Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
21/21.0GAENT.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: PENA DE PRISÃO
PENA DE PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
CONVERSÃO
CRITÉRIO
Data do Acordão: 07/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Mesmo considerando a pretensão (do recorrente) de diminuição da pena de prisão aplicada de 10 para 6 meses, é incompreensível (e destituída de qualquer fundamento legal) a pretensão (necessariamente conexa) de fixação da pena de prestação de trabalho em 150 horas, que seriam o produto da conversão, não daqueles 6 meses (180 dias), mas de 5 meses, considerando que a conversão da pena de prisão em pena de prestação de trabalho obedece a um critério automático e aritmético fixado no art.º 58.º, n.º 3 do Código Penal.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

No Juízo de Competência Genérica de Entroncamento (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, corre termos o processo sumário n.º 21/21.0GAENT, no qual foi proferida sentença onde se decidiu:

“I - Condenar o arguido RDMB como autor material da prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º n.º 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

II – (...) substituir a pena de 10 meses de prisão, por prestação de 300 (trezentas) horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º n.os 1, 2, e 3, do Código Penal, trabalho esse a prestar em entidade beneficiária que vier a ser sugerida pela DGRSP.”

Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido ora Recorrente foi julgado e condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de dez meses de prisão, substituída pela prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade.

2. Contudo o Arguido não se conforma com a medida da pena aplicada.

3. DA MEDIDA CONCRETA DA PENA: Considerando ainda, que a pena a que foi condenado é ainda manifestamente excessiva, tendo em conta a factualidade em apreciação, a confissão integral em sem reservas do arguido.

4. A medida da pena, é construída nos termos do binómio culpa e prevenção.

5. A exigência legal de que a medida de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável.

6. Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.

7. Deverá ser tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável às exigências de prevenção.

8. Quando se fala de prevenção como princípio regulativo da actividade judicial de medida da pena, não pode ter-se em vista o conceito de prevenção em sentido amplo, como finalidade global de toda a política criminal, ou seja, como conjunto dos meios e estratégias preventivos de luta contra o crime.

9. O que está aqui em causa, é na verdade, a aplicação de uma concreta consequência jurídico-penal, num momento em que o crime já foi cometido e não pode por isso, e não pode por isso, falar-se com sentido de prevenção na aceção referida.

10. “Prevenção” tem, no contexto que aqui releva, o preciso sentido que possui quando se discute o sentido e as finalidades de aplicação de uma pena, quando se discute, numa palavra, a questão das finalidades das penas.

11. Porém, a prevenção geral, no seu entendimento mais atual, como prevenção geral positiva ou de integração, é um momento irrenunciável – e na verdade, o mais essencial – de aplicação da pena, e não pode, por isso deixar de revelar decisivamente para a medida daquela.

12. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso.

13. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização

14. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.

15. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.

16. Ora, no modesto entendimento do Recorrente, tal limite foi claramente e grosseiramente ultrapassado, na pena que concretamente foi aplicada ao ora Recorrente de quatro meses de prisão.

17. Assim, impõe-se a aplicação ao Arguido Recorrente, de uma pena justa e proporcional, tendo em conta os factos que resultaram provados, mormente, o facto de não ter conduzido na via pública.

18. Face ao supra exposto, o Arguida ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 06 meses de prisão, a qual deverá ser substituída pela prestação de 150 horas de trabalho a favor da comunidade.

19. Esta medida concreta da pena que o ora Recorrente pretende que agora lhe seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhe parece mais adequada, justa e proporcional.

20. Pelo que se entende que a Douta Sentença recorrida, deve ser revogada, devendo ser substituída por outra que condene o ora Recorrente numa pena de prisão fixada em pena não superior a 06 meses de prisão, a qual irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

21. veículos a motor.

DAS NORMAS VIOLADAS

Artigo 40º, 71º do Código Penal;”

Termina pedindo:

“Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos (...) se requer que seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE NOS EXATOS TERMOS SUPRA EXPOSTOS, com todas as consequências legais que daí advenham.”

O recurso foi admitido.

O MP na 1.ª instância respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):

“1 - O arguido foi julgado no âmbito dos presentes autos, tendo sido condenado pela autoria de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º n.º 1 e 2, do Decreto-lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão, substituída por prestação de 300 horas de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º n.ºs 1, 2, e 3, do Código Penal.

2 – O tribunal a quo, na tarefa de determinação da medida da pena principal atendeu aos critérios plasmados no artigo 70.º e 71.º, ambos do Código Penal, sem esquecer o disposto no artigo 40.º, nºs 1 e 2, do mesmo diploma legal.

3 - A matéria de facto provada nos autos quando concatenada com as considerações efectuadas pelo tribunal a quo, a propósito da determinação da medida concreta da pena de prisão, permitem-nos concluir pela justeza da solução encontrada e plasmada no segmento decisório da sentença.

4 – O recorrente refere que não foram correcta e suficientemente valoradas as circunstâncias de carácter atenuante, mas não concretiza quais as circunstâncias que depõem a favor do arguido e não foram valoradas ou que o foram de forma insuficiente (excepção feita à confissão dos factos que, como é natural, tem um relevo diminuto, atenta a detenção em flagrante delito).

5 - O arguido tem averbadas no seu certificado de registo criminal quatro condenações, pela prática de um crime de roubo e de três crimes de condução sem habilitação legal, a última com condenação em 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e sujeita a regime de prova, com a obrigação de o arguido obter carta de condução durante o período da suspensão.

6 - A última condenação sofrida pelo arguido, resulta de factos praticados em Junho de 2020, com decisão transitada em Setembro de 2020 e cerca de 5 meses depois o arguido estava a cometer novo crime da mesma natureza, em plena suspensão da execução da pena.

7 - Dir-se-á até que, o Tribunal a quo, na decisão proferida confere uma derradeira oportunidade ao arguido de nortear a sua conduta de acordo com o direito, ainda em liberdade, porquanto o pretérito criminal do mesmo já impõe um juízo muito exigente relativamente à (im)possibilidade de substituir a pena de prisão aplicada.

8 - Considerando o ilícito perpetrado, a sua gravidade e a sua personalidade projectada nos factos, parece poder já afirmar-se uma certa tendência criminosa, mormente no que concerne à prática de crimes rodoviários.

9 – Atentas as exigências de prevenção sentidas, os efeitos previsíveis da pena no comportamento futuro do arguido, tendo em conta que a moldura do crime tem como limite mínimo 1 (um) mês de prisão e como limite máximo 2 (dois) anos de prisão, entendemos que a pena de 10 (dez) meses ajusta-se à gravidade do ilícito e à personalidade revelada pelo arguido.”

Pugnando, em síntese:

“Pelo exposto, entendemos que negando-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, farão, Vossas Excelências, como sempre JUSTIÇA.”

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação deu parecer no sentido de que o recurso interposto não merece provimento.

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“1 - No dia 22/02/2021, cerca das 22h45min, na Rua …, …, …, o arguido conduzia veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula …, sem que fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse a conduzir veículo automóvel.

2 - Conhecia as características do mencionado veículo, sabendo igualmente que circulava com ele numa via pública e não ignorava que, pelo facto de não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, não podia conduzir na via pública.

3 - O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta.

4 - O Arguido confessou integralmente os factos de que vem acusado.

5 - O Arguido é vendedor ambulante, vende porta a porta, auferindo mensalmente cerca de 400,00 euros mensais.

6 - Actualmente a sua actividade profissional está suspensa devido à Pandemia que Portugal atravessa.

7 - O Arguido vive com a sua filha de 3 anos de idade e a sua companheira.

8 - O Arguido tem o 9.º ano de escolaridade.

9 - Por sentença datada de 16 de Maio de 2018, transitada em julgado em 15 de Junho de 2018, foi o arguido RDMB condenado, pela prática em 17/04/2017 de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º do CP na pena de 1 ano e três meses de prisão suspensa por igual período.

10 - Por sentença datada de 03 de Outubro de 2018, transitada em julgado em 02 de Novembro de 2018, foi o arguido RDMB condenado, pela prática em 10/10/2017 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros o que perfez um total de 600,00 euros.

11 - Por sentença datada de 19 de Dezembro de 2018, transitada em julgado em 31 de Janeiro de 2019, foi o arguido RDMB condenado, pela prática em 08/12/2018 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros o que perfez um total de 1.000,00 euros.

12 - Por sentença datada de 22 de Junho de 2020, transitada em julgado em 11 de Setembro de 2020, foi o arguido RDMB condenado, pela prática em 19/06/2020 de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano, e sujeita a regime de prova, com a obrigação de o Arguido obter carta de condução durante o período da suspensão.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

1.ª questão – Medida da pena;

2.ª questão - Medida da substituição por trabalho a favor da comunidade.

B. Decidindo.

1.ª questão – Medida da pena.

Começa o arguido, ora recorrente, por afirmar que a “pena em que foi condenado é manifestamente excessiva”.

Contudo, verifica-se que, após esta assertiva afirmação, o mesmo se alonga em considerações teóricas sobre a determinação da medida da pena (conclusões 4.ª a 15.ª), sem que se vislumbre qualquer ligação ao caso concreto. Aliás, parece que o caso concreto objeto do recurso nem sequer é aquele sobre que nos debruçamos, pois o recorrente refere (na conclusão 16.ª) que ao recorrente foi aplicada uma pena de “quatro meses de prisão” e que (conclusão 17.ª) resultou provado “o facto de não ter conduzido na via pública”, sendo certo que aquele foi condenado, como vimos, numa pena de dez meses de prisão, fundamentalmente por ter conduzido um veículo automóvel ligeiro de passageiros na Rua …, …, …, ou seja, numa via pública.

De qualquer forma, quanto à determinação da medida da pena, dir-se-á:

De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.'' (1)

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respetivo Preâmbulo que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta”. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (2), sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?

A jurisprudência alemã (3) desenvolveu a chamada “teoria do espaço livre”: segundo esta, não é possível determinar-se de modo exato uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do “espaço livre” da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. (4)

Para Jorge de Figueiredo Dias (5), a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida “teoria do espaço livre”, esta medida ótima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exato de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial de socialização.

Quer consideremos a “teoria do espaço livre”, quer a teoria da “moldura de prevenção” (o texto do n.º 1 do art.º 71.º, quanto a este aspeto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exata de uma dada pena.

“Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.” (6)

Quanto às exigências de prevenção “pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.” (7)

Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exatamente a pena?

As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ‘os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.'' (8)

Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos fatores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do n.º 2 do art.º 72.º do C. Penal.

Vejamos quais os fatores levados em conta na decisão recorrida quanto à determinação da medida da pena:

“Assim, no presente caso, levar-se-á em linha de conta o facto de o Arguido não ter ocasionado qualquer sinistro rodoviário.

A desfavor do Arguido milita o facto de o mesmo já ter sido alvo de várias condenações anteriores pela prática do mesmo ilícito criminal e, nem por isso resolveu adoptar uma conduta de acordo com o direito.

Ademais, atender-se-á à intensidade elevada do dolo, porquanto aquele tinha conhecimento perfeito de que não podia conduzir uma vez que não tinha titulo válido para o efeito e mesmo assim decidiu-se pela condução.

Por outro lado, atendendo ao elevado nível de acidentes rodoviários que flagelam o nosso país, salienta-se que as exigências de prevenção geral são de acentuar neste particular.

De outro vector todas as condenações anteriores de que o Arguido foi alvo fazem acentuar as necessidades de prevenção especial, tanto mais que, o seu passado criminal já se mostra pautado pela prática de crimes desta natureza mostrando-se completamente surdo às advertências solenes que lhe têm sido feitas com as anteriores condenações.”

Considerando que o crime de condução de veículo sem habilitação legal tem uma moldura punitiva de prisão até 2 anos (9) a valoração das circunstâncias levadas em conta afigura-se-nos essencialmente correta, até sendo defensável, atentos os antecedentes criminais (alguns homótropos (10)) do arguido, que a medida concreta da pena determinada pelo tribunal a quo será benevolente, porque inferior ao ponto médio da mencionada moldura (11).

Deste modo, atento o disposto no art.º 409.º, n.º 1 do CPP, que veda a possibilidade de modificação da pena fixada em desfavor do recorrente, resulta evidente o infundado da sua pretensão de redução (para 6 meses) do quantum concreto da pena fixado na sentença (12), que, assim, se manterá intocado.

2.ª questão - Medida da substituição por trabalho a favor da comunidade.

O recorrente apenas coloca em causa o quantum desta pena de substituição em sentido próprio (13), defendendo que a mesma deve ser fixada em 150 horas.

O quantum da pena de trabalho a favor da comunidade fixado pelo tribunal a quo resultou, como na decisão recorrida se afirma, do disposto no n.º 3 do art.º 58.º do Código Penal, que prevê que “cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas”: é, assim, indiscutível que a “conversão da pena de prisão em pena de prestação de trabalho opera-se de acordo com um critério automático e aritmético” (14).

Mesmo considerando a pretensão (do recorrente) de diminuição da pena de prisão aplicada de 10 para 6 meses, é incompreensível (e destituída de qualquer fundamento legal) a pretensão (necessariamente conexa) de fixação da pena de prestação de trabalho em 150 horas, que seriam o produto da conversão, não daqueles 6 meses (180 dias), mas de 5 meses.

De qualquer forma, mantendo-se, como vimos, intocado o quantum da pena de prisão fixada, resulta evidente que a operação de conversão aritmética está de acordo com o critério legal, pelo que se deverá manter.

O recurso é, pois, totalmente improcedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC’s. (art.º 513.º, n.º 1 do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 13 de Julho de 2021

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário

Mesmo considerando a pretensão (do recorrente) de diminuição da pena de prisão aplicada de 10 para 6 meses, é incompreensível (e destituída de qualquer fundamento legal) a pretensão (necessariamente conexa) de fixação da pena de prestação de trabalho em 150 horas, que seriam o produto da conversão, não daqueles 6 meses (180 dias), mas de 5 meses, considerando que a conversão da pena de prisão em pena de prestação de trabalho obedece a um critério automático e aritmético fixado no art.º 58.º, n.º 3 do Código Penal.

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1 José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29.

2 Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o n.º 2 do art.º 71.º do C. Penal).

3 A norma do C. Penal Alemão equivalente ao art.º 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato.

4 Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5.ª Edição do “Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil” - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar “é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele “spielraum” dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.” (BMJ n.º 149, página 72).

5 Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.

6 Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ, ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214.

7 Anabela Miranda Rodrigues in A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.

8 Anabela Miranda Rodrigues in Ob. cit., página 481.

9 O recorrente não impugna a escolha da pena de prisão, já que defende que a pena não deverá ser superior a 6 meses de prisão.

10 Sublinhando-se a última condenação (em 22.06.2020, transitada em 11.09.2020) por crime idêntico em pena de prisão (oito meses) suspensa por um ano, tendo o crime aqui em causa sido praticado menos de 6 meses após aquele trânsito e em pleno período de suspensão de execução da pena, o que demonstra um profundo desrespeito do ora arguido por aquela decisão judicial e consubstancia muito fundadas e densas preocupações de prevenção especial.

11 13 meses de prisão.

12 Importa salientar nesta sede específica o afirmado no Acórdão deste TR de 22.04.2014 proferido no processo 291/13.7GEPTM.E1 (Relatora Ana Brito) e disponível em www.dgi.pt: “Começa por se consignar que também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico. O tribunal de recurso deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detectar incorrecções ou distorções no processo de aplicação da pena, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena.

Assim, o recurso não visa, nem pretende aqui, eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de 1ª instância enquanto componente individual do acto de julgar.

A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.”

13 Qualificação em Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 335.

14 Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página 321.