Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1365/17.0T8SLV.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
INFRACÇÃO RODOVIÁRIA
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
DILIGÊNCIAS DE PROVA
Data do Acordão: 06/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – No âmbito do processo de contraordenação estradal, a autoridade administrativa não tem que proceder a todas as diligências de prova requeridas pelo arguido, designadamente audição de testemunhas, mas apenas àquelas diligências que surgem como relevantes no quadro legal em vigor para o apuramento da infracção.
II – Tendo o arguido aceite, confessadamente, a prática da contra-ordenação que lhe foi imputada (condução automóvel com excesso de velocidade), qualquer reflexão probatória sobre as posteriormente invocadas «justificação da ilicitude» e «exclusão da culpa», se traduziria em nítida violação do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis (artigo 130.º, do Código de Processo Civil), designadamente em função de quanto fosse relevante para a descoberta da verdade material, que é o objectivo do processo contra-ordenacional.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1365/17.0T8SLV.E1
[1401]


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I

1 – Nos autos de recurso de contra-ordenação em referência, precedendo pagamento voluntário da coima, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) condenou o arguido, BB, foi condenado, pela prática de factos consubstanciadores de uma contra-ordenação prevista e punível (p. e p.) nos termos do disposto nos artigos 27.º n.os 1, 2 alínea a) e 4, 138.º e 146, alínea i), do Código da Estrada (CE) – condução automóvel à velocidade de 117 km/h dentro de localidade – na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 120 dias.

2 – O arguido levou recurso de impugnação judicial daquela decisão administrativa.

3 – Precedendo audiência de julgamento, a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido, por sentença de 1 de Novembro de 2017, decidiu manter a decisão recorrida.

4 – O arguido interpôs recurso da sentença.
Pretende ver-se absolvido.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«I. A sentença ora recorrida, validou a decisão administrativa que fez tábua rasa de um direito fundamental de qualquer Arguido, neste caso, rejeitando o pedido de inquirição de testemunha que arrolou, tendente à prova de circunstâncias que enunciou que se prendem, com a justificação da ilicitude e exclusão da culpa e consequentemente essencial à sua defesa;
II. Ao assim proceder, validou decisão que omitiu diligência fundamental – art. 120º nº 2 al. d) do CPP, aplicável subsidiariamente ex vi do disposto no art. 41º do RGCO;
III. A decisão proferida pela ANSR é igualmente nula, atento o disposto no art. 379º nº 1 al. c)- uma vez que se deveria ter pronunciado sobre tal matéria de exclusão da ilicitude e da culpa – arts 31º nº 2, al. c) 1ª parte e 35º do C. Penal, igualmente aplicáveis em sede contra ordenacional por via do disposto no art. 32º do RGCO.
IV. Ao validar uma decisão nula da ANSR, a sentença de que ora se recorre, sanciona uma decisão que padece de vários vícios, constituindo essa validação ou sanção, uma violação de lei em si mesma, pois que se traduz na supressão de garantias de defesa e do exercício do direito de defesa, valores superiores da comunidade jurídica, com consagração constitucional.
V. A sentença recorrida, faz errada interpretação da lei, devendo ser substituída por outra que declarasse a nulidade da decisão administrativa.
VI. Ao assim não proceder, violou todas as supra indicadas disposições legais.»

5 – O recurso foi admitido, por despacho de 19 de Dezembro de 2017.

6 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso.
Defende a confirmação do julgado.
Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:
«1º - A sentença ora posta em crise julgou totalmente improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pelo recorrente da decisão administrativa e manteve a decisão recorrida, nos seus precisos termos, e determinou o cumprimento por parte da recorrente da sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 120 dias.
2º - Inconformado, o recorrente interpôs desta decisão recurso, alegando em síntese que o Tribunal a quo validou a decisão administrativa que rejeitou o pedido de inquirição da testemunha arrolada, que a decisão administrativa não apreciou a prova tendente à justificação da ilicitude e à exclusão da culpa, e que a sentença do Tribunal a quo padece de vícios porque validou a decisão da ANSR que é nula.
3º- Contudo, salvo o devido respeito, o presente recurso não merece provimento.
4º - O Tribunal a quo justificou o facto da entidade administrativa não ter procedido à inquirição.
Com efeito,
5º- Afirmou que, apesar do artigo 50º do Decreto-Lei 433/82 de 27 de Fevereiro estabelecer que não é permitida a aplicação de uma coima sem previamente o arguido se pronunciar sobre a contra-ordenação,
6º- A verdade é que a entidade administrativa não tem que proceder a todas as diligências apresentadas, se estas se revelarem dilatórias ou não pertinentes, e,
7º- Recaindo a obrigação do arguido ora recorrente indicar expressamente, nos termos do artigo 175º/4 do Código da Estrada os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas, este não o fez.
8º- Ora, a entidade entendeu que o arguido tinha confessado a prática da contra-ordenação tout court.
Mais se dirá que
9º - A causa indicada pelo recorrente não justificava a ilicitude dos factos noticiados nem excluía a sua ilicitude.
10º- O recorrente disse ainda que a decisão administrativa não se pronunciou quanto à eventual existência de causas de justificação ou de exclusão da culpa.
11º- Entendemos que a autoridade administrativa não era obrigada a pronunciar-se quanto a esse item.
12º- Com efeito, o artigo 58º do Regime Geral das Contra-Ordenações não o prevê expressamente. Pois, aquele dispositivo manda a autoridade administrativa descrever os factos imputados, indicar as provas obtidas e as normas segundo as quais se pune, e ainda fundamentar a decisão.
13º- A decisão administrativa cumpriu os ditames daquele artigo.
14º- Assim, concluímos que o Tribunal a quo decidiu bem ao determinar que a decisão administrativa não enfermava de qualquer nulidade, não merecendo qualquer censura.»

7 – Nesta instância, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público apôs «visto» nos autos.

8 – O objecto do recurso, tal como demarcado pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, reporta à pretextada nulidade da decisão administrativa e consequente nulidade da sentença confirmatória, seja por a autoridade administrativa ter rejeitado o pedido de inquirição de testemunha arrolada pelo arguido, seja na medida em que omitiu pronúncia sobre a matéria de exclusão da ilicitude e da culpa.
II

9 – A Mm.ª Juiz do Tribunal a quo apreciou a matéria de facto nos seguintes termos:
«Da discussão da causa, e com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos:
1) No dia 3 de Setembro de 2014, pelas 10h33, na EN …, no …, área deste Juízo de Competência Genérica, o Recorrente conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, com a matrícula … a uma velocidade de 117Km/h correspondente à velocidade registada de 124Km/h, deduzido o erro máximo admissível.
2) A velocidade máxima permitida no local era de 50Km/h.
3) O Recorrente revelou desatenção e irreflectida inobservância das normas de direito rodoviário, actuando com manifesta falta de cuidado e prudência que o trânsito de veículos aconselha e no momento se lhe impunham, não procedendo com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz.
4) O Recorrente efectuou o pagamento voluntário da coima que lhe foi aplicada.
5) O Recorrente tem averbado no seu registo individual de condutor a prática de uma contra-ordenação muito grave praticada em 22 de Junho de 2011.
B – Factos não provados:
Não ficaram por provar quaisquer factos para a decisão da causa, com relevância para a decisão a proferir.
C – Motivação:
O Tribunal formou a sua convicção, essencialmente, com base nos factos admitidos pelo Recorrente no requerimento de interposição do presente recurso e na análise e valoração da prova documental produzida nos autos, designadamente:
- O auto de contra-ordenação de fls. 5, que foi confirmado pela testemunha CC, militar da GNR que o elaborou.
- Prova fotográfica de folhas 7;
- O registo individual do condutor junto a fls. 9;
- Decisão administrativa proferida a fls. 11.
Nos termos do artigo 170.º, n.º3, do Código da Estrada, o auto de notícia faz fé em juízo, até prova em contrário.
Assim, foram considerados os factos ali descritos em concatenação com as regras da experiência comum e com a formação do condutor médio, o qual tem conhecimento das normas estradais, face à formação de que foi alvo aquando a frequência das aulas de aprendizagem de condução automóvel.»

10 – Mais ponderou, de jure, sobre as questões que lhe foram suscitadas pelo arguido:
«Da nulidade por preterição do direito de defesa.
Invoca o Recorrente que a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária fez tábua rasa de um direito fundamental de qualquer Arguido, nomeadamente porque rejeitou o pedido de inquirição de uma testemunha que arrolou, tendente à prova de circunstâncias que enunciou e que se prendem, com a justificação da ilicitude e exclusão da culpa e consequentemente essencial à sua defesa.
Nos termos do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95 de 14 de Setembro “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.
Por sua vez, o artigo 54º.º do citado diploma legal constitui um afloramento do princípio da investigação oficiosa.
O artigo 50.º do Regime Geral das Contra-Ordenações confere o direito do Arguido conhecer e se pronunciar sobre a contra-ordenação pela qual se encontra indiciado, podendo, designadamente, apresentar prova, sendo que, não tem a entidade administrativa que proceder a todas as diligências peticionadas, particularmente as que sejam meramente dilatórias ou que não sejam pertinentes.
Por outro lado, estabelece o n.º 4 do artigo 175.º do Código da Estrada que «o arguido, na defesa deve indicar expressamente os factos sobre os quais incide a prova, sob pena de indeferimento das provas apresentadas.»
No caso dos autos, da ênfase do Recorrente em sustentar que lhe foi negado o direito de defesa parece resultar que tendo requerido a inquirição de uma testemunha relevante, viu negada a possibilidade de as produzir.
Ora, não tem que ser ordenado tudo aquilo que o Requerente entende, como que fazendo da autoridade administrativa “seu paquete”. Mas apenas aquelas diligências que surgem como relevantes no quadro legal em vigor para o apuramento da infracção.
Refere a entidade administrativa que não ouviu a testemunha arrolada pelo Arguido, “pois não se mostra a mesma face aos factos alegados pelo Arguido importante para a prova dos factos, resultando apenas a mesma como prova da sua personalidade e carácter, não servindo como prova dos factos, a sua audição afigura-se desnecessária.»
Ora, tal decisão da autoridade administrava compreende-se e salvo melhor opinião mostra-se ajustada. Desde logo, porque o Recorrente admitiu a prática da contra-ordenação.
Acresce que que defesa apresentada e constante do ponto 10 da impugnação judicial não consubstancia qualquer factualidade que permita configurar causa de justificação de ilicitude, nem a mesma é susceptível de excluir a culpa do Recorrente, pelo que mesmo que tal factualidade se desse como integralmente provada tal não afastaria a ilicitude e a culpa do recorrente.
Ademais também entendemos que a versão apresentada nem sequer é susceptível de atenuar a culpa, daí que nem faria sentido ouvir a testemunha em causa.
Tendo, pois, sido assegurado plenamente, dentro da economia própria do processo de contra-ordenação, o direito de defesa do Recorrente, razão pela qual se indefere a apontada nulidade por preterição do direito de defesa.
Da nulidade da decisão administrativa.
Invoca o Recorrente que a decisão é nula, uma vez que se deveria ter pronunciado sobre a matéria de exclusão da ilicitude e da culpa – artigos 31.º n.º2 al. c) 1.ª parte e 35.º do Código Penal, aplicáveis em sede contra-ordenacional por via do disposto no artigo 32.º do Regime Geral das Contra-Ordenações.
De acordo com o artigo 58.º n.º1 do Regime Geral das Contra-Ordenações «A decisão que aplica coima ou as sanções acessórias deve conter: a) a identificação dos Arguidos; b) a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão.»
Os requisitos estabelecidos no citado normativo visam claramente assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão.
Pese embora a lei não defina qual o âmbito ou rigor da fundamentação que aqui se impõe, a jurisprudência tem sufragado que se não exige nela um rigor e extensão equivalente à do artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, por várias razões: por um lado, porque esta é uma decisão administrativa, que não se confunde com a sentença penal, como o ilícito contra-ordenacional não se confunde com o ilícito penal (são realidades distintas, revestindo a sentença penal uma maior solenidade, tendo em conta, precisamente, uma supremacia dos interesses em causa) [neste sentido Acórdão da Relação do Porto de 1 de Outubro de 2008, Processo n.º 0843223, acessível in www.dgsi.pt]. Por outro, porque aquela decisão, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (artigo 62.º, n.º 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações) [neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 125/11.7TBFCR.C1, acessível em www.dgsi.pt].
Não faz, assim, qualquer sentido que a decisão administrativa – que em caso de impugnação se converte em acusação – tenha que obedecer aos requisitos da sentença penal, como se tal acusação tivesse que obedecer a um rigor de fundamentação igual ao da sentença penal.
Por fim, seria incongruente e destituído de sentido que a fundamentação estabelecida no artigo 58.º n.° 1 alínea c) do Regime Geral das Contra-Ordenações tivesse a amplitude prevista no artigo 374.º n.º2 do Código de Processo Penal, no que à fundamentação da sentença respeita, quando naquela se estabelecem outros elementos que deve conter a decisão administrativa – essa exigência não faria sentido se ao dever de fundamentar que aí se prevê se atribuísse o alcance que resulta do artigo 374.º n.º2 do Código de Processo Penal retirando sentido à exigência contida nas alíneas b) e c) daquele artigo 58.º.
Como referem Simas Santos e Lopes de Sousa [in Contra-Ordenações Anotações ao Regime- Geral, 6.ª edição, 2011, página 424] as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa.
No fundo, a fundamentação, tal como é estabelecida no artigo 58.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, será suficiente desde que se justifique as razões pelas quais é aplicada esta ou aquela sanção ao Arguido, de modo que este, lendo a decisão, se possa aperceber, de acordo com os critérios da normalidade de entendimento, das razões pelas quais é condenado e, consequentemente, impugnar tais fundamentos.
É certo que na decisão administrativa em causa não se pronuncia sobre a exclusão da ilicitude e da culpa.
Simplesmente, não se vislumbra a necessidade de tal exame.
Primeiro porque o citado artigo 58.º o não exige expressamente, limitando-se a exigir a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas e a indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão
Ora, no caso sub judice, constam da decisão administrativa todos os elementos exigidos pelo artigo 58.º n.º1 do Regime Geral das Contra-Ordenações, sendo clara a razão pela qual veio o Recorrente a ser condenado, pela prática de uma infracção, com uma coima (constando também da parte decisória as normas jurídicas que pelo mesmo foram violadas e o montante da coima em que foi condenado, por violação das normas que ali são indicadas, e a forma como foi cometida, ou seja, todos os elementos necessários para que o Arguido pudesse exercer o seu direito de defesa).
Assim, conclui-se pela inexistência de qualquer nulidade.
Em suma, pelos motivos expostos, considera-se não assistir razão ao Recorrente/Arguido não enfermando a decisão aplicativa da coima das apontada nulidade, quando a mesma contém os pertinentes factos donde resultam a infracção imputada ao Recorrente (quer quanto aos elementos objectivos quer quanto ao elemento subjectivo), faz a indicação dos meios probatórios em que baseou a sua convicção, e contém no seu dispositivo o sentido final da decisão e a indicação das normas legais infringidas e punitivas, assim como a sanção aplicada.
Pelo exposto, julga-se improcedente a referida questão.»

11 – Como acima se deixou editado, o arguido aporta, por esta via recursiva, as exactas questões que levou à ponderação do Tribunal recorrido, atinentes à invalidade da decisão administrativa e da sentença revidenda, seja, sob invocação do disposto na alínea d) do n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), da nulidade por preterição de diligência fundamental de prova, seja, aqui com apelo ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º, do CPP, da nulidade por omissão de pronúncia.

12 – A Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido pronunciou-se já, com acuidade e proficiência, sobre as questões agora reiteradas pelo arguido, em deciso que, não merecendo reparo nem divergência, consente, mesmo que sintético, um argumento abonatório.

13 – O arguido começa por defender que a decisão administrativa é nula na medida em que a autoridade administrativa desconsiderou a audição da testemunha indicada, e adiantando que tal nulidade se propagou à sentença recorrida.

14 – Ressalvado o devido respeito, não tem razão.

15 – E assim, na medida em que, tendo aceite, confessadamente, a prática da contra-ordenação que lhe foi imputada (condução automóvel com excesso de velocidade), qualquer reflexão probatória sobre as (agora invocadas) «justificação da ilicitude» e «exclusão da culpa», se traduziria em nítida violação do princípio processual da proibição da prática de actos inúteis (artigo 130.º, do Código de Processo Civil), designadamente em função de quanto fosse relevante para a descoberta da verdade material, que é o objectivo do processo contra-ordenacional.

16 – Por isso que, seja na decisão da autoridade administrativa (que não ouviu a testemunha indicada pelo arguido), seja na sentença recorrida (que sancionou tal deciso), se não vê qualquer lesão dos direitos de defesa do arguido, tal como prevenidos, maxime, nos artigos 32.º n.º 10, da Lei Fundamental, e no artigo 50.º, do RGCO.

17 – Ademais, como se salienta no acórdão, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 9 de Janeiro de 2012 (Processo 623/10, disponível em www.dgsi.pt), «a não audição de testemunhas indicadas pelo arguido ou a omissão de quaisquer diligências por aquele sugeridas nunca acarreta a nulidade do procedimento e da decisão administrativa posteriormente proferida».

18 – Assim, não pode ter-se por verificada a nulidade prevenida no artigo 120.º n.º 2 alínea d), do CPP, invocada pelo recorrente.

19 – O arguido defende ainda que a sentença recorrida padece da nulidade prevenida no artigo 379.º n.º 1 alínea c), do CPP, alegando que se omitiu pronúncia sobre a matéria «da exclusão da ilicitude e da culpa».

20 – Também neste ponto – e sem qualquer desdouro para o esforço argumentativo do recorrente – sem razão.

21 – Para além de quanto ficou afirmado na sentença recorrida (que, também neste segmento, só pode sufragar-se), não se vê que a Mm.ª Juiz do Tribunal recorrido devesse pronunciar-se sobre matéria que não constava do thema decidendum (objecto do processo) nem do thema probandum (extensão da cognição), tal como demarcados pelo auto de notícia (adrede validado como acusação, nos termos prevenidos no artigo 62.º n.º 1, do RGCO) e pela oposição oferecida pelo arguido.

22 – Acresce ressaltar a inexigência, em processo contra-ordenacional, de uma sobre-fundamentação, mesmo relativamente ao processo penal, face ao disposto, seja no artigo 205.º n.º 1, da Constituição, seja no n.º 2 do artigo 374.º, do CPP, este ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 41.º, do RGCO.

23 – O decaimento no recurso impõe a condenação do arguido recorrente em custas, nos termos e com os critérios decorrentes do disposto nos artigos 92.º n.º 1, do RGCO, e 513.º e 514.º, do CPP, com referência ao artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.
III

24 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, Raúl António dos Santos Barbosa; (b) condenar o arguido nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Évora, 5 de Junho de 2018
António Manuel Clemente Lima (relator)
Alberto João Borges (adjunto)