Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/13.8S1LSB.E1
Relator: JOSÉ PROENÇA DA COSTA
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
ATESTADO MÉDICO
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Configura justo impedimento todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários.
II – Cabe à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art.º 799.º - 1 C.C.).
III – Não é suficiente para tal fim, e, por consequência, não pode ter-se por verificado o justo impedimento, se o atestado médico que foi junto aos autos se limita a atestar que o mandatário da parte se encontra doente e impossibilitado de exercer as suas actividades profissionais, desacompanhado de outros elementos de prova e sem esclarecer a gravidade do mal.
Decisão Texto Integral: Recurso n.º 38/13.8S1LSB.

Acordam os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
Nos Autos de Processo Comum Singular, com o n.º 38/13.8S1LSB, a correrem termos pela Comarca de Santarém – Instância Local de Rio Maior – Secção de Competência Genérica – J1, foram os arguidos BB e CC, Lda, submetidos a julgamento, vindo-se, a final, Decidir:
1. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª a), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução ficou suspensa por igual período.
2. Condenar a arguida CC, L.da, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al.ª a), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 100,00.

Inconformados com o assim decidido recorreram os arguidos, formulando extensas conclusões – em número de CLI - que retiraram da respectiva motivação.
Face à extensão das conclusões, foi ordenada, ao abrigo do disposto no art.º 417.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen., a sua notificação, para, no prazo de 10 dias, virem corrigir as preditas conclusões, sob pena de rejeição do recurso.
Nesse seguimento, vieram os arguidos apresentar novas conclusões, ora em número de CVII.

Nesse seguimento veio-se, por despacho de relator e datado de 8 de Maio de 2018, rejeitar, in totum, o recurso trazido a pretório pelos arguidos/recorrentes BB e CC, Lda.

Reagindo ao decidido vieram os arguidos BB e CC, Lda, deduzir incidente de justo impedimento.
Porquanto, o mandatário – Dr. DD - foi acometido de doença que o impediu de exercer a sua actividade profissional, desde o dia 21.05.2018, prevendo-se um período de 30 dias de incapacidade.
Sendo que, fruto da doença a que se viu subitamente acometido durante a tarde do dia 21.05.2018 e que apenas veio a cessar no dia 14 de Junho de 2018, se viu absolutamente incapacitado de exercer os elementares actos do seu quotidiano, tão pouco os profissionais, como controlar os prazos judiciais e ter condições para alertar os seus clientes para estes adoptarem as medidas que tivessem por convenientes em face da sua incapacidade, nomeadamente a de efectuar o substabelecimento dos poderes que lhe haviam sido conferidos.
Está em causa nos autos o decurso de um prazo para reclamação para a conferência da rejeição do recurso por parte do Juiz Desembargador relator.

Ouvida a Sra. Procuradora Geral-Adjunta veio dar nota nos autos de que não se opõe a que seja deferido o justo impedimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Cura-se de saber, no caso concreto, se o invocado pelo recorrente é, ou não, susceptível de configurar uma situação de justo impedimento, tal como é definido pelo art.º 140.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ.
Na óptica do recorrente ocorrerá, in casu, situação de justo impedimento, porquanto, acometido de doença súbita na tarde de 21.05.2018, apenas veio a cessar a 14 de Junho de 2018, ficando absolutamente incapacitado de exercer os elementares actos do seu quotidiano, tão pouco os profissionais, como controlar os prazos judiciais e ter condições para alertar os seus clientes para estes adoptarem as medidas que tivessem por convenientes em face da sua incapacidade, nomeadamente a de efectuar o substabelecimento dos poderes que lhe haviam sido conferidos.
Conforme decorre do que se dispõe no art.º 107.º, n.º 2, do Cód. Proc. Pen., os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior (autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar), a requerimento dos interessados e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento.
Dizendo-se no seu n.º 3 que o requerimento referido no número anterior é apresentado no prazo de três dias, contado do termo do prazo legalmente fixado ou da cessação do impedimento.
Considerando-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto, como decorre do art.º 140.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ. (cfr. art.º 4 º, do Cód. Proc. Pen.).
O que permite a leitura de que no conceito de justo impedimento se deve integrar todo o evento que obste à prática atempada de acto jurisdicional que não seja imputável à parte que o invoca nem aos seus representantes ou mandatários.
Constituindo o justo impedimento uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório.
Como se vem entendendo, para que se esteja perante o justo impedimento basta que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.
Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo à parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art.º 799.º - 1 C.C.): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos.
Concluindo-se, destarte, que o justo impedimento é o evento, a ocorrência, não imputável à parte, nem ao seu representante, nem ao seu mandatário, que obsta à prática atempada do acto processual.[1]
Atentos os considerandos acabados de tecer, desçamos ao caso em apreço retendo vários actos processuais ocorridos, a saber:
· Por despacho de relator, datado de 8 de Maio de 2018, veio a ser rejeitado o recurso trazido pelos arguidos BB e CC, Lda;
· O predito despacho veio a ser notificado, por via postal registada, ao mandatário dos arguidos/recorrentes a 11.05.2018.
· Com data de 04.06.2016, foi efectuada a remessa dos autos à 1.ª Instância;
· Com data de 14.06.2018 deu entrada em juízo o incidente de justo impedimento, entre o mais.
Para prova da sua doença que o impossibilitou de praticar acto judicial, juntou aos autos atestado médico, passado por EE, licenciado em Medicina pela Universidade do Porto. E onde refere que DD, portador de CC n.º …, válido até …, se encontra doente e impossibilitado de exercer as suas actividades profissionais, desde o dia 21/05/2018, prevendo-se um período de cerca de 30 dias de incapacidade.
O predito atestado médico tem a data de 21/05/2018.
Segundo alega o aqui requerente tratou-se de um problema cardíaco súbito, o qual lhe provocou incapacidade física e desorientação temporal e espacial durante o período acima indicado e impedido de realizar esforços, por ausência de capacidade para tal (ponto 3., do seu requerimento).
Ora, o atestado médico não retrata a doença em causa e respectiva gravidade, nem se juntou aos autos quaisquer documentos médicos da especialidade – cardiologia -, onde se desse nota da doença e sua gravidade. Sendo que o atestado médico em causa é assinado por médico Assistente Graduado de Medicina Geral e Familiar.
Pelo que somos a concluir que o predito atestado médico desacompanhado de outros elementos de prova, como supra-mencionados, não é suficiente para fundar uma situação de justo impedimento.
Como tal bem refere o Acórdão do STJ, no Processo n.º 07B4184, 2.ª Secção, de 27.05.201, podendo ler-se no seu sumário:
II - O atestado de doença que atesta a impossibilidade de exercício dos deveres profissionais, sem esclarecer a gravidade do mal, ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento, uma vez que não indicia que não pudesse ser encarregada outra pessoa de praticar o acto.
Mais se estranha que estando a decorrer prazo judicial para a prática de acto e tendo vários Advogados no escritório não se tivesse encarregado qualquer deles para praticar o acto ou contactado o cliente para vir passar nova procuração
Aqui se fazendo apelo ao especial dever de diligência e de organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das suas causas, como bem o refere Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, pág. 125.
No mesmo sentido vemos o Acórdão da Relação do Porto, no Processo n.º 339/13.5TBVCD-A.P1, de 22.11.2016, ao referir que se se aceita que a doença referida no atestado médico retirasse ao ilustre advogado condições físicas e psíquicas para ele próprio elaborar a alegação recursiva, mas é incompreensível que não tenha solicitado ele próprio ou, sendo inviável, não tenha pedido a um dos seus colaboradores o contacto com outro advogado que assegurasse o patrocínio.
Volta-se a lembrar que o justo impedimento é concedido às partes/sujeitos processuais, a título excepcional, quando razões estranhas e imprevisíveis ocorram, de forma que se revele adequada e equitativa a concessão de um prazo suplementar para a prática do acto.
Não se descortina no contexto dos autos, nem elas são invocadas, essas razões que habilitem a concluir no sentido almejado pelo aqui impetrante.
Razões são para que se conclua, sem curar de outras delongas, no sentido de se não verificar no caso em análise o invocado justo impedimento.

Termos são em que Acordam em indeferir o justo impedimento invocado.

Custas pela recorrente, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça devida.

(texto elaborado e revisto pelo relator).

Évora, 6 de Novembro de 2018
José Proença da Costa (relator)
Alberto Borges


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[1] Ver, Ac. Relação de Lisboa, de 2.02.2010, no Processo n.º 1355/07.1TBVFX-C.L1-1 e Prof.º José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, págs.273-274.