Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2921/17.2T8PTM-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: PERSONALIDADE JURÍDICA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE A APELAÇÃO DAS AUTORAS E PROCEDENTE A APELAÇÃO DA 1.ª RÉ
Sumário:
I – Os fundos de investimento imobiliário constituem entidades que, carecendo de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária por força da extensão prevista no artigo 12.º, al. a), do CPC;
II – Tendo os fundos de investimento imobiliário personalidade judiciária, devem ser demandados, incumbindo a respetiva representação em juízo à respetiva sociedade gestora, assim devendo o fundo ser parte na ação e ser citado na pessoa da respetiva representante;
III – Incumbindo à sociedade gestora a representação em juízo do fundo de investimento imobiliário, não poderá aquela ser demandada em representação do fundo, antes se limitando a representá-lo, se este for demandado.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório
Na ação declarativa, com processo comum, que BB - Sucursal em Portugal, BB - Sucursal no Reino Unido, CC, Companhia de Seguros, SA e DD, SA, intentaram, em coligação, contra EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA – com a menção de que é demandada por si mesma na sua mesma e própria qualidade, que tem ou teve, quer de sociedade gestora quer de representante necessária do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF (…), quer ainda na qualidade de mandante de entidades que tenha envolvido, como interpostas pessoas ou interpostas entidades na titularidade dos seus interesses, ou na qualidade de mandante ou comitente de entidades que tenha utilizado, como seus mandatários e/ou comissários, no desempenho das suas responsabilidades relativas ao empreendimento do “Retail Park”, como, designada mas não exclusivamente, a aqui também Ré GG e a aqui também Ré HH -, GG - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA SA – com a menção de que é demandada quer na sua mesma e própria qualidade, quer na qualidade de responsável pela segurança do Retail Park de Portimão, por conta da EE, sociedade gestora do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF, ou por conta do próprio Fundo, ou ainda por conta de qualquer entidade que por conta da EE administrasse o Retail Park, à data de 23 de setembro de 2012, quer ainda, por tanto e como disso seja ou tenha sido o caso, também na qualidade de mandatária e/ou de comissária da Ré EE no desempenho de responsabilidades desta relativas ao empreendimento do “Retail Park” –, HH - Sociedade de Mediação Imobiliária, SA – com a menção de que é demandada na sua mesma e própria qualidade ou na qualidade de então administradora do Retail Park de Portimão, por sua própria conta, ou por conta da EE, sociedade gestora do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF (doravante, "o Fundo" ou "Fundo Imobiliário"), que era proprietário do Portimão Retal Park em Portimão e que era gerido pela EE, e que tem ou tinha como único participante o FF Fund, com sede no Luxemburgo, quer ainda, por tanto e como disso seja ou tenha sido o caso, também na qualidade de mandatária e/ou de comissária da Ré EE no desempenho de responsabilidades desta relativas ao empreendimento do “Retail Park” –, II – Comércio de Utilidades, SA – com a menção de que é demandada na sua mesma e própria qualidade de titular de um “Contrato de Utilização de Espaço Integrado em Parque Comercial” no Retail Park de Portimão, à data de 23 de setembro de 2012, “lojista” da loja e armazém onde eclodiu o acidente de 23-9-2012, onde tinha estabelecimento e exercia então plena e integral atividade – e JJ SGPS, SA – com a menção de que é demandada na sua específica qualidade de acionista de controlo da Ré LL, e por ela já integralmente responsável à data dos factos, nos termos dos artigos 84º, 488º ou 489º, e 501º todos do CSC - Código das Sociedades Comerciais –, vem peticionada a condenação solidária das rés no pagamento das quantias seguintes: à autora BB - Sucursal em Portugal, a quantia de € 2 459 530,64, acrescida de juros vencidos no montante de € 271 914,78, e vincendos; à autora BB - Sucursal no Reino Unido, a quantia de € 720 870,91, acrescida de juros vencidos no montante de € 79 696,28, e vincendos; à autora CC, Companhia de Seguros, SA a quantia de € 579 428,26, acrescida de juros vencidos no montante de € 49 444,54, e vincendos; à autora DD, SA, as quantias de € 579 428,26, devida à ex-T…, SA, e de € 2 158 812,43, devida à ex-A…, SA., acrescidas de juros vencidos nos montantes de € 49 444,54 e de € 156 748,82, respetivamente, e vincendos; as quantias que vierem a ser liquidadas no incidente de liquidação a deduzir.
As autoras peticionam os indicados montantes a título de reembolso das quantias alegam ter despendido com a satisfação de indemnizações devidas às respetivas seguradas, lojistas do “Retail Park” de Portimão, em resultado de danos sofridos em consequência de incêndio ocorrido na madrugada de 23-09-2012, como tudo melhor consta da petição inicial.
A ré EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA contestou, defendendo-se por exceção – invocando a incompetência em razão do território, a ilegitimidade passiva e a prescrição – e por impugnação.
A ré GG - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA contestou, defendendo-se por exceção – invocando a prescrição – e por impugnação, deduzindo reconvenção contra a autora DD, SA, com o objetivo de fazer operar a compensação com um crédito de que alega ser titular, caso venha a ser condenada no âmbito da presente ação.
A ré HH (Portugal) Sociedade de Mediação Imobiliária, SA contestou, defendendo-se por exceção – invocando a incompetência em razão do território, a ilegitimidade passiva e a prescrição – e por impugnação.
A ré II – Comércio de Utilidades, SA contestou, defendendo-se por exceção – invocando a prescrição – e por impugnação, deduzindo incidente de intervenção de terceiros.
A ré JJ SGPS, SA contestou, defendendo-se por exceção – invocando a ilegitimidade passiva e a prescrição – e por impugnação.
Notificada da reconvenção deduzida pela ré GG - Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, SA, a autora DD, SA apresentou articulado no qual contesta o pedido reconvencional.
Por despacho de 07-05-2018, foi comunicada a intenção de não realização de audiência prévia e determinada a notificação das autoras para se pronunciarem, querendo, sobre as exceções arguidas nas contestações.
As autoras apresentaram articulado, no qual emitem pronúncia no sentido da não verificação das exceções arguidas pelas rés.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou verificada a ilegitimidade passiva arguida pela ré EE – tendo-se decidido manter esta ré em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF” –, não verificada a ilegitimidade passiva arguida pelas rés HH e JJ, não verificada a incompetência territorial arguida pelas rés EE e JJ, não verificada a prescrição arguida pela ré EE relativamente ao direito exercido pelas autoras CC e DD, a prescrição arguida pela ré GG relativamente ao direito exercido pelas autoras CC e DD (ex-T…), a prescrição arguida pela ré II relativamente ao direito exercido pelas autoras CC e DD, tendo-se relegado para final a decisão da exceção de prescrição arguida pela ré GG relativamente ao direito exercido pela autora DD (ex-A…), pela ré HH relativamente ao direito exercido pelas autoras CC e DD e pela ré JJ relativamente ao direito exercido pelas autoras CC e DD.
A ré EE apresentou reclamação para o Exm.º Presidente desta Relação, nos termos do artigo 105.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, da decisão que declarou competente em razão do território o Juízo Central Cível de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, reclamação que veio a ser indeferida por decisão de 01-04-2019, a qual confirmou o despacho reclamado.
As autoras e a ré EE interpuseram recurso de decisões constantes do despacho saneador.
As autoras recorreram deste despacho na parte em que julgou verificada a ilegitimidade passiva arguida pela ré EE e decidiu manter esta ré em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF” –, pugnando no sentido de que se reconheça a legitimidade passiva desta ré, não apenas na qualidade de representante daquele Fundo, mas também a título próprio, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
«I A EE tem de ser vista como Ré a título próprio, além de intervir como representante do Fundo, porque, não obstante as notificações judiciai avulsas feitas tempestivamente à EE, quer a título próprio quer como representante do Fundo, o Fundo foi posto em liquidação pela EE, terá sido entretanto transferido para outro participante e terá entrado mesmo em liquidação (provavelmente depois de ter recebido, e transferido para a sua participante, avultada indemnização por via do incêndio que destruiu o “Retail Park”).
II O Fundo não tinha órgãos próprios e, por isso mesmo, qualquer eventual responsabilidade não lhe poderia ser assacada, apenas podendo ser assacada a quem, com competência legal e competência e capacidade funcional próprias, tinha o direito e o dever de “ser” por ele, de o gerir e também de o representar.
III Se porventura, o que as Autoras não querem sequer conjeturar, a própria iniciativa e a pendência de liquidação do Fundo, a que a própria EE fez referência na sua contestação, tiver sido empreendida ou gerida solertemente pela EE, caberá a esta (à EE) responder perante as Autoras quer como representante do Fundo quer como Sociedade Gestora de Fundos, quer ainda como mandante de quantas entidades tivesse envolvido em nome do Fundo na gestão do empreendimento do “Retail Park” de Portimão.
IV Foi exatamente pelo que fica – e pelo seu direito processual de configurar as relações jurídicas a controverter nos Autos – que as Autoras detalharam cuidadosamente as qualidades em que a EE deveria ser vista como Ré e desdobradas processualmente em duas: por ela própria e como representante do Fundo.
V As Autoras tinham e tem o direito de evitar o “jogo de chapéus” que mais conviria à EE.
VI Na sua dupla dimensão de sociedade gestora (com estatuto legal próprio e responsabilidade própria) e de representante necessária do Fundo, em nome deste, a EE tem legitimidade passiva própria e também legitimidade passiva em representação do Fundo, como as Autoras expressamente invocaram.
VII Foi essa mesma a configuração do caso feita pelas Autores, nos termos consentidos pelo número 3 do artigo 30º CPC: “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo Autor”.
VIII É inquestionável a legitimidade passiva da Ré EE quer por si quer como representante do identificado Fundo, estando este próprio Fundo (que não tem nem órgãos, nem personalidade jurídica, nem capacidade judiciária) citado por via da citação que, também nessa expressa e invocada qualidade, foi feita à EE: demandado foi e demandado está também o próprio Fundo, por via da sociedade gestora sua representante, e em necessária harmonia processual com quem o representa. E,
IX Demandada está também, e assim deve continuar nos Autos, não apenas como representante do Fundo mas por si própria, a própria sociedade EE.
X Pelas mesmas exatas razões e nas mesmas exatas condições, foi plenamente válido e eficaz o efeito interruptivo da prescrição alcançado por via de notificações judiciais avulsas feitas à própria EE, e que convocaram a sua própria qualidade de sociedade gestora e a sua necessária e singular qualidade de única representante do identificado Fundo, que não tem nem personalidade jurídica nem capacidade judiciária.
XI Tudo justifica que a EE esteja e permaneça nos Autos quer em representação do Fundo que era proprietário do Retail Park quer, em nome próprio, nas qualidades que lhe foram imputadas expressamente na PI.
Por tudo,
Nestes termos e nos melhores de termos de Direito, que V. Excelências melhor suprirão e superiormente fixarão, deverá ser dado sem efeito o segmento específico do Despacho Saneador que…substituindo-o, nesse exato segmento e recorte, por Acórdão que antes confirme que a EE é ela própria e também a título própria Ré, por si e com o Fundo que representa e com as demais Rés, porque a respetiva legitimidade passiva tem de ser aferida tendo em, conta quer a configuração que as próprias Autoras fizeram e alegaram da relação controvertida trazida aos Autos quer pelo seu interesse direto e próprio em contradizer, além e ao lado do seu interesse processual de contradizer em nome do Fundo que representam.»
A ré EE, por seu turno, recorreu do despacho saneador na parte em que, apesar de ter sido julgada verificada a respetiva ilegitimidade passiva, foi decidido mantê-la em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”, bem como, a título subsidiário, na parte em que foi julgada não verificada a prescrição que arguira, pugnando no sentido da prolação de decisão que considere verificada a respetiva ilegitimidade passiva também enquanto representante daquele Fundo e que, subsidiariamente, declare a prescrição dos créditos invocados pelas autoras CC e DD ou relegue o conhecimento da questão para a decisão final, terminando as alegações com a formulação das seguintes conclusões:
«A. Na Decisão Recorrida, o Tribunal a quo, julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva da EE, mantendo porém a EE em juízo, na qualidade de representante do réu Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF (“…”).
B. O Tribunal a quo, na Decisão Recorrida, desconsidera o regime jurídico a que a Recorrente EE e o FF estão sujeitos, e qualifica o FF como réu, embora o FF não tenha sido demandado nem citado para a presente ação.
C. O FF é um fundo de investimento imobiliário fechado, ou seja, um património autónomo, sem personalidade jurídica, pertencente aos seus participantes.
D. Não obstante carecer de personalidade jurídica, a lei processual civil atribui ao FF personalidade judiciária, de acordo com o artigo 12.º, alínea a), do CPC.
E. Tratando-se de um organismo de investimento imobiliário que não pode ser autogerido, a sua gestão cabe, nos termos do artigo 6.º n.º 1 do RJFII e agora do artigo 65.º, n.º 1, alínea b), do RGOIC, a uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário.
F. A Recorrente EE é, precisamente, a sociedade gestora do FF, mas não é, ela própria, titular de qualquer relação jurídica pertinente aos direitos e obrigações invocados pelas Autoras.
G. Tendo personalidade judiciária, é o FF quem deve ser parte em juízo, ainda que representado pela Recorrente, por carecer de capacidade judiciária.
H. Donde resulta que bem andou o Tribunal a quo ao decidir que a Recorrente EE, na sua própria qualidade, carece de legitimidade passiva nesta ação, porquanto não é sujeito da relação material controvertida tal como configurada pelas Autoras, sendo a EE demandada na qualidade de entidade gestora e representante do FF e não por factos que lhe digam estritamente respeito.
I. Tanto no formulário da petição inicial apresentada, como na própria petição inicial, as Autoras indicam sempre a Ré como “EE - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário SA”, ou seja, identificam a sociedade gestora e não indicam o Fundo FF como parte na ação.
J. Na própria resposta às exceções invocadas pelos Réus, as Autoras optaram por continuar sem fazer intervir o FF, mantendo a asserção de que a EE foi corretamente demandada e que o FF não carecia de ser citado ou chamado para a ação.
K. O chamamento do FF era obrigatório e não opcional, não só ao abrigo do disposto no artigo 12.º do CPC, mas também porquanto de acordo com o princípio da autonomia patrimonial, previsto no artigo 13.º do RGOIC, pelas dívidas relativas ao organismo de investimento coletivo responde apenas o património do mesmo, logo é necessário demandar o FF, para que se possa responsabilizar o mesmo por eventuais dívidas.
L. Acresce que, contrariamente ao que é referido na Decisão Recorrida, existem inúmeros acórdãos que defendem a ilegitimidade do administrador do condomínio e que a ação deve ser apresentada contra o condomínio que será representado pelo administrador.
M. Assim, não podia o Tribunal a quo, na Decisão Recorrida, manter a “EE” em juízo, «na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”», como o fez, sem o próprio FF estar em juízo.
N. Acontece, ademais, que o FF está atualmente extinto.
O. Em 16 de dezembro de 2015, foi deliberada, em Assembleia de Participantes, a liquidação do FF, tendo, em 10 de novembro de 2016, a EE requerido a primeira prorrogação do prazo de liquidação do FF até 16 de dezembro de 2016, a qual foi autorizada pela CMVM; sucede porém, que em 14 de dezembro de 2017, a EE voltou a requerer a prorrogação do prazo de liquidação do FF, tendo a CMVM indeferido tal pedido.
P. Na sequência do indeferimento da CMVM do pedido de prorrogação do prazo de liquidação do FF, a EE viu-se forçada a proceder ao encerramento da liquidação, o que ocorreu, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 7, al. b) do RGOIC, em 28 de maio de 2018, pelo que o FF se considera extinto desde essa data.
Q. Encontrando-se o FF extinto desde 28 de maio de 2018, deixou, nessa data, de ser suscetível de ser parte/réu numa ação judicial, dado que, como é evidente, não pode ser parte numa ação uma entidade/património que não existe.
R. Deste modo, ainda que as Autoras entendessem vir agora fazer intervir o FF, procurando sanar a ilegitimidade passiva existente, a verdade é que ao Fundo já não lhe assiste personalidade judiciária, o que se invoca para todos os efeitos legais.
S. Com a extinção do FF, extinguiram-se igualmente os deveres de gestão e de representação da EE, no que ao Fundo diz respeito, nomeadamente, os deveres e poderes de representação do Fundo em juízo.
T. Assim, tendo em consideração, por um lado, que o FF se encontra extinto e, em consequência, deixou de existir o património autónomo detentor da personalidade judiciária, e, por outro, que a EE deixou de exercer funções de representação do FF, não poderá o FF vir a ser parte nesta ação, nem poderia, por razões óbvias, a EE ser parte na ação sub iudice, em representação daquele.
U. Em todo o caso, sempre existiria ilegitimidade substantiva da Recorrente EE que não é efetivamente parte da relação material controvertida invocada pelas Recorridas, pelo que sempre se concluiria pela sua absolvição face a todos os pedidos, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC.
V. Em face do exposto deve a decisão recorrida ser alterada, julgando-se procedente a exceção de ilegitimidade passiva da EE, quer na sua própria qualidade, quer enquanto representante do FF, o que se requer para todos os efeitos legais.
W. Também quanto à prescrição dos direitos das Recorridas CC e DD, a Decisão Recorrida fez uma incorreta aplicação do Direito à factualidade existente, desde logo porquanto o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão em factos que considerou como assentes, pese embora tais factos terem sido alvo de impugnação especificada, nos artigos 321.º, 328.º, 329.º, 335.º, 340.º e 344.º da contestação apresentada pela Recorrente, quanto à matéria dos pagamentos.
X. Pese embora tenha dispensado a realização da audiência prévia (ao abrigo do disposto no artigo 6.º do CPC, cf. ponto I. da Decisão Recorrida), o Tribunal a quo não proferiu, para além do despacho saneador, nenhum dos despachos previstos no artigo 593.º, n.º 2 do CPC), nomeadamente, não proferiu (ainda) o Tribunal a quo despacho, previsto no artigo 596.º n.º do CPC, destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Y. Não tendo ainda sequer sido iniciada a fase da instrução, não pode o Tribunal a quo considerar como assentes factos que não só não foram confessados pela Ré EE, como foram, ao invés, expressa e especificadamente impugnados, tal como impugnados foram os documentos juntos pelas Autoras para o efeito.
Z. Ao fazê-lo, está o Tribunal a quo a praticar um ato que a lei não admite, sendo certo que tal irregularidade influi necessariamente no exame e decisão da causa, com a consequente nulidade do mesmo, que aqui expressamente se invoca nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 195.º e 200.º do CPC – estando a nulidade invocada coberta pelo Despacho Saneador, dúvidas não há de que o meio processual próprio para a arguir é por meio de recurso.
AA. Não se aceita também que o direito de reembolso da CC e DD prescreva no prazo de três anos a contar do cumprimento, ou seja, a partir da data dos pagamentos efetuados aos lesados, entendendo a Recorrente que o direito global das Recorridas CC e DD prescreveu em data anterior.
BB. Tendo as Recorridas adquirido o direito das suas seguradas, o início da contagem do prazo de prescrição desse direito coincide com o momento em que o mesmo nasceu na esfera daquelas seguradas (cf. artigo 136.º n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro e artigo 593.º n.º 1 do CC).
CC. O direito que as Recorridas aqui se arrogam enquadra-se no n.º 1 do artigo 498.º, o qual estabelece que o direito de indemnização em causa prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe assiste, embora com desconhecimento da pessoa responsável e da extensão integral dos danos.
DD. Considerando que o incêndio em causa nos autos ocorreu no dia 23 de setembro de 2012 e que, nessa mesma data, as seguradas das Recorridas (e mesmo as Recorridas) tomaram conhecimento dos direitos eventualmente daí derivados, sempre teriam prescrito no dia 23 de setembro de 2015.
EE. No caso concreto, nenhum ato interruptivo inutilizou este período - a Recorrente EE recebeu a notificação judicial avulsa proveniente da ex-A…, atual DD, a 15 de janeiro de 2016, e recebeu a notificação judicial avulsa proveniente da CC e da ex-T…, atual DD, a 19 de novembro de 2015, sendo que estas notificações não têm a virtualidade de interromper o prazo prescricional contra a Recorrente EE, porquanto é o FF o requerido nelas identificado e por elas notificado, não sendo porém o FF parte na presente ação.
FF. Tendo as notificações judiciais avulsas sido realizadas nos dias 19 de novembro de 2015 e 15 de janeiro de 2016, foram, de qualquer modo, posteriormente à data de prescrição dos direitos a indemnização invocados.
GG. Não se aplica, igualmente, ao caso o n.º 2 do artigo 498.º do CC, na medida em que o mesmo se refere expressamente ao direito de regresso e o direito a que as Recorridas se arrogam constitui uma sub-rogação, não existindo um direito nascido ex novo - entendimento, de resto, partilhado pelo Tribunal a quo.
HH. A posição dominante na jurisprudência e doutrina é a de que, v.g., se se aplicasse o artigo 498.º, nº 2 CC, ao caso da sub-rogação, então, ter-se-ia encontrado um remédio para obstar aos “malefícios” da prescrição, bastando lançar mão deste mecanismo para obstar à prescrição.
II. Não podem também as Recorridas socorrerem-se do n.º 3 do artigo 498.º do CC, uma vez que a maioria da jurisprudência entende que “o alongamento do prazo respeita apenas ao direito do lesado não abarcando o direito de regresso das seguradoras”.
JJ. Nestes termos, os créditos que as Recorridas aqui se arrogam já haviam prescrito à data das notificações judiciais avulsas.
KK. Deve, pois, a decisão recorrida ser alterada, julgando-se procedente a exceção de ilegitimidade passiva da Recorrente enquanto representante do FF e, subsidiariamente, ser julgada procedente exceção de prescrição dos créditos das Recorridas CC e DD invocada pela Recorrente, ou, caso assim não seja entendido, deverá pelo menos o conhecimento da mesma ser relegado para decisão final, por ser tal matéria controvertida na presente fase processual.
Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a Decisão Recorrida, substituindo-se por outra que determine a ilegitimidade passiva da Recorrente também enquanto representante do FF e que determine a prescrição dos créditos invocados pelas Recorridas CC e DD ou, caso assim não seja entendido, que relegue o conhecimento da mesma para decisão final, assim se fazendo Justiça!»
A ré EE contra-alegou, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso intentado pelas autoras.
As autoras contra-alegaram, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso intentado pela ré EE.
Face às conclusões das alegações das recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
i) no âmbito do recurso intentado pelas autoras:
- da legitimidade passiva e da intervenção em juízo da ré EE;
ii) no âmbito do recurso intentado pela ré EE
- da legitimidade passiva e da intervenção em juízo da ré EE;
- subsidiariamente, da prescrição dos direitos invocados pelas autoras CC e DD.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos
2.1. Legitimidade passiva e intervenção em juízo da ré Fundbox
Vem posta em causa nos dois recursos a parte do despacho saneador em que se julgou verificada a ilegitimidade passiva arguida pela ré EE e se decidiu manter esta ré em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”, pelo que se apreciarão em conjunto ambas as apelações, no que respeita à questão da legitimidade passiva da 1.ª ré e da respetiva intervenção em juízo.
Relativamente a esta questão, extrai-se da decisão recorrida o seguinte:
2.3.1. Da ilegitimidade passiva da “EE”
Na sua contestação, a ré “EE” arguiu a respetiva ilegitimidade, alegando que é demandada na qualidade de representante do proprietário do Retail Park à data do incêndio, e atualmente em liquidação, sem que esse proprietário, um Fundo de investimento imobiliário fechado, sem personalidade jurídica mas com personalidade judiciária, tenha sido demandado. Concluiu que não sendo titular de direitos e obrigações a própria “EE”, então de ser considerada parte ilegítima – arts. 46 e ss., fls. 1078.
Notificadas, as autoras responderam – fls. 1295 v., arts. 23.º e ss.
Não há dúvida de que a “EE” é demandada na qualidade de representante do “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”, pedindo as autoras a sua citação nessa qualidade. Os Fundos de Investimento Imobiliário constituem patrimónios autónomos, pertencentes, no regime especial de comunhão regulado pelo presente diploma, a uma pluralidade de pessoas singulares ou coletivas designadas «participantes» (…) que não respondem, em caso algum, pelas dívidas destes ou das entidades que, nos termos da lei, asseguram a sua gestão (art. 2.º, n.º 2, do Regime jurídico dos organismos de investimento coletivo em valores mobiliários sob a forma societária e dos fundos de investimento imobiliário sob a forma societária, na redação dada pela Lei n.º 71/2010, de 18 de junho), e a administração dos fundos de investimento imobiliário é exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, adiante designada por sociedade gestora, com sede principal e efetiva da administração em Portuga – art. 6.º, n.º 1, do mesmo diploma. Os Fundos não têm personalidade jurídica, capacidade jurídica ou capacidade judiciária, isto é a capacidade de estar por si só em juízo, pois que, como se disse, são representados por sociedades gestoras, apesar de lhes ser reconhecida personalidade judiciária – arts. 11.º, a contrario sensu, do Código de Processo Civil, e art. 12.º, al. a), do mesmo código; neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (Rel. Des. M. Graça Araújo), de 7 de maio de 2013, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f95c51715d6a57ae80257c85004575a6?OpenDocument
Com efeito, não tem a “EE” legitimidade ela própria mas atua em juízo como representante do “Fundo”, alegadamente, dono do Retail.
Mal comparando as realidades – uma vez que do ponto de vista fáctico, a presente é muito mais complexa – também os condóminos podem figurar como réus numa ação de anulação de deliberações, embora seja o administrador que os represente em juízo, ainda que não por falta de personalidade jurídica daqueles (art. 1433.º do Código Civil). De todo o modo, sempre seria só de citar a administração porque com poderes legais para representação desses condóminos.
Fazendo o paralelismo, por razões de economia processual e evitando a prática de atos inúteis (art. 130.º do Código de Processo Civil), se dá como válida a citação da “EE”, não enquanto ré, pois réu é o “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”, mas na qualidade de representante deste e na esfera do qual se irão produzir os efeitos da eventual procedência da ação.
Assim, julgo procedente a exceção, mantendo-se porém a “EE” em juízo, na sobredita qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”. Pelo exposto acima, não são determinadas diligências adicionais, prosseguindo os autos.
Comunique à CMVM a pendência da ação.
Conforme decorre deste excerto, entendeu a 1.ª instância que a ré EE não tem legitimidade passiva para ser demandada por si própria, atuando em juízo como representante do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF, pelo que se julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva arguida por esta ré, acrescentando-se no segmento decisório que a mesma se mantém em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”.
Discordando deste entendimento, sustentam as apelantes autoras, em síntese, que a ré EE tem legitimidade passiva própria e legitimidade passiva em representação do aludido Fundo, pelo que a demandaram na dupla qualidade de sociedade gestora e de representante necessária do Fundo; acrescentam que o Fundo foi posto em liquidação pela EE e que o mesmo não tinha órgãos próprios, pelo que qualquer eventual responsabilidade não lhe poderia ser assacada, apenas podendo ser assacada a quem, com competência legal e competência e capacidade funcional próprias, tinha o direito e o dever de o gerir e de o representar; defendem as autoras que, assistindo legitimidade passiva à ré EE, quer por si própria, quer como representante do Fundo, este deve considerar-se citado por via da citação efetuada, também nessa qualidade, à ré EE, assim devendo considerar-se demandado o próprio Fundo por via da sociedade gestora sua representante.
A apelante ré EE, por seu turno, sustenta que a decisão recorrida, ao mantê-la em juízo na qualidade de representante do réu “Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF”, desconsidera o regime jurídico a que a recorrente e o Fundo estão sujeitos e qualifica o Fundo como réu, embora este não tenha sido demandado nem citado para a presente ação. Alega a apelante que o Fundo em causa consiste num fundo de investimento imobiliário fechado, ou seja, num património autónomo, sem personalidade jurídica, pertencente aos seus participantes, o qual goza de personalidade judiciária, nos termos do artigo 12.º, alínea a), do CPC; acrescenta que se trata de um organismo de investimento imobiliário que não pode ser autogerido, cabendo a sua gestão a uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário, no caso, a recorrente EE, a qual é a sociedade gestora do Fundo, mas não é, ela própria, titular de qualquer relação jurídica pertinente aos direitos e obrigações invocados pelas autoras; defende que, tendo personalidade judiciária, é o Fundo quem deve ser parte em juízo, ainda que representado pela apelante, por carecer de capacidade judiciária, sendo que o mesmo não foi demandado, chamamento que entende ser obrigatório e não opcional. A apelante informa, ainda, que o Fundo em causa se encontra extinto desde 28-05-2018, pelo que não se mostra possível sanar a ilegitimidade passiva existente, dado que deixou de lhe assistir personalidade judiciária, acrescentando que, com a extinção do Fundo, se extinguiram igualmente os deveres de gestão e de representação da EE, nomeadamente os deveres e poderes de representação do Fundo em juízo.
Cumpre apreciar se assiste à ré EE legitimidade para ser demandada por si própria, bem como se lhe assiste legitimidade para ser demandada na qualidade de representante do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF.
Analisando o introito da petição inicial, verifica-se que as autoras intentaram a ação contra cinco rés, entre elas a ora apelante EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, com a menção de que é demandada por si mesma na sua mesma e própria qualidade, que tem ou teve, quer de sociedade gestora quer de representante necessária do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF (…), quer ainda na qualidade de mandante de entidades que tenha envolvido, como interpostas pessoas ou interpostas entidades na titularidade dos seus interesses, ou na qualidade de mandante ou comitente de entidades que tenha utilizado, como seus mandatários e/ou comissários, no desempenho das suas responsabilidades relativas ao empreendimento do “Retail Park”, como, designada mas não exclusivamente, a aqui também Ré GG e a aqui também Ré HH. Porém, não decorre do cabeçalho de tal articulado que a ação seja intentada contra o Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF, o qual não se encontra identificado como réu.
Impondo o artigo 552.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, ao autor, a obrigação de identificar as partes na petição inicial, a falta da indicação do aludido Fundo como réu não permite considerar a ação intentada contra o mesmo e impõe a conclusão de que aquele não é parte na ação.
Considerou a decisão recorrida que o aludido Fundo constitui um património autónomo, entidade sem personalidade jurídica à qual reconheceu personalidade judiciária ao abrigo do disposto no artigo 12.º, al. a), do CPC, acrescentando que não pode estar por si em juízo, antes devendo ser representado pela respetiva sociedade gestora, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, do Regime Jurídico dos Fundos de Investimento Imobiliário (aprovado pelo DL n.º 60/2002, de 20-03, e alterado pelo DL n.º 71/2010, de 18-06), a apelante EE, o que não vem posto em causa na apelação.
No entanto, tal incapacidade judiciária apenas impede o Fundo de estar, por si, em juízo, impondo que seja representado pela respetiva sociedade gestora, o que não contende com a personalidade judiciária que lhe foi reconhecida, isto é, com a suscetibilidade de ser parte, conforme decorre do disposto nos artigos 11.º, n.º 1, e 15.º, n.º 1, do CPC.
Regulando a representação das entidades que, tendo personalidade judiciária, careçam de personalidade jurídica, como é o caso dos fundos de investimento imobiliário, dispõe o artigo 26.º do CPC, além do mais, que os patrimónios autónomos são representados pelos seus administradores. Por outro lado, determina o artigo 6.º, n.º 1, do supra mencionado RJFII, que a administração dos fundos de investimento imobiliário é exercida por uma sociedade gestora de fundos de investimento imobiliário. Da conjugação destes dois preceitos decorre que a representação do mencionado Fundo em juízo incumbe à respetiva sociedade gestora, no caso, à apelante EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, devendo o Fundo ser parte na ação, por força da extensão da personalidade judiciária prevista no artigo 12.º, al. a), do CPC, e ser citado na pessoa da respetiva representante.
Concluiu-se, assim, que, tendo o Fundo personalidade judiciária, deve o mesmo ser demandado, incumbindo a respetiva representação em juízo à apelante EE, a qual não poderá ser demandada em representação do Fundo, antes se limitando a representá-lo, se este for demandado.
Neste sentido, cf. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-03-2008 (relator Oliveira Rocha), proferido no âmbito do agravo n.º 402/08 - 2.ª Secção e publicado em www.dgsi.pt, no qual se considerou que, face ao artigo 6.º do CPC, apesar do fundo de investimento imobiliário carecer de personalidade jurídica, não se lhe poderá, sem mais, negar a suscetibilidade de ser parte, que lhe advém, face a este normativo, da circunstância de constituir um património autónomo.
No caso presente, não tendo o Fundo sido demandado, assim não sendo réu na ação, não poderá a apelante EE intervir nos autos na qualidade de representante do mesmo, o qual não é parte nos autos, pelo que cumpre revogar, nesta parte, o despacho recorrido.
Encontrando-se impugnada pelas autoras a decisão que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva deduzida pela ré EE, cumpre averiguar se esta ré tem legitimidade passiva para ser demandada por si própria, conforme defendem as apelantes.
É sabido que o problema da legitimidade tem que ser apreciado e decidido à luz do que dispõe o artigo 30.º do CPC, que reporta a legitimidade dos réus ao interesse direto em contradizer, que se exprime pelo prejuízo que da procedência da ação advenha, considerando-se, na falta de indicação da lei em contrário, como titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Sustentam as autoras, na apelação, que a decisão que considerou verificada a ilegitimidade passiva da ré EE tem como efeito a absolvição desta ré de eventuais ilícitos que, pela sua natureza, não podem ser imputados a título próprio ao Fundo, devendo ser imputados ao responsável pela respetiva gestão e pela gestão dos seus ativos. Porém, não esclarecem as apelantes a que concretos atos ilícitos se reportam, não indicando quais os factos imputados à ré EE que entendem integradores da invocada atuação ilícita, o que igualmente não decorre da análise da petição inicial, não se vislumbrando que esta ré seja titular da relação material controvertida, tal como configurada pelas autoras.
Afirmam, ainda, as autoras que o Fundo foi posto em liquidação pela ré EE e que o mesmo não tinha órgãos próprios, pelo que qualquer eventual responsabilidade não lhe pode ser assacada, apenas podendo ser assacada a quem, com competência legal e competência e capacidade funcional próprias, tinha o direito e o dever de o gerir e de o representar. No entanto, da circunstância de ter eventualmente sido iniciado processo de liquidação não decorre, face ao regime previsto no artigo 34.º do RJFII, que o Fundo tenha sido extinto, o que pressupõe o termo da liquidação com o encerramento das contas pela entidade gestora – neste sentido, cf. o acórdão da Relação de Lisboa de 03-04-2014 (relator: Ezaguy Martins), proferido no processo n.º 2014/10.3TBLSB.L1-2 e publicado em www.dgsi.pt –, pelo que se mantém a personalidade judiciária que lhe foi reconhecida e a inerente suscetibilidade de ser parte. Assim sendo, cumpre concluir que a alegação da colocação do Fundo em liquidação não confere legitimidade passiva à ré EE.
Nas alegações da apelação, a ré EE invoca a extinção do aludido Fundo, operada a 28-05-2018, e aprecia as consequências que entende daí decorrerem. No entanto, conforme alertam as autoras nas contra-alegações apresentadas, esta questão não foi suscitada na 1.ª instância, mas apenas em sede de recurso, nas alegações da apelação.
Se a questão da extinção do Fundo e das respetivas consequências não foi suscitada na 1.ª instância, que sobre a mesma não se pronunciou, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, dado que o mesmo não é parte na ação, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova. Como tal, atenta a novidade da indicada questão, a qual não é de conhecimento oficioso, não será a mesma apreciada.
A ilegitimidade passiva consiste, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. e), e 578.º do Código de Processo Civil, numa exceção dilatória de conhecimento oficioso, a qual obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, pelo que cumpre absolver a ré EE da presente instância.
Nesta conformidade, improcede a apelação deduzida pelas autoras e procede a apelação deduzida pela ré EE, em consequência do que cumpre confirmar a parte da decisão recorrida em que se julgou verificada a ilegitimidade passiva da ré EE e revogar o segmento decisório em que se determinou a manutenção desta ré em juízo na qualidade de representante do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF, o qual deverá ser substituído por decisão de absolvição desta ré da instância.

2.2. Prescrição dos direitos invocados pelas autoras CC e DD
A procedência da apelação deduzida pela ré EE, quanto à questão da respetiva intervenção em juízo, com a consequente absolvição desta ré da instância, importa se considere prejudicada a apreciação da questão da prescrição dos direitos invocados pelas autoras CC e DD, suscitada pela apelante EE a título subsidiário.

Em conclusão:
I – Os fundos de investimento imobiliário constituem entidades que, carecendo de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária por força da extensão prevista no artigo 12.º, al. a), do CPC;
II – Tendo os fundos de investimento imobiliário personalidade judiciária, devem ser demandados, incumbindo a respetiva representação em juízo à respetiva sociedade gestora, assim devendo o fundo ser parte na ação e ser citado na pessoa da respetiva representante;
III – Incumbindo à sociedade gestora a representação em juízo do fundo de investimento imobiliário, não poderá aquela ser demandada em representação do fundo, antes se limitando a representá-lo, se este for demandado.


3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação deduzida pelas autoras e procedente a apelação deduzida pela 1.ª ré, em consequência do que:
i) se revoga o segmento da decisão recorrida em que se determina a manutenção em juízo da ré EE – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA na qualidade de representante do Fundo Fechado de Investimento Imobiliário FF;
ii) se absolve esta ré da instância;
iii) se confirma, no mais, a decisão recorrida.

Custas da apelação intentada pelas autoras, pelas apelantes.
Custas da apelação intentada pela 1.ª ré, pelas apeladas.
Notifique.

Évora, 02-05-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato