Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6388/16.4T8STB-D.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEPÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A falta de cumprimento da obrigação de integração do devedor mutuário no PERSI constitui uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.
2 - O limite temporal para o conhecimento de tal exceção, no processo executivo, é o previsto no artigo 734.º do Código de Processo Civil, ou seja, o primeiro ato de transmissão do bem penhorado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 6388/16.4T8STB-D.E1

(1.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), executados na ação executiva que lhes foi movida pelo (…) Banco, SA, interpuseram recurso do despacho proferido pelo Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal o qual indeferiu o requerimento que ambos tinham apresentado solicitando a extinção da instância executiva com fundamento no facto de a exequente ter omitido a implementação do PERSI em cumprimento do DL n.º 227/2012, de 25-10.

A decisão sob recurso tem o seguinte teor:
«Os executados requereram que o Tribunal determine a extinção da execução com fundamento na exceção dilatória inominada decorrente do facto de a exequente ter omitido a implementação de PERSI, em cumprimento do disposto no DL n.º 227/2012, de 25/10.
A exequente opôs-se ao requerido.
Resulta dos autos que o requerimento dos executados foi apresentado não só depois de decorrido o prazo para ser deduzida oposição, como também depois de já ter sido efetuada a venda executiva do imóvel penhorado.
Ora, constituindo a referida exceção fundamento de oposição à execução, o facto de não terem sido deduzidos embargos com tal fundamento fez precludir o direito de os executados deduzirem matéria de exceção (neste sentido veja-se Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, vol. 3, pág. 323).
Por outro lado, decorrendo do disposto no artigo 734.º do CPC que o Tribunal só pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar do requerimento executivo, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, a pretensão dos executados terá forçosamente de improceder em virtude de o requerimento em análise – em que os executados pediram que o Tribunal determine a extinção da execução, usando do poder de conhecimento oficioso conferido pelo artigo 734.º – ter sido apresentado depois do primeiro ato de transmissão do bem penhorado (cfr. ac. da RG de 17.12.2020, processo n.º 381/19.2T8PTL-A.G1, in www.dgsi.pt).
Pelo que vem de ser exposto, e sem necessidade de outras considerações, indefiro o requerido».



I.2.
Os apelantes concluem as suas alegações de recurso do seguinte modo:
«1º - A “vexata quaestio” é curta e simples, resumindo-se em dois pontos, a saber:
2º - Sendo o PERSI, criado pelo DL 227/2012, de 25/10, um pressuposto processual, uma condição de procedibilidade, mas não tendo sido deduzido em sede de defesa por embargos, tal direito de defesa decaiu, ou pode ainda ser validamente ressuscitado?
3º - O outro ponto em que a decisão recorrida se baseia é a circunstância de o Tribunal só poder conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o indeferimento ou o aperfeiçoamento se apreciadas até ao primeiro ato da transmissão do bem penhorado, conforme dispõe o artigo 734.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
4º - Ora, tendo o processo tramitado com a falta de um pressuposto legal, o PERSI, condição de procedibilidade e de legalidade da instância, o decurso do tempo não apaga essa ilegalidade, havendo, outrossim, base legal para o conhecimento “ex officio” dessa improcedibilidade, que é o disposto no artigo 572.º, n.º 2, “in fine”, do Código de Processo Civil.
5º - Mostram-se violados, nomeadamente, os artigos 18.º do DL 227/2012, de 25 de Outubro o artigo 573.º, n.º 2, “in fine”.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento que se pede, deve proferir-se douto acórdão que anule a decisão recorrida e que a substitua por outra declarando procedente o pedido dos ora recorrentes, devendo, consequentemente, ser extinta a execução em causa nos presentes autos, com todas as legais consequências, com o que se fará Boa Justiça.»

I.3.
A apelada apresentou resposta às alegações de recurso que culminam com a seguintes conclusões:
«A. Os Recorrentes interpuseram recurso do douto despacho de 28/10/2021 que indeferiu o incidente de 05/08/2021 para verificação da “omissão da implementação do PERSI, por parte da entidade bancária exequente”.
B. O objeto do presente recurso concerne com a questão de saber se poderia o tribunal a quo conhecer, realizada que está a venda judicial do imóvel nomeado à penhora nos autos, da alegada exceção dilatória de não integração dos Recorrentes no PERSI.
C. Questão que merece resposta manifestamente negativa, nesta sede.
D. Propugnam os Recorrentes, que “entendemos que o PERSI, instrumento jurídico-financeiro criado pelo DL 227/2012, de 25-10, vigente no ordenamento jurídico português, como pressuposto processual, condição de procedibilidade, não está sujeito à preclusão decorrente do decurso do prazo para deduzir embargos de executado, como resulta da ressalva prevista no artigo 573.º, n.º 2, in fine, do CPC , com as devidas adaptações ex vi do artigo 551.º, n.º 1, ambos do CPC. Trata-se, na verdade, de uma ilegalidade que, enquanto não for removida, fere de morte a instância, que o decurso do tempo, por si, jamais sana.”
E. No entanto, não lhes assiste qualquer razão, nem poderá proceder a tese dos Recorrentes.
F. Efetivamente, o que está demonstrado nos autos a que estes são apensos é a seguinte: tendo sido executada dívida com garantia real, foi realizada a penhora do imóvel indicado no requerimento inicial executivo e procedeu-se à promoção de venda do correspondente imóvel.
G. O imóvel indicado à penhora no requerimento inicial executivo foi sido adjudicado a terceiro adquirente, pelo valor de € 55.000,00 – cfr. decisão do Sr. Agente de Execução de 07/10/2019 –, tendo sido depositado o preço oferecido e registada a aquisição a favor de (…) – Compra e Venda de Propriedades, Lda., terceiro adquirente nos autos (registado pela AP. …, de 2020/02/14).
H. Tal é o que se afere da factualidade assente nos autos e que os Recorrentes não colocam em crise.
I. Em 05/08/2021 – volvidos cerca de dois anos desde a decisão de venda a terceiro adquirente do imóvel penhorado nos autos – procedem os Recorrentes / Executados à alegação de que o Exequente não deu cumprimento ao PERSI, arguindo a nulidade do processado e as demais consequências, designadamente, a extinção da execução, com fundamento numa exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso, que substancia no suposto incumprimento de uma norma imperativa.
J. Ora, dispõe o artigo 734.º do Código Civil, no seu n.º 1, que “O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
K. Como tal, no caso sub judice está vedado, já o conhecimento da questão suscitada pelos Recorrentes, desde logo porquanto está manifestamente ultrapassado o limite traçado pelo legislador: o primeiro ato de transmissão dos bens penhorados.
L. Deste modo, afigura-se claro que nenhuma razão assiste aos Recorrentes quanto ao expedido nas suas alegações de recurso, pelo que deverá prosseguir a execução a que estes são apensos os seus ulteriores termos.
M. Mantendo-se o douto despacho em crise de 28/10/2021 o qual veio doutamente indeferir a pretensão dos Executados / Recorrentes “em virtude de o requerimento em análise em que os executados pediram que o Tribunal determine a extinção da execução, usando do poder de conhecimento oficioso conferido pelo artigo 734.º ter sido apresentado depois do primeiro ato de transmissão do bem penhorado”.
N. Por tudo, deverá o recurso interposto pelos Recorrentes ser julgado totalmente improcedente.
Nestes termos, e nos que V. Ex.ªs muito doutamente suprirão:
Deve ser negado provimento ao recurso, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA».

I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

II.2.
No caso as questões que cumpre conhecer são as seguintes:
Saber se os executados podiam suscitar a questão da falta de cumprimento do PERSI por parte do exequente depois de decorrido o prazo para a oposição à execução e, em caso negativo, se o tribunal pode conhecer oficiosamente de tal questão quando já se verificou a venda executiva do bem penhorado.
II.3.
FACTOS
A factualidade a ter em consideração consta da decisão sob recurso supra transcrita.
II.4.
Mérito do recurso
Está em causa no presente recurso uma decisão do tribunal de primeira instância que indeferiu um requerimento no qual os executados pediam ao tribunal que declarasse a extinção da instância executiva com fundamento na falta de implementação, por parte da exequente, do PERSI.
O tribunal recorrido decidiu que o direito de os executados invocarem aquele incumprimento já se mostrava precludido porque na oposição à execução aqueles não invocaram aquele fundamento e que o tribunal também não podia conhecer oficiosamente de tal incumprimento porque o limite para o seu conhecimento oficioso é, nos termos do disposto no artigo 734.º do CPC, o primeiro ato de transmissão dos bens penhorado e, in casu, o imóvel penhorado já fora vendido nos autos de execução.
Defendem os apelantes, em síntese, que «tendo o processo sido tramitado com a falta de um pressuposto legal, o PERSI, condição de procedibilidade e delegalidade da instância, o decurso do tempo não apaga essa ilegalidade, havendo, outrossim, base legal para o conhecimento “ex officio” dessa improcedibilidade, que é o disposto no artigo 572.º, n.º 2, “in fine”, do Código de Processo Civil».
Quid juris?
Previamente se dirá que o procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) foi criado pelo D/L n.º 227/2012, de 25-10, diploma que veio consagrar um conjunto de medidas destinadas a promover quer a prevenção do incumprimento por parte dos consumidores das responsabilidades por eles assumidas quer a regularização das situações de incumprimento dos contratos celebrados.
Como se sintetiza no acórdão do STJ de 09.02.2017[1], o legislador do diploma acima referido pretendeu «obviar a que as instituições de crédito, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de “consumidor”, na aceção que lhe é dada pela Lei do Consumidor (Lei n.º 34/96, de 31.07, alterada pelo D/L n.º 67/2003, de 08.04), salvaguardando através dos mecanismos nele criados aposição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente numa época de acentuada crise económica e financeira».
Através do PERSI as instituições bancárias, no cumprimento dos deveres de diligência e lealdade que sobre elas impendem (cfr. artigo 4.º, n.º 1, do D/L n.º 227/2012) e, como assinalámos supra, num quadro de adequada tutela dos interesses dos consumidores em situação de incumprimento, deverão aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor (cfr. artigos 1.º, n.º 1, alínea b), 5.º, n.º 2, 12.º a 21.º).
Sinteticamente, de acordo com regime previsto no pelo D/L n.º 227/2012, o cliente bancário em situação de mora será incluído num PERSI de obrigações decorrentes de contratos de crédito (cfr. artigos 4.º, 5.º, n.º 2, 12.º e 14.º do D/L n.º 227/2012), podendo a regularização da situação de incumprimento passar por várias fases que vão desde uma fase inicial, à fase da avaliação dos motivos da mora e da apresentação de propostas de renegociação das condições do contrato ou de consolidação com outros contratos de crédito; seguidamente, passa-se à fase da negociação entre o cliente bancário e o Banco com vista à obtenção de um acordo de regularização da situação de incumprimento (cfr. artigos 14.º a 16.º); caso o PERSI não termine com um acordo das partes, o cliente bancário pode solicitar a intervenção do Mediador do Crédito e manter, em determinadas circunstâncias, as garantias de que beneficiou durante o PERSI (cfr. artigo 22.º).
Uma das garantias de que o cliente bancário/consumidor beneficia durante o período compreendido entre a data da sua integração no PERSI e a extinção deste procedimento (cujas causas estão previstas no art. 17.º) é, justamente, o facto de o Banco credor estar impedido de intentar ações judiciais para obter a satisfação do seu crédito (artigo 18.º, n.º 1, alínea b)).
Da conjugação do artigo 18.º, n.º 1, alínea b) com o disposto no artigo 14.º, n.º 1, que prescreve a obrigatoriedade de integração do cliente bancário no PERSI quando verificados os pressupostos para tal efeito, resulta que o cumprimento da obrigação de integração do cliente bancário no PERSI – obrigação que pressupõe, naturalmente, a reunião dos pressupostos para tal desiderato – constitui uma condição de ação, isto é, uma condição de que depende o exercício da função jurisdicional, o conhecimento do mérito da causa ou da resolução da causa.
Tratando-se de uma ação executiva – como é o caso – o cumprimento daquela obrigação – que emana de normas imperativas – constitui uma condição necessária para que o credor da obrigação insatisfeita possa obter o cumprimento da mesma.
A lei processual refere-se às “condições de ação” sob a forma negativa, sob a designação de exceções dilatórias, as quais obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal – cfr. artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Em face do disposto no artigo 578.º do CPC o tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º. Ou seja, o conhecimento oficioso das exceções dilatórias, nominadas ou inominadas, só tem as exceções indicadas naquele preceito legal. Logo, a falta de cumprimento da obrigação de integração do devedor mutuário no PERSI, quando essa integração deva ocorrer, constitui uma exceção dilatória (inominada) de conhecimento oficioso.
No Ac. STJ de 19.05.2020, processo n.º 6023/15.8T8OER-A.LI.SI, consultável em www.dgsi.pt., escreveu-se que «a demonstração de que a entidade financeira/exequente integrou o consumidor/executado no PERSI ou lhe proporcionou a oportunidade para tal, nos termos dos artigos 12.º e seguintes do D/L n.º 227/2012, constitui um pressuposto específico da ação executiva para pagamento de quantia certa (quando a obrigação exequenda respeita a financiamento de uma entidade financeira a um consumidor) equiparável à existência do título executivo, cuja ausência constitui uma exceção dilatória inominada (dado o caráter não taxativo do artigo 577.º do CPC), de conhecimento oficioso (como se extrai da regra estabelecida no artigo 578.º), que nos termos do artigo 576.º, n.º 2, e artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC determina a absolvição da instância executiva» (itálicos nossos). E, mais recentemente, no Ac. STJ de 09.12.2021, processo n.º 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, também consultável em www.dgsi.pt., se afirmou que «sendo obrigatória a integração do devedor no PERSI, a sua omissão implica a ocorrência de uma exceção dilatória inominada que conduzirá à absolvição da instância executiva, como pacificamente se vem decidindo».
Em síntese, a falta de integração do cliente no PERSI, quando estão verificados os legais pressupostos para tal desiderato, constitui uma falta de condição de ação, logo, uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso.
E é uma exceção insanável na medida em que a sua falta não pode ser suprida na pendência da ação[2], pois constitui uma condição de admissibilidade da ação, seja ela declarativa ou executiva.
Aqui chegados, cumpre avançar para a resposta à primeira questão suscitada no recurso sub judicie: a (eventual) falta de cumprimento, por banda do credor exequente, da obrigação de integração dos executados no PERSI, quando verificados os pressupostos para tal desiderato, é questão que pode ser suscitada pelos executados depois de decorrido o prazo para a dedução de oposição à execução e ainda que nesta última os embargantes não a hajam suscitado? Ou, pelo contrário, há-de entender-se que aquele direito dos executados precludiu?
Em face do disposto no artigo 573.º, n.º 1, do CPC toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado. Trata-se da consagração do princípio de concentração temporal da defesa do réu à pretensão do autor. Aquele tem, por conseguinte, o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer exceção dilatória ou perentória (com exceção das que forem supervenientes) e deduzir as exceções que não sejam de conhecimento oficioso, sob pena de precludir a possibilidade de o fazer.
Todavia, logo o n.º 2 do mesmo artigo consagra exceções àquele princípio de concentração da defesa: é o caso da alegação de factos novos (modificativos ou extintivos do direito que o autor pretende fazer valer) que poderiam dar lugar à apresentação de articulado superveniente nos termos do disposto no artigo 588.º do CPC, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, e é também o caso das exceções que o tribunal deva conhecer oficiosamente.
Sendo a inobservância da obrigação de integração dos devedores no PERSI uma exceção – inominada – de conhecimento oficioso, cabe, portanto, no âmbito do artigo 573.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo que os executados podiam invocá-la (ou melhor, alegar os factos que integram tal exceções) perante o tribunal recorrido, como o fizeram, já depois de decorrido o prazo para deduzirem oposição à execução[3].
E o tribunal podia conhecer, naquele momento, a exceção invocada, mais concretamente, os factos constitutivos daquela exceção.
Não é controvertido que no momento em que os executados invocaram aquela exceção, o imóvel penhorado nos autos já havia sido objeto de venda executiva.
Nos termos do artigo 734.º, n.º 1, do CPC, no âmbito do processo executivo, o juiz só pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados. Ou seja, com o primeiro ato de transmissão preclude a possibilidade de apreciação oficiosa, no processo executivo, dos pressupostos processuais previstos no artigo 726.º do CPC e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda.
Como supra assinalámos, a falta de cumprimento da obrigação de integração do devedor mutuário no PERSI constitui uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso (cfr. artigo 726.º, n.º 2, alínea b), do CPC).
A exceção em causa foi suscitada pelos executados, no próprio processo executivo, já depois de ocorrida a venda executiva do bem penhorado.
Pelo que, em face do exposto, não merece censura a decisão do juiz a quo de indeferimento do requerimento de extinção da instância com o fundamento a que vimos aludindo porquanto o bem penhorado nos autos já havia sido objeto de venda executiva.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário: (…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas de parte pelos recorrentes na presente instância recursiva, nos termos dos artigos 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do CPC).
Notifique.
DN.

Évora, 9 de junho de 2022
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
José António Moita (1.º Ajunto)
Mata Ribeiro (2.º Adjunto)


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[1] Consultável em www.dgsi.pt
[2] No mesmo sentido, entre outros, Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1,S1, Ac. RL de processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6., relator Adeodato Brotas, Ac. RL de 13.10.2020, processo n.º 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, relator Maria Conceição Saavedra, Ac. RG de 10.02.2002, processo n.º 5978/19.8T8VNF-A.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido vejam-se Acórdãos da RE de 28.06.2018, processo n.º 2791/17.0T8STB-C.E1, relator Mata Ribeiro, e de 11.02.2021, processo n.º 4637/16.8T8ENT-D.E1, ambos consultáveis em www.dgsi.pt.