Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
671/16.6T8OLH.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
QUÓRUM DELIBERATIVO
CRÉDITOS SUBORDINADOS
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 671/16.6T8OLH.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Comércio – J1
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ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:
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I – Relatório:
Nos autos de Processo Especial de Revitalização, a requerente “(…) Drink (Portugal) Unipessoal, Lda.” veio interpor recurso da decisão de recusa de aprovação do plano de revitalização da devedora. *
A decisão recorrida entendeu que se não encontrava preenchido o duplo quórum deliberativo exigido por lei e não aprovou o plano de revitalização da empresa. O julgador de Primeira Instância entendeu que tal se verificava por que «dos que votaram favoravelmente, existem créditos subordinados com créditos no valor de 1.771.242,77, o que significa que mais de metade dos votos favoráveis emitidos, no caso concreto 94,5%, pertence a credores subordinados (…)».
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso de apelação e formulou as seguintes conclusões:
I – O presente recurso versa sobre o despacho de recusa de homologação do Plano de Recuperação da Recorrente proferido nos presentes autos em 08/03/2017 (referência 105168701 do "Citius").
II – Entende a Recorrente que a decisão recorrida ao interpretar o artigo 17º-F, nº 3, do CIRE como interpretou e ao ter recusado a homologação do Plano de Recuperação violou normas e princípios de Direito fundamentais, nomeadamente, o princípio constitucional da universalidade e da igualdade (vide artigos 12° e 13° da Constituição da República Portuguesa), porquanto, dessa forma, bloqueia, injustificadamente, a possibilidade de a Recorrente aceder ao mecanismo do Processo Especial de Revitalização.
III – O artigo 17º-F, nº 3, do CIRE deveria ter sido interpretado no sentido de que sempre que a abstenção do credor subordinado permita a aprovação do plano, o seu voto favorável a tal não pode obstar;
IV – Só interpretando a norma constante do artigo 17º-F, nº 3, do CIRE desta forma estaria o tribunal a quo a dar cumprimento ao nº 1 do artigo 9° do Código Civil.
V – No caso concreto verifica-se uma clara oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, que é causa de nulidade do despacho em causa, nomeadamente, porque sendo o caso concreto uma situação muito particular, era exigível uma interpretação da norma que fixa as maiorias de aprovação do Plano de Recuperação (artigo 17º-F, nº 3, do CIRE) adequada ao caso concreto sob pena de se violarem princípios essenciais de direito, nomeadamente, os princípios constitucionais da universalidade e da igualdade.
VI – Entende portanto a Recorrente que os seus fundamentos deveriam conduzir a uma decisão distinta da adoptada, em virtude da factualidade em causa.
VII – Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a posição do tribunal a quo já é errada quando conclui que não se encontra “(…) preenchido o duplo quórum (...)”, pelo que, por esse motivo, “(…) considera-se não aprovado o plano de revitalização da devedora (...)”.
VIII – Fazendo uma interpretação meramente literal da norma jurídica central no presente caso concreto - o artigo 17º-F, nº 3, do CIRE – a todos e quaisquer casos, a solução seria sempre a recusa de homologação de planos de recuperação nas situações idênticas à da Recorrente, designadamente, quando, apesar de existir unanimidade entre todos os credores quanto à aceitação do plano, não subordinados e subordinados, estes últimos sejam detentores de mais de 50% dos créditos reconhecidos.
IX – É impensável que o legislador tenha pretendido que uma situação como a referida possa ter lugar, pois seria absolutamente contrária a todo o espírito e teleologia inerente ao processo de revitalização consagrado no CIRE.
X – Por outro lado, esta posição levaria igualmente ao absurdo de se obrigar os credores subordinados - que, por uma questão de igualdade, têm tanto direito a votar como qualquer outro credor -, a absterem-se em situações como as descritas só para se poder perfazer a metade de votos emitidos correspondente a créditos não subordinados essencial para a aprovação do Plano de Recuperação.
XI – A esmagadora maioria dos créditos subordinados resulta, de forma geral e em especial no caso em apreço, de dívida da sociedade resultante de financiamento directo dos sócios, máxime, da realização de suprimentos.
XII – A existência de suprimentos permite aferir a medida do esforço financeiro dos sócios a favor da empresa, dotado de um risco muito mais elevado do que o assumido pelos demais credores dado a natureza subordinado destes créditos, pelo que não se vislumbra, por isso, que sentido fará reduzir o preceito legal a uma interpretação literal absolutamente desligada da realidade e que, em casos como estes, reveste um desproporcionado efeito punitivo sobre não apenas a empresa, que se vê impedida de aceder ao regime do plano de revitalização, como aos próprios sócios, que acabam castigados por terem financiado do seu próprio bolso a actividade da empresa.
XIII – Aceitar esta posição do tribunal a quo para todas e quaisquer situações como a do caso concreto levaria a uma situação de extrema injustiça e conduziria a uma situação de gritante desigualdade de oportunidades para as empresas que se apresentam ao Processo Especial de Revitalização nas condições da Recorrente (ou seja, em que a maioria dos créditos reconhecidos e votantes tinha natureza subordinada) em comparação com as empresas em que não existe uma maioria relevante de créditos subordinados votantes.
XIV – Com este entendimento do tribunal a quo está-se a coarctar à Recorrente aquele que foi o desiderato essencial do Processo Especial de Revitalização: possibilitar um procedimento flexível e eficiente às empresas que se encontrem numa situação financeira difícil (ou em situação de insolvência meramente iminente, mas susceptível de recuperação) que vise a sua recuperação e que permita a essas empresas restruturar a sua actividade económica, com benefício não apenas para si mas para todos aqueles dependentes da mesma.
XV – Nos presentes autos deveria ter sido efectuada uma interpretação do artigo 17º-F, nº 3, do CIRE adequada ao caso concreto, de acordo com o nº 1 do artigo 9° do Código Civil, que dispõe que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
XVI – Considerando que (i) votou mais de um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto e (ii) que a unanimidade dos credores votantes votou o Plano de Recuperação em sentido favorável (independentemente de haver ou não créditos subordinados no universo de credores votantes), os fundamentos do despacho de recusa de homologação do Pano de Recuperação deveriam conduzir à homologação do Plano de Recuperação da Recorrente.
XVII – Não parece que o resultado pretendido pelo legislador tenha sido a reprovação de planos por excesso de votos favoráveis, pelo que deve fazer-se uma interpretação correctiva do preceito e interpretar o mesmo pela mesma forma que deve ser interpretado o artigo 212°, nº 1, do CIRE, ou seja, estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele deve ser considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos [vide Revista de Direito da Insolvência nº 1 (Abril, 2016), Almedina, páginas 143 a 145].
XVIII – Mais, o disposto nas als. a) e b) do artigo 17º-F do CIRE deve ser interpretado no sentido de que se a abstenção do credor subordinado conduzisse à aprovação do plano, o seu voto favorável a tal não pode obstar (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.09.2015, relativo ao Processo nº 202/15.5T8GMR.G1, consultável em http://www.dgsi.ptIITRGNSF / 86c25a698e4e7cb780257gec004d3832/ 5e57328 7f9c bOeb 180257 ed70053571c?OpenDocument).
XIX. No caso concreto:
(i) O Plano de Recuperação prevê que o pagamento dos créditos subordinados se realizará se a Recorrente evoluir para uma melhor situação económica do que a prevista no Plano e na medida em que tal não invalide o integral cumprimento dos pagamentos previstos para os créditos privilegiados e para os créditos comuns (que são os restantes credores);
(ii) Relativamente ao Plano de Recuperação expressaram o seu voto credores que representam 95,53% dos créditos reconhecidos (não votantes ¬ 4,47% );
(iii) Desses, votaram favoravelmente 100,00% e contra 0,00%;
(iv) O crédito subordinado representa 90,36% dos créditos reconhecidos e 94,58% em termos de votação;
(v) A deliberação foi validamente tomada, visto que expressaram o seu voto credores que representam um terço do total dos créditos com direito de voto e a proposta de plano de insolvência recolhe mais de dois terços dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondem a créditos não subordinados;
(vi) Numa leitura imediatista, o Plano de Recuperação não podia ser considerado aprovado porque mais de 50% dos votos favoráveis correspondem a um crédito subordinado, contudo, se o credor subordinado se tivesse abstido o plano teria sido aprovado;
(vii) Abstendo-se o crédito subordinado, 100% dos credores não subordinados votaram no sentido de aprovarem o Plano de Recuperação.
XX – Face ao exposto, conclui-se que, no caso concreto, se encontra salvaguardada a protecção que se pretende da norma constante do artigo 17º-F, nº 3, do CIRE, ou seja, evitar que credores com uma especial relação com a devedora (como é o caso da sociedade mãe da Recorrente) pudessem impor aos restantes um plano desfavorável.
XXI – Sendo o Plano de Recuperação mais favorável para os restantes credores do que para o próprio credor subordinado e não contando os seus votos para a aprovação do Plano de Recuperação, caem por terra quaisquer possibilidades do credor subordinado de impor aos restantes um plano que não lhes é favorável.
XXII – Face a todo o supra exposto, o despacho de 08/03/2017 não pode produzir quaisquer efeitos, por se encontrar ferido de nulidade em virtude de se verificar uma oposição entre os fundamentos de facto e a decisão e em virtude de a interpretação que foi dada a norma constante do nº 3 do artigo 17º-F do CIRE se encontrar em desconformidade com a situação do caso concreto e com o que ensina a doutrina e a jurisprudência com interesse para esta situação, pelo que, em consequência, deverá revogar-se a Decisão Recorrida e ser a mesma substituída por outra que se mostre expurgada dos referidos vícios nomeadamente, por despacho de homologação do Plano de Recuperação da Recorrente.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, conhecendo-se e declarando-se as nulidades supra invocadas de que padece o despacho de 08/03/2017, determinando-se, em consequência, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que se mostre expurgada dos referidos vícios, nomeadamente, por despacho de homologação do Plano de Recuperação da Recorrente.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar se:
i) se verifica a nulidade da decisão recorrida por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.
ii) existe a necessidade de uma maioria duplamente qualificada pela percentagem dos votos e pela natureza destes, sendo necessário para a homologação do plano de insolvência mais de metade dos créditos relacionados com direito de voto correspondam a créditos não subordinados. *
III – Dos factos apurados:
Da decisão recorrida e do plano de insolvência é possível extractar a seguinte factualidade com interesse para a justa decisão da causa:
1) Por despacho de 12/07/2016 foi admitido liminarmente o processo especial de revitalização, nomeando-se Administrador Judicial Provisório e determinou-se o cumprimento das demais formalidades legais, procedendo-se à publicitação legal.
2) Em 17/08/2016 foi junta aos autos a lista provisória de créditos, que foi publicada em 23/08/2016, a qual não foi objecto de impugnação. Em função disso, a referida lista foi convertida em definitiva.
3) Findo o prazo das negociações, O Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o resultado da votação do plano de recuperação.
4) O total dos créditos reconhecidos foi de 1.960.295,95 (um milhão, novecentos e sessenta mil e duzentos e noventa e cinco euros e noventa e cinco cêntimos).
5) O total de votos recebido foi de € 1.872.749,49 (um milhão, oitocentos e setenta e dois mil e setecentos e quarenta e nove euros e quarenta e nove cêntimos), que corresponderam a votos favoráveis.
6) Dos votos referidos em 5) € 1.771.242,77 (um milhão, setecentos e setenta e um mil e duzentos e quarenta e dois euros e setenta e sete cêntimos) pertence a credores subordinados.
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IV – Fundamentação:
4.1 – Da nulidade da decisão recorrida por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão:
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil).
A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»[1].
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[2].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[3].
Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de que esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta.
A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[4] [5].
Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente. Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, dessa forma, a invocada nulidade não se verifica.
Aliás, no conjunto de factos, considerações e conclusões tiradas pela recorrente parece incontroverso que a mesma não coloca em causa o erro de construção do silogismo judiciário mas antes se dirige claramente à injustiça do decidido, embora tenham invocado a aludida nulidade.
Se a interpretação e a relevância que a sentença deu a certos factos e se a conclusão que deles se extraiu foram, ou não, as mais correctas, é questão que tem a ver com o mérito da decisão e com um eventual erro de julgamento, mas que não está associada à construção lógica da sentença, a qual se mostra correctamente formulada.
Assim sendo, também carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
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4.2 – Da conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização do devedor e do quórum deliberativo:
O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes, acordo conducente à sua revitalização (artigo 17º-A, nº 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
O processo negocial estabelecido entre o devedor e os seus credores pode concluir-se com a aprovação de um plano de recuperação ou terminar, antecipadamente ou no fim do prazo, sem que o acordo tenha sido alcançado.
O processo negocial pode também ser concluído sem que exista a aprovação do seu plano de recuperação. Tal acontece na hipótese de o devedor ou da maioria dos credores prevista no nº 5 [6] [7] do artigo 17º-F concluírem antecipadamente não ser possível alcançar o acordo, ou quando seja ultrapassado o prazo para as negociações previsto no artigo 17º-D, nº 5. A estas razões, previstas no artigo 17º-G, nº 1, acresce ainda a hipótese contemplada no nº5 do mesmo artigo, que prevê que o devedor pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente da causa, desde que comunique tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os credores e ao tribunal por meio de carta registada. Carvalho Fernandes e João Labareda admitem que a razão da frustração do processo negocial pode ser encontrada na ausência da maioria de votos estabelecida no artigo 17º-F, nº 5, do referido diploma.
A conclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa mostra-se regulada pelo artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência encontra acolhimento no artigo 47º[8] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Os créditos garantidos e privilegiados são os que beneficiam de garantias reais (incluindo os privilégios creditórios especiais) e de privilégios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, respectivamente e os créditos comuns assumem uma feição residual, sendo que, de permeio, existem ainda os créditos subordinados, tal como está precipitado no artigo 47º, nºs 1, 2 e 4, als. a) a c), do CIRE. O conceito de crédito subordinado e a definição do círculo de pessoas havidas como especialmente relacionadas com o devedor estão plasmados nos artigos 48º[9] e 49º[10] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No caso concreto aquilo que surge à liça é saber se existe a necessidade de uma maioria duplamente qualificada pela percentagem dos votos e pela natureza destes e se a votação recolhida aos credores subordinados obsta à homologação do plano de recuperação.
De harmonia com o texto do nº 5 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, considera-se aprovado o plano de recuperação que:
a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou
b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Na interpretação da norma controvertida Luís Carvalho Fernandes e João Labareda[11] assinalam que a disciplina contida no actual nº5[12] mantém pontos de contacto com a anterior previsão mas simultaneamente introduz diferenças relativamente ao regime do pretérito. Afirmam assim que «os primeiros respeitam, por um lado, à continuação da exigência de uma maioria duplamente qualificada pela percentagem dos créditos e pela natureza deles e, por outro, à base primária de cálculo que permanece na totalidade dos créditos constantes da lista definitiva ou, se não existir, na dos não impugnados, acrescidos daqueles a que tenha sido atribuído direito de voto.
Abrem-se, contudo, agora duas possibilidades alternativas de aprovação do plano, qualquer delas suficiente, de per si, para esse efeito.
Uma é a de, independentemente do universo de votantes efectivos, se recolher o voto favorável representativo de mais de metade da totalidade dos créditos com direito de voto, sendo, desses, também mais de metade correspondentes a créditos não subordinados. A outra é a de, não se recolhendo a maioria dos votos representativos da totalidade dos créditos, terem, todavia, votado credores representativos de mais de um terço deles e, favoravelmente à aprovação, mais de dois terços dos votantes, desde que este número simultaneamente envolva mais de metade dos votos correspondentes a créditos não subordinados.
Em nenhuma das alternativas – e à semelhança do que já sucedia – contam as abstenções».
Também Filipa Gonçalves[13] assevera que é igualmente exigível que a aprovação do plano acolha uma maioria duplamente qualificada quanto à assembleia deliberativa. Neste entendimento a aprovação deve recolher mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e, simultaneamente, que mais de metade desses votos correspondam a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.
Na análise do regime actual, referindo-se à alínea b) do nº 5[14] do artigo 17º-F, Miguel Pestana de Vasconcelos[15] pugna que, ao contrário do que sucede na alínea a), é exigida uma dupla maioria. Sobre o regime vigente pode ser consultado o estudo de Maria do Rosário Epifânio[16], que sublinha que a alínea b) «parece destituída de qualquer utilidade». Sobre a questão debruçavam-se ainda no regime pregresso Salazar Casanova e Sequeira Dinis[17] e Fátima Silva[18], sendo que esta afastava a aplicabilidade do quórum constitutivo.
Na visão maioritária, que perfilhamos, para os efeitos da alínea a) do nº 5 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o legislador entendeu necessário um quórum constitutivo de pelo menos um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, como garantia de que participavam na deliberação votantes representativos de uma parcela significativa do capital envolvido no plano de recuperação. De seguida, para a aprovação do plano de recuperação, o legislador exigiu a votação favorável de mais de dois terços dos votos emitidos para fixar o quórum deliberativo, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados, não entrando nesse cômputo as abstenções. De acordo com o disposto na alínea b) do nº 5 do artigo 17º-F do CIRE, para a aprovação do plano de insolvência é necessário que se obtenha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com a alínea anterior, correspondendo mais de metade de tais votos a créditos não subordinados.
Após garantir que existia quórum deliberativo e estar demonstrado que os votos favoráveis constituíam mais de 2/3 dos créditos que compuseram a assembleia, a decisão impugnada deixou consignado que «dos que votaram favoravelmente, existem créditos subordinados com créditos no valor de 1.771.242,77, o que significa que mais de metades dos votos favoráveis emitidos, no caso concreto 94,5%, pertencem a credores subordinados (…). Nestes termos, por não se encontrar preenchido o duplo quórum, considera-se não aprovado o plano de revitalização da devedora».
Estamos perante uma hipótese em que mais de metade dos votos emitidos corresponde a créditos não subordinados. Na verdade, o universo absolutamente maioritário dos credores que detêm créditos subordinados e a dimensão destes em qualquer leitura do quórum deliberativo impediria que a previsão legal fosse accionada caso os mesmos votassem favoravelmente à proposta de revitalização[19].
Assim questiona-se se o voto favorável de todos os credores pode obstaculizar à aprovação de um plano de insolvência quando exista uma maioria de créditos subordinados?
Pergunta-se ainda qual é a razão preponderante para permitir que esse mesmo plano de insolvência possa ser aprovado na hipótese alternativa do credor subordinado optar pela abstenção?
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«A tarefa central a que o juiz se dedica é a determinação do direito que há-de valer no caso concreto. Para este fim deve levar a cabo três indagações:
1) Apurar que o direito existe.
2) Determinar o sentido desta norma.
3) Decidir se esta norma se aplica ao caso concreto.
Aplicação das leis envolve, por consequência uma tríplice investigação: sobre a existência da norma; sobre o seu significado e valor; e sobre a sua aplicabilidade».
Sobre a problemática da interpretação podem consultar-se Manuel de Andrade[20], Pires de Lima e Antunes Varela[21], Baptista Machado[22], Oliveira Ascensão[23], Castro Mendes[24], Menezes Cordeiro[25], Fernando Bronze[26], Castanheira Neves[27], Herbert Hart[28], Karl Engish[29] e Karl Larenz[30], entre outros.
Baptista Machado observa muito justamente que o jurista «deve proceder como um agente activo do direito, chamado a descortinar, a interpretar e a conformar segundo a ideia de direito e dinâmica dos dados institucionais face aos movimentos de utilidade social».
A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas em que é aplicada (artigo 9º, nº 1, do Código Civil).
A actividade hermenêutica comporta a exegese do texto e consideração do seu sentido literal e o confronto entre este e os elementos racional, histórico e sistemático, sendo que no domínio teleológico o fim visado pelo legislador na sua estatuição, o propósito ou o sentido que o determinam deve observar um dever de reconstrução do pensamento legislativo.
Neste horizonte interpretativo, chamada à colação a ratio normativa, a limitação dos direitos dos credores subordinados tem subjacente a protecção dos credores garantidos, privilegiados e comuns relativamente aos credores subordinados e assim evitar que estes, face à relação de excepcionalidade objectiva ou subjectiva existente com o devedor, possam impor aos restantes um plano que porventura lhes é desfavorável, evitando-se as consequências indesejadas de um sindicato de voto predeterminado. Em função disso, este tipo de créditos são colocados na cauda da hierarquia dos pagamentos e na visão do legislador só podem ser pagos após a satisfação integral de todos os demais que integram as categorias que os precedem.
Numa interpretação meramente formal da norma em causa, em todo e qualquer caso, sempre que os créditos subordinados representassem mais de 50% do colégio deliberativo, quando houvesse unanimidade de votação entre todos os credores quanto à aceitação do plano, a homologação do projecto de revitalização teria de ser sempre recusada, por ser necessário para a sua aprovação que «mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados».
Esta leitura acrítica e não integrada do preceito significava que nenhum plano de revitalização poderia ser aprovado quando mais de 50% dos votos favoráveis correspondessem a créditos subordinados. Contudo, se o credor subordinado se tivesse abstido o plano teria sido aprovado, à luz da concepção interpretativa dominante.
Nesta interpretação literal da norma em causa, em todo e qualquer caso, quando os créditos subordinados representem mais de 50% do colégio deliberativo, sempre que houvesse unanimidade de votação entre todos os credores quanto à aceitação do plano, a homologação do plano de revitalização teria de ser sempre recusada, por ser necessário para a sua aprovação que «mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados».
Na hipótese vertente, retirando o crédito subordinado, relativamente aos votos aceites, todos credores privilegiados e comuns votaram favoravelmente ao plano de insolvência e assim seria ridículo exigir que o credor subordinado se abstivesse para que se constituísse a maioria exigida por lei.
O legislador não atentou que o quórum deliberativo da alínea b) do nº 5 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas poderia conduzir a grave inadequação sistemática e assim a letra da lei deve ser valorada no conjunto do ordenamento e filtrar todas as conexões e implicações que o texto tem ao nível da racionalidade e história normativas, abrindo campo livre para a actividade da doutrina e da jurisprudência na busca do sentido justo do preceito.
João Baptista Machado[31] explica ainda que quando a interpretação de uma norma conduz a resultados absurdos e não queridos pelo legislador é possível derrogar o respectivo sentido literal. Para o professor de Coimbra «por vezes, embora raramente, será preciso ir mais além e sacrificar, em obediência ainda ao pensamento legislativo, parte duma fórmula normativa, ou até a totalidade da norma. Trata-se de fórmulas legislativas abortadas ou de verdadeiros lapsos». Também Manuel de Andrade, no seu projecto, previa a possibilidade «de restringir o preceito da lei quando, para casos especiais, ele levaria a consequências graves e imprevistas que certamente o legislador não teria querido sancionar»[32]. De igual modo, Menezes Cordeiro[33] admite a redução teleológica.
Assim, sufragamos a ideia que cimenta o entendimento de que não é lógica e juridicamente admissível que o resultado pretendido pelo legislador provoque a reprovação de qualquer plano por excesso de votos favoráveis. Neste contexto, deve prevalecer a posição que se deve fazer uma interpretação correctiva ou redução teleológica do preceito e ajustar o significado literal aos objectivos precípuos do processo de revitalização, buscando o lugar paralelo na disciplina vertida no artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Deste modo, «estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos»[34].
Ou, seguindo outra linha correctiva[35], quando a abstenção desse credor subordinado motivasse a aprovação do mesmo plano, não poderá haver recusa de homologação fundada na não constituição da maioria exigida por lei nos casos em que o colégio de votantes assenta numa maioria qualificada de créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor.
Convém, no entanto, alertar que, caso não existisse uma maioria de votos no sentido da aprovação por parte dos credores comuns, a solução jurídica não seria idêntica.
Não cuidando de entrar na análise da questão substancial da violação de outras regras procedimentais ou do princípio geral da igualdade de credores, por não integrar o objecto directo deste recurso, impõe-se ainda assim, a nível perfunctório e sem carácter vinculativo, afirma-se que, aparentemente, o plano em causa não reúne a potencialidade de prejudicar os restantes credores no confronto com os benefícios que do mesmo possam derivar para os credores subordinados, dada a ordem de satisfação ocupada pelos créditos subordinados no confronto com as demais dívidas apuradas.
Nesta ordem de ideias, revoga-se a decisão recorrida por se entender que está perante um quadro fáctico em que a maioria exigida por lei se verifica, devendo o Tribunal «a quo» apreciar a questão que considerou prejudicada [alínea b) das questões decidendas].
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V – Sumário:
I – Quando a interpretação de uma norma conduz a resultados absurdos e não queridos pelo legislador é possível derrogar o respectivo sentido literal, se os demais elementos interpretativos (racional, histórico e sistemático) assim o exigirem.
II – Não é lógica e juridicamente admissível que o resultado pretendido pelo legislador provoque a reprovação de qualquer plano por excesso de votos favoráveis, mormente nos casos em que os créditos subordinados representem mais de 50% do colégio deliberativo, pois neste enquadramento não é possível que «mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados», tal como impõe a al. b) do nº 5 do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
III – Estando o plano aprovado por votos favoráveis de credores correspondentes a mais de metade do total dos créditos não subordinados com direito a voto, ele é considerado aprovado mesmo que esses não perfaçam mais de metade dos votos favoráveis concretamente emitidos.
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando-se a decisão recorrida nos termos acima referidos.
Sem tributação nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 28/09/2017

José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 122.
[2] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pág. 670.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 686.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt.
[5] No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[6] A norma em causa foi alterada pelo Decreto-Lei nº 79/2017, de 30/06 e é de aplicação imediata. No entanto, em termos práticos, a redacção original foi mantida. O anterior número 3 corresponde ao actual nº 5.
[7] Artigo 6º (Norma transitória)
1 - As disposições do presente decreto-lei são imediatamente aplicáveis aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, com excepção do disposto nos números seguintes.
2 - A redacção dada pelo presente decreto-lei ao n.º 1 do artigo 16.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, entra em vigor à data da entrada em vigor da lei que aprova o Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas.
3 - A redacção dada pelo presente decreto-lei ao n.º 2 do artigo 17.º, aos nº 2, 3 e primeira parte do n.º 4 do artigo 128.º e ao artigo 152.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, entra em vigor à data da produção de efeitos da portaria referida no artigo anterior.
4 - As disposições de adaptação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, ao Regulamento (UE) 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, aplicam-se aos processos abertos a partir de 26 de Junho de 2017.
5 - O disposto no n.º 1, na alínea c) do n.º 3 e no n.º 6 do artigo 17.º-C e no n.º 1 do artigo 17.º-D do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com a redacção dada pelo decreto-lei, apenas se aplica aos processos especiais de revitalização instaurados após a entrada em vigor do presente decreto-lei.
6 - Nos casos previstos na alínea e) do n.º 1 do artigo 230.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, em que não tenha sido declarado o encerramento e tenha sido proferido o despacho inicial de exoneração do passivo restante, considera-se iniciado o período de cessão do rendimento disponível na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.
[8] Artigo 47º (Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência):
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.
[9] Artigo 48º (Créditos subordinados):
Consideram-se subordinados, sendo graduados depois dos restantes créditos sobre a insolvência:
a) Os créditos detidos por pessoas especialmente relacionadas com o devedor, desde que a relação especial existisse já aquando da respectiva aquisição, e por aqueles a quem eles tenham sido transmitidos nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os juros de créditos não subordinados constituídos após a declaração da insolvência, com excepção dos abrangidos por garantia real e por privilégios creditórios gerais, até ao valor dos bens respectivos;
c) Os créditos cuja subordinação tenha sido convencionada pelas partes;
d) Os créditos que tenham por objecto prestações do devedor a título gratuito;
e) Os créditos sobre a insolvência que, como consequência da resolução em benefício da massa insolvente, resultem para o terceiro de má fé;
f) Os juros de créditos subordinados constituídos após a declaração da insolvência;
g) Os créditos por suprimentos.
[10] Artigo 49º (Pessoas especialmente relacionadas com o devedor):
1 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular:
a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior;
c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor;
d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência.
2 - São havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa colectiva:
a) Os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas, e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
b) As pessoas que, se for o caso, tenham estado com a sociedade insolvente em relação de domínio ou de grupo, nos termos do artigo 21.º do Código dos Valores Mobiliários, em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
c) Os administradores, de direito ou de facto, do devedor e aqueles que o tenham sido em algum momento nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência;
d) As pessoas relacionadas com alguma das mencionadas nas alíneas anteriores por qualquer das formas referidas no n.º 1.
3 - Nos casos em que a insolvência respeite apenas a um património autónomo são consideradas pessoas especialmente relacionadas os respectivos titulares e administradores, bem como as que estejam ligadas a estes por alguma das formas previstas nos números anteriores, e ainda, tratando-se de herança jacente, as ligadas ao autor da sucessão por alguma das formas previstas no n.º 1, na data da abertura da sucessão ou nos dois anos anteriores.
[11] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 171.
[12] Os autores referiam-se ao nº 3 [actual nº 5] do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[13] O processo especial de Revitalização, Estudos de Direito da insolvência, Almedina, Coimbra 2015, pág. 78.
[14] O autor referia-se ao nº 3 [actual nº 5] do artigo 17º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
[15] Recuperação de Empresas: o processo especial de revitalização, Almedina, Coimbra 2017, págs. 70-73.
[16] O Processo Especial de Revitalização, Almedina, Coimbra 2016, págs. 60-65.
[17] PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentário aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Coimbra Editora, Coimbra 2014, pág. 131.
[18] Processo Especial de Revitalização – Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, Porto 2014, pág. 60.
[19] Relativamente ao Plano de Recuperação expressaram o seu voto credores que representam 95,53% dos créditos reconhecidos (a percentagem de não votantes cifra-se em 4,47%). Desses, votaram favoravelmente 100,00% e contra 0,00%. O crédito subordinado representa 90,36% dos créditos reconhecidos e 94,58% em termos de votação.
[20] Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 4ª edição, Coimbra, 1987.
[21] Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, Coimbra 1987, págs. 58-59.
[22] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12ª reimpressão, Almedina, Coimbra 2002, págs. 190-191.
[23] O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11ª edição, Almedina, Coimbra 2003, págs. 388-389.
[24] Introdução ao Estudo do Direito, Dislivro, Lisboa 1994, pág. 220-221.
[25] Tratado de Direito Civil, Vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra 2012, págs. 671 e seguintes.
[26] Lições de Introdução ao Direito, Coimbra Editora, Coimbra 2006.
[27] Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais, BFDUC, Coimbra Editora, Coimbra 1993.
[28] O conceito de Direito, tradução Ribeiro Mendes, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1996.
[29] Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução Baptista Machado, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1977.
[30] Metodologia da Ciência do Direito, tradução José Lamego, 6ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa 1977.
[31] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra 1985, pág. 186.
[32] Boletim do Ministério da Justiça nº102, pág. 145.
[33] Tratado de Direito Civil, vol. I, 4ª edição (reformada e actualizada), Almedina, Coimbra 2012, pág. 678.
[34] Revista de Direito da Insolvência, nº 1, (Abril, 2016), direcção de Maria do Rosário Epifânio e José Manuel Branco, Almedina, páginas 143-145.
[35] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17/09/2015, é dito que «o disposto nas als. a) e b) do artº 17º-F do CIRE deve ser interpretado no sentido de que se a abstenção do credor subordinado conduzisse à aprovação do plano, o seu voto favorável a tal não pode obstar».