Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1545/13.8TVLSB.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
RECIBO DE QUITAÇÃO
DANOS FUTUROS
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização.
II - O lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar ação indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano.
III – Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo de 3 anos a que alude o nº 1 do artigo 498º do Código Civil a partir do momento desse conhecimento.
IV - O lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
V – A partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respetiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
VI – Os recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir reparação de prejuízos que ultrapassem o montante nos mesmos fixados, a não ser que se trate de danos que posteriormente vieram a ser revelados e, assim, imprevisíveis:
VII – Não é este o caso dos autos, porquanto antes de assinar aqueles recibos, o lesado dispunha de informação clínica que apontava no sentido do agravamento das suas lesões.
Decisão Texto Integral:






Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra BB Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe uma pensão vitalícia, por incapacidade permanente com o grau de invalidez que lhe foi atribuído.
Alegou, em síntese, ter sofrido um acidente de viação no dia 4 de setembro de 2003, de que resultaram “grandes e sérias contusões”, sendo-lhe atribuída pelo Hospital Privado de Ortopedia uma IPP de 30%. Sofreu ainda consideráveis alterações psicológicas, tendo os serviços psiquiátricos da ré acabado por lhe atribuir uma incapacidade de grau III, coeficiente 0,39, de acordo com o ponto II, 2.3 da Tabela Nacional de Incapacidades.
Mais alegou o autor que uma vez terminadas as sessões de fisioterapia, vem enfrentando, de forma crescente, o agravamento da sua incapacidade, e após nova avaliação do seu estado, foi-lhe atribuída pelo Ministério da Saúde uma incapacidade definitiva de 74%.
A Ré contestou, invocando a exceção da prescrição, afirmando ter indemnizado o autor ao longo dos tempos, tendo pago a última indemnização em 20.12.2006 e, concretizando, alegou que em face da atribuição de 30% da IPP pelos Serviços Clínicos da ré, com a qual o autor concordou, foi entre ele e a ré celebrado um acordo, pelo valor de € 65.000,00 por todos os danos por eles sofridos, valor que lhe foi pago em 19.03.2006.
Mais alegou que em junho de 2006 o autor apresentou à ré nova reclamação por via da qual pretendia ser ressarcido de uma IPP de 60%, com base em atestado de multiusos que então disponibilizou à ré, de uma IPP de 10% do foro psicológico, bem como do pagamento das despesas em que viesse a incorrer com eventual intervenção cirúrgica (artoplastia total da anca esquerda), e que em face de tal reclamação autor e ré chegaram a acordo para ressarcimento dos danos reclamados, pagando a autora mais € 35.000,00, para além dos € 65.000,00 inicialmente pagos, pelo que tendo sido citada para a ação em 13 de setembro de 2013, mais de 10 anos após o acidente e quase 7 anos após o último pagamento, sem que o autor nada tenha feito para interromper a prescrição, o eventual direito de indemnização está prescrito.
O Mm.º Juiz a quo julgou improcedente a exceção da prescrição no despacho saneador.
Inconformada, a ré apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões:
«1- O A. soube em 2005 que era portador de uma IPP de pelo menos 60% (Cfr. atestado médico de incapacidade multiusos que o A. juntou como doc. nº 12 com a p.i.)
2- Em 2006 o A. reclamou à R. o ressarcimento de todos os danos para si resultantes do acidente que nos autos se discute, invocando então (para o efeito representado pelo seu então mandatário forense) que era portador de incapacidade permanente parcial de, pelo menos 70%;
3- A Ré ora recorrente aceitou tal reclamação e, por acordo extrajudicial celebrado com o A. em 2006, pagou-lhe €100.000, a título de indemnização por todos os danos pessoais, patrimoniais e não patrimoniais, para o mesmo resultantes do acidente, e nomeadamente pelos de uma IPP de 70% da qual o mesmo já então era portador, e pelos de uma intervenção cirúrgica (artroscopia total da anca esquerda) a efectuar pelo mesmo no futuro.
4- Entre 2006 e 2013 o A., nem reclamou fosse o que fosse à Ré, por causa do acidente, nem a interpelou, nomeadamente para interrupção de eventual prazo e prescrição de direito de que se considerasse ainda titular, por causa do acidente.
5- Assim sendo, qualquer eventual direito do A. que tivesse como causa de pedir IPP até 70% de que ele ficou portador, não só se encontrava já irremediavelmente prescrito na data em que o mesmo interpôs a presente acção, como até havia sido já totalmente ressarcido pela ora Ré;
6- Tal facto deveria ter dado lugar à procedência da excepção de prescrição alegada pela Ré ora recorrente, ou, no limite, e uma vez que o A. invoca ser portador de uma IPP de 74%, deveria ter relegado a decisão da excepção, no seu todo considerada, para a o momento da decisão final a proferir.
7- Ao assim não ter decidido, o douto despacho sob recurso é nulo, nos termos do disposto no artº 615, nº 1, al. d). do CPC e artº 498, nºs 1 e 3 do Código Civil.
8- Por tal razão deve ser substituído por outro que, no limite ordene que o conhecimento da excepção de prescrição alegada pela Ré ora recorrente deve ser relegado para a decisão final.»
O autor contra-alegou, pugnando pela confirmação do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se o direito exercido nesta ação pelo autor se encontra prescrito.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Tendo a decisão recorrida sido proferida no saneador, há que, na apreciação desta, partir, admitindo-a, da factualidade alegada pelo autor, bem como da factualidade alegada pela ré na contestação a título de exceção e não impugnada pelo autor na resposta, a qual acima se deixou sintetizada.

O DIREITO
Para se julgar improcedente a exceção da prescrição do direito do autor, ponderou-se na decisão recorrida:
«O pedido do autor resulta da atribuição da incapacidade de 74% em agosto de 2013, superior em 34% à fixada inicialmente em 08 de Julho de 2005 – fls. 25 – e 14% superior à alegadamente atribuída em 2006.
Assim, sendo substancial o aumento da incapacidade atribuída em 2013, que resulta necessariamente de um agravamento do estrado físico do autor, afigura-se que, desde que não esteja ultrapassado o prazo ordinário da prescrição, dever-se-á contabilizar novo prazo de 3 anos nos termos do disposto no artigo 498º, nº 1, do Código Civil, quanto ao novo dano entretanto surgido».
Vejamos.
De harmonia com o nº 1 do artigo 498º do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela[1] que «são dois os prazos de prescrição estabelecidos no nº 1. Logo que o lesado tenha conhecimento do direito à indemnização, começa a contar-se o prazo de três anos. Desde o dano começa, porém, a correr o prazo ordinário, ou seja, o de vinte anos.
Para o começo do primeiro prazo não é necessário que o lesado tenha conhecimento da extensão integral do dano, pois pode pedir a sua fixação para momento posterior (…). O que é necessário, para começo da contagem do prazo, é que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete (…).
A solução estabelecida no nº 1 também não impede que, mesmo depois de decorrido o prazo de três anos e enquanto a prescrição ordinária se não tiver consumado, o lesado requeira a indemnização correspondente a qualquer novo dano de que só tenha tido conhecimento dentro dos três anos anteriores.»
Idêntico é o posicionamento de Rodrigues Bastos[2]: «o prazo de três anos inicia-se com o conhecimento, por parte do lesado, «do direito que lhe compete», quer dizer, da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir, quer esta se funde na culpa, quer no risco. Assim, o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele (…).
Teve-se claramente o propósito de evitar que o início do prazo se dilatasse muito para além da data da ocorrência do facto danoso. Pelo que se refere ao requisito do conhecimento da extensão do dano, a solução adoptada parece a melhor visto que a formulação do pedido genérico acautela o direito do lesado (art. 569º).»
Sobre o modo como se conjugam os dois prazos estabelecidos no nº 1 do art. 498º, é deveras esclarecedora a parte da fundamentação do Acórdão do STJ de 22.09.2009[3] que, com a devida vénia, aqui se transcreve:
«O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização (arts. 306º-1 e 498º-1 cit.).
Consequentemente, como a própria lei consagra, o lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar acção indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano e, apesar disso, não tenha agido judicialmente, reclamando o reconhecimento e efectivação da indemnização. Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo trienal a partir do momento desse conhecimento.
Como vem sendo entendido, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização “pelos danos que sofreu” (cfr. Ac. STJ, de 12/3/96, BMJ 455º-447; MENEZES CORDEIRO, “Direito das Obrigações”, 2º vol., 1994, pg. 431; RODRIGUES BASTOS, “Notas ao Código Civil”, II, 298; A. VARELA, “Das Obrigações em Geral”, I, 649).
Daí decorre que, a partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respectiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento nos triénio anterior.
Ao prever a aplicação do prazo de prescrição ordinário relacionando-a com o facto ilícito danos, reservando o prazo trienal para os casos de conhecimento do direito, a lei despreza, no prazo curto, a relevância data do facto ilícito danoso, como início do prazo extintivo, fazendo-a depender apenas do conhecimento do dano.
Prazo que, então, se justificará por o lesado, conhecendo o dano, estar de posse de todos os pressupostos de reparabilidade. Não sendo esse o caso, aplicar-se-á o prazo de prescrição ordinário, a contar da data do facto danoso, que será o elemento relevante.
Convergentemente, como se fez notar no acórdão impugnado, se a lei tornou o início do prazo independente do conhecimento da extensão integral dos danos, tendo em consideração a possibilidade de o lesado formular um pedido genérico de indemnização, tal pressuporá a verificação dos inerentes pressupostos, vale dizer, que não podendo ainda as consequências – dano e sua extensão total - do facto ilícito danoso ser determinadas de modo definitivo, há-de estar-se perante uma situação em que se perfilem danos futuros previsíveis (arts. 471º-1-b), 564º-2, 565º e 569º C. Civil).
Haverá, na verdade, que distinguir entre o agravamento previsível, a estabilização da extensão de um dano verificado e a ulterior verificação de novos danos previsíveis, por um lado, e os danos novos não previsíveis, por outro lado:
Na primeira hipótese estar-se-á perante um caso de formulação de pedido genérico, a concretizar por meio de liquidação, em que é conhecido o dano, apenas se ignorando a sua extensão e evolução, justificando-se a prescrição de caso curto que tem como ratio a intenção do legislador “de aproximar, quanto possível, a data da apreciação da matéria em juízo do momento em que os factos se verificara” (A. Varela, ob. cit., 650);
Na segunda, porém, ocorrem novos factos constitutivos ou modificativos do direito a alegar e provar pelo autor, que escapam ao âmbito da liquidação (salvo havendo acção pendente e possibilidade de oferecimento de articulado superveniente – art. 506º CPC), incidente que pressupõe que os danos tenham ocorrido, embora não estejam, concretamente determinados (art. 661º-2).
Acolá, na primeira hipótese colocada, estaremos perante um único dano que se vai prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com agravamento, cuja extensão, apesar de desconhecida, “pode ser prevista com razoáveis probabilidades, podendo, por isso, o tribunal fixar uma indemnização que abranja, também com razoáveis probabilidades, também o dano futuro”; o prazo prescricional curto inicia-se e corre, mesmo que o dano se não tenha “ainda consumado por completo”, pois que o lesado pode determinar, com probabilidade razoável, o dano total.
No último caso, sobrevém um novo dano ao facto ilícito ou o dano revelado por ocasião da prática desse facto, “que parecia limitado, mostra-se mais tarde ter diferente amplitude; aqui, a prescrição só começa a correr, “relativamente a este outro dano, na data em que dele tem o prejudicado conhecimento”, pois que o prejudicado está impossibilitado de determinar ou prever a totalidade dos danos (VAZ SERRA, “Prescrição do direito de indemnização” – BMJ- 87º-44)».
Revertendo ao caso dos autos, verificamos que o autor alegou no artigo 11º da petição inicial que «terminadas as sessões de fisioterapia, vem enfrentando, de forma crescente, o agravamento da sua incapacidade, a ponto de requerer nova avaliação do seu estado, tendo-lhe sido atribuída, pelo Ministério da Saúde, uma incapacidade definitiva de 74%».
Por outro lado, alegou a ré na contestação que pagou ao autor a quantia global de € 100.000 euros, no âmbito de um acordo extrajudicial global, e que esse montante se destinava a ressarcir não só os danos para o autor decorrentes de uma IPP de 70%, de que aquele se reclamava portador, já em 2006, mas também os custos de uma intervenção cirúrgica a realizar pelo autor no futuro.
Em sede de resposta e no que tange à prescrição, veio o autor dizer que se submeteu a tratamentos, porém sem dizer em que data, assim se ficando sem saber se antes ou depois de ter sido indemnizado pela ré, e que é portador de IPP de 74% conforme atestado médico de incapacidade multiusos que juntou, mas do qual também consta que em 2005, já era portador de IPP de, pelo menos 60% (cfr. doc. de fls. 19).
Ora, atento não só o alegado pela ré em sede de contestação, nomeadamente que o valor do acordo global que celebrou com o autor, se fundava em aceitação por este, em 2006, de uma IPP já então demonstrada de 70%, face à reclamação em tal sentido então apresentada pelo autor, mas também o facto de no atestado multiusos junto pelo autor com a petição inicial, constar que o mesmo em 2005 era portador de IPP de 60%, permite concluir estarmos perante um único dano que se foi prolongando e manifestando no tempo, eventualmente com algum agravamento, cuja extensão, apesar de desconhecida, não impediu o autor de celebrar o referido acordo com a ré, dando-lhe a respetiva quitação.
Importa observar a este respeito que dos recibos de indemnização de fls. 31 verso e 33 consta o seguinte:
«Quitação
Com o recebimento da quantia indicada, relativa a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente mencionado, exoneramos sem reserva a Seguradora, bem como todos aqueles cuja responsabilidade é garantida nos termos da apólice…».
Tem sido entendimento do Supremo Tribunal de Justiça que estes recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir a reparação de prejuízos que ultrapassem o montante aí fixado, mas não já quanto aos danos que só posteriormente vierem a revelar-se e que, assim, eram imprevisíveis no momento da quitação, os quais não são abrangidos por aquela[4].
Não é manifestamente esta a situação dos autos, pois ainda que se entenda tratar-se de um novo dano, sempre o mesmo seria previsível, bastando para tanto atentar no teor do documento que o autor juntou com a petição inicial, emitido pelo Serviço de Ortopedia do Hospital de Santa Maria, datado de 20 de Maio de 2005, a fls. 19 verso dos autos:
«Doente do sexo masculino de 45 anos de idade, vítima de acidente de viação de que resultou fractura luxação do acetábulo esquerdo (Luxação posterior e fractura da coluna posterior e impacção da cabeça femoral coaptadas) não associadas a complicação neurovascular com indicação para tratamento conservador.
Esteve internado cerca de 4 semanas em repouso no leito.
Iniciou mobilização articular em descarga que foi bem tolerada.
Internamento sem intercorrências.
Tem alta, orientado para a Consulta Externa de Ortopedia com indicação para manter descarga do membro inferior esquerdo.
Foi seguido em Consulta Externa desde então, tendo sido verificada evolução para alterações degenerativas da anca, não sendo de excluir a possibilidade de o doente vir a necessitar de uma Artoplastia Total da Anca esquerda» (sublinhado nosso).
Ou seja, quando assinou os recibos de quitação supra aludidos, o lesado dispunha de informação clínica que apontava já para um agravamento das respetivas lesões.
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário:
I - O início do prazo de prescrição reporta-se, não ao momento da lesão do direito do titular da indemnização, mas àquele em que o direito possa ser exercido, a coincidir com o momento do conhecimento do direito que lhe compete, isto é, do direito à indemnização.
II - O lesado não precisa de conhecer integralmente os danos para intentar ação indemnizatória, mas é necessário que tenha conhecimento do dano.
III – Se e enquanto não tiver conhecimento do dano o prazo de prescrição é o ordinário, só se iniciando o prazo de 3 anos a que alude o nº 1 do artigo 498º do Código Civil a partir do momento desse conhecimento.
IV - O lesado terá conhecimento do direito que lhe compete quando se torne conhecedor da existência, em concreto, dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar, sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
V – A partir do momento em que toma conhecimento dos danos que sofreu, o lesado dispõe do prazo de três anos para exercitar judicialmente o direito à respetiva indemnização, sem prejuízo de o prazo poder estender-se até 20 anos relativamente a danos – a novos danos – de que só tenha tomado conhecimento no triénio anterior.
VI – Os recibos de quitação são válidos e impedem o lesado que os subscreveu de pedir reparação de prejuízos que ultrapassem o montante nos mesmos fixados, a não ser que se trate de danos que posteriormente vieram a ser revelados e, assim, imprevisíveis:
VII – Não é este o caso dos autos, porquanto antes de assinar aqueles recibos, o lesado dispunha de informação clínica que apontava no sentido do agravamento das suas lesões.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, na procedência da apelação, revoga-se a decisão recorrida e, em consequência, absolve-se a ré do pedido.
Custas aqui e na 1ª instância a cargo do autor, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
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Évora, 12 de Julho de 2016
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Elisabete Valente

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[1] Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., p. 503.
[2] Notas ao Código Civil, Vol. II, pp. 298 e 299;
[3] Proc. 180/2002.S2, in www.dgsi.pt.
[4] Cfr., inter alia, o Acórdão de 19.01.2006, proc. 05B3840, in www.dgsi.pt.