Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1556/11.8TBPTM-B.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: CUSTAS DE PARTE
DEPÓSITO OBRIGATÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, com o sentido de que ‘[a] reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota’, é inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 20.º, n.º 1, ambos da CRP”.
Decisão Texto Integral:



TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


7

RECURSO Nº. 1.556/11.8TBPTM-B.E1 – APELAÇÃO (PORTIMÃO)


Acordam os juízes nesta Relação:

Os Réus/Apelantes (…) e (…), residentes na Urbanização (…), Lote 4, Apt. 25, (…), Albufeira, vêm interpor recurso do douto despacho proferido em 26 de Outubro de 2016 (ora a fls. 64 verso a 65), e que decidiu o seguinte quanto aos requerimentos de custas de parte, formulados por si e pela Autora/Apelada, “(…)– Unipessoal, Lda.”, com sede na Mexilhoeira Grande, Urbanização (…), (…), nesta acção declarativa de condenação, com processo ordinário, que lhes instaurara no Tribunal Judicial de Portimão:
A) Determina-se que a secção liquide a multa devida pela Autora, nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, e que a sanção seja satisfeita por esta;
B) Convidam-se a Autora e os Réus a, no prazo de 10 dias, comprovarem o depósito das quantias reclamadas a título de custas de parte, tal como preceitua o artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril”.
Para o que formulam as seguintes Conclusões:

1. A parte que tenha direito às custas de parte, para obter o seu efectivo pagamento da parte sobre que impenda a obrigação de as pagar, terá que assegurar a interpelação desta, entregando-lhe a nota discriminativa das custas de parte;
2. Nos termos do disposto no artº 25º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, tal interpelação tem lugar no prazo máximo de 5 dias a contar do trânsito em julgado da sentença;
3. A interpelação ao devedor de custas de parte para o pagamento das mesmas, com o envio da nota discriminativa e justificativa, não consubstancia um acto processual, constituindo unicamente uma formalidade destinada à obtenção de um título executivo para o caso de não pagamento de custas de parte;
4. A exigência do envio da nota discriminativa e justificativa também para o Tribunal, destina-se a que através de uma tal junção, se crie título executivo, o que, de outra forma, não se verifica;
5. Tanto mais que, conforme prescreve o nº 2, do artº 26º do RCP, “as custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora”;
6. As normas dos nºs 5 e 6 do artigo 139º do C.P.C. visam permitir que o acto processual sujeito a prazo peremptório possa ainda ser praticado depois de decorrido aquele prazo, desde que tal ocorra no prazo de três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sendo o acto validado se for paga a multa nas condições referidas;
7. Não sendo a interpelação ao devedor para o pagamento das custas de parte um acto processual sujeito a prazo peremptório, mas tão-somente uma interpelação extrajudicial para pagamento destinada à obtenção de título executivo, decorrido que se mostre o prazo de 5 dias fixado para o efeito, extingue-se o inerente direito, caducando o direito de exigir o reembolso das custas de parte – artº 298º, nº 2, do C. Civil;
8. É assim inaplicável ao caso o disposto nos nºs 5 e 6 do artº 139º do C.P.C., pelo que deveria o Meritíssimo Juiz a quo ter considerado extemporânea a apresentação pela Autora da nota discriminativa das custas de parte por ter sido ultrapassado o prazo legal fixado para o efeito, sem que se possa considerar o acto validado se for paga a multa prevista no nº 5 do artº 139º do C.P.C., por ser inaplicável tal disposição legal;
9. Ao não ter agido assim o Meritíssimo não fez a correcta interpretação do preceituado nos artigos 25º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais e 139º, nº 5, do C.P.C.;
10. Os Réus apresentaram reclamação da nota discriminativa das custas de parte com o fundamento, por um lado a extemporaneidade da interpelação da Autora para pagamento das custas de parte, e por outro o valor excessivo da nota discriminativa, na qual a Autora, embora não tendo obtido total ganho de causa e ter sido condenada nas custas na proporção do decaimento, peticiona custas de parte como se tivesse obtido vencimento total;
11. A apresentação da Reclamação judicial da nota descritiva e justificativa das custas de parte deve ser admitida sem dependência de qualquer depósito prévio do valor das custas reclamadas, ao abrigo do princípio geral do contraditório, subjacente a todo o processo na ordem jurídica nacional e internacional em que nos integramos, sendo esta a opção que mais se coaduna com o espírito do sistema;
12. E, bem assim, por ter sido já declarada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/2016, de 30 de Março;
13. Para além de que constitui uma enorme injustiça legal obrigar ao depósito prévio e total da quantia da qual se reclama por se considerar não ser devida. O que no limite, sendo um valor elevado, poderá impedir o exercício do contraditório por insuficiência económica;
14. Deve assim admitir-se a reclamação sem dependência de qualquer depósito;
15. Ao não ter admitido a reclamação dos RR/Apelantes sem dependência de qualquer depósito o Meritíssimo Juiz “a quo” não fez a correcta interpretação do preceituado na Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março e 20º da Constituição da República Portuguesa.

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações de recurso.
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Provam-se os seguintes factos com interesse para a decisão:

1) No âmbito da presente acção declarativa, com processo ordinário, que “(…) – Unipessoal, Lda.” instaurou no tribunal judicial da comarca de Portimão, contra os ora Apelantes (…) e esposa, (…), foi proferida douta decisão final, já transitada em julgado, que os veio a condenar “naquilo que se vier a liquidar em execução de sentença” e nas “custas na proporção do decaimento”.
2) Pelo que a 10 de Outubro de 2016 (vide a data aposta a fls. 70 verso) apresentou a Autora a sua nota de custas de parte, que constitui o documento de fls. 69 a 70, aqui dado por reproduzido, no valor global de € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros).
3) E a 26 de Outubro de 2016 (vide a data a fls. 68) apresentaram os Réus a sua nota de custas de parte, que constitui o documento de fls. 67 a verso, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra, no valor de € 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros).
4) Mas em 10 de Outubro de 2016 (vide a data a fls. 72 verso) apresentou a Autora Reclamação dessa nota de custas da contra-parte, nos termos e com os fundamentos que constam do seu douto requerimento de fls. 71 verso a 72, aqui dado por reproduzido.
5) E a 17 de Outubro de 2016 (vide a data a fls. 75) apresentaram os Réus Reclamação daquela nota de custas da contra-parte, nos termos e fundamentos que constam do seu douto requerimento de fls. 73 verso a 74 verso dos autos, aqui também dado por reproduzido.
6) Porém, não tendo sido logo depositados os valores reclamados, o Mm.º Juiz proferiu, em 26 de Outubro de 2016, o douto despacho que constitui agora fls. 64 verso a 65 dos autos – objecto do recurso –, o qual aqui igualmente se dá por reproduzido na íntegra, convidando-os a efectuarem tais depósitos.

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Ora, a questão que demanda apreciação e decisão da parte deste tribunal ad quem é a de saber se o tribunal a quo andou bem ao permitir a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo, mediante o pagamento de uma multa, e não aceitar a reclamação dos Apelantes contra a nota de custas de parte apresentada pela Apelada, uma vez terminada a tramitação da acção ordinária, sem o depósito prévio do respectivo valor. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado.

É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
A A. e os RR., que reclamaram reciprocamente da nota discriminativa das custas apresentada pela contraparte, não deram cumprimento ao disposto no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
Por outro lado, a nota discriminativa da A. foi apresentada para além do prazo previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, mas dentro do prazo de três dias úteis posteriores, sem que tenha liquidado a multa correspondente, nos termos do artigo 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, a fim de o Tribunal apreciar as reclamações apresentadas:
A) Determina-se que a secção liquide a multa devida pela A. nos termos do artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, e que sanção seja satisfeita por esta;
B) Convidam-se a A. e os RR. a, no prazo de 10 (dez) dias, comprovarem o depósito das quantias reclamadas a título de custas de parte, tal como preceitua o artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril”.

I – Da aplicação da multa prevista no artigo 139.º, n.º 6, do CPCivil.

Os Réus/Apelantes recorrem da aplicação do disposto no artigo 139.º, n.º 6, do Código de Processo Civil à interpelação de pagamento das custas de parte deduzida após o decurso do prazo de cinco dias previsto no artigo 25.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais.

Mas não lhes assistirá qualquer razão, salva naturalmente melhor opinião que a por nós ora expendida, tendo sido clara intenção do legislador, por razões de equidade e de segurança para as partes, a uniformização do regime de prazos (designadamente, quanto à respectiva contagem), sendo pacífica a sua aplicação ao Código das Custas Judiciais, agora ao Regulamento das Custas Processuais – e quer se trate de prazos marcados na lei, quer de prazos fixados pelo juiz (salvo naturalmente a prazos de pagamentos, mas que não é aqui o caso, que se trata é da apresentação de uma conta de custas: vide o artigo 40.º desse Regulamento).

Com efeito, estabelece o dito preceito que “Praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25% do valor da multa, desde que se trate de acto praticado por mandatário”.

Pelo que não se vê qualquer motivo para arranjar, aqui, uma contagem diversa daquela que está prevista nas regras do Código de Processo Civil, assim negando às partes uma faculdade prevista genericamente na lei processual civil.


II – Da exigência do depósito da quantia reclamada a título de custas de parte para apreciação da Reclamação.

Os réus/apelantes ora não aceitam o convite para procederem ao depósito prévio do valor da nota de custas de parte de que intentam reclamar, para vir a ser admitida a Reclamação dessa nota, nos termos previstos no artigo 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, segundo o qual “a reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota”.

E temos de dar razão aos Apelantes neste segmento do seu recurso, atento verbi gratia o teor do douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/2016, proferido em 30 de Março, que julgou inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria 82/2012, de 29 de Março, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias.

Aí se exarou, com efeito:
“Em conclusão, a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, com o sentido de que ‘[a] reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota’, é inconstitucional por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), conjugado com o artigo 20.º, n.º 1, ambos da CRP”.
E se concluiu:
Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, na redacção dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29 de Março, por violação da reserva de competência da Assembleia da República em matéria de direitos, liberdades e garantias, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b), em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, ambos da CRP”.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se tenha que revogar parcialmente da ordem jurídica a douta decisão da 1ª instância que veio a pronunciar-se daquela maneira, na procedência parcial da presente Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder parcial provimento ao recurso e revogar o douto despacho recorrido na parte em que exige o depósito prévio da conta de custas reclamadas.
Não são devidas custas.
Registe e notifique.
Évora, 08 de Junho de 2017
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral