificação objetiva. Daí a insuficiência da simples mudança de vontade do credor ou de um motivo que ele repute fundado, mas que não o seja à luz de uma orientação razoável” (cf. obra e loc. cits.).

(vii) Ac. do STJ de 2-11-2017, proc. 406/12.2TVLSB.L1.S1, relator Olindo Geraldes, www.dgsi.pt.

(viii) Ac. do STJ de 25-06-2009, proc. 08B3694, relatora Maria dos Prazeres Beleza, www.dgsi.pt.