Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 11/09/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O dever de segredo deve ceder, por prevalência do interesse do acesso ao direito e da descoberta da verdade material, com vista à realização da justiça, desde que se apure que a pretendida informação é instrumentalmente determinante, necessária e imprescindível para demonstrar a factualidade controvertida. (Sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Os presentes autos consistem no incidente para quebra do sigilo bancário suscitado no âmbito da oposição, mediante embargos de executado, que (…) e (…) movem a (…), atenta a execução que este lhes instaurou para pagamento da quantia de € 243.528,77 com base no documento particular de confissão de dívida apresentado como título executivo. Em sede de oposição, foi alegado, designadamente, o seguinte: «o falecido (…) recebeu, a título de empréstimo, sem forma legal, em 10 de Março de 1998, de (…) ora Exequente a quantia de 35.000.000$00 (trinta e cinco milhões de escudos), correspondente a € 175.000,00 euros, através do cheque n.º (…) do Banco (…), pertencente à conta n.º (…), conforme cópia do cheque emitido pelo Exequente, que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. A referida quantia serviu para (…) poder emprestar dinheiro ao seu filho, (…), ora Oponente, para a aquisição, por parte deste, de uma quota na sociedade comercial "(…), Lda.". Negócio este, da aquisição da quota, por parte do Oponente (…), que se concretizou em 14 de Maio de 1998. Ora, o valor recebido a título de empréstimo foi integralmente pago ao Exequente. O Exequente já recebeu, integralmente, todos os valores que emprestou a (…). Em 10 de Março de 1999, o Exequente recebeu a quantia de 5.000.000$00, correspondente a € 25.000,00 euros. Em 20 de Março de 2000, o Exequente recebeu a quantia de 20.000.000$00, correspondente a € 100.000,00 euros. O Exequente, por si, ou através da sua mulher (…), recebeu, ainda, em numerário, pelo menos, as seguintes quantias nas datas indicadas: a) Em 26/04/2005, €10.000,00 euros; b) Em 07/02/2006, €8.000,00 euros; c) Em 26/02/2006, €10.000,00; d) Em 12/06/2006, €2.500,0; e) Em10/10/2007, €5.000,00; f) Em 18/12/2006, €5.000,00; g) Em 30/04/2007, € 2.500,00 euros; h) Em 08/06/2007, € 5.000,00 euros; i) Em 03/08/2007, € 2.500,00 euros; j) Em 30/08/2007, €5.000,00; k) Em 11/08/2006, €2.000,00; I) Em 29/01/2008, €5.000,00; m) Em 23/10/2008, €8.811,89; n) Em 28/05/2009, €10.000,00; o) Em 04/07/2009, € 20.000,00 euros; p) Em 23/12/2009, €10.000,00 euros; q) Em 05/05/2010, €10.000,00 euros; r) Em 24/12/2010, €15.000,00 euros; s) Em 05/02/2011, € 5.000,00 euros. O Exequente recebeu, ainda, em 20/11/2007, a quantia de € 5.000,00 euros por transferência bancária efectuada na sua conta bancária, conforme documento que se junta e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.» Perante a impugnação de tal matéria factual, foi incluído na base instrutória o seguinte: 5.º - Os executados solicitaram ao exequente a cedência da quantia referida em B) supra? 10.º - (…) recebeu a título de empréstimo, do exequente, em 10.03.1998, a quantia de € 175.000,00, através de cheque nº (…), quantia essa que serviu para aquele emprestar esse dinheiro ao executado (…), seu filho, para a aquisição, por parte deste último, de uma quota na sociedade comercial "(…), Lda"? 11.º - Valor esse que foi ressarcido ao exequente mediante pagamentos parcelares? Por despacho de 12/10/2015, o Tribunal de 1.ª instância aludiu ao seguinte: - a alegada forma de pagamentos, em numerário; - o prazo de duração desses pagamentos, entre 10 de Março de 1999 e 5 de Fevereiro de 2011; - o desconhecimentos, por parte dos opoentes, das contas bancárias onde o dinheiro foi depositado, se é que foi depositado. O exequente negou o seu consentimento à consulta das contas bancárias. Notificado o Banco de Portugal para indicar as instituições bancárias onde o exequente tem contas bancárias, apresentou-se a «deduzir escusa legítima na prestação da informação solicitada, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 135.º do Código de Processo Penal e da alínea c) do n.º 3 do artigo 417.º do Código de Processo Civil, salientando que se compromete a prestar, de imediato, a informação solicitada assim que for notificado do levantamento jurisdicional do dever de segredo nos termos do incidente previsto no citado artigo 135.º do Código de Processo Penal.» Invoca, para tanto, o disposto nos arts. 80.º e 81.º-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras. II – Fundamentos A – Dados a considerar Aqueles que resultam do relato que antecede B – O Direito Em sede de instrução da causa, o art. 417.º do CPC consagra o dever de cooperação para a descoberta da verdade, dever esse que recai sobre todas as pessoas, sejam ou não partes na causa. Todas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados. Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis, acarretando a inversão do ónus da prova se o recusante for parte, nos moldes estatuídos no n.º 2 da referida disposição legal. Nos termos do disposto na al. c) do n.º 3 do art.º 417.º do CPC, a recusa é legítima se a obediência importar violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4 que, por sua vez, estabelece que deduzida a escusa com tal fundamento, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado. O que nos conduz para o regime inserto no art.º 135.º do CPP, cujo n.º 2 estabelece que cabe, em primeira linha, aferir da (i)legitimidade da escusa; mostrando-se justificada a escusa, atento o disposto no n.º 3 do referido preceito legal, cumpre suscitar o incidente perante o tribunal superior, que pode decidir pela quebra do segredo, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade dos elementos e informações para a descoberta da verdade. Efetivamente, «o dever de cooperação para a descoberta da verdade tem como limite (para além do respeito pelos direitos fundamentais enquanto limite absoluto imposto constitucionalmente), o acatamento do dever de sigilo, ou seja, o juiz não pode, pelo menos em absoluto, ao abrigo do dever de cooperação, provocar, por via da requisição de alguma informação, a violação pela entidade requisitada do segredo profissional a que a mesma se encontre legalmente vinculada.»[1] Importa, por via do dever do sigilo, proteger os direitos pessoais, como o bom nome e reputação e a reserva da vida privada, bem como o interesse da proteção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes. No caso em apreço, está em causa o dever de segredo do Banco de Portugal, regulado nos arts. 80.º, 81.º-A n.º 4, a contrario sensu, 84.º do RGICSF, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro. Ora, nos termos do disposto no art. 80.º n.º 2 do referido diploma, «Os factos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal.» Na medida em que a intimação dirigida pelo Tribunal ao Banco de Portugal não seguiu instruída com autorização, para o efeito visado, por parte do exequente titular das contas, cabe concluir ser legítima a escusa deduzida pelo Banco de Portugal. O que, por via do disposto no art. 417.º, n.ºs 3, al. c) e 4, do CPC, implica na apreciação da questão atinente à quebra do dever do sigilo invocado em sede do competente incidente, de que ora se cuida.
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