Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1515/18.0T8EVR.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CASO DE FORÇA MAIOR
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. A interação das aves com as linhas elétricas de média tensão é um fenómeno que pode ser minimizado pela ação do homem através da colocação nas referidas linhas de sinalizadores com vista a evitar a aproximação de aves dos fios/cabos condutores das linhas de média tensão.
2. O “caso de força maior” exclui a responsabilidade do detentor de instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica e que a utilize no seu interesse.
3. Nos termos do artigo 509.º, n.º 2 do Código Civil, tem de se tratar de «causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1515/18.0T8EVR.E1
(1.ª Secção)
Relator: Cristina Dá Mesquita


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
EDP-Distribuição Energia, SA, ré na ação declarativa de condenação que lhe foi movida pela sociedade (…)-Sociedade Agrícola do (…), Lda., interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Local Cível de Évora, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, o qual julgou a ação procedente e, consequentemente, condenou a ré EDP-Distribuição Energia, SA a pagar à autora (…)-Sociedade Agrícola do (…), Lda. a quantia de € 36.231,63, a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, vencidos desde a data da citação, ocorrida em 04.09.2018 e vincendos até integral pagamento, à taxa supletiva legal prevista para obrigações civis.

A (…)-Sociedade Agrícola do (…), Lda. requereu a ampliação do recurso, impugnando, a título subsidiário, a sentença na parte em que julgou não provado que «o valor da reparação do pivot referido em 16. c) ascende a € 5.101,70» (facto não provado n.º 3).

Na presente ação, a autora (…)-Sociedade Agrícola do (…), Lda. pedira ao tribunal que condenasse a ré a pagar-lhe a quantia de € 36.561,70, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, a autora tinha alegado que se dedica à exploração agrícola e florestal nos prédios rústicos denominados, respetivamente, “Herdade do Outeiro do (…)”, “Herdade da (…)” e “Herdade do Monte (…)”, todos situados na freguesia do Vimieiro, concelho de Arraiolos, todos melhor identificados na petição inicial e que a ré é a proprietária e responsável pela manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia das condições de segurança das linhas aéreas de transporte de energia elétrica de média e baixa tensão e respetivos apoios em betão que atravessam e asseguram o fornecimento e consumo de energia elétrica às supra referidas herdades; no dia 29 de junho de 2017, ocorreu um incêndio na Herdade do Outeiro do (…), na Herdade da (…) e na Herdade do Monte (…), o qual teve origem na linha de média tensão que atravessa as três propriedades supra referidas, em virtude do embate de uma cegonha na referida linha, muito próximo do PT e do apoio em betão da linha de baixa tensão onde se encontra instado um ninho de cegonhas, local onde a rede de baixa e de média tensão se cruzam; o incêndio teve origem na Herdade da (…) e alastrou-se para as outras duas herdades e foi causado por arco elétrico determinado por contacto (curto-circuito) entre as linhas de condução de energia elétrica que atravessam a Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…), na parte que é explorada pela autora, gerando nas respetivas linhas uma temperatura consideravelmente alta; o curto-circuito determinou a fusão dos elementos metálicos dos condutores da linha elétrica os quais se desprenderam em direção ao solo – faíscas – juntamente com a cegonha que, quando atingiu o solo, estava ainda em chamas, fazendo deflagrar o incêndio; as linhas de transporte de energia elétrica relativas à rede de média tensão que passam sobre as herdades referidas encontravam-se sem qualquer mecanismo de proteção ou sinalização que visasse minimizar o embate e consequente electrocução de aves, sendo responsabilidade da ré a manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia de condições de segurança dos apoios em betão (postes) que sustêm as referidas linhas de transporte de energia elétrica, a monotorização e minimização dos impactos resultantes da interação entre as linhas elétricas aéreas de alta e média tensão e a avifauna, bem como a identificação e correção de linhas identificadas como “perigosas”; na rede de baixa tensão existente no local, num dos postes situados na linha de baixa tensão paralela à linha de média tensão existente na Herdade da (…), existe um ninho de cegonhas com abundante fluxo migratório; a ré deveria ter analisado o risco de colisão/electrocução atribuído às espécies de aves presentes em cada situação, o que não sucedeu no caso concreto, pois tendo conhecimento da existência do ninho de cegonhas acima referido não diligenciou pela sua desmontagem e não adotou quaisquer medidas de correção nas linhas de média tensão – as quais especificou – tendo em vista evitar os impactos resultantes da interação entre as linhas elétricas aéreas de média e baixa tensão e a avifauna; em consequência do incêndio ocorreram danos que também concretizou.
A ré contestou por impugnação, sustentando que o incêndio terá tido origem em facto desconhecido e completamente alheio ao regular funcionamento das instalações da ré, a qual, à data dos factos, tinha instalado em todos os apoios daquele ramal de média tensão dispositivos dissuasores de nidificação e ainda um dispositivo para nidificação na rede de baixa tensão de modo a evitar a nidificação na rede de média tensão, não existindo na rede de baixa tensão qualquer necessidade nem indicação de instalação de dispositivos de sinalização uma vez que as linhas são revestidas por materiais isolantes que diminuem a sua perigosidade e eliminam os riscos para a exploração da rede.
*
O tribunal de primeira instância proferiu despacho no qual fixou o valor da causa e dispensou a realização de audiência prévia, elaborou despacho saneador tabelar e proferiu despacho no qual fixou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova, tendo, ainda, decidido sobre os requerimentos probatórios e designado data para a realização da audiência final.
Realizada a audiência final, foi depois proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente EDP formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«111.1 - Quanto à Matéria de Facto
1- Quanto ao facto descrito sob o n.º 8 do elenco dos factos dados como provados:
- 8. O incêndio teve origem nas linhas de média tensão e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, em virtude do embate de uma cegonha nessas mesmas linhas.
No entendimento da recorrente, não existe qualquer prova nos autos que permita concluir que o incêndio teve origem nas linhas de média tensão em virtude do embate, mas sim, apesar de o início do incêndio não ter sido presenciado por qualquer uma das testemunhas mas em virtude dos indícios, que o incêndio teve origem no embate de uma cegonha na linha de MT.
Esta formulação que o Tribunal reconhece como a correta, como não podia deixar de ser, logo no início da sua fundamentação de direito na página 11 (não numerada) da sentença é muito relevante para a decisão da ação na medida em que evidencia a ocorrência de um caso de força maior - causa exterior ao funcionamento da coisa e deve ser devidamente articulado no que respeita à solução de Direito com o facto n.º 23. Em Junho de 2014, no âmbito de uma ação de manutenção preventiva sistemática a toda a instalação de distribuição de energia elétrica que atravessa os imóveis supra referidos não foram identificadas anomalias termográficas e visuais, estando os cabos e respetivas flechas, os acessórios (ligadores, isoladores, etc.) e apoios devidamente conservados, dentro da sua vida útil e aptos para a atividade de distribuição de energia em perfeito estado de conservação.
Termos em que o facto descrito sob o n.º 8 do elenco dos factos dados como provados - O incêndio teve origem nas linhas de média tensão e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, em virtude do embate de uma cegonha nessas mesmas linhas deve passar a ter a seguinte redação:
- O incêndio teve origem no embate de uma cegonha nas linhas de média tensão que atravessam o referido imóvel.
Quanto ao facto descrito sob o n.º 9 do elenco dos factos dados como provados: 9. O que causou um de curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia projetando faíscas para o solo, sendo de seguida eletrocutada.
Nos termos dos depoimentos acima transcritos e também dos documentos ali referidos, não existe qualquer prova que permita dar como assente que foram projetadas faíscas para o solo.
Tendo em consideração os factos provados sob os nºs 22 (A rede da linha de distribuição de energia elétrica em que ocorreu o incêndio estava licenciada.) e 23 (Em Junho de 2014, no âmbito de uma ação de manutenção preventiva sistemática a toda a instalação de distribuição de energia elétrica que atravessa os imóveis supra referidos não foram identificadas anomalias termográficas e visuais, estando os cabos e respetivas flechas, os acessórios (ligadores, isoladores, etc.) e apoios devidamente conservados, dentro da sua vida útil e aptos para a atividade de distribuição de energia em perfeito estado de conservação), afigura-se relevante não permitir a dúvida sobre o adequado comportamento do equipamento da recorrida.
Termos em que o facto descrito sob o nº 9 do elenco dos factos dados como provados - O que causou um de curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia projetando faíscas para o solo, sendo de seguida eletrocutada - deve passar a ter a seguinte redação:
- O que causou um de curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia, sendo de seguida eletrocutada e projetada para o solo em chamas.
3 - Quanto ao facto descrito sob o n.º 13 do elenco dos factos dados como provados:
13. Que nesse local fora pela ré colocada que se refere ao facto descrito sob o n.º 12 (E no apoio em betão da linha de baixa tensão encontrava-se instalada uma infraestrutura (cesto) para nidificação de cegonhas)
A colocação de um cesto para nidificação de cegonhas num apoio da rede de baixa tensão existente no prédio dos autos pela ré, foi considerado um facto relevante para a decisão a quo que por isso o evidenciou na fundamentação de facto da sentença.
Ora, com o devido respeito, em sede de prova testemunhal, produzida pela própria autora, foi explicitamente referido o momento temporal, ainda que aproximado, em que a agora recorrente procedeu a tal instalação e sendo esse aspeto relevante para a decisão da causa, não pode ser afastado da lista dos factos assentes, sob pena de parcialidade.
Termos em que o facto descrito sob o nº 13 do elenco dos factos dados como provados 13 - Que nesse local fora pela ré colocada que se refere ao facto descrito sob o n.º 12 (E no apoio em betão da linha de baixa tensão encontrava-se instalada uma infraestrutura (cesto) para nidificação de cegonhas) - deve passar a ter a seguinte redação:
- Que nesse local fora pela ré colocada cerca de dois anos após a instalação da linha em 1998.
4 - Quanto aos factos descritos sob os n.ºs 15 alíneas a) e b) e 16 alínea a) do elenco dos factos dados como provados:
15. Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, sendo o valor do hectare € 322,00;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 800,00;
16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 1.500,00;
Para o apuramento dos danos alegadamente sofridos pela autora no que respeita ao pasto, feno e trevo que foram consumidos pelo fogo, tendo em consideração que, de acordo com a prova testemunhal gravada, estes se não se destinavam a venda, só há duas maneiras de contabilizar os prejuízos sofridos:
3- Valor do investimento na sua produção;
4- Cumulativamente, ou não, valor da sua substituição, caso esta se tivesse revelado necessária.
Assim sendo, estes concretos pontos da matéria de facto porque se reportam ao preço de mercado daqueles bens, não podem ser dados como provados nos termos em que o faz a sentença recorrida.
A autora, ao invés de carrear para o processo faturas e recibos relativos aos bens que teve que adquirir em virtude do perecimento dos que tencionava disponibilizar aos seus animais ou, pelo menos, relativos aos custos com mão-de-obra, eletricidade, adubos, horas de máquina agrícola que já teria investido à data do fogo dos autos, limitou-se a referir o preço daqueles bens se vendidos no mercado, o que, salvo melhor opinião não é adequado à solução indemnizatória preconizada pelo sistema legal português.
Termos em que os factos descritos sob os n.ºs 15 alíneas a) e b) e 16 alínea a) do elenco dos factos dados como provados:
15. Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, sendo o valor do hectare € 322,00;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 800,00;
16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 1.500,00;
devem passar a ter a seguinte redação:
15. Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, cujo valor do prejuízo sofrido não foi possível apurar;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, cujo valor cujo valor do prejuízo sofrido não foi possível apurar;
16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, cujo valor cujo valor do prejuízo sofrido não foi possível apurar;
5 - Quanto ao facto descrito sob a alínea c) do n.º 16 do elenco dos factos dados como provados:
16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
c) Pivot - pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras – cujo valor de reparação ascende a € 5.101,70;
Por estar em flagrante contradição com o facto não provado elencado sob o n.º 3:
- O valor de reparação do pivot referido em 16. c) ascende a € 5.101,70, bem como com o teor da fundamentação da decisão quanto à matéria de facto neste preciso aspeto, que refere a injustificadamente insuficiente prova produzida quanto ao valor deste alegado dano, conforme página 10 (não numerada) da decisão recorrida, cujo teor se dá aqui por reproduzido, deve passar a ter a seguinte redação:
-16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
c) Pivot - pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras, cujo valor de reparação não foi possível apurar.
6 - Quanto ao facto alegado no artigo 18.° da contestação:
18. Até 25 de Julho de 2017 – data da carta que juntou como documento 16 – a autora nunca havia suscitado qualquer questão relativa à perigosidade da presença de cegonhas no local, sendo certo que ao exercer uma exploração agrícola que exige presença humana diária no local, estava em melhores condições que ninguém para se aperceber de tal perigosidade.
Foi apresentada abundante prova – por ambas as partes – quanto à inexistência de qualquer indicio de perigosidade relativamente ao ninho que ambas as partes sabiam existir no local há perto de 20 anos pelo que, face às possíveis soluções de direito deveria ter o Tribunal ter dado como provado que “Até 25 de Julho de 2017 – data da carta que juntou como documento 16 – a autora nunca havia suscitado qualquer questão relativa à perigosidade da presença de cegonhas no local.”
Pois, uma coisa é a existência de um ninho nas imediações da linha, o que como é público e notário acontece em centenas ou mesmo milhares de apoios das linhas elétricas e não determina, nem pode determinar face à dimensão da rede elétrica nacional a retirada de todos esses ninhos ou a instalação de espirais de sinalização em todas as linhas nas imediações de um ninho, outra, bem diferente, é a consciência da existência de um trajeto habitual de voo ou de qualquer outro comportamento que coloque, em concreto e com razoável grau de probabilidade, a infraestrutura e a cegonha em perigo.
7. Quanto aos factos alegados nos arts. 13.º e 14.º da contestação:
13.º
Não se encontrando a linha de MT dos autos instalada em local que integre a Rede Natura 2000 ou que constitua uma Zona Especial e Proteção (ZEP), nos termos do Decreto Regulamentar 6/2008, de 26 de Fevereiro, ou qualquer outra área protegida como é patente na informação disponibilizada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), http://www2.icnfptlportallpnlbiodiversidade/cartlap¬rn-ramsar-pt, as ações da ré nesta área geográfica são voluntárias e coordenadas pelo Grupo de Trabalho para as Aves Selvagens (GTAS) e a sua Comissão Técnica de Acompanhamento (CTALEA) que integra, além da ré, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEAS), o ICNF e a QUERCUS.
14.º.
Para a linha dos autos não existia qualquer recomendação de intervenção, quer no que respeita aos sinalizadores, quer no que respeita aos mecanismos de dissuasão de nidificação.
Existe igualmente abundante prova testemunhal que permite dar como provada a circunstancia de o local dos autos não integrar a REDE NATURA nem constituir uma Zona de Proteção Especial, bem como da inexistência de qualquer instrução ou orientação das autoridades ambientais no sentido de instalar quer os sinalizadores quer os dissuasores de nidificação, o que foi simplesmente ignorado pela sentença recorrida.
Termos em que deve ser dado como provado e trazido à fundamentação de facto da sentença que o local dos autos não integra a REDE NATURA nem constitui uma Zona de Proteção Especial, inexistindo por outro lado, qualquer instrução ou orientação das autoridades ambientais no sentido de instalar quer os sinalizadores quer os dissuasores de nidificação.
8 - Por último, no que respeita à impugnação da matéria de facto, é convicção da recorrente que é absolutamente infundada a decisão de dar como não provado 1. Em 29 de Junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)" havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré.
Na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, pode ler-se na página 10 (não numerada) que quanto a este facto não foi produzida qualquer prova. Quanto a nós, sem razão como se atrás se demonstrou.
Termos em que deverá ser dado como provado que Em 29 de Junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)" havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré.
Este facto é relevante para a solução de direito da presente ação uma vez que demonstra o cuidado da ré na gestão da sua rede.
111.2 - Quanto à Matéria de Direito
9 - Ainda que não seja atendida a impugnação da decisão quanto à matéria de facto, o que só por dever de patrocínio se admite, a aplicação dos normativos legais enferma de relevantes erros redundantes num errado julgamento de Direito.
10 - Pelo exercício da atividade a que se dedica, a ré, aqui apelante, encontra-se legalmente sujeita à aplicação de um regime específico de responsabilidade pelo risco, previsto no artigo 509.° do Código Civil.
Dispõe o n.º 1 artigo 509.° do Código Civil: «1. Aquele que tiver a direção efetiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, exceto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.»
Por sua vez, preceitua o n.º 2 do citado preceito que «Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.»
11 - Ora, no caso sub judice, independentemente do tipo de danos da situação em apreço - se de danos resultantes da condução de energia elétrica ou danos provocados pela própria instalação - o entendimento e a solução a perfilhar será a mesma: a ausência de qualquer responsabilidade por parte da ré aqui apelante.
12 - Considerando que estamos perante uma situação de danos provocados pela própria instalação, considerando toda a prova carreada aos autos, apenas se poderá concluir, como o fez a decisão proferida quanto à matéria de facto (artigo 23) que, à data dos factos, a instalação em que a cegonha causadora do incêndio terá embatido se encontrava de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação.
O que, basta, desde logo para que a responsabilidade objetiva da ré pelos danos causados no incêndio se encontre excluída, ao abrigo do disposto no n. ° 1 do artigo 509.° do CC.
13 - Se se considerar que os danos em discussão se reconduzem a danos resultantes da condução de energia elétrica – como entendeu a sentença recorrida – a ocorrência em apreço não pode por outro lado, deixar de constituir um caso de força maior, caindo no escopo do n.º 2 do citado preceito.
Pois, contrariamente ao vertido na sentença em sindicância, o embate de cegonha na linha de média tensão não pode ser considerado como "uma situação comum e altamente previsível para o homem comum", especialmente no caso em concreto. 14 - Isto porquanto - como aliás resulta dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento e se defendeu em sede de impugnação de facto, a ré apenas teve conhecimento da existência de voos de cegonhas com trajetórias perto da linha de média tensão em questão, em momento posterior ao incêndio em discussão nos autos e nunca antes. Motivo pelo qual, dúvidas não restam que a Ré não podia prever o embate da cegonha que esteve na origem do incêndio dos autos.
Assim, o embate da cegonha na linha elétrica sempre constituirá um caso de força maior, excluindo responsabilidade da Ré nos termos do n° 3 do artigo 509.° do CC.
15 - Independentemente do tipo de responsabilidade, quanto ao nexo de causalidade, para que um ato ou omissão seja gerador de responsabilidade civil revela-se em qualquer caso fundamental que exista um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido, segundo o qual aquele fica obrigado a indemnizar todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a sua conduta.
16 - Ora, todas as ações de identificação de linhas elétricas como perigosas para a avifauna resultam dos estudos de prospeção desenvolvidos pelas ONG, ou de diretrizes da ICNF que identificam quais as zonas protegidas em que é necessária a implementação de sinalização de linhas, no âmbito do DL 140/99 de 24 de Abril e do Decreto Regulamentar 6/2008, de 26 de Fevereiro, não sendo assim natural, especialmente tendo em consideração os custos associados, a implantação de sinalizadores em todas as linhas do território, mas apenas naquelas em que existe especial vulnerabilidade.
17 - E, no que concerne à linha de média tensão em causa nos presentes autos, não foi provado, nem sequer alegado pela autora a quem incumbia esse ónus, que a ré estivesse obrigada à instalação de qualquer tipo de sinalização nas linhas, antes tendo sido referido pelas testemunhas da Ré que esta nunca foi referenciada nos citados estudos ou pela ICNF como sendo uma linha que devesse ser alvo de intervenção, não tendo ficado condicionada à introdução de medidas de proteção da avifauna. Não existindo assim, qualquer recomendação de intervenção para a linha em questão, quer no tocante à colocação de sinalizadores, quer no que respeita aos mecanismos de dissuasão de nidificação.
18 - Nem tão pouco foi pela aqui apelante, em momento anterior ao incêndio, rececionada qualquer instrução, quer pelas entidades ambientais competentes, quer pela apelada, para alteração da rede ou colocação de dispositivos de sinalização adicionais. Pelo que, atendendo às circunstâncias conhecidas ou cognoscíveis pela apelante a ausência de sinalização não se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir os danos em discussão.
19 - Dado que "as omissões só geram responsabilidade civil desde que, além da existência do dever jurídico da prática do ato omitido, seja de concluir que este teria, seguramente ou com forte probabilidade, obstado ao dano" (in Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", Vol. I, 9.ª ed., págs. 545/546; Almeida Costa, "Direito das Obrigações", 7.ª ed., pg. 485; Pedro Nunes de Carvalho, "Omissão e Dever de Agir em Direito Civil", 1999, págs. 115, 116 e 137).
20 - A inexistência de sinalizadores na linha nunca poderia ser considerada como causa adequada do incêndio que deflagrou e, consequentemente, atingiu as propriedades da Apelada, nem tão-pouco foi causa adequada dos danos alegadamente verificados.
Pelo que, por não se encontrarem verificados os pressupostos de responsabilização da ré, ora apelante, deveria o Tribunal a quo, proferido sentença julgando o pedido da apelada totalmente improcedente e, consequentemente, absolvido a ré do pedido».

I.3.
A recorrida apresentou alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) Pontos 8, 9 e 13 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;
1- No que se refere às causas do incendio, devem manter-se inalterados os factos que foram dados como provados na sentença recorrida sob os pontos 8,9 e 13.
2 - Pois, a R. EDP, em sede de alegações, alegou quanto às causas do incendio que “… concordo que a prova que foi produzida pelos autores é uma prova consistente e séria, não tenho nenhuma dúvida sobre isso e penso que a mesma coisa aconteceu com a EDP e por aí começo logo por dizer que parece difícil que o Tribunal não dê como provado que na origem dos incêndios esteve de facto o impacto da cegonha, é verdade que a EDP não foi chamada, nem nesse dia, nem nos dias seguintes foi enfim confrontada com a situação do incêndio em si mesmo mas a prova produzida também a mim não me deixa danos que é uma causa muito provável para a ocorrência do incêndio."
3 - A sentença recorrida (fls 8 não numerada) corrobora a transcrição de parte das alegações da mandatária da R. EDP "De resto, tal acabou por ser assumido pela ré em sede de alegações finais".
4 - Salvo melhor opinião, face ao que se acaba de transcrever, entende a recorrida, no que se refere à matéria de facto relativa às causas do incendio, que o Tribunal "ad quem", respeitará a apreciação feita pelo Tribunal "a quo" em 1ª instancia, pois trata-se de matéria de facto que a própria recorrente, após produção de prova, admitiu que assim tivesse sucedido, isto é, tal como tinha sido alegado pela A. na P.I.
5 - Sendo certo que a culpa da R. se presume termos dos artigos 349.º, 351.º e 509 do C. Civil, ónus de prova que não foi ilidido pela R. EDP.
6 - Em todo o caso, existe igualmente abundante prova documental que permite corroborar que o Tribunal "a quo" decidiu e julgou assertivamente esta matéria de facto (pontos 8, 9 e 13 da matéria de facto dada como provada), neste sentido vejam-se (1) Doc. N.º 4 junto (certidão de ocorrência elaborada pela GNR do destacamento de Arraiolos) com a P.I. "Pelo que se apurou no local" o choque da Cegonha com um cabo de média tensão terá originado o incendio", (2) Doc. N.º 4 junto com a contestação donde resulta igualmente ter existido o registo do disparo - curto-circuito - a que se refere o incendio em discussão nos presentes autos, o qual, segundo a confissão expressa em articulado pela R. EDP (Art.º 6 da contestação) " ... o que é, do ponto de vista técnico, compatível com um embate de uma ave na linha de MT ....” (3) notificação do Tribunal datada de 12.12.2019, referência N.Q 28228496, foi junto aos autos pela GNR do Destacamento de Estremoz, o relatório de ocorrência do fogo pelo Núcleo de Proteção do Ambiente, tendo feito a seguinte descrição da ocorrência "Em 291315JUN17, quando me encontrava de patrulha de ocorrências, fui informado pelo atendimento ao Posto, que tinha deflagrado um incendio na Herdade Monte (…) – Vimieiro. Chegados ao local verificamos que o incendio era combatido pelos Bombeiros, compareceu no local o NPA do Destacamento que após inspeção determinou o ponto de inicio, sendo que a ignição foi causada por embate de ave em linha de média tensão, tendo ardido pasto, cercas, alguns sobreiros e causado danos num PIVOT." (4) as fotografias juntas com a P.1. e também as que foram oportunamente juntas pela A. na audiência de discussão e julgamento realizada em 22.01.2019, cuja junção foi deferida pelo Tribunal, das quais se pode constatar, que a linha de média tensão se encontrava danificada “linha de distribuição de energia elétrica danificada" fls. 8 não numeradas da sentença, motivado pelo embate de uma cegonha nessas mesmas linhas.
7 - O incendio teve necessariamente origem nas linhas de média e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, em virtude do embate da cegonha, nessas mesmas linhas, que provocou um curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando a cegonha tocou em ambas linhas de condução de energia projetando faíscas para o solo sendo de seguida eletrocutada.
8 - O incendio teve origem nas linhas de média e baixa tensão, pois, é do contacto entre ambas com a cegonha - curto-circuito - que se produz a eletrocussão da cegonha e projeção de faíscas em direção ao solo.
9 - Se não existissem as linhas de média e baixa tensão não existiria o embate da cegonha nas mesmas, consequentemente, o incendio teve origem nas linhas de média e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, circunstância que resulta de todos os elementos documentais a que atrás se faz referência, entre os quais do registo de curto-circuito (Doc. N.º 4 junto com a contestação) e do facto da linha de média tensão ter ficado danificada (fls. 8 não numeradas da sentença).
10 - Não foi produzida qualquer prova que pudesse demonstrar que o incendio não ocorreu tal como resulta da matéria de facto dada como provada nos pontos 8 e 9 da sentença recorrida - origem nos componentes da rede de distribuição de energia elétrica existente no local dos autos - circunstância que aliás se presumia termos dos artigos 349.º, 351.º e 509 do C. Civil e que a R. EDP não ilidiu.
11- O Tribunal "a quo" a este respeito referiu que "No caso em apreço, parece-nos não haver grandes dúvidas que, efetivamente, estamos perante danos resultantes da condução ou entrega da energia elétrica pois o embate da ave que acionou o curto-circuito que, por sua vez, causou o incêndio, deu-se precisamente com as linhas de distribuição de energia elétrica. Por conseguinte, é dispensável a verificação ou não do requisito da culpa".
12 - Quanto ao ponto 13 da matéria de facto dada como provada, esta matéria resultou igualmente provada, pois tal matéria não foi impugnada pela R. EDP em sede de contestação.
13 - A própria R. na segunda parte do Art.º 15 da contestação confessa que procedeu à colocação do dispositivo para nidificação na rede de Baixa Tensão de modo a evitar a nidificação na rede de Média Tensão.
14 - Ora correndo ambas linhas em paralelo, a existência do dispositivo de nidificação na linha de baixa tensão fez com que na zona passasse a existir um maior fluxo de cegonhas a circundar as instalações eletróticas, potenciando a eclosão de fenómenos desta natureza, tal como aliás resulta da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida sob os pontos 7, 8, 9, l0, 11, 12, 13, 14, 17, 18 e 19.
15 - Em todo o caso, mesmo que tenha ficado demonstrado que a rede elétrica em questão, foi alvo de ações de manutenção e vigilância, antes da ocorrência do incêndio descrito nos autos, sem que tivesse sido detetada qualquer anomalia, tal circunstância neste caso não afasta a responsabilidade objetiva da R. EDP – neste sentido veja-se fls. 11 a 19 da sentença recorrida.
B) Quanto aos Art.º 13, 14 e 18 da contestação;
16 - A R. EDP pretende que se dê como provada na sentença recorrida matéria de facto a que se referem os Art.º 13, 14 e 18 da contestação, porém, entende a A. que a matéria constante da contestação nos artigos 13, 14 e 18 não deverá ser dada como provada e trazida à fundamentação de facto da sentença.
17 - As linhas de distribuição de energia elétrica de média e baixa tensão que sobre passam a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)", à data da prepositura da P.I. encontravam-se dispostas em paralelo e sem qualquer mecanismo de sinalização que visasse minimizar o embate e consequente eletrocussão de aves – matéria de facto não impugnada pela R EDP e que consta da matéria de facto constante do ponto 14 dos factos provados.
18 - A R. EDP anunciou junto da A. (matéria de facto constante do ponto 18) que "Apesar de a rede estar em perfeito estado de conservação, podemos assegurar que brevemente vamos colocar sinalizadores nas linhas que poderão eventualmente evitar a aproximação de aves dos condutores existentes. Também vamos solicitar autorização ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – ICNF para proceder à desmontagem do ninho existente na Rede de Baixa Tenção".
19 - A R. EDP já na pendência dos autos, como resulta dos documentos juntos pela A. em 10.12.2019 procedeu por motivos de manutenção da segurança da rede de média e baixa tensão, a R. EDP, por sua iniciativa, procedeu à colocação de sinalizadores nas linhas de média tensão e à retirada do ninho existente na rede de baixa tensão com vista a evitar o embate de aves nas linhas e sua consequente eletrocussão.
20 - A própria R. considera que os sinalizadores nas linhas de média tensão são mecanismos aptos a evitar a aproximação de aves e dos condutores existentes e consequentemente o contacto entre estes e as aves, daí ter procedido à sua colocação na rede de média tensão.
21 - A R. EDP, violou por omissão, o disposto no Art.º 86º, n.º l a) do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 Fevereiro, não adotando medidas tendo em vista evitar o estabelecimento de arcos elétricos na presença da matéria de facto constante da sentença recorrida.
22 - Foi a própria R. que criou a situação de perigo para a segurança da rede elétrica em causa com a colocação do dispositivo de nidificação na linha de baixa tensão, o qual veio a ser retirado mediante autorização do ICNF na sequência do incendio a que se referem estes autos, retirada que foi motivada "por motivos de manutenção de segurança da rede", como resulta do documento junto pela A. em 10.12.2019 (Doc. n.º 8).
23 - A existência do dispositivo de nidificação na linha de baixa tensão demonstra que o ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)", constituído pela linha MT e linha BT não tinha a instalação em condições de segurança para a rede, tanto assim é que na sequência do incendio a R. EDP procedeu à remoção do dispositivo de nidificação na linha de baixa tensão.
24 - Quanto à verificação ou não de causa de força maior, vejam-se os Doc. n.º 5 e 6 juntos pela R. com a contestação (estudos elaborados em 2007 e 2010), os quais nos permitem concluir que estamos perante uma ocorrência que é totalmente previsível, donde resulta (Doc. n.º 6, fls. 2) "Estas situações, justificam a necessidade de remoção ou transferência dos ninhos de cegonha branca, que pelas suas parcas condições de instabilidade nos apoios de rede onde estão construídos, não oferecem condições de segurança, tanto para o normal funcionamento da rede como para a própria espécie".
25 - Desse estudo resulta que as linhas elétricas são infra-estruturas lineares com reconhecido impacto sobre a avifauna, estando identificadas como um fator de ameaça para a conservação das espécies - sobre esta questão não foi produzida qualquer prova em sentido contrário.
26 - Razão pela qual não estamos perante a verificação uma causa de força maior.
27 - O Tribunal "a quo" entendeu de igual forma que não estamos perante uma verificação de uma causa de força maior, neste sentido entendeu que, "Ora, a resposta a tal questão afigura-se negativa. O embate de uma ave numa linha de distribuição de energia elétrica é uma situação comum e altamente previsível para o homem comum e, ainda mais, para a ré, que explora essa mesma distribuição".
28 - A testemunha (…), afirma precisamente o contrário do que é referido pela R. EDP nas suas alegações, manifestando durante todo o seu depoimento que a situação de curto-circuito nos condutores provocados por embates de aves era recorrente naquele local, tendo deste facto dado conhecimento à EDP em diversas ocasiões.
29 - Nessa medida entende a A. que a matéria constante da contestação nos artigos 13, 14 e 18 não deverá ser dada como provada e trazida à fundamentação de facto da sentença.
C) Pontos 15 e 16 da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;
30 - Quanto aos danos sofridos pela A., basta visualizar as fotografias juntas com a P.1. (Doc. n.º 5 a 13) para se perceber qual foi a extensão dos danos sofridos, extensão de danos que a própria GNR constatou no local no dia em que ocorreu o incendio em causa nos presentes autos (Doc. n.º 4 junto com a P.I.).
31 - O depoimento das testemunhas (…), (…) e (…), são totalmente coincidentes no que à quantificação do valor dos danos se refere, preço, quantidade, valor/hectare e área ardida, neste sentido vejam-se as próprias transcrições da R. EDP nesta parte.
32- A A. não juntou qualquer documento referente aos prejuízos sofridos por se tratarem de danos emergentes respeitantes a culturas cerealíferas e arvoredo plantado, cujo fruto não foi colhido, o que por motivos óbvios impede a obtenção de qualquer documento de suporte donde conste o seu preço.
33 - No que se refere ao critério de cálculo para efeitos de contabilização dos prejuízos sofridos, os mesmos foram dados como provados pelo Tribunal" a quo" com base no valor de mercado daqueles bens, este foi o único critério possível que permitiu calcular o valor dos prejuízos sofridos pela A., pois o valor do investimento na sua produção não permite alcançar tal propósito, sendo certo que, a contabilização pelo valor da sua substituição não é o único critério possível que permita calcular os prejuízos sofridos pela A.
34 - A contabilização dos prejuízos tendo por base o preço de mercado dos bens perecidos em consequência do incendio, não é um critério proibido pelo nosso ordenamento jurídico tal como resulta do disposto no Art.º 562 e 566 do CC.
35 - Pretende a R. EDP ver alterada a matéria de facto respeitantes aos danos sofridos pela A., entendendo que os valores dos prejuízos sofridos não se lograram apurar, ora, dos depoimentos das testemunhas, transcritos pela R. EDP nas suas alegações, resulta de forma inequívoca precisamente o contrário, isto é, qual o valor dos prejuízos sofridos pela A., cujo cálculo matemático foi corroborado de forma coincidente por todas as testemunhas que prestaram depoimento relativamente a esta matéria.
36 - Em todo o caso, se ao Tribunal "ad quem" se lhe suscitarem dúvidas, atento o disposto no Art.º 662, n.º 2 al. a), b) e d) do CPC, poderá ordenar a renovação de produção de prova, ordenar a produção de novos meios de prova ou determinar que o Tribunal da 1ª instância fundamente a decisão proferida tendo em conta os depoimentos gravados.
37 - No entanto, entende a recorrida que decidiu bem a Meritíssima Juiz do Tribunal recorrido, devendo neste sentido manter-se a decisão proferida pelo Tribunal "a quo" no que diz respeito à matéria de facto que consta da alínea 15 e 16 da decisão de facto.
D) Ampliação do âmbito do recurso nos termos do Art.º 636º, n.º 2, do CP.C;
38 - No que se refere à ampliação do âmbito do recurso nos termos do Art.º 636.º, n.º 2, do CP.C, tendo resultado provado no ponto 16 c) da matéria de facto provada que os danos no Pivot – pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras – ascendem ao valor de € 5.101,70, deveria nesta parte a sentença recorrida ter condenado a R. EDP no pagamento do pedido formulado pela A. no que a estes danos patrimoniais se refere.
39 - Face ao exposto, deve o Tribunal "ad quem" dar provada a matéria de facto constante dos ponto 3 dos factos não provados por do depoimento das citadas testemunhas resultar qual o valor dos danos sofridos pela A., os quais se encontram igualmente quantificados no ponto 16 c) dos factos provados.
40 - Em todo o caso, se ao Tribunal "ad quem" se lhe suscitarem dúvidas, atento o disposto no Art.º 662.º, n.º 2, als. a), b) e d), do C.P.C, poderá ordenar a renovação de produção de prova, ordenar a produção de novos meios de prova ou determinar que o Tribunal da 1ª instância fundamente a decisão proferida tendo em conta os depoimentos gravados.
E) Matéria da Direito;
41 - R. EDP, na presença da factualidade que foi dada como provada e que não foi impugnada, não adotou as medidas necessárias e que lhe eram exigíveis -cumprimento de uma obrigação - tendo em vista a evitar o estabelecimento de arcos elétricos.
42 - E que se traduziu (1) na omissão de sinalização das linhas de condução de energia elétrica e (2) na manutenção na rede de baixa tensão do dispositivo de nidificação na linha de baixa tensão, o qual veio a ser retirado mediante autorização do ICNF na sequência do incendio a que se referem estes autos, retirada que foi motivada "por motivos de manutenção de segurança da rede", incumprimento, que foi causa adequada a provocar a colisão e consequente eletrocussão da cegonha nas linhas de média tensão.
43 - Com o descrito comportamento a R. EDP, violou por omissão, o disposto no Art.º 86 N.º l a) do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 Fevereiro, não adotando medidas tendo em vista evitar o estabelecimento de arcos elétricos na presença da matéria de facto dada como provada na sentença recorrida sob os pontos 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 17, 18 e 19.
44 - Tal como resulta da sentença recorrida, comprovando-se que a A. sofreu danos patrimoniais originados pelas linhas de transporte e entrega da eletricidade, na sequência do embate de uma cegonha que veio tocar em ambas as linhas de condução de energia elétrica, a R. EDP responde objetivamente nos termos do Art.º 509.º, n.º 1 do C. Civil, sendo este aliás o entendimento uniforme sufragado pela jurisprudência dos Tribunais Portugueses; Neste sentido veja-se, AC TRC de 23.01.2007, processo N.º 26/2002.Cl, Relator, Jorge Arcanjo, AC STJ de 08.11.2007, processo N.º 06B2640 -JSTJOOO, Relator Pires da Rosa e AC STJ de 03.10.2002, in CJ, III, págs 17 e segs, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.01.1991, BMJ, 403, 494, Acórdão de 22-10-2013 do Tribunal da Relação de Coimbra disponível em www.gdsi.pt. e Acórdão de 28-02-2008 do Tribunal da Relação de Lisboa, disponível em www.gdsi.pt.
45 - Por força do disposto no Art.º 509.º do C. Civil, está a R. obrigada a reparar os danos causados à A., (1) quer por via da responsabilização dos danos resultantes da própria instalação, por ao tempo do acidente esta não estar de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação, (2) quer por via dos prejuízos resultantes da condução ou entrega da energia elétrica. 46 - Quer numa situação quer noutra, por força do disposto no Art. 509.º do C. Civil o ónus da prova cabe à R. (presunção de culpa).
47 - A questão "sub judice", concretamente o curto-circuito que foi provocado pelo embate de uma cegonha que veio tocar em ambas as linhas de condução de energia elétrica atravessam a "Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…)", com as consequências acima descritas para a A. – danos – que não se deveram a qualquer fenómeno de causa de força maior a que a R. pudesse obstar – algo que embora previsível não é suscetível de ser dominado pela vontade do homem.
48 - O facto da vontade poder ser ou não dominável pelo "homem", para efeitos de verificação ou não de uma causa de força maior, deve ser aferido em função nas circunstâncias do caso concreto, isto é em função das partes intervenientes nos autos.
49 - O embate da cegonha nas linhas de condução de energia elétrica propriedade da R que atravessam a "Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…)", e consequente eletrocussão, não pode ser aceite como uma causa de força maior dos danos sofridos pela A., por não ser suscetível de ser dominado pelo homem, já que, esse homem se trata de uma empresa como a R. cujo objeto negocial é exatamente a produção, transporte e a distribuição de energia.
50 - A R. poderia e deveria ter implementado na instalação elétrica de média e baixa tensão propriedade desta, que atravessam a "Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…)", um sistema elétrico constituído por uma linha anti ninhos e de sinalizadores de forma a aumentar a visibilidade da linha prevenindo a colisão de aves, como era exigível à R. enquanto responsável pela instalação destinada à condução ou entrega de energia elétrica em presença das condições de fauna existentes no referido local.
51 - Casos fortuitos ou de força maior serão os que resultam da ocorrência de greve geral, alteração da ordem pública, incêndio, terramoto, inundação, vento com intensidade excecional, descarga atmosférica direta, sabotagem, malfeitoria e intervenção de terceiro devidamente comprovada, conforme foi aliás considerado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3584/04.0TVLSB.L1.S1.
52 - E conforme decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em Acórdão de 28-02-2008, disponível em www.gds.pt.:
O Regulamento da Qualidade e Serviços prestados pelas entidades do Sistema Elétrico Nacional refere como casos de força maior os seguintes: vento de intensidade excecional, inundações imprevisíveis, descarga atmosférica direta, incêndio, terramoto, sismos. Efetivamente, analisando o artigo 7.º do referido regulamento 455/2013 (D.R. 2ª série, n.º 232, de 29.11.2013), pode verificar-se que casos fortuitos ou de força maior para efeitos do referido diploma são aqueles que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade face às boas práticas ou regras técnicas aplicáveis e obrigatórias. São as ocorrências que, não tendo acontecido por circunstâncias naturais, não poderiam ser previstas. As circunstâncias de um evento natural ou de ação humana que, embora pudesse prevenir- se, não poderia ser evitado, nem em si, nem nas consequências danosas que provoca.
53 - A R. foi a única responsável pelo incêndio ocorrido na Herdade do (…), na Herdade da (…) e na Herdade do Monte (…).
54 - A omissão da R., traduzida na inexistência de proteção das linhas de condução de energia elétrica que atravessam a Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…), com vista à prevenção do embate e eletrocussão de aves migratórias, teve como consequência do embate ocorrido nas mencionadas linhas de transporte de energia, ter deflagrado um incêndio nas referidas propriedades, constituindo a R. na obrigação de reparar os danos causados aos AAs. (Art.º 509.º do Código Civil).
55 - Desta forma, a R. está obrigada a indemnizar a A. por todos os danos/prejuízos sofridos com o incêndio provocado por esta (Art.º 509.º do Código Civil).
56 - A R. EDP, em qualquer caso, em presença da descrita factualidade, como consequência da referida inexistência de proteção da instalação elétrica em causa, em perfeito estado de conservação e de acordo com as regras técnicas e boas práticas em vigor, por força do disposto no Art.º 509.º do Código Civil, está obrigada a reparar os danos causados à A.
57 - Mesmo que assim não fosse, por hipótese académica, tal circunstância não afasta neste caso a responsabilidade objetiva da R., uma vez que a mesma decorre da condução de energia elétrica e o disposto no Art.º 509.º, n.º 1, prevê a isenção de responsabilidade - em função da demonstração de cumprimento das regras técnicas em vigor e do seu perfeito estado de conservação - apenas nos casos em que os danos têm origem na instalação da energia e não na sua condução ou entrega.
58 - Por hipótese académica, mesmo que não se verifique qualquer anomalia nas linhas elétricas em questão, nem que a R. EDP tivesse descurado alguma imposição legal ou segundo as boas práticas que a obrigasse a colocar nas referidas linhas, dispositivos sinalizadores que evitassem a colisão de cegonhas, a responsabilidade objetiva da R. EDP não fica afastada.
59 - Veja-se também Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2013 disponível em www.gdsi.pt, ponto IV – “A responsabilidade pode ser afastada mediante a prova, além dos casos de força maior, e de culpa da vítima ou de terceiro, de que, ao tempo do acidente a instalação se encontrava em perfeito estado de conservação e a funcionar de acordo com as regras técnicas em vigor".
60 - O Supremo Tribunal de Justiça, neste Acórdão, tal como a restante jurisprudência a que acabamos de fazer referência, aborda esta temática – possibilidade de excluir a responsabilidade – desde que se prove que ao tempo do acidente a instalação se encontrava em perfeito estado de conservação e a funcionar de acordo com as regras técnicas em vigor, prova que apenas se refere e admite em relação à instalação de enérgica elétrica e não à condução, transporte, a entrega e distribuição de energia elétrica.
61- Na segunda situação, prevista no Art.º 509.º, n.º 2, do CC, a responsabilização da R. EDP apenas poderia ser afastada provando-se uma causa de força maior, que na questão em apreço não aconteceu – neste sentido veja-se Código Civil anotado, I Volume, as edição – 1997, Coimbra Editora, de Pires de Lima e Antunes Varela, professores da faculdade de Direito – no comentário ao Art.º 509.º, pág. 525, " ... É já puramente objetiva, quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e da entrega ou distribuição de energia elétrica ... ".
62 - Ao serem dados como provados nos pontos 7, 8, 9, l0, 11, 12, 13 e 14, em presença da descrita factualidade, por força do disposto no Art.º 509.º do C. Civil, está a R. EDP obrigada a reparar os danos causados à A., quer por via da responsabilização dos danos resultantes da própria instalação, por ao tempo do acidente esta não estar de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação, quer por via dos prejuízos resultantes da condução ou entrega da energia elétrica.
63 - Como decidiu e bem o Tribunal "a quo" "estamos perante danos resultantes da condução ou entrega da energia elétrica pois o embate da ave que acionou o curto-circuito que, por sua vez, causou o incêndio, deu-se precisamente com as linhas de distribuição de energia elétrica. Por conseguinte, é dispensável a verificação ou não do requisito da culpa".
64 - A este propósito veja-se o artigo 7.º do referido regulamento 455/2013 (D.R. 2.ª série, nº 232, de 29.11.2013), que estabelece que pode verificar-se que casos fortuitos ou de força maior para efeitos do referido diploma são aqueles que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade face às boas práticas ou regras técnicas aplicáveis e obrigatórias. São as ocorrências que, não tendo acontecido por circunstâncias naturais, não poderiam ser previstas. As circunstâncias de um evento natural ou de ação humana que, embora pudesse prevenir-se, não poderia ser evitado, nem em si, nem nas consequências danosas que provoca.”
65 - Resulta do disposto nos artigos 15.º e 16.º, n.º 3 h) ii do referido regulamento 455/2013 (D.R. 2ª série, n.º 232, de 29.11.2013), legislação que é aplicável nos termos do Art.º 2 do referido diploma legal, que em termos de classificação de interrupções – ausência de fornecimento de energia elétrica a uma infraestrutura de rede ou à instalação do cliente – são consideradas como interrupções por causas próprias, (h) as interrupções ocorridas em situações que não sendo passiveis de serem classificadas em nenhuma das categorias anteriores, são consequentemente consideradas como imputáveis ao operador da rede em causa e, que por sua vez, poderão ser classificadas como devidas a: (ii) Ações naturais - animais, arvoredo, movimento de terras ou interferência de objetos estranhos à rede ou centros de produção
66 - Ora, como nenhuma outra circunstância, que possa ser considerada de força maior se provou ter existido na questão "sub judice", não pode a R. EDP deixar de ser responsabilizada pelos danos sofridos decorrente do incêndio ocorrido no dia 29 de Junho de 2017.
67 - Concluindo-se desta forma e face à factualidade que se acaba de expor, que o embate da cegonha nas circunstâncias que resultaram provadas nestes autos, não pode ser considerada como causa de força maior, tal como vem prevista no n.º 2 do Art.º 509.º do CC, não ficando excluída a responsabilidade da R. EDP.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o recurso apresentado pela R. EDP ser julgado improcedente por não provado, julgando-se procedente por provado a ampliação do recurso requerida pela A., mantendo-se no mais a decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo JUSTIÇA.»

I.4.
Quer o recurso interposto pela ré quer a ampliação de recurso requerida pela recorrida foram recebidos pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1 – Questão prévia suscitada pela recorrida.
2 – Ampliação do recurso.
3 - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
4 –Saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil a que alude o art. 509.º do Código Civil.

II.3.
FACTOS
II.3.1.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. "(...) - Sociedade Agrícola do (...), Lda." tem como atividade a exploração agrícola, produção animal, caça e atividades dos serviços relacionados com a caça e repovoamento cinegético.
2. No âmbito da supra mencionada atividade, dedica-se à exploração agrícola e florestal dos seguintes prédios rústicos:
- Prédio Rústico denominado Herdade do Outeiro do (…), com a área de 162 hectares, inscrito na matriz rústica da freguesia de Vimieiro, Concelho de Arraiolos, sob o Art. º (…) da Secção (…);
- Prédio Rústico denominado Herdade da (…), com a área de 154,4500 hectares, inscrito na matriz rústica da freguesia de Vimieiro, Concelho de Arraiolos, sob o Art.º (…) da Secção (…);
- Prédio rústico denominado Herdade do Monte (…) com a área de 437 hectares, inscrito no Art.º matricial n.º (…) da Secção (…) da freguesia do Vimieiro, Concelho de Arraiolos.
3. "EDP Distribuição – Energia, S.A." é proprietária e responsável pela manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia das condições de segurança das linhas aéreas de transporte de energia elétrica de média e baixa tensão e respetivos apoios em betão que suportam as referidas linhas aéreas de transporte de energia elétrica que atravessam e asseguram o fornecimento e consumo de energia elétrica aos imóveis supra identificados.
4. O sistema de instalação de energia de elétrica que atravessa a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)" é composto por uma linha de média tensão constituída por três condutores de uma linha trifásica de média tensão, suportada por apoios de betão com a organização das três no modelo de galhardete e comandada por seccionador instalado de onde se faz a comutação da esteira horizontal dos cabos para o sistema de apoio em galhardete já referido.
5. Existe também no local um sistema de instalação de energia de elétrica que atravessa a "Herdade da (...)" e a "Herdade do Monte (...)" constituído por uma linha de baixa tensão, a qual é composta por cabo torçada constituído por quatro condutores, sendo um neutro, devidamente isolados, suportada por apoios de betão que sustêm as referidas linhas aéreas de transporte de energia elétrica que atravessam os imóveis supra descritos.
6. Estes sistemas de instalação de energia elétrica existentes no local, de baixa e média tensão, asseguram o fornecimento e consumo de energia elétrica à parte urbana e à exploração agrícola da "Herdade do Outeiro do (…)", a "Herdade da (…)" e a "Herdade do Monte (…)", na parte que é explorada pela autora, através das referidas linhas aéreas de transporte de energia elétrica, em média e baixa tensão, com código de ponto de entrega PT 0002 000 116 374 439 EP.
7. No dia 29 de Junho de 2017, pelas 13h1S, deflagrou um incêndio na "Herdade da (…)".
8. O incêndio teve origem nas linhas de média tensão e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, em virtude do embate de uma cegonha nessas mesmas linhas.
9. O que causou um curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando a cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia projetando faíscas para o solo, sendo de seguida eletrocutada.
10. E projetada em chamas também para o solo.
11. No local em que deflagrou o incêndio, no apoio em betão da linha de média tensão existia um equipamento anti-pouso destinado a dificultar o pouso de aves e a nidificação nessa estrutura.
12. E no apoio em betão da linha de baixa tensão encontrava-se instalada uma infraestrutura (cesto) para nidificação de cegonhas. 13. Que nesse local fora pela ré colocada.
14. Sendo que as linhas de condução de energia elétrica de baixa e média tensão se encontravam dispostas em paralelo, sem qualquer mecanismo de proteção ou sinalização que visasse minimizar o embate de aves e consequente electrocução.
15. Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, sendo o valor do hectare € 322,00;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 800,00;
c) Cerca elétrica correspondente a pelo menos 1 km, com o valor de € 800,00;
d) 4 sobreiros de grande porte, cuja extração de cortiça ascenderia a cerca de 15 arrobas por sobreiro, sendo o valor da arroba de € 30,00, não sendo possível aproveitar a cortiça das duas próximas tiragens.
16. Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 1.500,00;
b) Cercas de arame farpado correspondente a 1 km com o valor de € 1.600,00;
c) Pivot – pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras – cujo valor de reparação ascende a € 5.101,70;
d) 8 sobreiros, correspondente, cuja extração de cortiça ascenderia a cerca de 10 arrobas por sobreiro, sendo o valor da arroba de € 30,00, não sendo possível aproveitar a cortiça das duas próximas tiragens.
17. Em 11.04.2018, via email, a autora solicitou à ré que procedesse de imediato à retirada do ninho de cegonhas que se encontra colocado no poste de média tensão que atravessa a "Herdade da (…)", por forma a evitar que continuassem a ocorrer embates de cegonhas na referida linha de média tensão.
18.A ré respondeu à autora mediante comunicação escrita datada de 26.06.2018, com o seguinte teor, além do mais:
«Apesar de a rede estar em perfeito estado de conservação, podemos assegurar que brevemente vamos colocar sinalizadores nas linhas que poderão eventualmente evitar a aproximação de aves dos condutores existentes. Também vamos solicitar autorização ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – ICNF para proceder à desmontagem do ninho existente na Rede de Baixa Tensão
19. O que veio a verificar-se ainda no decurso do ano de 2018.
20. Tais equipamentos sinalizadores das linhas destinados a aumentar a respetiva visibilidade, já eram utilizados pela ré noutras linhas de distribuição de energia elétrica antes da ocorrência do incêndio.
21. A ré foi citada para os termos da presente ação em 04.09.2018. 22.A rede da linha de distribuição de energia elétrica em que ocorreu o incêndio estava licenciada.
23. Em Junho de 2014, no âmbito de uma ação de manutenção preventiva sistemática a toda a instalação de distribuição de energia elétrica que atravessa os imóveis supra referidos não foram identificadas anomalias termográficas e visuais, estando os cabos e respetivas flechas, os acessórios (Iigadores, isoladores, etc.) e apoios devidamente conservados, dentro da sua vida útil e aptos para a atividade de distribuição de energia em perfeito estado de conservação.

II.3.2.
Factos não provados
O tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade:
1. Em 29 de Junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a "Herdade da (…)" e a "Herdade do (…)" havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré.
2. O dispositivo referido em 12. e 13. destinava-se a evitar a nidificação na rede de média tensão.
3. O valor de reparação do pivot referido em 16. c) ascende a € 5.101,70.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Questão prévia invocada pela recorrida
A recorrida (…), Sociedade Agrícola do (…), Lda. invocou a seguinte situação que denominou de “questão prévia”: tendo o tribunal de primeira instância julgado provado que os danos do pivot ascendem ao valor de € 5.101,70 (ponto 16. c) dos factos provados), não condenou a ré no pagamento formulado pela autora no que àqueles danos respeita.
A recorrida não argui qualquer vício da sentença e não formula qualquer pretensão sobre a situação invocada, limitando-se a escrever «deveria nesta parte a sentença recorrida ter condenado a ré no pagamento do pedido formulado pela A. no que a estes danos patrimoniais se refere».
Por conseguinte, não pode este tribunal conhecer da referida “questão prévia” porque nenhum pedido lhe foi expressamente dirigido.

II.4.2.
Ampliação do recurso
A recorrida impugnou, a título subsidiário, o ponto n.º 3 da matéria de facto não provada que tem o seguinte teor: «O valor da reparação do pivot referido em 16. c) ascende a € 5.101,70».
Importa chamar à colação o disposto no art. 636.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o qual sob a epígrafe Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido dispõe o seguinte:
«1. No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
2. Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas».
No normativo citado estão previstas as seguintes possibilidades de ampliação do âmbito do recurso:
(a) Situações de sucumbência circunscrita aos fundamentos da ação ou da defesa: a parte vencedora pode suscitar perante o tribunal ad quem a reapreciação de questões cuja resposta tenha sido desfavorável, evitando os riscos de uma total adesão do tribunal de recurso aos fundamentos apresentados pelo recorrente para alcançar a revogação ou a anulação da decisão. Como refere Abrantes Geraldes[1], a propósito da utilidade e função da ampliação de recurso nesta vertente: «Na verdade, se acaso o tribunal ad quem reconhecer razão aos fundamentos invocados no recurso interposto pela parte vencida pode revelar-se importante para a defesa dos interesses do recorrido que sejam acolhidas no âmbito do mesmo recurso os fundamentos que oportunamente esgrimiu e que foram objeto de resposta desfavorável por parte do tribunal a quo».
Importa sublinhar que, sendo o decaimento da parte vencedora respeitante a um dos pedidos formulados pela autora – e não a meros fundamentos da ação – o mecanismo processual adequado já será o recurso autónomo (quando este seja admissível) ou o recurso subordinado e não a ampliação do âmbito do recurso.
(b) Arguição de nulidades, excluindo, todavia, do âmbito do preceito as nulidades da sentença que tenham influído no resultado da ação. Neste caso, o mecanismo processual adequado será a interposição de recurso, ainda que subordinado, nos termos do art. 633.º do CPC.
(c) Impugnação da matéria de facto julgada provada e não provada e que se mostre relevante para a defesa dos interesses do recorrido caso sejam acolhidos fundamentos de facto ou de direito apresentados pelo recorrente para sustentar o seu recurso.
No caso concreto, a recorrida pretende impugnar a matéria de facto julgada não provada pelo tribunal de primeira instância, matéria essa relativa ao valor da reparação do pivot supra mencionado (ponto de facto não provado n.º 3).
A ampliação de recurso com este concreto desiderato permite ao recorrido acautelar-se contra a eventual procedência de questões que hajam sido suscitadas pelo recorrente, mediante a modificação da decisão relativa à matéria de facto no sentido que lhe seja mais favorável e de forma a continuar a beneficiar do mesmo resultado que foi declarado na primeira decisão. Ou seja, a ampliação de recurso, nesta vertente, pressupõe que haja havido uma decisão favorável ao recorrido.
No caso sub judice a recorrida decaiu no pedido de condenação da ré EDP no pagamento do valor da reparação do pivot referido no ponto 16 c) dos factos provados, pelo que não existe fundamento legal para uma ampliação do pedido com o desiderato de impugnar a decisão da matéria de facto relativa ao ponto n.º 3 da factualidade não provada.
Em face do exposto, e ao abrigo do art. 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, decide-se não conhecer da ampliação de recurso suscitada pela recorrida.

II.4.3.
Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
A primeira questão suscitada pela recorrente EDP Distribuição prende-se com a valoração da prova empreendida pelo tribunal de primeira instância relativamente a concretos pontos de facto.
O art. 662.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe que: «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.»
O Tribunal de segunda instância deve formar a sua própria convicção acerca dos elementos probatórios disponíveis (os indicados pelas partes e os obtidos oficiosamente) a qual deve ser obtida através de uma ponderação crítica dos mesmos, quando sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova (como sucede no caso vertente). Ou, dito de outra forma, a segunda instância deve funcionar como um efetivo segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto.
No caso sub judice o julgamento sobre a matéria de facto compreendeu, como meios de prova, os documentos juntos aos autos, os depoimentos das testemunhas (…), (…), (…), da legal representante da autora, todos conjugados com as regras da experiência.
A recorrente EDP defende que: a) o tribunal a quo julgou incorretamente os pontos n.ºs 8, 9, 13, 15 a), 15 b), 16 a) e 16 c) dos factos provados; b) o facto não provado n.º 1 deveria ter sido julgado provado bem como os factos alegados nos arts. 25.º, 13.º e 14 da sua Contestação.
Considerando que a recorrente cumpriu os ónus relativos à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, vejamos se lhe assiste razão.

II.4.3.1.
Factos provados n.ºs 8 e 9
Por estes factos estarem interligados, proceder-se-á à análise conjunta dos mesmos.
Têm eles a seguinte redação:
«O incêndio teve origem nas linhas de média tensão e baixa tensão que atravessam o referido imóvel, em virtude do embate de uma cegonha nessas mesmas linhas» (facto provado n.º 8).
«O que causou um curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando a cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia projetando faíscas para o solo, sendo de seguida eletrocutada.» (facto provado n.º 9).
A recorrente defende que os referidos factos deverão passar a ter a redação seguinte:
«O incêndio teve origem no embate de uma cegonha nas linhas de média tensão que atravessam o referido imóvel».
«O que causou um curto-circuito entre as linhas de condução de energia elétrica quando a cegonha tocou em ambas as linhas de condução de energia, sendo de seguida eletrocutada e projetada para o solo em chamas».
A recorrente invoca as declarações de parte de (…), os depoimentos das testemunhas (…) e (…), o relatório de ocorrência de fogo e o documento n.º 4 anexo à petição inicial.
Liminarmente se dirá que a recorrente EDP não põe em causa que o incêndio em causa nos autos teve na sua origem num curto-circuito originado pelo embate de uma cegonha em linha de eletricidade, causando a electrocução da cegonha e a projeção da mesma, em chamas, para o solo. Ademais o facto traduzido na “projeção da cegonha em chamas para o solo” foi julgado provado pelo tribunal de primeira instância, constando do ponto de facto n.º 10, o qual não foi impugnado, pelo que tal facto não tem de constar, também, da redação do facto provado n.º 9.
Os factos impugnados pela EDP e que importa apreciar são, portanto, e apenas os seguintes:
a) o referido embate da cegonha ocorreu, também, numa linha de baixa tensão;
b) que em resultado da electrocução da cegonha tenham sido projetadas faíscas para o solo.
Do teor do documento denominado “Certidão de Ocorrência” elaborado pela GNR e junta fls. 20 verso dos autos consta que «a causa do incêndio foi um choque de cegonha com cabo elétrico de média tensão» e do teor do documento denominado “Relatório de ocorrência de fogo” elaborado pela GNR do Posto Territorial de Arraiolos e junto a fls. 89 dos autos consta, também, que a causa do incêndio foi «um choque de cegonha com cabo elétrico de média tensão». Acresce que a presença da GNR no local foi corroborada, designadamente, pelas testemunhas (…) – o qual referiu inclusive que a GNR percorreu o perímetro do incêndio para apurar a causa do incêndio – e (…).
Pese embora a recorrente invoque os depoimentos das testemunhas (…) e (…) e estes tenham aludido efetivamente à existência de uma cegonha encontrada «mesmo debaixo das linhas», revelaram, por outro lado, não saber se se tratava de linhas de baixa ou de média tensão. Já a legal representante da autora, (…), referiu, de forma segura, que viu a cegonha e que esta estava «debaixo da linha de média tensão, numa extrema do incêndio». Logo, e se como afirmou a testemunha (…), as linhas de média e baixa tensão estão separadas uma da outra por uma distância de 20 metros, parece-nos improvável que a electrocução da cegonha haja sido precedida por um embate da cegonha, simultaneamente, em linhas de média e baixa tensão; para além de que está provado que a linha de baixa tensão que atravessa a Herdade da (…) é composta por cabo torçado constituído por quatro condutores devidamente isolados (cfr. facto provado n.º 5), pelo que inferimos que o embate de uma ave na referida linha não causaria a electrocução da ave (art. 349.º do CC).
Em face do exposto, o facto provado n.º 8 deverá passar a ter a redação proposta pela recorrente EDP, ou seja, que «O incêndio teve origem no embate de uma cegonha na linha de média tensão que atravessa o referido imóvel».
*
Relativamente ao facto provado n.º 9 na parte respeitante à “projeção de faíscas para o solo”, há também que reconhecer razão à recorrente EDP quando sustenta que não foi produzida qualquer prova que permita dar como assente que foram projetadas faíscas para o solo, desde logo porque nenhuma das testemunhas presenciou a deflagração do incêndio.
Não se olvida que a testemunha (...) referiu que com o curto circuito a corrente elétrica gera milhares de amperes e há uma grande transmissão de calor, mas tal facto, por si só, não permite a inferência de que, in casu, houve uma projeção de faíscas para o solo.
Assim sendo, o facto provado n.º 9 passará a ter a seguinte redação: «O que causou um curto-circuito quando a cegonha tocou nos cabos condutores da referida linha, sendo de seguida eletrocutada».

II.4.3.2.
Facto provado n.º 13
Este facto prende-se com a colocação, pela ré, de um cesto para nidificação de cegonhas no apoio em betão da linha de baixa tensão existente no local em que deflagrou o acidente (e não também com a colocação de um equipamento anti-pouso destinado a dificultar o pouso de aves no apoio em betão da linha de média tensão a que alude o facto provado n.º 11).
A recorrente EDP pretende que seja aditado ao referido facto provado n.º 13 que a colocação do cesto para nidificação referido no facto provado n.º 12 ocorreu «cerca de dois anos após a instalação da linha em 1998», invocando os depoimentos das testemunhas (…) e (…) e os documentos n.ºs 1 e 2 anexos à contestação.
Quanto aos documentos referidos, estes comprovam, apenas, a data de licenciamento das linhas de média e baixa tensão instaladas na Herdade da (…), o qual ocorreu efetivamente em 1998.
Quanto à testemunha (…) este referiu-se apenas à instalação de dispositivos anti-nidificação nos apoios das linhas de média tensão e sem que tivesse sequer concretizado a data de instalação dos referidos dispositivos. Relativamente à testemunha Fernando Pereira este referiu que a EDP colocou cestos nos postes de baixa tensão porque as cegonhas eram eletrocutadas quando tentavam fazer ninhos no posto de transformação e que a instalação dos ninhos ocorreu depois da instalação das linhas de média e baixa tensão, mas não revelou com segurança a altura em que essa instalação terá ocorrido.
Pelo que o facto provado n.º 13 deverá manter a redação tal como consta da sentença recorrida.

II.4.3.3.
Factos provados n.º 15 a) e b) e n.º 16 a).
Estes factos têm a seguinte redação:
«Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, sendo o valor do hectare € 322,00;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 800,00».
«Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, sendo que cada hectare tem o valor de € 1.500,00».
A recorrente EDP defende que estes concretos pontos de facto reportam-se ao “preço de mercadodo pasto adubado, do restolho de feno e do trevo consumidos pelo incêndio e que tendo resultado da prova testemunhal que a autora não os destinava a venda «não podem ser dados como provados nos termos em que o faz a sentença recorrida» pois os prejuízos deveriam ter sido contabilizados «tendo em conta o valor do investimento na produção daqueles bens cumulativamente, ou não, com o valor da sua substituição, caso esta se tivesse revelado necessária».
Concluindo a recorrente que os factos em apreço deverão passar a ter a seguinte redação:
«15. Em consequência do incêndio ocorrido, resultaram para a autora, os seguintes danos na "Herdade da (…)":
a) Pasto natural melhorado (adubado) correspondente a 34,500 hectares, cujo valor do prejuízo sofrido não foi possível apurar;
b) Restolho de feno semeado de regadio correspondente a 3,45 hectares, cujo valor do prejuízo sofrido não foi possível apurar».
«16. «Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
a) Ceara de trevo de regadio numa área de terra correspondente a 8,15 hectares, cujo valor do prejuízo não foi possível apurar».
No âmbito da impugnação da decisão de facto, a reapreciação da decisão proferida pelo tribunal de primeira instância visa aferir se, em face dos meios probatórios produzidos, determinados factos foram incorretamente julgados, isto é, se foram julgados provados quando deveriam ter sido julgados não provados ou, inversamente, se foram julgados não provados quando deveriam ter sido julgados provados.
Não constando da factualidade provada que a autora não destinava o feno, o pasto natural e a ceara de trevo a venda, não pode tal circunstância ser ponderada por este tribunal de segunda instância nos termos propostos pela recorrente.
A recorrente alega que «não foi junto um único documento referente aos alegados prejuízos com a perda do pasto, feno e trevo», mas não põe em causa a credibilidade do depoimento da legal representante da autora, (…), no qual o juiz a quo fundou a sua convicção quanto aos factos em apreço. Com efeito, o juiz a quo considerou que o depoimento de (…) foi prestado de forma credível, porque seguro, preciso e explicativo, «sem recurso, ao contrário do que é comum, a quaisquer subterfúgios […]» (sic).
A convicção do tribunal de primeira instância quanto à credibilidade de (…) não merece censura. Para além de o depoimento da declarante ter sido produzido de forma segura, sem contradições e sem enviesamentos, aquela referiu a área de pasto e a área de sementeira ardidas em cada uma das herdades, a quantidade mínima de pasto/feno/trevo que seriam produzidas por hectare e o valor de mercado de cada quilograma.
Também a testemunha (…) – o qual foi sócio gerente da autora até outubro de 2017 – declarou que foi ele e a filha (…) que procederam ao cálculo dos valores peticionados a título de danos, corroborando, desta forma, os factos impugnados.
Ademais, os factos em causa não têm de ser obrigatoriamente provados com recurso a documento escrito, estabelecendo o art. 392.º do Código Civil que a prova testemunhal é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada, devendo a respetiva força probatória ser livremente apreciada pelo tribunal (art. 396.º do Código Civil). Tão pouco estamos perante um qualquer facto cuja perceção imponha qualquer especial conhecimento.
Por todo o exposto, os depoimentos supra mencionados afiguram-se-nos credíveis e suficientes para atestar os factos em apreço, improcedendo assim este segmento do recurso.

II.4.3.4.
Facto provado n.º 16 c)
Este facto tem a seguinte redação: «Bem como os seguintes danos na "Herdade do Outeiro":
c) Pivot - pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras - cujo valor de reparação ascende a € 5.101,70».
Defende a recorrente EDP que este facto deverá passar a ter a seguinte redação: «Bem como os seguintes danos na "Herdade do (…)":
c) Pivot – pneus, jantes, (2) motores, plásticos de proteção e chumaceiras – cujo valor de reparação não foi possível apurar».
A recorrente alega que o facto tal como foi julgado provado está em flagrante contradição quer com o facto não provado elencado sob o n.º 3, quer com a fundamentação da decisão sobre aquele concreto facto não provado.
Efetivamente, o tribunal de primeira instância julgou provado no ponto 16 c) da factualidade provada que «Em consequência do incêndio ocorrido, resultou para a autora, na Herdade do (…), danos no pivot – pneus, jantes, 2 motores, plásticos de proteção e chumaceiros – cujo valor de reparação ascende a € 5.101,70» e, simultaneamente, julgou não provado que o valor da reparação do pivot referido em 16 c) ascende a € 5.101,70 (facto não provado n.º 3).
Todavia, a recorrente não argui a ininteligibilidade da sentença eventualmente resultante de tal contradição e relativamente à impugnação da decisão quanto ao facto provado constante do ponto n.º 16 c) não cumpre o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, o que implica, nos termos do art. 640.º, n.º 1, do CPC, a rejeição imediata desta parte do recurso.
De qualquer forma sempre se dirá que resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto e da fundamentação de direito contidas na sentença sob recurso que o tribunal a quo julgou que a parte não fez prova do alegado por falta de junção aos autos de elementos que aquele tribunal entendia necessários, concretamente de prova documental. E também se extrai da fundamentação de direito da sentença sob recurso que o tribunal considerou que, mesmo sem ter em conta o valor da reparação do pivot danificado, o valor global dos danos apurados excedia o valor global peticionado pela autora, pelo que, por força do princípio do pedido plasmado no art. 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, condenou a ré no valor que havia sido peticionado, valor no qual não podia conter o valor da reparação do pivot.
Com efeito, refere-se ali o seguinte: «Por conseguinte, o prejuízo total provado ascende a € 36.894,00. Há que ressalvar dois aspetos.
O primeiro, reporta-se ao pivot na medida em que o valor do dano não se apurou. Entende-se, contudo, que não estamos perante a situação prevista no art. 609.°, 2, do CPC pois nesses casos a condenação genérica assenta na inexistência de elementos para fixar a quantidade ou o objeto, situação diversa da que ocorre nos autos que em simplesmente a parte não fez prova do alegado por falta de junção aos autos de elementos que o Tribunal entende necessários (mas cujo ónus de junção recai, obviamente, sobre a parte, sob pena de completa subversão do sistema) e cuja impossibilidade de apresentação decorrente de eventual inexistência nunca foi alegada pela autora. Qualquer outro entendimento, resultaria em conceder à autora uma segunda oportunidade, quanto a nós injustificável, para provar os factos que devia e podia ter provado em sede de julgamento, não sendo esse, manifestamente, o espírito da lei. A segunda ressalvar prende-se com o princípio do pedido, na medida em que facilmente se chega à conclusão que os valores alegados pela autora a título de danos não correspondem – ora para mais, ora para menos – aos valores apurados. Contudo, os danos foram alegados e existem, na medida em que resultaram provados, sendo notório do confronto entre o que se deixa exposto e dos artigos da p.i. referentes aos danos que terá, nalguns casos, havido lapso de cálculo aritmético. Ora, entendemos que o princípio do pedido, plasmado no mesmo artigo 609.° do CPC, agora no n.º 1, se reporta à globalidade do pedido e, neste caso o pedido é só um e ascende a € 36.231,63 pelo que não obstante ter a autora logrado provar danos no montante de € 36.894,00 apenas será a ré condenada no pagamento da quantia de € 36.231,63, sob pena de violação de tal princípio (o que, de algum modo, retira o relevo que a primeira ressalva poderia, à primeira vista, ter)».
Isto para dizer que o valor da reparação do pivot acabou por não ter relevância no cálculo do valor global dos danos sofridos pela autora.
Ora, se os factos cujo julgamento é impugnado não forem suscetíveis de influenciarem a decisão da causa, como é o caso, é inútil e contrário ao princípio da economia processual a reponderação dos mesmos pelo Tribunal da Relação.

II.4.3.5.
Facto constante do art. 18.º da Contestação.
Este facto tem a seguinte redação:
«Até 25 de julho de 2017 – data da carta que juntou como documento 16 – a autora nunca havia suscitado qualquer questão relativa à perigosidade da presença de cegonhas no local, sendo certo que ao exercer uma exploração agrícola que exige a presença humana no local, estava em melhores condições que ninguém para se aperceber de tal perigosidade».
A recorrente EDP defende que as testemunhas (…), (…) e (…) corroboraram o que alegou no artigo 18.º da sua contestação.
O referido artigo contêm juízos de valor eventualmente baseados em factos que não estão contidos na respetiva redação, o que impede que se verifique se os mesmos resultam, ou não, da prova produzida. Com efeito, todo o artigo assenta na «perigosidade da presença de cegonhas» que não constitui matéria de facto, traduzindo, ao invés, um juízo de natureza conclusiva eventualmente baseado em factos que não estão ali plasmados, não havendo, por isso, que determinar o respetivo aditamento à matéria de facto, mostrando-se desnecessária a reapreciação dos meios de prova indicados pela recorrente.
Por conseguinte, improcede este segmento do recurso.

II.4.3.6.
Factos constantes dos artigos 13º e 14.º da Contestação.
Estes factos têm a seguinte redação:
«Não se encontrando a linha de MT dos autos instalada em local que integre a Rede Natura 2000 ou que constitua uma Zona Especial e Proteção (ZEP), nos termos do Decreto Regulamentar 6/2008, de 26 de Fevereiro, ou qualquer outra área protegida como é patente na informação disponibilizada pelo Instituto de Conservação da natureza e das Florestas (ICNF), http://www2.icnf.pt/portal/pn/biodiversidade/cart/ap-rn-ramsar-pt, as ações da ré nesta área geográfica são voluntárias e coordenadas pelo Grupo de Trabalho para as Aves Selvagens (GTAS) e a sua Comissão Técnica de Acompanhamento (CTALEA) que integra, além da ré, a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEAS), o ICNF e a Quercus.» (art. 13.º).
«Para a linha dos autos não existia qualquer recomendação de intervenção, quer no que respeita aos sinalizadores, quer no que respeita aos mecanismos de dissuasão de nidificação» (art. 14.º).
Defende a recorrente EDP que existe prova testemunhal que permite julgar provado que o local dos autos não integra a REDE NATURA nem constitui uma Zona de Proteção Especial, bem como a inexistência de qualquer instrução ou orientação das autoridades ambientais no sentido de instalar quer os sinalizadores quer os dissuasores de nidificação, invocando os depoimentos das testemunhas (…) e de (…).
Os factos em causa – o local dos autos não integra a REDE NATURA nem constitui uma Zona de Proteção Especial; inexistência de qualquer instrução ou orientação das autoridades ambientais no sentido de instalar quer os sinalizadores quer os dissuasores de nidificação – resultaram efetivamente do depoimento da testemunha (…), pelo que serão aditados à factualidade provada.

II.4.3.7.
Facto não provado n.º 1.
Este facto tem a seguinte redação:
«Em 29 de junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…) havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré».
Extrai-se da decisão recorrida que o juiz a quo julgou que não foi produzida qualquer prova sobre o facto em apreço.
A recorrente EDP entende o contrário, invocando os depoimentos das testemunhas (…), (…) e o depoimento da legal representante da autora.
E tem razão. A testemunha (…) declarou que aquando da instalação dos cestos para nidificação nos postos de baixa tensão a EDP colocou dissuasores de nidificação nos postos de média tensão e também a testemunha (…) referiu que antes do incêndio já tinham sido instalados dispositivos dissuasores de nidificação em quase todos os apoios de média tensão.
Por conseguinte, a factualidade em apreço deverá ser eliminada do elenco dos factos não provados e deverá transitar para o elenco dos factos provados o seguinte:
«11-a)
Em 29 de junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…) havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em quase todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré».
*
Em face de todo o exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em conformidade, decide-se o seguinte:
1) Alterar os factos constantes dos pontos n.ºs 8 e 9 da factualidade provada, os quais passarão a ter a seguinte redação:
«8. O incêndio teve origem no embate de uma cegonha na linha de média tensão que atravessa o referido imóvel».
«9. O que causou um curto-circuito quando a cegonha tocou nos cabos condutores da referida linha, sendo de seguida eletrocutada».
2) Aditar à factualidade provada os seguintes factos:
«O local dos autos não integra a REDE NATURA nem constitui uma Zona de Proteção Especial.»
«Inexiste qualquer instrução ou orientação das autoridades ambientais no sentido de instalar quer os sinalizadores quer os dissuasores de nidificação no local dos autos»
3) Eliminar do elenco da factualidade não provada o facto não provado n.º 1, o qual transitará para o elenco dos factos provados com a seguinte redação: «11-a) Em 29 de junho de 2017, no ramal de distribuição de energia elétrica que atravessa a Herdade da (…) e a Herdade do Monte (…) havia dispositivos dissuasores de nidificação (DDN) instalados em quase todos os apoios da rede de média tensão, instalados pela ré».

II.4.4.
O Direito
O tribunal de primeira instância considerou que, sendo a ré a proprietária e responsável pela manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia das condições de segurança das linhas áreas de transporte de energia elétrica de média e baixa tensão que atravessam e asseguram o fornecimento e consumo de energia elétrica nas Herdades da (…) e do Monte (…) – bem como responsável pela manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia das condições de segurança dos respetivos apoios em betão que suportam as referidas linhas aéreas de transporte de energia elétrica - e estando provado que o incêndio deflagrado na Herdade da (…) teve origem num curto-circuito entre linhas de condução de energia elétrica por força do embate de uma cegonha nessas mesmas linhas elétricas, os danos verificados resultaram da condução ou entrega de energia elétrica e que só seria de excluir a responsabilidade objetiva da ré prevista no art. 509.º, n.º 1, do Código Civil na hipótese de ter ocorrido um caso de força maior, o que, no seu entender, não ocorreu pois o embate de uma ave numa linha de distribuição de energia elétrica é uma situação comum e altamente previsível para o homem comum e, ainda para mais para a ré que explora essa distribuição. Consequentemente, o tribunal a quo julgou que não se verificou qualquer causa excludente do nexo de causalidade entre os danos ocasionados e a atividade de condução de energia elétrica e condenou a Ré EDP Distribuição no pagamento à autora da quantia de € 36.231,63 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal para obrigações civis a contar da data de citação da ré e até integral pagamento.
Discorda a recorrente EDP da condenação, sustentando que ainda que se considere que os danos resultam da condução da energia elétrica, «a ocorrência em apreço não pode deixar de constituir um caso de força maior, caindo no escopo no art. 509.º, n.º 2, do CC, uma vez que a ré apenas teve conhecimento da existência de voos de cegonhas com trajetórias perto da linha de média tensão em questão, em momento posterior ao incêndio e nunca antes e que não foi provado que a ré estivesse obrigada à instalação de qualquer tipo de sinalização nas linhas ou que em momento anterior ao acidente a ré ou tivesse recebido por parte das autoridades ambientais competentes qualquer instrução para alteração da rede ou colocação de dispositivos de sinalização adicionais.
A recorrente não põe em causa a aplicação ao caso do regime previsto no art. 509.º do Código Civil, pois afirma que «pelo exercício da atividade a que se dedica, encontra-se legalmente sujeita à aplicação de um regime específico de responsabilidade pelo risco, previsto no art. 509.º do Código Civil» (cfr. conclusão n.º 9 das alegações de recurso).
Regime que importa, pois, aqui abordar.
A responsabilidade civil pelo risco é uma modalidade de responsabilidade objetiva. Neste tipo de responsabilidade o que está em causa é decidir acerca da existência de fundamento para operar a transferência de riscos de uma esfera jurídica para outra e de, uma vez aqueles concretizados, das consequentes perdas.. Por conseguinte, neste tipo de responsabilidade prescinde-se da demonstração da culpa e da ilicitude na medida em que não está em causa apreciar a motivação ou correção das condutas individuais que gerem ou causam aqueles riscos, respondendo o autor do evento lesivo pelo prejuízo que lhe surja associado ainda que haja atuado com o máximo de diligência humanamente possível e exigível. Neste tipo de responsabilidade, e no que ao juízo de causalidade respeita, basta determinar se o dano, tal como sucedeu, é uma concretização possível dos perigos envolvidos na conduta pela qual uma pessoa é responsável[2].
«[…] existem dois tipos de respostas jurídicas aos perigos contemporâneos. De um lado, a excecional valorização da imputação negligente pela multiplicação de deveres de cuidado no controlo das fontes de perigo, por ser essa uma das mais eficazes barreiras à contenção dos respetivos riscos típicos domináveis, atendendo à rápida predominância que as ofensas de bens jurídicos cometidas por meio de omissões e ofensas imediatas, caracteristicamente negligentes, assumiram na sinistralidade moderna.
De outro, face a riscos não domináveis, mas permitidos, porque inerentes a atividades economicamente vitais, os danos situados dentro da respetiva esfera de conexão foram atribuídos ao lesante, independentemente de culpa, acompanhados em regra da imposição de seguros obrigatórios – em especial, nas áreas em que o estádio da evolução científica e técnica tornava particularmente inevitável o risco de acidentes – que cumpriam a dupla vantagem de assegurar a exequibilidade das indemnizações e neutralizar os custos do segurado, de outro modo insuportáveis […]» – Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, Responsabilidade Civil por Violação de Deveres de Tráfego, Almedina, 2015, p. 444.
Os casos de responsabilidade civil objetiva são apenas os que estão especialmente previstos na lei (art. 483.º, n.º 2, do Código Civil). Ou seja, o legislador português consagrou a regra da tipicidade, vedando a extensão analógica das específicas previsões legais que a admitem.
Os danos causados por instalações destinadas ao transporte/condução/entrega de energia elétrica estão previstos no art. 509.º do Código Civil, atividade que, embora se trate de uma atividade perigosa, é ali regida pelo critério do risco.
Dispõe o art. 509.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil, sob a epígrafe Danos causados por instalações de energia elétrica e de gás, que:
«1. Aquele que tiver a direção efetiva de instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica ou do gás, e utilizar essa instalação no seu interesse, responde tanto pelo prejuízo que derive da condução ou entrega da eletricidade ou do gás, como pelos danos resultantes da própria instalação, exceto se ao tempo do acidente esta estiver de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. 2. Não obrigam a reparação os danos devidos a causa de força maior; considera-se de força maior toda a causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa.»
De acordo com o normativo transcrito, o responsável pelos prejuízos emergentes de instalação destinada à condução da energia elétrica (abrangendo os danos resultantes de defeitos da própria instalação) é aquele que tiver a respetiva direção efetiva e a utilizar no próprio interesse.
Para que o regime constante do normativo citado tenha aplicação é necessário alegar e provar que o incidente causador do(s) dano(s) ocorreu no âmbito das atividades ali previstas: produção, condução ou entrega (distribuição) de energia elétrica, prova que incumbe ao lesado, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, enquanto facto constitutivo do direito ao ressarcimento dos danos.
«Para se aplicar a responsabilidade objetiva prevista na referida norma, os danos terão de ser devidos aos efeitos da eletricidade (ou do gás), derivados de uma instalação de energia elétrica destinada à condução e entrega de energia elétrica ao consumidor final […]» - Ac. RP de 02.07.2013, processo n.º 32/12.6TBMDB.P1, consultável em www.dgsi.pt.
O art. 509.º distingue dois tipos de danos: os resultantes de defeitos da própria instalação e os que derivam da condução ou entrega de energia elétrica.
Distinção relevante na medida em que a prova de que a instalação se encontrava, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação só releva, enquanto causa excludente da responsabilidade ali prevista, no caso dos danos derivados da própria instalação (e não também dos danos derivados da condução ou entrega de energia elétrica).
«[…] a solução do art. 509.º/1 afasta-se do princípio do risco, constituindo uma inequívoca cedência aos parâmetros da imputação subjetiva, ao isentar quem cumpriu todos os preceitos técnicos aplicáveis e assegurou o perfeito estado de conservação das instalações, consagrando uma aplicação ilustrativa do estalão correspondente ao cuidado ótimo, tornando-se assim de difícil demarcação face ao conteúdo da prova liberatória estabelecida pelo art. 493.º/2 para o exercício de atividades perigosas, aparentemente inspirada pelo mesmo padrão de diligência» - Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde, ob. cit., p. 454.
Pires de Lima e Antunes Varela referem a propósito do art. 509.º que: «É um novo caso de responsabilidade objetiva, de resto atenuada quanto aos danos resultantes da própria instalação, pois se admite, para afastar a responsabilidade (objetiva), a prova de que a instalação se encontra, ao tempo do acidente, de acordo com as regras técnicas em vigor e em perfeito estado de conservação. É já puramente objetiva, quando se trate de danos resultantes da condução ou transporte e entrega ou distribuição de energia elétrica ou de gás, seja qual for o meio utilizado (canalização, botijas, outros recipientes, etc.)»[3].
O “caso de força maior” exclui a responsabilidade do detentor de instalação destinada à condução ou entrega da energia elétrica e que a utilize no seu interesse. Nos termos do art. 509.º, n.º 2 do CC tem de se tratar de «causa exterior independente do funcionamento e utilização da coisa”.
Na jurisprudência, a “causa de força maior” tem sido definida do seguinte modo:
- «algo que, embora previsível, não é suscetível de ser dominado pelo homem» - Ac. STJ de 08.11.2007, processo n.º 06B2640, publicado em www.dgsi.pt.;
- «facto que não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências, subjazendo-lhe a ideia de inevitabilidade e a de acontecimento natural fora do alcance do poder humano» – Ac. STJ de 27.10.2016, processo n.º 1452/13.4TJLSB.L1.S1;
- «O caso de força maior como excludente da culpa e até da responsabilidade civil lato sensu tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma ação do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza que, por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência» - Ac. STJ de 18.12.2013, processo n.º 3186/08.2TB-VCT.G1.S1, publicado em www.dgsi.pt.;
- «Não pode aceitar-se como “causa de força maior” excludente da responsabilidade aqueles fenómenos que, precisamente por serem comuns e correntes, têm efeitos que uma empresa e cuja atividade é a distribuição de energia pode prever e precaver, pois como se disse, só são abarcáveis por tal conceito as consequências de fenómenos que, em termos de normalidade, seriam inevitáveis ou insuscetíveis de serem dominados pelo homem» - Ac. STJ de 12.07.2018, processo n.º 802/14.0TBTNV.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
Por sua vez, o art. 8.º do Regulamento n.º 629/2017, de 20.12 (Regulamento da Qualidade e Serviços prestados pelas entidades do Sistema Elétrico Nacional), sob a epígrafe Casos fortuitos ou de força maior, dispõe o seguinte:
«Artigo 8.º
1. Para efeitos do presente regulamento, consideram-se casos fortuitos ou de força maior aqueles que reúnam simultaneamente as condições de exterioridade, imprevisibilidade e irresistibilidade face às boas práticas ou às regras técnicas aplicáveis e obrigatórias.
2. Consideram-se casos fortuitos as ocorrências que, não tendo acontecido por circunstâncias naturais, não poderiam ser previstas.
3. Consideram-se casos de força maior as circunstâncias de um evento natural ou de ação humana que, embora se pudesse prever, não poderia ser evitado, nem em si, nem nas consequências danosas que provoca.
4. (…)
5. (…)» (itálicos nossos).
Feitas estas considerações de ordem geral, é tempo de retornar caso em análise.
Está provado que a ré "EDP Distribuição – Energia S.A." é proprietária e responsável pela manutenção, conservação, bom funcionamento e garantia das condições de segurança das linhas aéreas de transporte de energia elétrica de média e baixa tensão que atravessam as Herdades da (…), do Monte (…) e do Outeiro do (…) – bem como dos respetivos apoios em betão –, as quais asseguram o fornecimento e consumo de energia elétrica àquelas propriedades.
A ré detém, portanto, as infraestruturas que asseguram a transmissão de eletricidade em rede de distribuição de média e baixa tensão nas propriedades supra mencionadas, designadamente, na Herdade da (…) onde deflagrou o incêndio, no dia 29.06.2017.
Provou-se que aquele incêndio teve origem no embate de uma cegonha na linha de média tensão que atravessa o referido imóvel, o que causou um curto-circuito quando a cegonha tocou nos cabos condutores da referida linha, sendo de seguida eletrocutada e projetada em chamas para o solo (factos provados n.ºs 7, 8, 9 e 10).
Ou seja, o incêndio deflagrou na sequência de um curto-circuito ocorrido nos cabos condutores de uma linha de distribuição de eletricidade de média tensão que atravessa a Herdade da (…), causando a electrocução da ave, que foi lançada para o solo em chamas.
O incêndio está, por conseguinte, relacionado com a energia elétrica distribuída pela Ré (ocorrência de um curto circuito na linha de média tensão) e não com o estado de conservação das infra-estruturas de transporte/distribuição de eletricidade no local onde deflagrou o acidente.
Pelo que bem decidiu o tribunal de primeira instância ao considerar estarmos perante danos derivados da condução de energia elétrica aos prédios rústicos melhor identificados nos autos.
Assim sendo, a responsabilidade objetiva da ré/recorrente só pode ser afastada se os danos tiverem sido devidos a “causa de força maior” pois só esta rompe o nexo de causalidade adequada (art. 509.º, n.º 2, do Código Civil). Isto é, se na origem do próprio curto-circuito tiver estado uma “causa de força maior”.
Está provado que o curto-circuito teve na sua origem o embate de uma ave (cegonha) nos cabos condutores da linha de média tensão.
Para a recorrente, o referido embate de cegonha «sempre constituirá um caso de força maior», alegando que ela não podia prever o embate da cegonha que esteve na origem do incêndio dos autos pois «apenas teve conhecimento da existência de voos de cegonhas com trajetórias perto da linha de média tensão em questão em momento posterior ao incêndio e nunca antes» e «nunca fora advertida da existência de qualquer perigosidade no local, não existindo, inclusivamente qualquer comunicação por parte da autora». Mais alega que «não foi provado nem sequer alegado pela autora a quem incumbia esse ónus, que a ré estivesse obrigada à instalação de qualquer tipo de sinalização nas linhas […] Não existindo qualquer recomendação de intervenção para a linha em questão, quer no tocante à colocação de sinalizadores, quer no que respeita aos mecanismos de dissuasão de nidificação. […]».
A este propósito refere o tribunal de primeira instância que «O embate de uma ave numa linha de distribuição de energia elétrica é uma situação comum e altamente previsível para o homem comum e, ainda mais, para a ré que explora essa mesma distribuição. Não podemos esquecer que as linhas de distribuição de energia elétrica são aéreas, característica que partilham com as aves, as quais não são seres racionais, pelo que não se pode dizer que estamos perante um fenómeno totalmente alheio e independente da atividade levada a cabo pela ré. Aves e linhas de distribuição elétrica, além do mais, partilham o céu, pelo que não se vislumbra sequer como pode a ré alegar que o embate de uma ave (é irrelevante o tipo de ave na verdade, porque poderia ser uma cegonha ou qualquer outra, que o resultado e a conclusão seriam iguais) é um mero caso fortuito – cfr. art. 21.° da contestação. Desde logo se refira que a lei fala em caso de força maior e não em caso fortuito, o que é coisa distinta. Depois, sempre se dirá que se estivéssemos perante um caso fortuito, não se compreenderia que a ré colocasse ao longo de linhas de distribuição de energia elétrica equipamentos dissuasores de pouso e em poste de apoio equipamentos dissuasores de nidificação, nos locais onde a tal não está obrigada. Ademais, não se pode alcançar como pode igualmente a ré alegar a imprevisibilidade de tal caso que apelida de fortuito quando foi a própria que altura antes havia colocado no poste de baixa tensão existente no local em que ocorreu o acidente um ninho, o que faz prever, primeiro, a existência de aves, e, depois, a possibilidade de choque dessas mesmas aves em simultâneo com ambas as linhas de distribuição de média e alta tensão, já que, conforme resultou provado, estão paralelas, o que, por sua vez, diz-nos a experiência comum, faz prever um curto-circuito e eletrocussão da ave
Concordamos com o entendimento perfilhado na sentença sob recurso.
O embate de aves nas linhas de eletricidade até para o homem comum é previsível uma vez que aves e linhas elétricas «partilham o espaço aéreo» e, no caso concreto, está inclusive provado que, no local do incêndio, as cegonhas até fazem ninhos nos postos de betão de apoio às linhas de média tensão o que implica a proximidade das mesmas com as referidas linhas, aumentando, por isso, a probabilidade de interação daquelas aves com as próprias linhas, as quais, ao contrário das linhas de baixa tensão, não são constituídas por cabos condutores isolantes. E não está sequer provado que a ré «apenas teve conhecimento da existência de cegonhas com trajetórias perto da linha de média tensão em momento posterior ao incêndio e nunca antes».
Acresce que tal interação das aves com as linhas elétricas de média tensão é um fenómeno que pode ser minimizado pela ação do homem através da colocação nas referidas linhas de sinalizadores com vista a evitar a aproximação de aves dos fios/cabos condutores das linhas de média tensão, como o revela o facto provado n.º 18.
Relativamente ao alegado pela recorrente no sentido de que «não foi provado nem sequer alegado pela autora a quem incumbia esse ónus, que a ré estivesse obrigada à instalação de qualquer tipo de sinalização nas linhas […] Não existindo qualquer recomendação de intervenção para a linha em questão, quer no tocante à colocação de sinalizadores, quer no que respeita aos mecanismos de dissuasão de nidificação. […]», salienta-se, uma vez mais, o seguinte: na responsabilidade civil em causa não está em causa a omissão de deveres de cuidado no controlo da fonte de perigo, bastando determinar se o dano, tal como sucedeu, é uma concretização possível dos perigos inerentes à realização de determinada atividade.
Ademais, eventuais recomendações provenientes de entidades ambientais prendem-se com preocupações relacionadas com a preservação de espécies em extinção e não com questões de segurança atinentes às linhas de distribuição de energia elétrica, sendo esta última a situação que está em causa nos autos.
Assim, não tendo a ré logrado provar a ocorrência de um “caso de força maior”, como lhe incumbia, nos termos do art. 342.º, n.º 2, do Código Civil, enquanto facto impeditivo do direito de ressarcimento invocado pela autora, é aquela responsável pelos danos decorrentes do incêndio em causa nos autos, improcedendo assim o presente recurso.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação da recorrente EDP-Distribuição-Energia, SA, mantendo integralmente a sentença proferida pelo tribunal de primeira instância.
As custas de parte são da responsabilidade da EDP-Distribuição-Energia, SA. (arts. 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º, 533.º ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
Notifique.
DN.
Évora, 16 de janeiro de 2020
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato


__________________________________________________
[1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, 5.ª edição, p. 123.
[2] José Alberto González, Direito da Responsabilidade Civil, Quid Juris, Sociedade Editora, 2017, p. 404.
[3] Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição Revista e Atualizada com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, limitada, 1987, p. 525.