Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
297/16.4T8ABF.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRIVAÇÃO DE USO DE VEÍCULO
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em caso de perda total do veículo sem que a seguradora tenha prestado a quantia monetária equivalente à sua responsabilidade, desde que se demonstre a impossibilidade de utilização do bem e que a privação gerou perda das utilidades que o mesmo proporcionava, resulta afirmada a obrigação da seguradora indemnizar a lesada pelo dano decorrente da privação do uso do veículo, na medida da sua responsabilidade.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Ré: (…), Companhia de Seguros, SA

Recorrida / Autora: (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual a A peticionou a condenação da R a pagar-lhe a quantia de € 19.499,56 acrescida de € 10 diários a título de privação do uso do seu veículo desde a data da propositura da ação até integral pagamento e, bem assim, de juros de mora vincendos à taxa legal. Invoca, para tanto, ter sofrido acidente de viação causado por veículo seguro pela R.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«a) Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.600,00 (três mil e seiscentos euros), a título de indemnização pela perda total do veículo;
b) Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.080,03 (mil e oitenta euros e três cêntimos), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;
c) Condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de € 5,00 diários, pela privação do uso do veículo, desde a data do sinistro até ao integral e efetivo pagamento da quantia mencionada em a) que na presente data se cifra em € 4.545,00 (quatro mil e quinhentos e quarenta e cinco euros).
d) Condenar a Ré ao pagamento de juros vencidos e vincendos sobre as quantias mencionadas em a) e b) desde a data da citação, até integral e efetivo pagamento e em c) a contar desta decisão, à taxa legal de 4%.
No mais se absolve a Ré do pedido.»

Inconformada, a R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da sentença recorrida, a substituir por outra que a absolva do pedido de pagamento de qualquer quantia a título de privação de uso do veículo sinistrado, a absolva dos juros de mora sobre a quantia fixada a título de danos não patrimoniais desde a citação, fixar os danos não patrimoniais sofridos pela apelada em € 1.000,00, condenado consequentemente a apelante a pagar à apelada, a esse título, apenas, € 500,00, absolvendo-a do pedido do demais. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1. É exagerada e desproporcionada a fixação dos danos não patrimoniais sofridos pelo A no valor de € 2.000,00, devendo ser reduzido para € 1.000,00, correspondendo € 500,00 para cada interveniente.
2. O acidente dos autos ocorreu sem se provar a culpa de qualquer dos intervenientes, pelo que a responsabilidade pelos danos dele emergentes, decorre do risco e na proporção de 50% para cada um dos intervenientes.
3. A apelante, por carta de 11 de Junho de 2015 comunicou à apelada a perda total do seu veículo, o que esta aceitou.
4. Não estava na disponibilidade da apelante determinar a reparação do veículo ou a aquisição de outro para o substituir, já que era responsável, apenas, por 50% dos danos.
5. Sobre a apelada impendia a disponibilidade de aquisição de outro veículo e não o tendo feito provocou, culposamente, a continuação da privação do seu uso, pelo que só ela é responsável por tal dano (artº 570º, nº 2, do CC)
6. A obrigação da apelante era apenas a de pagar uma quantia, metade do valor do veículo, o que constituiu uma obrigação pecuniária, cuja mora, a ocorrer, determina apenas, o pagamento de uma indemnização pela mora, correspondente aos juros de mora (artº 806º do CC)
7. Não se provaram danos patrimoniais emergentes da privação do uso do veículo sofridos pela A, pelo que não lhe pode ser atribuída qualquer indemnização por eles.
8. Foram violadas, entre outras, as disposições conjugadas dos artigos 496º, nº 1, 506º, nº 2, 570º, nº 1 e 2 e artº 806º, nº 1 e 2, do Código Civil.
9. A sentença recorrida merece censura nos pontos apresentados.»

Em contra-alegações, a Recorrida sustenta ser justa e equitativa a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais. Relativamente à indemnização pela privação do uso do veículo, salienta que resultou não provado que a Recorrente tenha colocado à sua disposição, em 30/06/2015, o valor de 50% dos danos, pelo que não estava incumbida de custear, por si só, a aquisição de viatura equivalente. Refuta a culpa da sua parte no agravamento do dano decorrente da provação do uso, já que o prazo de 10 meses e 18 dias é razoável para propor a ação judicial.

Assim, atento o teor das conclusões das alegações de recurso, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], são as seguintes as questões a decidir[2]:
- do montante adequado a indemnizar a Recorrida pelos danos de natureza não patrimonial;
- do direito da Recorrida a obter indemnização pela privação do uso do veículo automóvel.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância:

1. No dia 30 de Maio de 2015, pelas 13:48 h, na Estrada (…), localidade da Guia, freguesia da Guia, Concelho de Albufeira, Distrito de Faro, ocorreu um embate entre o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca SEAT (Ibiza) e matrícula 55-39-…, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de marca HONDA (Civic) e matrícula 43-…-08.
2. Nesta data o veículo de matrícula 43-…-08 estava registado em nome da Autora.
3. À data a responsabilidade civil decorrente dos danos causados pelo veículo … encontrava-se transferida para a Ré pela apólice n.º (…).
4. Nas condições referidas em 1. o veículo (…) era conduzido por (…) no sentido norte-sul (de … para Tavagueira/Algarve Shopping) e o veículo (…) era conduzido pela Autora em sentido contrário.
5. Estes dois veículos embateram com as suas respectivas partes da frente esquerdas.
6. Devido ao choque, o veículo (…) foi arrastado para trás e, seguidamente, projectado para a berma direita (atento o seu sentido de marcha), ficando atravessado horizontalmente.
7. O veículo (…) rodou na via, tendo ficado virado em sentido contrário àquele em que seguia e imobilizado parcialmente na faixa de rodagem e parcialmente na berma esquerda.
8. A estrada tinha 4,90 m de largura.
9. O embate teve lugar numa curva acentuada, perfil em patamar, situada numa estrada asfaltada e com dois sentidos de trânsito.
10. Estava bom tempo.
11. Em consequência do embate o (…) teve estragos cujo preço de reparação importava em € 14.518,09.
12. O valor venal do (…) no momento anterior ao embate era de € 8.200,00.
13. O valor dos salvados após o embate era de € 1.000,00.
14. Ainda que fosse reparado, o (…) nunca ficaria em condições de circular com confiança, devido à extensão e natureza dos danos (que, para além do mais, inutilizaram, irremediavelmente, mecanismos elétricos e mecânicos que, mesmo reparados ou substituídos, não garantiriam segurança).
15. Desde o embate que a Autora tem estado privada de usar e fruir as utilidades que o seu veículo automóvel lhe proporcionava.
16. A. usava o (…), sobretudo, para levar os dois filhos à escola (sendo que um deles estudava em Alte).
17. Em consequência do embate, a Autora sofreu lesões na zona mamária, na coluna, no tórax e na bacia, acompanhadas de dores.
18. Por isso, no dia 30 de Maio de 2015, a seguir ao acidente, foi assistida no Serviço de Urgência do Centro de Hospitalar do Algarve – Unidade de Faro.
19. Aí, a Autora foi submetida a radiografias do tórax (uma incidência), da coluna cervical (duas incidências), da coluna dorsal (duas incidências), da coluna lombar (duas incidências) e da bacia, e a ecografias do abdómen superior, renal e supra-renal, pélvica por via suprapúbica e simples de doze derivações.
20. O preço desse episódio de urgência e radiografias e ecografias é € 40,60.
21. Nesse dia, foi-lhe receitada medicação, que a Autora adquiriu.
22. Pela compra da mesma, pagou € 16,98.
23. Posteriormente, devido à persistência das lesões e de dores, foi consultada no Centro de Saúde de Albufeira, nos dias 01 de Junho, 16 de Junho, 10 de Julho, 12 de agosto e 11 de Setembro, todos de 2015.
24. O preço dessas consultas foi 25,00 (€ 5,00 cada uma).
25. Após o dia do acidente, também por prescrição médica e para tratamento das lesões sofridas no mesmo, a Autora adquiriu e tomou vários medicamentos, pelos quais pagou a quantia global de € 55,57.
26. Igualmente por prescrição médica, a Autora foi sujeita, no dia 16 de Julho de 2015, a uma mamografia bilateral (duas incidências por mama) e a exame radiográfico da coluna lombo-sagrada, em carga (duas incidências).
27. O preço desses exames foi € 5,40.
28. Ainda nesse mesmo dia, a Autora teve de se sujeitar a uma ecografia mamária.
29. O preço dessa ecografia foi € 2,50.
30. Igualmente por prescrição médica, a Autora foi submetida, em 29 de Agosto de 2015, a uma TC da coluna lombar
31. O preço desse exame radiológico foi € 14,00.
32. Devido às lesões da coluna lombo-sagrada, a Autora submeteu-se, por indicação médica, a sessões de fisioterapia.
33. Devido às lesões sofridas em consequência do embate a Autora esteve de baixa médica entre 01 de Junho de 2015 e 10 de Outubro 2015.
34. Durante o tempo em que esteve de baixa médica, a Autora sofreu de dores e limitação de movimentos, tendo dificuldade em estar de pé, andar, deitar-se, sentar-se, levantar-se, passar a ferro e realizar outras tarefas normais do dia-a-dia.
35. Também não conseguia conduzir veículos automóveis.
36. A sua irmã auxiliava-a a realizar as tarefas domésticas.
37. A mesma acompanhava-a nas deslocações fora da sua habitação.
38. Aquando do acidente em causa, a Autora frequentava um curso de formação profissional do “Instituto de Emprego e Formação Profissional, IP”, com a duração de 1860 horas, que se iniciara em 16 de Fevereiro de 2015 e tinha o final previsto para 30 de Março de 2016.
39. O referido curso dar-lhe-ia equivalência ao 9.º ano de escolaridade.
40. O “Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP” rescindiu o dito contrato, a partir de 01 de Agosto de 2015, com fundamento em baixa continuada desde 1 de Junho de 2015.
41. O horário da formação era das 09:00 h às 17:00 h todos os dias úteis.
42. Em virtude de todo o sucedido a Autora sentiu-se triste.

B – O Direito

Do montante adequado a indemnizar a Recorrida pelos danos de natureza não patrimonial

O Tribunal de 1.ª Instância fixou em € 2.000,00 a quantia adequada a indemnizar a Recorrida por tais danos sofridos, sendo apenas 50% da responsabilidade da Recorrente. Esta considera tal quantia exagerada e desproporcionada, devendo ser reduzida a € 1.000,00, € 500,00 de sua responsabilidade.

Ora vejamos.

Estão em causa danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (art. 496.º do CC). O montante adequado a indemnizá-los, nos termos do disposto no art. 496.º, n.º 3, 1.ª parte e 494.º do CC, resultará de um julgamento de equidade que terá por base o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções, atendendo às circunstâncias concretas de cada caso tendo em conta a situação económica do agente e do lesado, bem como o grau de culpa daquele, sem esquecer os padrões geralmente adotados pela jurisprudência.

São prejuízos de natureza infungível em que, não sendo possível uma reintegração por equivalente, tem-se em vista atribuir ao lesado uma compensação que proporcione certas condições decorrentes da utilização do dinheiro. A indemnização por tais danos, «sem embargo da função punitiva que, outrossim, reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indiretamente, esses danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar a havido sofrimento moral»[3]. Abrange, «nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de atividades agradáveis».[4] O valor da indemnização deve ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista[5], apurado segundo um juízo de equidade (art. 496.º, n.º 3, do CC), efetivando a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem olvido do princípio da igualdade (art. 13.º da CRP), iluminador da uniformização de critérios, tendo em atenção os padrões de indemnização normalmente adaptados na jurisprudência em casos similares.[6]

Considerando toda a factualidade elencada que contende com tal questão, que traduz os padecimentos sofridos pela A após o embate, as lesões e dores que registou, os exames e as sessões de fisioterapia a que se submeteu ao longo do tempo, o período de baixa médica que registou, as limitações de locomoção e de realização tarefas domésticas e, bem assim, a tristeza que vivenciou, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior, afigura-se que a quantia indemnizatória fixada em 1.ª Instância não é exagerada, pelo que não merece reparo.

Improcedem, neste segmento, as conclusões da alegação do recurso.

Do direito da Recorrida a obter indemnização pela privação do uso do veículo automóvel

Em 1.ª Instância, a Recorrente foi condenada a pagar à Recorrida a quantia de € 5/dia, correspondente à sua responsabilidade na proporção de 50%, desde a data do acidente até integral pagamento da quantia devida pela perda total do veículo. A Recorrente sustenta nada ter a pagar, na medida em que, tendo comunicado, a 11/06/2015, a perda total do veículo, o que a Recorrida aceitou, estava na disponibilidade desta a aquisição de outro veículo em substituição; não o tendo feito, incorreu no agravamento do dano da privação do uso, pelo qual só ela é responsável (art. 570.º do CC).

Sem embargo de se reconhecer que a posição esgrimida pela Recorrente tem apoio na citada jurisprudência[7], afigura-se, salvo o devido respeito, que os contornos concretos do presente caso conduzem a diversa subsunção jurídica.

Atualmente, a problemática da indemnização do dano decorrente da privação do uso regista um acolhimento generalizado quer na doutrina quer na jurisprudência. Em sede de eventos decorrentes de acidentes de viação, para além das regras gerais atinentes à indemnização do dano, importa levar em linha de conta o regime atinente ao seguro automóvel, através do qual o legislador sinalizou a relevância de o responsável disponibilizar ao lesado um veículo de substituição. Na verdade, na senda do art. 20.º-J aditado ao DL n.º 522/85, de 31 de Dezembro, em transposição parcial para a ordem jurídica nacional da Diretiva n.º 2005/14/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio, o art. 42.º n.º 1 do DL n.º 291/2007, de 21 de Agosto (SORCA), consagrou o direito do lesado a veículo de substituição verificando-se a imobilização do veículo sinistrado. Atento o teor dos n.ºs 1 e 2 de tal preceito legal, a empresa de seguro está incumbida de disponibilizar um veículo de substituição de características semelhantes ao veículo sinistrado a partir da data em que assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente; no caso de perda total do veículo imobilizado, a obrigação de disponibilizar o veículo de substituição cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.

Ora, decorre do referido quadro legal que, no caso de imobilização do veículo sinistrado, a seguradora com responsabilidade exclusiva está obrigada a prestar veículo de substituição ao lesado. Por conseguinte, não o fazendo, resulta adstrita a indemnizar o lesado por se ver privado do uso do veículo.

Coloca-se, no entanto, a questão de saber se tal obrigação existe verificando-se a responsabilidade partilhada entre lesado e seguradora.

No caso em apreço, o acidente ocorreu a 30/05/2015. O valor venal do veículo sinistrado no momento anterior ao embate era de € 8.200,00, os salvados ascendem a € 1.000,00. A reparação importava em € 14.518,09. A Recorrida ficou privada de usar e fruir as utilidades que o veículo lhe proporcionava, que usava sobretudo para levar os dois filhos à escola. A ação foi intentada a 19/04/2016. Determinou-se que a Recorrente suportará 50% dos danos, sendo essa a medida da sua responsabilidade.

Ora, à luz da teoria da causalidade adequada[8], incumbe ao lesante/à respetiva seguradora reparar os danos decorrentes do evento determinante, acautelando que os danos não se agravem. Caso o lesado não proceda, ele próprio e pelos seus meios, à reparação dos danos, nem por isso se pode considerar o dano verificado excluído do nexo de causalidade adequada, sendo certo que à seguradora competirá alegar factos tendentes a afastar a responsabilidade civil na verificação ou manutenção do dano, designadamente alegando e provando «que a demora na reparação ou na substituição do veículo, com maior extensão temporal do período de imobilização, se deveu à recusa injustificada do lesado em aceitar o veículo de substituição disponibilizado, a indemnização em dinheiro oferecida ou a reparação proposta.»[9]

Por via do já citado art. 42.º, n.º 2, do SORCA, no caso de perda total do veículo imobilizado, a obrigação de colocar ao dispor do lesado o veículo de substituição cessa no momento em que a empresa de seguros disponibilize ao lesado o pagamento da indemnização devida. O que não afasta a obrigação de indemnizar monetariamente o lesado pelo dano decorrente da privação do uso caso o lesado tenha discordado da qualificação de perda total da viatura ou do montante de indemnização proposta, desde que venha a verificar-se ter sido justificada aquela discordância.

Revertendo para os concretos contornos do caso em apreço, importa salientar que o acidente implicou perda total do veículo – art. 41.º do SORCA. A aquisição de um veículo com as mesmas caraterísticas importava em € 8.200,00, sendo que, deduzido o valor dos salvados, cabia à seguradora Recorrente entregar à lesada Recorrida a quantia de € 3.600,00. Não consta que tal quantia, que era devida, tenha sido disponibilizada à lesada (contribuindo para a aquisição de viatura em substituição, pois sobre a lesada Recorrida não recaía a obrigação de reparar integralmente o dano, adquirindo a expensas exclusivamente suas outra viatura), tendo-a esta recusado. Por conseguinte, a seguradora Recorrente está adstrita à obrigação de indemnizar a lesada Recorrida pelo dano decorrente da privação do uso do veículo, na medida da sua responsabilidade.

Acresce que a propositura da ação antes de decorrido um ano sobre a data do acidente traduz diligência e empenho por parte da Recorrida lesada, inexistindo fundamento para considerar culposa a sua conduta no agravamento do dano.

Termos em que se confirma a decisão tomada em 1.ª Instância, assente que está a utilização que a Recorrida fazia do veículo e a impossibilidade da sua utilização em decorrência do acidente – conforme apontado no acórdão do STJ de 14/12/2016[10], «o Supremo Tribunal vem decidindo, maioritariamente, no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305.º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (proc. nº 07B1849), de 12 de Janeiro de 2010 (proc. nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16 de Março de 2011 (proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e de 10 de Janeiro de 2012 (proc. nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.»

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
- a quantia de € 2.000 (dois mil euros) não se afigura exagerada para compensar a lesada dos danos de natureza não patrimonial que sofreu atentas as lesões na zona mamária, na coluna, no tórax e na bacia, acompanhada de dores, os exames e as sessões de fisioterapia a que se submeteu ao longo do tempo, o período de baixa médica que registou entre 01/06/2015 e 10/10/2015, período em que sofreu dores e limitação de movimentos, tendo dificuldade em estar de pé, andar, deitar-se, sentar-se, levantar-se, passar a ferro e realizar outras tarefas normais do dia-a-dia, e, bem assim, a tristeza que vivenciou, levando em linha de conta os montantes indemnizatórios atribuídos em casos concretos submetidos a apreciação superior;
- assente que está que a seguradora Recorrente suportará 50% dos danos, em caso de perda total do veículo sem que a seguradora tenha prestado a quantia monetária equivalente à sua responsabilidade, desde que se demonstre a impossibilidade de utilização do bem e que a privação gerou perda das utilidades que o mesmo proporcionava, resulta afirmada a obrigação da seguradora Recorrente indemnizar a lesada Recorrida pelo dano decorrente da privação do uso do veículo, na medida da sua responsabilidade.


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

Évora, 8 de Março de 2018
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] A questão atinente aos juros de mora sobre a quantia fixada a título de danos de natureza não patrimonial não consta das conclusões da alegação da Recorrente; por via disso, não integra o objeto do recurso.
[3] Ac. do STJ de 17/01/2008.
[4] Ac. STJ de 26/01/2012.
[5] Cfr. Ac. STJ de 25/06/2002.
[6] Cfr. Acs. STJ de 22/10/2009, de 24/04/2013.
[7] Ac. do STJ de 16/03/2013, inserido no sítio da dgsi.pt como tendo a data de 16/04/2013.
[8] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 578. Inocêncio Galvão Telles, Manual de Direito das Obrigações, Tomo I, 1957, p. 191.
[9] Cfr. Laurinda Guerreiro Gemas, A Indemnização dos Danos Causados por Acidentes de Viação – Algumas Questões Controversas, Revista Julgar n.º 8, 2009, p. 49.
[10] In dgsi.pt, relatado por Fernanda Isabel Pereira.