Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
989/17.0T8PTM.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES
CONTRATO DE EMPREITADA
COMISSÃO
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência, não cabendo, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada.
II - Para avaliar do âmbito da responsabilidade dos intervenientes no contrato de empreitada, é necessário averiguar do conteúdo deste negócio, pois a responsabilidade do dono da obra pode resultar dos específicos contornos da relação estabelecida com o empreiteiro, designadamente, do tipo de obra em questão, dos quais pode resultar, com ou sem responsabilidade concreta do empreiteiro, a ofensa de direitos de terceiros.
III - Tendo-se provado que após os trabalhos de reparação e substituição da rede realizados pela empreiteira passou a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento da segurada da autora, proveniente da canalização de distribuição interior de água do apartamento do réu (dono da obra), e que os danos daí decorrentes foram causados por uma reparação deficiente da empreiteira, mostra-se ilidida a presunção de culpa do art. 493º, nº 1, do CC, não sendo exigível qualquer indemnização ao réu.
Decisão Texto Integral:








Proc. nº 989/17.0T8PTM.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
BB - Companhia de Seguros, S.A. instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra CC, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 18.776,70, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, ter celebrado com DD um contrato de seguro Multiriscos Habitação, relativo ao apartamento 305 do Edifício …, sito na Av. …, em Portimão, constituído por um prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sucedendo que em Agosto de 2015 a banheira da casa de banho do apartamento 405 situado no 4º piso, por cima do apartamento 305, e pertencente ao réu, encontrava-se em deficiente estado de conservação, com o respetivo ralo podre, fazendo com que a água proveniente da utilização da banheira se escoasse para a placa de separação entre os pisos dos referidos apartamentos e causasse inundações no apartamento 305 seguro na autora, o que causou nas suas divisões e nos bens aí existentes os danos que descreve, no montante de € 20.851,90, tendo a autora, por força do referido contrato de seguro e deduzidas as competentes franquias, pago à sua segurada a quantia global de € 18.776,70, de que se quer ver ressarcida.
O réu contestou, excecionando e impugnando.
Por exceção afirmou ter contratado uma empresa para resolver o problema da inundação, a qual, por não ter adequadamente prestado os seus serviços, deve ser responsabilizada pela segunda inundação ocorrida e não o réu.
Por impugnação alegou desconhecer parte da factualidade alegada, nomeadamente a extensão e o montante dos danos causados pelas inundações.
Concluiu pedindo a sua absolvição do pedido e a condenação da autora como litigante de má-fé, e requereu ainda a intervenção principal da sociedade EE, Lda., a quem imputa a responsabilidade pelos danos decorrentes da segunda inundação no apartamento 305.
Notificada para o efeito, veio a autora dizer que inexiste fundamento para o pedido de condenação como litigante de má-fé, ser correto o valor da causa que indicou e nada ter a opor à requerida intervenção provocada, concluindo como na petição inicial.
Foi realizada audiência prévia, tendo sido proferido despacho a indeferir a intervenção requerida e despacho que fixou o valor da causa em conformidade com o valor indicado pela autora, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do formalismo legal, tendo sido proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu o réu do pedido.
Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«I - Da prova documental produzida, designadamente do relatório pericial que constitui o documento nº 1 junto com a P.I. resulta suficientemente provado que os danos ocorridos no apartamento 305 da segurada da recorrente foram causados pela água proveniente da canalização do apartamento 405 do Réu, em consequência da rotura por apodrecimento do ralo da banheira em Agosto de 2015 e em consequência da fuga de água proveniente da rede de esgotos do mesmo apartamento, em consequência da reparação efectuada posteriormente e que não ficou bem feita.
II - Em consequência, a matéria constante no ponto 18 dos factos provados deve ser alterada eliminando a restrição aos danos causados apenas pela reparação mal feita, o qual deverá ter a seguinte redacção: “18. As supra citadas infiltrações de água causaram danos no apartamento 305, assim discriminados, por locais e valores: …”. III - Em consequência da alteração da matéria de facto do ponto 18 dos factos provados, deve ser eliminado o ponto 23 dos factos não provados.
IV - Os danos ocorridos no apartamento da segurada foram causados por água proveniente da canalização interna de esgotos do apartamento 405 pertencente ao Réu.
V - Tais danos ascenderam a 20.851,90€ de que a Autora seguradora pagou à lesada a quantia de 18.776,70€ em que ficou sub-rogada.
VI - O Réu, como proprietário do apartamento 405 estava obrigado a proceder à sua conservação e vigilância, designadamente das suas redes interiores de esgotos, de forma a evitar que estas pudessem causar danos aos restantes condóminos como decorre do disposto nos artigos 492º nº l e 493º nº l do Código Civil.
VII- Quer a fuga de água provocada pelo apodrecimento do ralo da banheira do prédio do Réu quer a fuga de água provocada pela deficiente reparação da rede de esgotos constituem factos ilícitos imputáveis ao Réu que por eles é responsável (artigos 483º e 493º do Código Civil).
VIII - A reparação deficiente da rede de esgotos do prédio do Réu foi efectuada pela reparadora EE, Lda. por conta e no interesse do Réu, por ter sido este quem a encarregou para o efeito.
IX - O facto que determina o dano em causa foi a fuga de água ocorrida por a reparação efectuada pela reparadora EE, Lda. no exercício da sua função que lhe confiou o Réu, não ter sido bem feita.
X-O Réu (comitente) por ter encarregado a EE, Lda. (comissária) de proceder aos actos necessários à reparação e esta não ter sido bem feita e que causou danos a terceiros, responde, independentemente da culpa, pelos danos causados pelo comissário (artigo 500º do Código Civil).
XI - Foram violadas as disposições conjugadas nos artigos 492º nº 1, 493º nº 1 e 500º todos do Código Civil.
Nestes termos e nos mais do Direito aplicável a suprir por V. Exª, deve o presente recurso merecer provimento e em consequência ser a douta sentença recorrida revogada e substituída por uma outra que condene o Réu no pedido, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso definido em função das conclusões formuladas pela recorrente, nos termos dos artigos 635º, nºs 3 a 5 e 639º, nº 1, do CPC, as questões suscitadas nesta apelação consubstanciam-se em saber:
- se houve erro de julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 18 dos factos provados e o ponto 22 dos factos não provados;
- se houve erro de julgamento de direito, ao considerar-se não ser o réu responsável pelo pagamento dos danos ocorridos no apartamento da segurada da autora, por se ter desconsiderado a relação de comitente/comissário estabelecida entre o réu e a sociedade que ele contratou para realizar obras no seu apartamento, das quais resultaram os danos ocorridos no apartamento da segurada da autora.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Na Avenida …, em 8500-… Portimão existe um edifício denominado Edifício …, constituído por um prédio urbano, constituído no regime da propriedade horizontal, composto por cave, destinada a garagem, R/C destinado a comércio, indústria ou prestação de serviços, 1º andar destinado a escritórios e 7 pisos destinados à habitação, com 74 fracções autónomas.
2. Nesse Edifício … existe a fracção autónoma, designada pelas letras AR (apartamento 305), sita no terceiro andar, pertencente a DD.
3. No mesmo Edifício … existe, ainda, a fracção autónoma, designada pelas letras “BB” (apartamento 405), sita no quarto andar do Edifício, pertencente ao Réu CC.
4. O apartamento 405 fica situado por cima do apartamento 305.
5. A Autora é uma companhia de seguros, que opera no ramo Multirriscos Habitação.
6. Pela apólice nº MR…2, a Autora celebrou com DD um contrato de seguro Multirriscos Habitação que consta de fls. 36 e ss., e que aqui se dá por reproduzido, nos termos das condições gerais, especiais e particulares que constam de fls. 11 e ss. e de fls. 36 e ss., relativo ao apartamento 305 do dito prédio.
7. Por essa apólice, a Autora estava obrigada ao pagamento dos danos provenientes de rotura, defeito, entupimento ou transbordamento súbito e imprevisível da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo os sistemas de esgoto das águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e de esgotos e respectivas ligações.
8. Os capitais seguros eram de 73.098,83 € pela fracção e 13.352,48€ para os conteúdos, ambos com a franquia de 10% dos prejuízos.
9. O Réu, na qualidade de proprietário da fracção autónoma, designada pelas letras “BB” (apartamento 405), celebrou com a Autora uma apólice de seguros “Multi-Riscos Habitação” com o número MR…8.
10. Em Agosto de 2015 a banheira da casa de banho do apartamento 405, pertencente ao Réu, encontrava-se com o respectivo ralo todo podre.
11. Pelo facto de o ralo da banheiro do apartamento 405 se encontrar corroído e podre, a água proveniente da utilização da banheira escoava-se para a placa de separação entre os pisos terceiro e quarto e começou a aparecer na cozinha, hall, quarto e casa de banho do apartamento 305, imediatamente por debaixo daquele, danificando os respetivos tetos, paredes, chão e móveis e equipamentos existentes nessas divisões.
12. O proprietário do apartamento 405 chamou uma empresa reparadora (a EE, Lda.) para proceder à remodelação da casa de banho (com substituição da banheira), cozinha e respetivas redes de águas e esgotos.
13. Após esses trabalhos de reparação e substituição da rede passou a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305 da segurada DD, proveniente da canalização de distribuição interior de água do apartamento 405 (rede privada dessa fração).
14. Essa água que apareceu na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305, em grandes quantidades e prolongadamente, uma vez que a proprietária estava ausente, causaram, igualmente, deteriorações nos tetos, paredes e chão da casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305, que obrigaram à sua reparação, bem como nos móveis e equipamentos neles existentes.
15. Na sequência do referido em 13 e 14 foi o Réu contactado pela LDC de Portimão a informar que a situação no apartamento 305 se tinha agravado.
16. Por carta datada de 16 de Outubro de 2015, que consta de fls. 96 e ss. e que aqui se dá por reproduzida, a BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., informou o Réu, entre o mais, de que: “Assim iremos proceder ao encerramento do processo de sinistro sem o pagamento de qualquer indemnização a V. Ex.ª, assumindo os danos causados à fracção lesada, através da garantia de responsabilidade civil.”
17. Por carta datada de 13 de Novembro de 2015, que consta de fls. 96 (v.) e que aqui se dá por reproduzida, a Autora comunicou ao Réu, entre o mais, o seguinte: “Com base na informação constante no relatório de peritagem elaborado pelos peritos nomeados (GEP.SA), informamos que o sinistro participado não tem enquadramento nas garantias da apólice. Esta conclusão deve-se ao facto do técnico responsável pela execução dos trabalhos na fracção de V.Exas assumir a responsabilidade dos prejuízos reclamados.”.
18. As supra citadas infiltrações de água causaram danos no apartamento 305, sendo que a segunda delas, referida em 13 e 14, causou os danos assim discriminados, por locais e valores:
A - Hall de Entrada
Operação Técnica Valor
Demolição e remoção de tectos falsos 14,40€
Remoção de mosaicos 40,32€
Remoção de escombros e transporte 12,50€
Fornecimento e aplicação de cerâmico 86,40€
Fornecimento e aplicação de primário nas paredes 34,20€
Aplicação de tinta nas paredes 88,92€
Rodapé em madeira 72,58€
Porta de entrada 495€
Limpeza final da obra 8€
Movimentação e protecção de móveis 10€
Tetos falsos 129,60€
Total 991,92€
*
B – Cozinha
Operação Técnica Valor
Remoção de mosaicos 104,72€
Remoção de azulejos 140€
Remoção de escombros 75€
Fornecimento e aplicação de cerâmico de parede 230€
Fornecimento e aplicação de cerâmico de pavimento 224,40€
Pintura de primário em tetos 18,70€
Tinta plástica 48,62€
Portas interiores 167€
Aros de janelas e portas 86,40€
Guarnições lisas 65€
Móvel balcão 1.015€
Móvel superior 1.210€
Remoção de mobiliário fixo 225€
Limpeza final 16€
Protecção de móveis 20€
Fornecimento e montagem de bancada 250€
Total 3.995,84€
*
C – Sala
Operação Técnica Valor
Remoção de mosaicos 362,60€
Fornecimento e aplicação de pavimento 777€ Aplicação de primário em teto 64,75€
Aplicação de tinta plástica em teto 194,25€
Aplicação de primário nas paredes 128,65€
Aplicação de tinta plástica em paredes 334,49€
Rodapé 282,53€
Carpinteiro 180€
Ajudante de carpinteiro 96€
Protecção de móveis 20€
Limpeza final 16€
Total 2.456,27€
*
D – Quarto
Operação Técnica Valor
Remoção de mosaicos 101,64€
Remoção de escombros 12,50€
Cerâmico de pavimento 217,80€
Aplicação de primário em tectos 18,15€
Tinta plástica em tectos 47,19€
Aplicação de primário em paredes 56€
Aplicação de tinta plástica em paredes 145,60€
Rodapé maciço 132,19€
Porta interiores 167€
Aros de janelas e portas 86,40€
Guarnições lisas 65€
Carpinteiro 120€
Limpeza final 16€
Proteção de móveis 20€
Total 1.205,47€
*
E – Casa de Banho
Operação Técnica Valor
Remoção de azulejos 105,28€
Remoção de mosaicos 64,68€
Remoção de escombros 12,50€
Aplicação de cerâmico do pavimento 138,60€
Aplicação de cerâmico de parede 172,96€ Portas interiores 167€
Aros de janelas e portas 86,40€
Guarnições 65€
Banheira 360€
Remoção de peças de mobiliário fixo 50€
Limpeza final 8€
Protecção de móveis 10€
Total 1.240,42€
*
F – Hall (2ª ocorrência)
Operação Técnica Valor
Remoção de mosaicos 35,28€
Remoção de escombros 12,50€
Aplicação de cerâmico de pavimento 75,60€
Portas interiores 167€
Aros de janelas e portas 86,40€
Guarnições 65€
Total 441,78€
*
G – Quarto (2ª ocorrência)
Operação Técnica Valor
Remoção de mosaicos 177,45€
Remoção de escombros 12,50€
Aplicação de cerâmico de pavimento 380,25€
Protecção de móveis 20€
Limpeza final 8€
Total 598,20€
19. Nas ditas divisões do apartamento 305 encontravam-se os móveis, equipamentos e utensílios que foram danificados e inutilizados, que abaixo se discriminam e individualmente se valoram:
Bem Valor
Torradeira 35€
Microondas 47€
Fogão 300€
Frigorifico 300€
Máquina de lavar roupa 275€
Aspirador 80€
Máquina de café 110€
Televisão 300€
Candeeiros 250€
Espelho 350€
Móvel de madeira 1.250€
Conjuntos de sofás 1.250€
Mesa de sala 250€
Mesa extensível 450€
Cadeiras 600€
Cortinados 250€
Espelho 250€
Mesa 75€
Candeeiro 150€
Conjunto de candeeiro 200€
Conjunto cortinado 250€
Televisor 250€
Móvel de cómoda + espelho 1.750€
Conjunto de candeeiros 200€
Móvel com gavetas 200€
Conjunto cortinados 250€
Colchão 250€
Total 9.922€
20. Os danos decorrentes do referido em 13 e 14 e enunciados em 18 e 19 foram causados por uma reparação deficiente, efectuada pela empresa EE, Lda.
21. Por conta do referido em 18 e 19 a Autora honrou a sua apólice e procedeu ao pagamento à sua segurada, no dia 14/03/2016, a quantia global de 18.776,70€.

E foram considerados não provados estes factos:
22. A apólice referida em 9 encontra-se anulada desde 09 de Outubro de 2016.
23. Os danos referidos em 18 e 19 decorreram, também, da ocorrência referida em 10 e 11.
24. Em 8 de Janeiro de 2016, a BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. informou o Réu, de que a participação efectuada pela empresa EE, Lda., não se encontra garantida no âmbito da Responsabilidade Civil Geral, com esta contratada.
25. Conforme comunicação da Autora, na qualidade de seguradora da empresa EE, Lda., a Autora, BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., comunicou que a sua segurada havia assumido a responsabilidade pelos prejuízos reclamados.

Do erro de julgamento de facto.
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental e depoimentos das testemunhas registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificou os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indicou os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados e referiu a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida.
É certo que a recorrente não indicou as passagens da gravação relativamente a nenhuma testemunha, mas isso ficou a dever-se por considerar que a prova documental, concretamente o relatório pericial junto aos autos deve prevalecer sobre o depoimento da testemunha Sérgio M…, na qual o Tribunal a quo assentou a sua convicção para julgar a matéria de facto agora impugnada pela recorrente.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Infere-se das conclusões da recorrente que esta está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente ao ponto 18 dos factos provados e 23 dos factos não provados
Segundo a recorrente, da prova documental produzida, designadamente do relatório pericial que constitui o documento nº 1 junto com a petição inicial, resulta suficientemente provado que os danos ocorridos no apartamento 305 da segurada da recorrente foram causados pela água proveniente da canalização do apartamento 405 do réu, em consequência da rotura por apodrecimento do ralo da banheira em Agosto de 2015 e da subsequente fuga de água proveniente da rede de esgotos do mesmo apartamento, e também da reparação efetuada posteriormente e que não ficou bem.
Defende por isso a recorrente que a matéria constante do ponto 18 dos factos provados deve ser alterada, eliminando a restrição aos danos causados apenas pela reparação mal feita, propondo a seguinte redação para aquele ponto da matéria de facto:
«18. As supra citadas infiltrações de água causaram danos no apartamento 305, assim discriminados, por locais e valores: …».
Acrescenta a recorrente que em consequência dessa alteração deve proceder-se à eliminação do ponto 23 dos factos não provados.
Analisando o teor do “relatório de peritagem patrimonial” de fls. 45 a 49, não se pode escamotear que aí é referido, na parte relativa à descrição do sinistro, que «os danos na fração segura foram provocados pela fração superior e por duas ocorrências distintas, a primeira no mês de Agosto e a segunda no final do mês de Setembro», e que «foram abertos dois processos para regularizar as duas ocorrências que provocaram os danos na fração segura».
Sucede, porém, que o Sr. Juiz a quo atendeu ao depoimento da testemunha Sérgio M…, que revelou «conhecimento da situação, confirmou os termos das inundações e os prejuízos verificados (evidenciando que os valores apurados e elencados em 18 e 19 se reportaram à segunda das inundações em causa)».
Esta testemunha, cujo “conhecimento da situação” não foi devidamente concretizado na motivação da decisão de facto é, nem mais nem menos, o perito avaliador que elaborou o mencionado relatório de peritagem, daí lhe advindo um conhecimento direto dos factos.
Por isso, e para que dúvidas não houvesse, procedemos à audição do suporte áudio na parte relativa ao depoimento daquela testemunha, e pudemos comprovar que os prejuízos avaliados pela mesma e refletidos no relatório de peritagem, são efetivamente os decorrentes da segunda inundação, esclarecendo a testemunha Sérgio M… que os prejuízos decorrentes da primeira inundação terão sido insignificantes.
Não tem, pois, razão a recorrente ao pretender que os danos avaliados são os decorrentes das duas inundações, sendo certo que uma coisa é mencionar-se no relatório de peritagem ter havido duas ocorrências, e outra diferente é saber se os danos verificados dizem respeito a ambas as ocorrências ou apenas a uma delas, dúvida que o próprio perito que elaborou o relatório esclareceu no sentido de se reportarem apenas à segunda inundação.
Resulta, assim, do exposto que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Sr. Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, a qual, por isso, permanece intacta.

Da responsabilidade civil do réu.
Entendeu-se na sentença recorrida que tendo o réu mandado reparar a canalização do seu apartamento à sociedade EE, Lda., e tendo esta efetuado o serviço deficientemente de modo a deixar fuga de água na canalização reparada, o réu não é responsável pelos danos sofridos pela segurada da autora «por ser de afastar a aplicabilidade do artigo 493º nº1 do Código Civil».
Discorda a recorrente deste entendimento, contrapondo que competia ao réu, enquanto proprietário, vigiar o seu imóvel e efetuar a sua conservação, de modo a evitar que fossem causados danos a terceiros como os que sofreu a segurada da autora/recorrente, nos termos do art. 493º, nº1, do Código Civil[1], e que o facto de a conservação (obras) não ter sido feita pessoalmente pelo réu, mas por uma empresa a seu mando não afasta a responsabilidade do réu, verificando-se entre este e a sociedade que o mesmo incumbiu de realizar as obras de conservação/reparação, uma relação de comitente/comissário.
Vejamos, pois, de que lado está a razão.
A responsabilidade do “comitente” vem prevista no art. 500º do CC.
Da leitura do preceito resulta que a responsabilidade do comitente depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) a existência de uma relação de comissão (caracterizada por uma relação de subordinação ou dependência do comissário para com o comitente, que autorize este a dar ordens ou instruções àquele); b) a prática do facto ilícito pelo comissário (gerador de responsabilidade civil) no exercício da sua função (de que provenha dano para terceiro); c) e a responsabilidade do próprio comissário (quanto à obrigação de indemnizar).
O art. 500º do CC institui uma situação de responsabilidade objetiva do comitente ao determinar, no seu nº 1, que, desde que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar, aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar[2].
Porém, de harmonia com o seu nº 2, a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.
Como explicam Pires de Lima e Antunes Varela[3], «[o] termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos 266º e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.».
Acrescentando os mesmos autores que «[a] responsabilidade do comitente só existe, nos termos do nº 2, se o facto danoso for praticado pelo comissário no exercício da função que lhe é confiada».
Contrariamente, porém, ao sustentado pela recorrente, o caso em apreço não envolve qualquer relação de comissão entre o réu e a empresa que realizou as obras no seu apartamento, das quais resultou uma inundação no andar da segurada da autora que provocou os danos cujo ressarcimento é reclamado na presente ação.
Na verdade, provou-se que o proprietário do apartamento 405, ora réu, chamou uma empresa reparadora (a EE, Lda.) para proceder à remodelação da casa de banho (com substituição da banheira), cozinha e respetivas redes de águas e esgotos (ponto 12 dos factos provados), sendo que a contratação da referida sociedade se deveu ao facto de o ralo da banheira do seu apartamento se encontrar corroído e podre, o que fazia com que a água proveniente da utilização da banheira se escoasse para a placa de separação entre os pisos terceiro e quarto e começou a aparecer na cozinha, hall, quarto e casa de banho do apartamento 305, imediatamente por debaixo daquele, danificando os respetivos tetos, paredes, chão e móveis e equipamentos existentes nessas divisões (ponto 11 dos factos provados).
Escreveu-se a este propósito no Acórdão do STJ de 07.04.2011[4]:
«(…), nas relações subsumíveis ao contrato de empreitada, regulado nos arts. 1207º e ss. do C. Civil, avultam o resultado da obrigação do empreiteiro e a sua autonomia quanto aos meios utilizados para a respectiva realização.
O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado.
Inexiste, numa palavra, qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência do empreiteiro ao dono da obra, posição que o conteúdo do mero direito de fiscalização consagrado no art. 1209º não prejudica nem limita.
Não cabe, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada (cfr., nesse sentido, acs. STJ de 09/6/2005 – Proc. 05B1424 e de 04/3/2008 – 08A164 (desta Conferência e relator); PEDRO ROMANO MARTINEZ, “Contrato de Empreitada”, 1994, pg. 183)».
A questão envolve, pois, o problema da delimitação da responsabilidade pelos danos decorrentes de factos ilícitos na execução do contrato de empreitada.
Assim, «[t]udo tem a ver com o tipo de relações que ligam o dono da obra ao empreiteiro na vertente de poderem qualificar-se ou não como equivalentes às que se estabelecem entre comitente e comissário para efeitos de aplicação da norma do art. 500º, nº 2, do CC.
Ora, sem embargo de o dono da obra poder acompanhar e fiscalizar a execução da obra, é entendimento corrente e tal decorre diretamente do regime legal do contrato de empreitada (arts. 1207º e ss. do CC) que a relação entre dono da obra e empreiteiro, por não existir o elemento subordinação, não envolve a responsabilidade solidária pelos danos ocorridos na execução da obra nos termos do referido nº 2 do art. 500º do CC.
É neste sentido a lição de Vaz Serra segundo o qual o dono da obra não é um comitente do empreiteiro (RLJ nº112º pgs. 314) e, entre outros, assim decidiu o STJ no Ac. de 31/01/79 in BMJ 283º/286)
Porém, para bem avaliar do âmbito da responsabilidade dos intervenientes no contrato de empreitada, necessário se torna averiguar do rigoroso conteúdo deste contrato pois a responsabilidade do dono da obra pode resultar, dos específicos contornos da relação entre ambos estabelecida, uma vez que do tipo da obra em questão pode, sem mais, com ou sem responsabilidade concreta do empreiteiro, resultar necessariamente, da sua execução, a ofensa de direitos de terceiros.» [5].
Não é, porém, o que sucede in casu, pois tendo-se provado que após os trabalhos de reparação e substituição da rede realizados pela sociedade EE, Lda. passou a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305 da segurada da autora, proveniente da canalização de distribuição interior de água do apartamento do réu, e que os danos daí decorrentes e supra elencados foram causados por uma reparação deficiente, efetuada pela referida sociedade, não se encontram fundamentos, nomeadamente os invocados pela recorrente, que permitam sustentar a pretendida indemnização pelo réu, que nada teve a ver com a execução deficiente dos trabalhos realizados por terceiro.
Afastada, pois, a culpa do réu na produção dos referidos danos, não tem aplicabilidade ao caso o disposto no art. 493º, nº 1, do CC, como bem se decidiu na sentença recorrida.
Improcedem assim todas as conclusões do recurso, não se mostrando violadas as normas invocadas pela recorrente ou quaisquer outras.
Vencida no recurso, a recorrente suportará as custas respetivas (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário:
I - O empreiteiro não é mandatário do dono da obra, agindo, diversamente, com inteira autonomia na respectiva execução, escolhendo os meios e utilizando as regras de arte que tenha por próprias e adequadas para cumprimento da exacta prestação correspondente ao resultado contratado, sem qualquer vínculo de subordinação ou relação de dependência, não cabendo, por isso, falar-se de relação de comissão entre os sujeitos do contrato de empreitada.
II - Para avaliar do âmbito da responsabilidade dos intervenientes no contrato de empreitada, é necessário averiguar do conteúdo deste negócio, pois a responsabilidade do dono da obra pode resultar dos específicos contornos da relação estabelecida com o empreiteiro, designadamente, do tipo de obra em questão, dos quais pode resultar, com ou sem responsabilidade concreta do empreiteiro, a ofensa de direitos de terceiros.
III - Tendo-se provado que após os trabalhos de reparação e substituição da rede realizados pela empreiteira passou a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento da segurada da autora, proveniente da canalização de distribuição interior de água do apartamento do réu (dono da obra), e que os danos daí decorrentes foram causados por uma reparação deficiente da empreiteira, mostra-se ilidida a presunção de culpa do art. 493º, nº 1, do CC, não sendo exigível qualquer indemnização ao réu.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Évora, 28 de Fevereiro de 2019
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião (votei vencido, conforme declaração de voto que junto).
Declaração de voto

Não acompanhei a decisão adotada por considerar que o Réu, enquanto proprietário do apartamento n.º 405, é responsável pelos danos provocados no apartamento 305 da segurada da recorrente, face ao que preceitua o n.º1 do art.º 493.º do C. Civil, pois era aquele que estava obrigado a proceder à sua conservação e vigilância, designadamente das suas redes interiores de esgotos, de forma a evitar que estas pudessem causar danos aos restantes condóminos.
Com efeito, decorre dos factos assentes que que o proprietário do apartamento 405 chamou uma empresa reparadora (a ReservAlegria, Lda.) para proceder à remodelação da casa de banho (com substituição da banheira), cozinha e respetivas redes de águas e esgotos e que após esses trabalhos de reparação e substituição da rede passou a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305 da segurada Maria José, proveniente da canalização de distribuição interior de água do apartamento 405 (rede privada dessa fração) – factos 12 e 13.
E mais se provou que os danos decorrentes do referido em 13 e 14 e enunciados em 18 e 19 foram causados por uma reparação deficiente, efetuada pela empresa ReservAlegria, Lda.
Assim, está provado que os danos ocorridos no apartamento 305, suportados pela Autora na sequência do contrato de seguro, foram causados pela água proveniente da canalização do apartamento 405 pertencente ao Réu, em consequência da rotura por apodrecimento do ralo da banheira em Agosto de 2015 e em consequência da fuga de água proveniente da rede de esgotos do mesmo apartamento, em consequência da reparação por ele mandada efetuar e que não foi corretamente realizada.
Sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou atividades”, prescreve o n.º1 do art.º 493.º do C. Civil:
“Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”.
Trata-se apenas, nas palavras de Rodrigues Bastos, in “ Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 1972, pág. 99, “ de presumir que o guarda da coisa tem culpa no facto causador do dano. Porquê? Porque quem tem a coisa à sua guarda deve tomar as medidas necessárias para evitar o dano”
Mas a presunção de culpa que incide sobre aquele que tem o poder de facto ou de direito sobre coisa (móvel ou imóvel) e o respetivo encargo de a vigiar pode ser afastada, provando que o dano ocorreu sem culpa sua ou devido a caso fortuito.
Ora, o Réu não se pode eximir dessa responsabilidade pela circunstância, acolhida na decisão que fez vencimento, de ter contratado uma empresa para resolver o problema da “inundação”, a qual, por não ter adequadamente prestado os seus serviços não impediu as infiltrações, pela singela razão desta entidade não responder perante o segurado da Autora, mas perante a parte que o contratou, o Réu, podendo este, se for o caso, reaver o valor dos danos que pagar por via do direito de regresso. O que não pode, com o devido respeito, para ilidir a presunção de culpa inscrita no n.º1 do art.º 493.º do C.C., é alegar e provar que mandou fazer a reparação e que esta não foi bem-feita, lavando daí as suas mãos, exigindo-se ao Autor a demanda desta terceira entidade pela reparação do prejuízo.
É que, na situação concreta, incumbe ao réu, porque sobre ele incide a obrigação legal de vigiar o seu prédio de modo a impedir que a água proveniente da canalização ocasione danos no prédio da segurada da Autora, realizando nele as obras necessárias e adequadas a impedir esse resultado.
Se contratou empresa sem as devidas qualificações técnicas para o efeito, ou se incumpriu esse contrato, sibi imputet.
A decisão que fez vencimento conclui que “os danos daí decorrentes e supra elencados foram causados por deficiente, efetuada pela dita sociedade, não se encontram fundamentos, nomeadamente os invocados pela recorrente, que permitam sustentar a pretendida indemnização pelo réu, que nada teve a ver com a execução deficiente dos trabalhos realizados por terceiro”.
Ora, não acompanho este raciocínio, pois, como é consabido, o empreiteiro responde apenas perante o dono da obra pelos defeitos da obra, nos termos do art.º 1218.º e segs. do C. Civil, sendo que se exige ao dono da obra o dever de verificar, antes de a aceitar, “se ela se encontra nas condições convencionadas e sem vícios” – n.º1 do art.º 1218.º.
Como afirma Romano Martinez, “Cumprimento defeituoso. Em especial na compra e venda e na empreitada”, reimp., Almedina, Coimbra, 2001, pág. 185, o dever de o dono da obra verificar a construção encontra o seu fundamento no princípio da segurança jurídica, uma vez que só desta forma o cumprimento da prestação por parte do empreiteiro deixa de ser colocado em questão. Se assim não fosse, o dono da obra ficaria numa posição privilegiada, pois procederia à aceitação da obra sem confirmar que correspondia à prestação devida pelo empreiteiro.
Logo, recaía sobre o dono da obra, no caso o Réu, o ónus de examinar a obra e verificar se após a sua reparação continuava ou não a aparecer água na casa de banho, no hall e no quarto do apartamento 305 da segurada Maria José.
Resumindo, não demonstrou o réu, como lhe competia, não ter tido qualquer culpa na produção desse dano, sendo, para o efeito, manifestamente insuficiente os factos provados nos n.ºs 12, 13, 14 e 20.
Teria, pois, julgado procedente a apelação e condenado o réu no pagamento da quantia peticionada, por considerar verificados os pressupostos da responsabilidade civil inscritos no n.º1 do art.º 493.º do C. Civil.
Évora, 28 de fevereiro de 2019
Tomé Ramião

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[1] Doravante CC.
[2] Se a atividade do comissário lhe aproveita in utilibus, deve também sofrer-lhe as consequências in damnosis. Trata-se, afinal, de uma aplicação do princípio fundamental de justiça que se exprime na máxima ubi commoda, ibi incommoda.
[3] Código Civil Anotado, volume I, 3ª edição, p. 480.
[4] Proc. 5606/03.3TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Acórdão do STJ de 14.09.2006, proc. 06B2337, in www.dgsi.pt.