Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2188/18.5T8SLVA-A.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
DOCUMENTO AUTENTICADO
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
ACTO INÚTIL
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Constitui título executivo o documento particular autenticado que importe a constituição ou o reconhecimento de qualquer obrigação.
2. A autenticação de documentos particulares pode ser realizada por advogado no âmbito do exercício das sua profissão, devendo constar do termo de autenticação, mormente a declaração da parte de que já leu o documento ou está perfeitamente inteirada do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, observando-se, ainda, com as devidas adaptações, as formalidades comuns dos instrumentos notariais previstas nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º do Código do Notariado.
3. Se o título executivo for um documento particular autenticado onde é reconhecida unilateralmente uma dívida, ainda que a mesma tenha como causa um contrato bilateral onde se discute o cumprimento parcial ou defeituoso do contrato, a exceção de não cumprimento desse contrato bilateral não constituiu fundamento para dedução de embargos de executado na execução titulada pelo referido documento particular autenticado.
4. A finalidade pressuposta nos artigos 662.º e 640.º do CPC ao conferirem à 2.ª instância poderes de sindicabilidade da decisão de facto saída do julgamento realizado no tribunal a quo, em ordem à formação de uma convicção própria, tem como finalidade última aferir se determinados factos relevantes para a decisão a proferir foram, ou não, corretamente julgados.
5. Se essa finalidade não se verifica no caso concreto, a apreciação da impugnação sobre a decisão de facto é um ato inútil, logo proibido (artigo 130.º do CPC), tanto mais que tal ato violaria os princípios da utilidade, economia e celeridade processual, não estando, consequentemente, o tribunal ad quem obrigado a apreciar tal impugnação (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Na execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, intentada por REGULCONCRETE, CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A. contra SUMMERSURPRISE UNIPESSOAL, LDA. e AA, para cobrança coerciva da quantia de €138.520,04, tendo sido apresentado como título executivo um documento particular autenticado denominado Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento com Prestação de Aval, vieram os executados deduzir embargos pedindo que:
a) Sejam julgadas procedentes as exceções invocadas nos artigos 1.º a 177.º da petição inicial, absolvidos os embargantes do pedido e extinta a instância executiva; ou, se assim não se entender,
b) Seja a oposição julgada provada e procedente, com as legais consequências.

Foi apresentada contestação na qual a embargada defendeu a improcedência dos embargos.
Em 17-02-2022, foi proferida sentença que julgou:
a) Procedente a oposição em relação ao embargante AA e, consequentemente, declarou extinta a execução quanto ao mesmo;
b) Determinou a redução da cláusula penal para €8.000,00 e, consequentemente, reduziu a quantia exequenda para €96.520,04.

Inconformada, apelou a executada/embargante SUMMERSURPRISE UNIPESSOAL, LDA. pugnando pela revogação da sentença na parte em que é impugnada, apresentado as seguintes CONCLUSÕES:
1.ª No caso sub judice, verifica-se que o título exequendo ora em análise – documento particular de reconhecimento de dívida supostamente autenticado – não obedeceu as requisitos legais exigíveis, limitando-se a estar reconhecido mediante uma simples reprodução mecânica do registo na Ordem dos Advogados, na qual se atesta simplesmente “Declaração de dívida e plano de pagamento com prestação de aval pessoal na quantia de €578.691,60 (…) à sociedade Regulconcrete – Construção Civil e Obras Públicas, S.A., referente à execução do contrato de empreitada n.º 68-2017 (…)” sem qualquer identificação precisa das partes, estado, residência ou sequer qualquer intervenção dos devedores e/ou assinatura das partes outorgantes e assinatura do funcionário advogado que procedeu à suposta autenticação, inexistindo ainda qualquer declaração de que as partes leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade, pelo que o mesmo é nulo por vício de forma (v. art. 220º do C. Civil; cfr. arts. 46º e 151º do código do Notariado) (v. Doc. 1 – título Executivo, junto com o Requerimento Executivo) – cfr. Texto nº 1;
2.ª No âmbito a ação executiva, “o documento particular apenas poderá ser considerado autenticado se o seu teor tiver sido confirmado pelas partes perante o certificante (o notário, a câmara de comércio e indústria, o conservador, o oficial de registo, o advogado ou o solicitador), nos termos prescritos nas leis notariais, que, impõem, para além do mais, a necessidade de, no termo, constar as assinaturas dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento, sob pena do acto notarial ser nulo, por vício de forma.” (v. Ac. RG de 2020.12.17, Proc. 2580/20.5T8GMR.G1, www.dgsi.pt; cfr. exatamente no mesmo sentido Ac. RC de 2020.01.21, Proc. 4388/18.9T8VIS-A.C1, www.dgsi.pt; cfr. arts. 35, 36º, 46º, 150º e 151º do Código do Notariado e arts. 1º e 3º da Portaria 657-B/2006), o que não se verificou in casu com o título exequendo que é assim nulo e inválido por inobservância dos respetivos requisitos legais – cfr. Texto nº 1;
3.ª In casu, “não existindo título ou sendo este insuficiente impunha-se o indeferimento liminar do requerimento executivo, com fundamento na alínea a) do artº 726 nº2 C.P.C., pelo que se, por qualquer razão, o julgador se não aperceber da falta deste pressuposto específico da execução, nada obsta a que venha posteriormente a apreciar esta questão, pois que se trata de questão de conhecimento oficioso, cuja apreciação sempre se imporia ao tribunal. Quer isto dizer que, ainda que não invocada tal questão em sede de embargos de executado, o princípio da concentração da defesa e da preclusão de meios de defesa não se aplica quando sejam invocadas questões que já eram de conhecimento oficioso, ou seja, aquelas questões que não estão na livre disponibilidade das partes.” (v. Ac. RC de 2016.04.28, Proc. 7262-13.1TBOER.L1-6, www.dgsi.pt; cfr. Acs. RL de 2015.03.12, Proc. 28802/09.5T2SNT.L1-2, www.dgsi.pt; cfr. arts. 703º, 707º e 726º do CPC) – cfr. Texto nº 1;
4.ª O título exequendo ora em análise – documento particular de reconhecimento de dívida autenticado – não obedeceu as requisitos legais exigíveis, pelo que o mesmo não pode servir de base à ação executiva, sendo certo, a sua nulidade e invalidade era de conhecimento oficioso e a ora Recorrente está ainda em tempo para invocar e pedir a apreciação do mesmo em sede recursória pois “a inexistência de título executivo pode ser invocada pelo executado, pela primeira vez, em sede de recurso interposto contra a decisão que julgou improcedentes os embargos opostos à execução, no caso de, em tal momento, ainda não ter havido transmissão dos bens penhorados.” (v. Ac. RC de 2022.01.18, Proc. 1238/20.0T8ANS-A.C1, www.dgsi.pt; cfr. cfr. art. 220º do C. Civil, arts. 35º, 36º, 46º, 150º e 151º do Código do Notariado e arts. 703º, 707º e 726º do CPC) – cfr. Texto nº 1;
5.ª Os factos alegados e constantes dos arts. 2º a 7º, 27º a 39º, 44º, 45º, 47º a 55º, 59º a 65º, 70º a 78º, 84º a 86º, 88º, 90º, 94º a 100º, 103º a 109º, 117º (última denúncia dos defeitos) e 128º da Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 não podem deixar de integrar e ampliar a matéria de Facto Assente/Fatos Provados, pois são principais e absolutamente relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito que deva considerar-se controvertida, maxime relativas à exceção de não cumprimento alegada pela ora Recorrente (v. art. 596º do CPC; cfr. Ac. do STJ de 2012.12.18, Proc. 1345/10.7TVLSB.L1.S1 www.dgsi.pt), pois:
- Por um lado, resultam de acordo e admissão da Embargada (v. Contestação de 2019.06.17, arts. 41º e 54º - Ref. Citius 1544494); e,
- Por outro, resultam dos documentos apresentados e analisados em julgamento – emails e fotografias – que foram expressamente admitidos, aceites e não impugnados pela Recorrida [v. Contestação da Embargada de 2019.06.17, arts. 43º e 57º (Ref. Citius 1544494); cfr. Docs. 2 a 30 juntos com a Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 (Ref. Citius 1496660); Docs. 1 a 42 (fotografias) juntos com o Requerimento de 2020.02.05 e seguintes, utilizadas inclusive pelos Srs. Peritos (Ref. Citius 1701374); cfr. arts. 574º e 567º do CPC; cfr. arts. 356º/1, 358º/1, 360º, 368º, 374º e 376º do C. Civil] – cfr. Texto nº 2;
6.ª Face aos elementos documentais e periciais juntos aos autos, bem como aos Esclarecimentos dos Srs. Peritos e à prova testemunhal e declarações de parte produzida em audiência de discussão e julgamento pela Embargante Recorrente, e segundo também as várias soluções plausíveis de direito, deve também ser dada como provada e integrar e ampliar a matéria de Facto Assente/Fatos Provados, a matéria de facto alegada pela Recorrente e constante dos:
- artigos 123º, 125º a 127º, 129º e 130º a 138º da Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 (Ref. Citius 1496660); e
- a matéria de facto constante do artigo 122º da Petição de Embargos de Executado em causa, com as alterações resultantes das respostas maioritária dos Srs. Peritos do Tribunal e da ora Recorrente ao quesito 10º do Relatório Pericial junto em 2021.07.08 (Ref. Citius 2013294), na qual determinaram um valor de € 212.100€+IVA para reparação dos vícios e defeitos dados como provados “tendo por base preços de mercado ajustados à localização e tipo de trabalhos a executar” – cfr. Texto nº 2;
7.ª A matéria de facto em causa constante dos referidos artigos 123º, 125º a 127º, 129º e 130º a 138º da Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 (Ref. Citius 1496660) foi amplamente instruída durante os autos, analisada e discutida em sede de audiência de julgamento (v. art. 662º do CPC), devendo ser dada como provada, máxime, face aos elementos documentais e periciais juntos aos autos – v. Docs. 8 a 30 da Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 (Ref. Citius 1496660), Docs. 1 a 42 juntos com os Requerimentos de 2020.02.05 e seguintes (Ref. Citius 1701374) e Relatório Pericial junto em 2021.07.08 (Ref. Citius 2013294) –, bem como aos esclarecimentos dos Srs. Peritos e aos depoimentos das seguintes testemunhas e declarações de Parte:
- Esclarecimentos dos Srs. Peritos Engs. BB, CC e DD, peritos do Tribunal e da Recorrente, registado no CD Áudio de Registo, em 2022.01.13, das 11h20 às 12h47m, com a duração de 1h27m49seg. (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 2022.01.13 – em concreto, passagem da gravação desde 1h08min49seg. a 1h10m20seg. e passagem da gravação desde 1h19m40seg. a 1h24m55seg.);
- EE, responsável pela gestão do empreendimento em causa nos autos, testemunha indicada pela Recorrente registado no CD Áudio de Registo, em 2022.02.16, das 14h24m às 15h46m, com a duração de 1h20m20seg. (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 2022.02.16 – em concreto, passagens da gravação desde 1h11m12seg. a 1h19m43seg.);
- FF, rececionista e sub-responsável pela gerência do empreendimento em causa nos autos, testemunha indicada pela Recorrente, registado no CD Áudio de Registo, em 2022.02.16, das 15h47m às 16h15m, com a duração de 00h28m53seg. (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 2022.02.16 – em concreto, passagem da gravação desde 00h07m28seg. a 00h28m53seg.); e
- AA, Parte e Gerente da ora Recorrida, registado no CD Áudio de Registo, em 2022.02.25, das 15h15m às 17h10m, com a duração de 01h56m45seg. (cfr. Ata de audiência de discussão e julgamento de 2022.02.16) – cfr. Texto nº 2;
8.ª Face à insuficiência relativa à matéria de facto, “a anulação da decisão da 1ª instância, com fundamento na ampliação da matéria de facto, só deve ocorrer se a Relação se deparar com uma falta objectiva de factos que sejam relevantes para a decisão de direito, revelando-se a ampliação indispensável”, o que não sucede in casu face a todos os elementos probatórios produzidos e existentes nos autos, devendo, por isso, ser ampliada a matéria de facto nos termos peticionados no presente recurso (v. Ac. RG de 2012.06.21. Proc. 61/08.4TBPTB.G1, www.dgsi.pt; cfr. art. 662º e segs. do CPC) – cfr. Texto nº 2;
9.ª A ora Recorrente Executada, no caso ora em análise, “não sendo o título executivo uma sentença (…) esta(va) perante o requerimento executivo do Exequente na mesma posição em que estaria perante a petição inicial da correspondente ação declarativa (…) pode(endo) alegar em oposição à execução todo o que poderia alegar na contestação àquela acção (…) não só matéria de impugnação como de exceção” (v. Fernando Amâncio Ferreira, 2010, 13ª ed., Curso de Processo de Execução, Almedina, p.p. 181-182), maxime “o caso em que o direito de crédito é paralisável pela exceção de não cumprimento, ao qual a lei processual dá o mesmo tratamento da falta de pressuposto” (v. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª ed., Coimbra Editora, p.p. 195, nota 7) – cfr. Texto nº 3;
10.ª A ora Recorrente, face aos vários defeitos e vícios do empreendimento amplamente provados nos autos, respetivos prazos de garantia, denúncias efetuadas e às subsequentes intervenções ativas mas infrutíferas do empreiteiro que duraram até Abril de 2018 (v. art. 109 da Petição de Embargos de Executado de 2019.04.01 - Ref. Citius 1496660), alegou em várias comunicações dirigidos à Recorrida, posteriormente (v. Docs. 22 a 28 e arts. 103º a 109º e da Petição de Embargos) e nos presentes autos (v. arts. 143º a 161º da Petição de Embargos) a exceção de não cumprimento e inexigibilidade da prestação, dos juros e cláusula penal exequendos, como causa impeditiva e inexigibilidade dos pretensos créditos exequendos, a qual deveria ter sido analisada e julgada procedente por este douto Tribunal, ex vi dos arts. 428º, 798º, 1208º, 1209º, 1220º, 1222º, 1223º, 1224º, 1225º, do C. Civil e 550º, 579º, 724º, 725º, 729º e 731º do CPC;
11.ª Na verdade, ao contrário do sufragado na sentença recorrida quanto à causa de pedir e à impossibilidade de alegação da referida exceção de não cumprimento, “Os fundamentos de oposição à execução (art.731º CPC) não estão subordinados a nenhuma hierarquia, nem a lei impede a sua cumulação, porque são todos os que possam ser invocados na defesa (sistema não restritivo), não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito).” (v. Ac. RC de 2020.03.03, Proc. 289/19.18SRE-A.C1, www.dgsi.pt) – cfr. Texto nº 3;
12.ª A ora Recorrente podia e pode invocar em sede de oposição à execução a exceção de não cumprimento e inexigibilidade da Prestação e dos Juros, tal como sucedeu (v. arts. 103º a 109º e Docs. 22 a 28 e arts. 143º a 161º da Petição de Embargos de 2019.04.01 – Ref. Citius 1496660), pelo que o Tribunal a quo não podia ter deixado de apreciado e decidido a referida questão jurídica (v. arts. 731º do CPC) – cfr. Texto nº 3;
13.ª No caso sub judice, a Recorrente, face à matéria de facto assente e provada na sentença recorrida e à matéria de facto identificada supra no ponto 2 destas alegações e que deverá ser dada como provada, ampliando os factos assentes, em consequência dos atos e omissões da Recorrida, teve e tem assim vários danos e prejuízos, relativos a:
- Problemas, anomalias, vícios e defeitos existentes no “Pé no Monte” que inclusive impedem a cabal exploração do mesmo, cujo valor de reparação e/ou substituição se computam no valor de, pelo menos, € 212.100€+IVA;
- Danos relativos a lucros cessantes resultantes e perda de margem de comercialização e exploração, no valor de, pelo menos, € 141.565,90;
- Danos colaterais relativos à perda de clientela e afetação da marca e nome do “Pé no Monte”, no valor de, pelo menos, € 50.000,00;
- Danos futuros relativos à impossibilidade de aluguer do Quarto 6 e Apartamento Inicial 7 durante os períodos elencados no presente articulado, cujo montante não é possível, neste momento, determinar e que deverão por isso ser liquidados ulteriormente; e
- Danos futuros relativos à impossibilidade de exploração cabal do seu estabelecimento relativamente ao quarto 6 e Apartamento inicial 7, cujo montante não é possível, neste momento, determinar e que deverão por isso ser liquidados ulteriormente – cfr. Texto nº 3;
14.ª No âmbito dos contratos de empreitada, “Se o empreiteiro realizou trabalhos de reparação de uma obra, que não foram dados por concluídos, tal equivale a reconhecer os defeitos da construção, reconhecimento esse que além de equivaler à denúncia dos defeitos – art. 1220.º, n.º 2, do CC –, tem o efeito impeditivo do decurso de um prazo de caducidade para a instauração da acção destinada à eliminação dos defeitos” pelo que “a partir desse reconhecimento dos defeitos não corre um novo prazo de caducidade, antes o prazo ordinário de prescrição de 20 anos a que alude o art. 309.º do CC.” (v. Ac. STJ de 2015.07.09, Proc. 3137/09.7TBCSC.L1.S1, www.dgsi.pt);
15.ª A Recorrida, de acordo com a matéria de facto provada e matéria que deverá ser dada como provada e descrita supra no ponto 2 destas alegações, reconheceu expressamente e ativamente os referidos vícios e defeitos, pelo que está assim obrigada e em mora quanto à sua eliminação, correção e reparação, bem como obrigado a reparar Recorrida por todos os prejuízos, danos emergentes e lucros cessantes suportados em consequência dos defeitos e vícios em causa (v. arts. 1223º e seguintes e 562º e segs. do C. Civil) – cfr. Texto nº 3;
16.ª A Recorrente, tanto perante as moras e incumprimentos contratuais da Recorrida durante a execução do contrato de empreitada, como pelas despesas, prejuízos, danos e lucros cessantes suportados, alegou extrajudicialmente e judicialmente e tem assim direito a invocar a “exceptio non adimpleti contractus”, recusando legitimamente o pagamento dos montantes reclamados nos autos enquanto não forem os mesmos corrigidos e ressarcida, ex vi dos arts. 428º e 798º do C. Civil, tal como invocado na sua Petição de embargos de 2019.04.01 (v. Docs. 5 a 30 e arts. 103º a 109º e arts. 143º a 161º da Petição de Embargos de 2019.04.01 – Ref. Citius 1496660) – cfr. Texto nº 3;
17.ª A exceção de não cumprimento ora invocada constitui causa impeditiva do pretenso direito ao pagamento dos montantes reclamados em causa, cláusula penal e juros correspondentes invocados no requerimento executivo, pelo que os títulos/confissão de dívida alegados e juros exequendos são assim inexigíveis e a Recorrente deve ser absolvida do respetivo pedido exequendo, ex vi dos arts. 550º, 579º, 724º, 725º e 729º do CPC (cfr. arts. 428º e 798º e seguintes do C. Civil) – cfr. Texto nº 3;
18.ª A douta sentença recorrida enferma de erros de julgamento de facto e de direito, maxime, na parte em que concluiu pela admissibilidade do título executivo e improcedência da exceção de não cumprimento e inexigibilidade das prestação, juros e cláusula moratória, ex vi dos arts. arts. 220º, 309º, 356º, 358º, 360º, 368º, 374º, 376º, 389º, 428º, 592º, 798º, 1208º, 1209º, 1220º a 1225º do C. Civil, arts. 35º, 36º, 46º, 150º e 151º do Código do Notariado e arts. 550º, 579º, 596º, 662º, 703º, 707º, 724º, 725º, 726º, 729º e 731º do CPC, pelo que a ora Recorrente RR. devem ser absolvidos do pedido, ex vi dos arts. 550º, 579º, 724º, 725º e 729º do CPC.

A recorrida REGULCONCRETE – CONSTRUÇÃO CIVIL E OBRAS PÚBLICAS, S.A. apresentou resposta ao recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A) A Recorrente reconhece o conteúdo do título executivo apresentado, designadamente os seus intervenientes, objecto e valor.
B) Discutindo apenas a sua inexigibilidade por verificação de cumprimento deficiente da embargada.
C) Destarte, mesmo que ocorresse o invocado vício de forma que invoca, que não se aceita, sempre a Recorrente teria que cumprir com a prestação a que está obrigada, cfr. artº 289º Código Civil.
D) Subsistindo a validade da declaração que não for afectada por tal vício de forma, cfr. artº 292º Código Civil.
E) De outra forma, a Recorrente obtém uma vantagem por via meramente formal e contrária às declarações que prestou e que reconhece como verdadeiras, o que sempre reconduziria a um abuso de direito, cfr. artº 334º Código Civil.
F) A Recorrente não aponta contradições concretas que imponham uma censura à convicção formada pelo Tribunal “a quo”.
G) Os factos que a Recorrente pretende ver afirmados são irrelevantes para a acção executiva.
H) Tendo o Tribunal “a quo” fixado a matéria de facto que, de forma coerente e fundamentada, entendeu serem os adequados para a decisão que tomou.
I) A Recorrente não contraria as declarações constantes do título executivo, em especial não nega a existência da obrigação de pagamento que nele consta.
J) A dimensão declarativa da oposição à execução através de embargos tem o propósito de obter a declaração de inexistência da obrigação, no caso do direito de crédito da Recorrida.
K) Pelo que, a discussão pretendida pela Recorrente, necessariamente, tem que ser discutida em acção declarativa, que aliás, está suspensa a aguardar o transito em julgado dos presente Embargos, sob o Proc. nº 971/19.3T8PTM, no 3º Juízo Cível de Portimão do Tribunal da Comarca de Faro.
L) Efetivamente, procedendo as Alegações da Recorrente seriam declarados os defeitos a que insistentemente se refere e a Recorrida, obrigada, ou melhor, condenada à sua eliminação, correcção, reparação, bem como a reparar prejuízos, danos emergentes e lucros cessantes, como afirma no ponto 15 das suas conclusões.
M) Tal conclusão não tem qualquer sentido ou fundamento legal o que determina a improcedência do recurso apresentado.
N) Sobre juros e cláusula penal, a Recorrente não apresenta alegações concretas que mereçam resposta.
O) Em consequência, deve ser julgado improcedente o recurso apresentado.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar:
- Nulidade do título executivo
- Exceção de não cumprimento
- Impugnação da decisão e facto
- Do mérito do julgado

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
Factos Provados:
«1. A embargada moveu a execução para pagamento de quantia certa a que os presentes autos se encontram anexos para cobrança da quantia de €138.520,04;
2. Como título executivo apresentou um documento particular autenticado denominado Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento com Prestação de Aval;
3. Nesse documento a embargante confessa-se devedora à embargada da quantia de € €578.691,60;
4. Mais se previu ”que o montante em dívida encontra-se vencido, é certo, líquido e exigível, e será pago à sociedade Credora no prazo máximo de cento e vinte dias, após a data da assinatura da presente Declaração de Reconhecimento de Dívida, por meio de cheque ou por transferência Bancária para conta a indicar pela sociedade Credora.
Que a sociedade Devedora se compromete a efectuar o pagamento em prestações de capital, no valor mínimo mensal de 144.672, 90€ (cento e quarenta e quatro mil, seiscentos e setenta e dois euros e noventa cêntimos).
Que ao montante de capital em dívida referido supra, acrescem juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa de 4% (quatro por cento) ao ano, a contar do dia 31 de Agosto de 2017.
Que a sociedade Devedora se compromete a liquidar o valor dos juros de mora vincendos juntamente com a última prestação correspondente ao mês de Novembro de 2017.
Mais declara, que a falta de pagamento de uma prestação implica o vencimento imediato de todas as prestações, podendo a sociedade Credora exigi-la imediata e definitivamente, acrescida dos respetivos juros de mora à taxa legal.
Que o não cumprimento do presente acordo de forma pontual e tempestiva implica o pagamento da quantia de 50.000€ (cinquenta mil euros) a título de cláusula penal, conforme Doc.1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais”;
5. O embargante constitui-se avalista até ao montante de €578.691,70;
6. Encontra-se em dívida o valor de €74.999,94;
7. A sociedade embargante e a embargada celebraram um contrato com vista à construção e reconstrução, designadamente, de uma casa do proprietário tipo T3, um salão de entrada e de convívio, 6 quartos, um apartamento inicial (7), uma sala de hóspedes principal, uma zona verde exterior para o convício, uma piscina ao ar livre e demais serviços e atividades de laser e hospedagem conexas a terceiros e/ou turistas, mediante o pagamento de determinada quantia diária (1ª Fase) no prédio sito no Monte Novo Da Cruz, freguesia de São Teotónio, concelho de Odemira,
8. Em 2014.08.15, a embargada concluiu a globalidade das obras e trabalhos de construção acordadas com a sociedade embargante relativas à 1ª Fase do “Pé no Monte”;
9. Em finais de 2016 a sociedade embargante decidiu avançar com a ampliação do referido empreendimento de turismo rural, designadamente, mediante a construção da 2ª Fase com novos apartamentos (Apartamentos 8 a 18), zona verde exterior para o convício e demais atividades de lazer dos seus hospedes, restaurante (com serviço de pequeno-almoço, lanches, almoço e jantares) uma segunda piscina ao ar livre e demais serviços e atividades conexas a terceiros e/ou turistas, mediante o pagamento de determinada quantia diária;
10. Para o efeito celebrou novo contrato com a embargada;
11. Em 2017.07.15 a embargada concluiu a globalidade das obras e trabalhos de construção acordadas com a sociedade embargante relativas à 2ª Fase do referido “Pé no Monte”;
12. A partir de finais de 2014 verificou-se que o Pé no Monte apresentava os seguintes problemas:
a) Problemas e Infiltrações de águas no Pátio e Laje / Cobertura da Sala de Jogos (sala polivalente), Teto do Bar, junta de dilatação e Quartos 1 a 6 da Fase 1, designadamente:
- Existência de várias fissuras no betão do pátio, bancos, muros superiores (por cima dos quartos) e laje de cobertura;
- Sala de jogos (polivalente), zona do bar, corredor de acesso aos quartos, junta de dilatação e os 6 quartos inferiores, que se situavam por debaixo do referido pátio e laje de cobertura, com infiltrações de água, nos respetivos tetos e paredes;
- Alarme de incêndio sempre disparado (face às infiltrações);
- Água a pingar no quarto 6 e sala de jogos (sala polivalente), pelo teto;
- Eletricidade em curto-circuito, com inerentes disparos sucessivos dos disjuntores e detetores de Incêndio avariados, face às infiltrações de água.
b) Problemas relativos a Entrada e Infiltrações de águas na Sala de Hóspedes, designadamente:
- Infiltração de água, com água a escorrer na parede inclinada (assentos atrás da lareira); e
- Entrada de água das chuvas pelas portas de alumínio, com acumulação intensa (poças) no chão da sala de hóspedes.
c) Problemas e Infiltrações de águas no Apartamento Inicial (7), designadamente:
- Infiltrações de água ao nível do chão, teto e das paredes (que ficaram empoladas também na zona do tubo de queda de água que passa interiormente pelas paredes);
- Humidades e bolor nas paredes.
d) Infiltrações nas escadarias exteriores do empreendimento de acesso ao bar, com rachas, fissuras e tinta empolada;
e) Os sistemas de ar condicionado (AVAC´s) da sala de jogos (sala polivalente) avariados e sem funcionar.
13. A embargada realizou várias intervenções, tendo em vista a resolução dos referidos problemas mediante trabalhos de reparação no pátio e laje de cobertura da sala de jogos (sala polivalente), zona do bar e quartos, os quais não ficaram solucionados;
14. A partir de meados de 2017, designadamente após a conclusão da empreitada da Fase 2, o “Pé no Monte” apresentou novos problemas, designadamente:
- Garagem com desnível, escoamento deficiente e com acumulação de águas e poças em dias de chuva ou em casos de limpeza;
- Dreno da Fossa deficiente e com mau funcionamento;
- Tacos deixados indevidamente dentro das janelas de alumínio dos apartamentos;
- Fechaduras das Portas de Correr dos apartamentos partidos e constantemente a partir;
- Torneiras de corte dos WC do Restaurante sem tampas e calcinadas;
- Corte no chão de betão da esplanada junto à piscina feito erradamente e/ou acidentalmente no decurso dos trabalhos da empreitada de 2017;
15. Em 2017.10.18, o restaurante do “Pé no Monte” ficou completamente alagado, com entrada de águas e infiltrações pelas paredes, teto e alumínios dos pilares de madeira do restaurante;
16. Em 2017.12.15, face às infiltrações de água e vícios no Pátio e Lage/Cobertura da Sala de Jogos, Teto do Bar e Quartos 1 a 6 da Fase 1, o teto da zona do bar caiu;
17. Em inícios de 2018, verificou-se um abatimento de terras, desnível do pátio dos Apartamentos e infiltrações de água na zona dos Apartamentos da 2ª Fase (Apartamentos 8 a 18), com as seguintes consequências:
- quebra dos nichos ar-condicionado (AVAC´s);
- quadros elétricos exteriores dos Apartamentos, com inerentes curtos-circuitos, - disparo dos disjuntores elétricos e cortes de eletricidade;
- acumulação de águas na zona e terraços dos Apartamentos, com inerentes entradas de água para o interior destes últimos; e
- abatimento do passadiço de acesso aos apartamentos;
18. Em meados de Fevereiro de 2018, a embargada procedeu à realização de trabalhos de reparação e resolução dos referidos problemas e anomalias, designadamente, ao nível do pátio e laje de cobertura, junta de dilatação da laje, reparação de fissuras nos muros superiores por cima do bar, dos tetos da zona do Bar, com substituição das placas de pladur aí existentes, passadiço dos novos apartamentos da Fase 2 que tinham abatido e realização de trabalhos de nivelamento para escoamento de águas no chão e zona exterior dos referidos apartamentos que tinham sofrido um abatimento e desnível, sendo que se mantinham alguns desses mesmos problemas, aliados a todos os restantes problemas, anomalias, vícios e defeitos, que aquele tinha reconhecido e se comprometido a solucionar que ainda se mantinham;
19. A partir de finais de 2018 o “Pé no Monte” apresentou os seguintes problemas:
a) Infiltração de água e vícios e defeitos no Pátio e Lage / Cobertura da Sala de Jogos, Teto do Bar e Quartos 1 a 6 da Fase 1
- Reaparecimento intenso do problema, com agravamento das infiltrações das zonas anteriormente intervencionadas pela embargada, com novas consequências, designadamente:
- Novas fissuras no betão do Pátio em toda a sua extensão, designadamente, na zona da laje, junta de dilatação, muros superiores, bancos, cobertura dos Quartos 1 a 6 da Fase 1, Bar e sala de jogos (sala polivalente), com possíveis infiltrações;
- Quartos 1 a 6 da Fase 1 com reaparecimento de antigas infiltrações e com novas infiltrações, designadamente, ao nível do teto e paredes, com paredes molhadas, cheiro a mofo, humidade constante quando chove e bolor posterior, com agravamento no Quarto 6 com queda de gotas de água através do detetor de incêndios, detetor este com inerente desativamento.
- Laje de cobertura afetada, com degradação do aço, por oxidação (ferrugem) no mesmo e ferrugem que percorre todo o aço da laje, com afetação do seu comportamento e segurança.
a) Infiltrações de água e vícios e defeitos na Sala de Hóspedes Entrada de águas (em dias de chuva) pela soleira e alumínios das portas de entrada.
Infiltrações e empolamento das paredes e tintas, designadamente:
- Na parede e teto junto à lareira e chaminé;
- Junto aos alumínios e soleiras das janelas e portas de entrada da Sala;
- Na parede das vitrinas das plantas;
- Na parede inclinada da sala e alumínios (assentos atrás da lareira);
- Nas paredes, soleiras e alumínios dos arrumos (parte inferior), em toda a sua extensão;
Chão de madeira (em vinilconfort) do centro da sala a empolar e chão de cimento a estalar em diversos sítios.
Bolor, cheiro a mofo e poças de água na sala em situações de chuva mais intensa.
b) Infiltrações de água e vícios e defeitos no Apartamento Inicial 7
Reaparecimento dos problemas anteriores, com infiltrações de água no chão, teto e paredes (parte superior e inferior das paredes) paredes empoladas e constantes cheiros a mofo e bolor.
Neste caso:
- Paredes, teto e zona da queda do tubo de água (situado na parte interna das paredes) com elevado estado de degradação, com total empolamento da parede e tinta e queda de estuque;
- Chão e paredes inferiores com infiltrações graves, com empolamento de paredes e queda de estuque, com bolor alojado.
- Constante cheiro a humidade, condensação elevada, bolor e cheiro a mofo em dias de chuva contínua.
Infiltrações várias e paredes empoladas junto às janelas e alumínios e soleiras.
c) Infiltrações de água e vícios e defeitos nas escadas exteriores.
Escadas exteriores de acesso ao bar de novo com a tinta lateral empolada e a saltar.
d) Abatimento de Terras, Desnível do pátio dos Apartamentos e Infiltrações de Água na zona dos Apartamentos da 2ª Fase (Apartamentos 8 a 18)
Aumento do desnível do chão com alojamento de água e infiltrações ao nível do chão (com poças muito visíveis e percetíveis), com propagação e infiltração para as portas e paredes de todos os apartamentos, com inerente empolamento da parede e tintas, humidades e queda do estuque na sua parte inferior, e também infiltração de águas para a caixa de ar existente por baixo dos apartamentos.
Para além disso:
- Estrangulamento da cablagem (de cobre dos AVACs), de água e eletricidade);
- Fissuras aparentes nos canos que se situam por debaixo do passadiço; e
- Ruturas aparentes dos nichos dos aparelhos externos dos AVACs e desnível dos mesmos.
f) Infiltrações de água no teto, paredes e alumínios do Restaurante
Infiltrações de água das chuvas na zona das janelas superiores de alumínio e junto aos pilares de madeira existentes no restaurante, com o inerente empolamento das paredes e tintas e queda do estuque, com agravamento, infiltrações em dias de chuva, com elevada degradação das paredes e pinturas aí existentes;
20. Surgiram ainda os seguintes problemas:
a) Tubo de queda de água interior do Apartamento 8
Infiltrações na zona do tubo de queda de água deste apartamento, com empolamento de paredes (que ficam molhadas), tinta e queda de estuque em toda a sua extensão.
Cheira a mofo, com zonas com bolor e elevadas concentrações de humidade e condensação;
b) Os mecanismos e peças dos autoclismos dos WC do restaurante avariados e encravados;
c) Todos os novos Apartamentos da 2ª Fase (8 a 18) com várias infiltrações ao nível inferior das paredes e junto às entradas principais e alumínios, com paredes e tinta empoladas;
d) Deck dos terraços dos novos Quartos da 1ª Fase com pouca margem, com agravamento ao longo do tempo, causando a impossibilidade de abertura das portas de alumínio de acesso aos terraços respetivos;
e) Infiltrações ao nível das janelas, soleiras e alumínios do teto do corredor de acesso aos quartos da Fase 1 (1 a 6), com paredes e estuque a cair;
f) Infiltrações nas soleiras e alumínios das zonas de WC e paredes junto às janelas dos quartos da Fase 1 (1 a 6);
g) Chão dos quartos da Fase 1 (quartos 1 a 6) a empolar e a degradar-se;
h) Rodízios das janelas grandes de entrada dos quartos da Fase 1 (1 a 6) avariados, causando elevada resistência para a sua abertura;
i) Piscina maior da Fase 1 com fissuras e a perder água (vazamento contínuo);
j) Depósito de água com deficiências ao nível da ligação entre os dois depósitos de água, com dificuldade de passagem da água do novo depósito não passa para o primeiro que existia anteriormente;
k) A zona dos Chuveiros dos quartos da 1ª fase (1 a 6) com paredes e chão empoladas e a levantar;
l) Várias infiltrações e Humidades na casa do proprietário, designadamente, ao nível das paredes onde estão instaladas portas e/ou janelas de alumínio e soleiras, com paredes e tintas empoladas.
Claraboia do quarto principal com infiltrações e humidades insuportáveis, com cheiro a mofo e bolor visível constantemente; e
m) Fendas nas paredes exteriores da casa do proprietário e outras paredes do empreendimento.
21. E, na mesma altura, continuava por finalizar a resolução dos seguintes problemas:
- AVAC´s da sala de jogos (sala polivalente) que nunca funcionaram desde o início da obra;
- Dreno da Fossa;
- Pendentes Vários da Garagem incorretas e alojamento de água no interior (poças de água);
- Torneiras de corte dos WC do Restaurante sem tampas e calcinadas;
- Substituição dos tacos que foram deixados dentro das janelas de alumínio dos apartamentos;
- Fechaduras das Portas de Correr dos apartamentos partidos e constantemente a partir;
- Corte no chão de betão da esplanada junto à piscina feito erradamente e/ou acidentalmente no decurso dos trabalhos da empreitada de 2017.

Factos Não Provados:
A) Os embargantes subscreveram e avalizaram a confissão de dívida e aval, única e simplesmente para que os trabalhos da empreitada prosseguissem e tendo em vista a correção dos problemas, anomalias, vícios e defeitos constantes da mesma;
B) Os embargantes não tinham consciência do modo em que poderiam ser acionados em juízo ou sequer que o Executado AA poderia ser acionado ao mesmo tempo que a SUMMERSURPRISE e ficou convencido de que apenas seria responsabilizado caso o património desta não fosse suficiente para a satisfação das eventuais dívidas;
C) O embargante AA não tinha consciência do alcance do aval prestado.

C- De Direito
1. Nulidade do título executivo
Alega a apelante que o título executivo – documento particular de reconhecimento de dívida autenticado – «não obedeceu aos requisitos legais exigíveis, limitando-se a estar reconhecido mediante uma simples reprodução mecânica do registo na Ordem dos Advogados, na qual se atesta simplesmente “Declaração de dívida e plano de pagamento com prestação de aval pessoal na quantia de €578.691,60 (…) à sociedade Regulconcrete – Construção Civil e Obras Públicas, S.A., referente à execução do contrato de empreitada n.º 68-2017 (…)” sem qualquer identificação precisa das partes, estado, residência ou sequer qualquer intervenção dos devedores e/ou assinatura das partes outorgantes e assinatura do funcionário advogado que procedeu à suposta autenticação, inexistindo ainda qualquer declaração de que as partes leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade, pelo que o mesmo é nulo por vício de forma (v. art. 220º do C. Civil; cfr. arts. 46º e 151º do código do Notariado)».
Mais alega que a invalidade é de conhecimento oficioso, pelo que pode tempestivamente ser alegada apenas em sede de recurso, concluindo que a execução deveria ter sido indeferida liminarmente com fundamento na alínea a) do artigo 726.º, n.º 2, do CPC.
Cumpre apreciar.
A arguição da nulidade do título executivo por estar eivado de vício de forma é, efetivamente, de conhecimento oficioso e a todo o tempo (artigos 220.º e 286.º do Código Civil e artigo 608.º, n.º 2, do CPC), pelo que nada obsta à sua apreciação apenas nesta sede recursória, cumprido que se encontra o princípio do contraditório através da resposta às alegações apresentada pela recorrida (artigos 3.º, n.º 3, e 652.º, n.º1, alínea b), do CPC).
Importa, pois, apreciar se se verifica a nulidade/invalidade do título executivo nos termos alegados pela recorrente.
Como decorre do requerimento executivo apresentado em 05-12-2018, a exequente deu à execução um documento denominado «Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento com Prestação de Aval por Documento Particular Autenticado», juntando o referido documento, bem como dois outros documentos. Um, denominado «Termo de Autenticação de Documento Particular»; outro, correspondente ao «REGISTO ONLINE DOS ACTOS DOS ADVOGADOS», identificando-se o ato registado como «Autenticação de documentos particulares» onde se encontram identificados os interessados, o ato jurídico em causa e a data do registo.
Consta do citado «Termo de Autenticação de Documento Particular» que, no dia 13-07-2107, AA, por si e na qualidade de sócio-gerente da sociedade Summersurprise, Unipessoal, Lda (ali melhor identificados) compareceu perante GG, Advogada (ali melhor identificada), estando escrito no documento os seguintes dizeres:
«O outorgante leu e compreendeu integralmente o conteúdo do documento anexo, que me foi apresentado para efeitos de autenticação, o qual corresponde à vontade da sua representada e à sua vontade, e que é uma Declaração de Dívida e Plano de Pagamento com Prestação de Aval Pessoal na quantia de €578.691,60 (quinhentos e setenta e oito mil seiscentos e noventa e um euros e sessenta cêntimos) à Sociedade Regulconcrete – Construção Civil e Obras Públicas, S.A., referente à execução do Contrato de Empreitada n.º 68-2017, celebrado em 10 de Fevereiro de 2017, de obras de ampliação do Turismo Rural Pé no Monte, em São Teotónio.»
Consta ainda deste «Termo de Autenticação de Documento Particular» que foi executado em «2017-07-13» e registado na mesma data, com o «n.º 639E/380», estando nele aposta a assinatura manuscrita do outorgante e da Advogada GG, bem como o carimbo profissional desta última.
Importa, agora, em face do teor destes documentos aferir se o documento particular apresentado como título executivo é um documento autenticado, pois de acordo com o n.º 1, alínea b), do artigo 703.º do CPC, «À execução apenas podem servir de base: (…) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.»
Assim, os documentos recognitivos de dívida previstos no artigo 458.º do Código Civil, podem constituir títulos executivos desde que obedeçam aos requisitos do artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ou seja, e no caso, para além do reconhecimento da obrigação (que efetivamente consta do documento), que o documento de suporte a tal reconhecimento seja um documento autenticado.
O artigo 363.º, n.º 3, do Código Civil estipula que «Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante o notário, nos termos prescritos nas leis notariais.»
Estipulando o artigo 35.º do Código do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 207/95, de 14-08, e alterações subsequentes, sobre a espécie de documentos, que «São autenticados os documentos particulares confirmados pelas partes perante notário» (n.º 3 do preceito).
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, no seu artigo 38.º, sob a epígrafe «Reconhecimentos de assinaturas e autenticação e tradução de documentos» veio atribuir competência a outras entidades profissionais, designadamente a advogados para «(…) fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial, bem como certificar a conformidade das fotocópias com os documentos originais e tirar fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação, nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2000, de 13 de Março» (n.º 1), estipulando o n.º 2 do mesmo normativo que «Os reconhecimentos, as autenticações e as certificações efetuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais atos tivessem sido realizados com intervenção notarial.»
Acresce ainda que, nos termos do artigos 150.º do Código do Notariado, os «Os documentos particulares adquirem a natureza de documentos autenticados desde que as partes confirmem o seu conteúdo perante o notário» (n.º 1) e «Apresentado o documento para fins de autenticação, o notário deve reduzir esta a termo» (n.º 2 do artigo 150.º).
Por sua vez, o artigo 151.º do Código do Notariado regula os requisitos comuns dos documentos autenticados, prescrevendo:
«1 - O termo de autenticação, além de satisfazer, na parte aplicável e com as necessárias adaptações, o disposto nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º, deve conter ainda os seguintes elementos:
a) A declaração das partes de que já leram o documento ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade;
(…).»
Resulta, pois, dos normativos supra referenciados que as regras concernentes ao conteúdo e forma do termo de autenticação impõem que conste do termo de autenticação a declaração das partes de que já leram o documentos ou estão perfeitamente inteiradas do seu conteúdo e que este exprime a sua vontade, observando-se, ainda, na parte aplicável e com as devidas adaptações, as formalidades previstas nas alíneas a) a n) do n.º 1 do artigo 46.º do Código do Notariado.
Importa, ainda, referenciar que a Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06, veio regular o registo informático dos atos praticados pelas câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, ao abrigo do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, estipulando o artigo 4.º, n.º 1, que «O registo informático é efetuado no momento da prática do ato, devendo o sistema informático gerar um número de identificação que é aposto no documento que formaliza o ato».
Em face do regime legal aplicável e supra mencionado, analisando agora o «Termo de Autenticação de Documento Particular» junto aos autos, verifica-se que o mesmo obedece aos todos os requisitos de conteúdo e de forma previstos na lei.
Assim, foi elaborado e assinado por Advogada ao abrigo da competência conferida pelo Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29-03, encontrando-se igualmente assinado pelo outorgante. Consta ainda do termo de autenticação, a data em que foi elaborado, a identificação do outorgante, da sua representada e da Sr.ª Advogada que procedeu à autenticação, a menção ao negócio e dívida que deu azo ao documento a autenticar, bem como a declaração de que o outorgante leu e compreendeu integralmente o conteúdo do documento anexo, correspondendo o mesmo à vontade do outorgante e da sua representada.
Finalmente, consta do documento a menção ao registo do ato com a referência à data e hora da sua realização, tendo sido, ainda, documentada a declaração da efetivação desse registo.
Donde não é correto afirmar-se, como faz a apelante, que se está apenas perante um documento que corresponde a uma simples reprodução mecânica do registo na Ordem dos Advogados, ignorando-se, desse modo, sem razão que se compreenda, a total omissão ao termo de autenticação junto aos autos.
Em face do exposto, não se verifica a arguida nulidade por vício de forma do referido termo de autenticação de documento particular, verificando-se, outrossim, que o título executivo corresponde efetivamente a um documentos particular autenticado onde é reconhecida a dívida, advindo-lhe a sua natureza de título executivo do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

2. Da invocação da exceção de não cumprimento
A apelante discorda do modo como na sentença foi analisada e decidida a exceção de não cumprimento, defendendo que, na procedência da alteração da decisão de facto peticionada no recurso, deve ser reconhecida a existência de danos por via dos defeitos da obra, julgando-se procedente a exceptio com a consequente inexigibilidade das prestações, juros e cláusula moratória.
Na apreciação desta alegação, cabe sublinhar que se impõe, em termos lógicos, aferir em primeiro lugar se, no caso, a embargante podia fundamentar os embargos invocando a exceção de não cumprimento, pois, só perante a resposta positiva a esta questão, se justifica apreciar o pedido de alteração da decisão de facto que se reporta na sua totalidade à questão da existência do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada por via dos alegados defeitos da obra.
A sentença recorrida em relação à admissão da invocação da exceção de não cumprimento decidiu do seguinte modo:
«Nos termos do n.º 1 do art.º 428º do CPC Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
É manifesto que tal alegação não faz sentido no caso dos autos.
Os embargantes parecem olvidar-se que o documento que funda a execução se trata de uma confissão de dívida.
A confissão de dívida trata-se de um acto unilateral. Esta circunstância só por si já afastaria a aplicação da excepção de não cumprimento.
Por outro lado também importa notar que no caso concreto não está em causa a existência da dívida.
O argumento utilizado pelos embargantes e a factualidade que se prende com tal alegação relevará numa outra acção, necessariamente declarativa, que vise a eliminação dos defeitos da obra (ou qualquer uma das outras alternativas à disposição do dono da obra em caso de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada). De resto, resulta dos articulados que tal acção já terá sido interposta.»

Contrapõe a apelante que não sendo o título executivo uma sentença pode alegar na oposição à execução o que poderia alegar na contestação da ação declarativa, ou seja, tanto por impugnação como por exceção, incluindo a exceção de não cumprimento.
Vejamos, então.
Não sendo o título executivo uma sentença, como efetivamente não é, estipula o artigo 731.º do CPC que na oposição à execução «(…) podem ser alegados quaisquer outros [fundamentos] que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.»
Assim, a invocação de exceções corresponde a um possível fundamento da oposição à execução.
Como se menciona no Acórdão do STJ de 08-09-2021[1], remetendo para a correspondente doutrina, a exceção de não cumprimento pode ser qualificada como uma exceção perentória modificativa, ou como uma exceção dilatória de direito material, sendo certo que apenas tem como efeito legitimar uma recusa temporária do cumprimento da obrigação nos contratos bilaterais, o que expressamente se encontra estipulado no n.º 1 do artigo 428.º do Código Civil, ao prescrever «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo
Em sede de interpretação do artigo 428.º do Código Civil, no Acórdão do STJ de 06-09-2016[2] é caraterizada a exceptio nos seguintes termos:
«A exceptio non adimpleti contractus de que trata a disposição, é própria dos contratos bilaterais. Para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in C.Civil Anotado Tomo I, pág. 405) “a exceptio non adimpli contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante de outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser. Acrescentam, por outro lado estes autores (in mesma obra, pág. 406), que “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assente o esquema do contrato bilateral … E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º nº 2».
É, pois, caraterístico da exceptio poder ser invocada nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos nos quais existe um sinalagma (genético) ou correspetividade entre prestações.
Será assim no caso do contrato de empreitada (artigo 1207.º e seguintes do Código civil), enquanto contrato bilateral ou sinalagmático do qual resultam prestações correspetivas ou correlativas, ou seja, por um lado, a obrigação de executar a obra e, por outro, a do pagamento do preço. As prestações apresentam-se, assim, como interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra e intercedendo entre ambas um nexo de causalidade e de reciprocidade.
Podendo a exceção de não cumprimento do contrato ser invocada quando haja cumprimento defeituoso ou parcial, ainda que na interpretação do artigo 428.º, n.º 1, do Código Civil, a doutrina e jurisprudência venha defendendo que o cumprimento defeituoso apenas retada o pagamento do preço até ao momento em que forem sanados os vícios da coisa e correspondentes danos, sob pena de violação do equilíbrio das prestações subjacentes à exceptio, à boa-fé que deve presidir ao exercício do direito e aos princípios de adequação e proporcionalidade (artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil).[3]
No caso em apreço, o título executivo encontra-se consubstanciado num documento particular autenticado de reconhecimento de dívida, com indicação da respetiva causa, enquadrando-se substantivamente no disposto no artigo 458.º do Código Civil, resultando a sua natureza executiva da tipologia taxativa do artigo 703.º do CPC, subsumindo-se, no caso, ao n.º 1, alínea b), do preceito, como já acima dito.
O reconhecimento de dívida é um ato unilateral (não é um contrato), quer quanto à sua formação, quer quanto aos seus efeitos, presumindo-se a existência e a validade da relação fundamental ou causal, admitindo-se, contudo, prova em sentido oposto.
Para que sirva como título executivo é entendimento pacífico que, ou a relação causal se encontra mencionada no documento que enforma o referido ato unilateral de reconhecimento de dívida ou, então, carece a mesma de ser alegada em sede de requerimento executivo.[4]
O facto do reconhecimento de dívida inserta num documento autenticado constituir uma declaração unilateral com eficácia vinculativa para quem emite a declaração e, simultaneamente, constituir título executivo de suporte à execução visando a cobrança coativa da dívida, não transforma a natureza unilateral da obrigação.
Ora, a exceção de não cumprimento, como já dito, é suscetível de ser invocada apenas nos contratos bilaterais e não nos negócios unilaterais, pelo que se encontra afastada a possibilidade de nos embargos de executado deduzidos à execução onde é apresentado como título executivo um ato unilateral, terem como fundamento a exceção de não cumprimento.
A função e natureza da exceptio concilia-se, antes, com a natureza bilateral e sinalagmática do contrato de empreitada, pois o sinalagma ou correspetividade entre as prestações determina, em regra, o cumprimento simultâneo das prestações. O efeito principal da exceptio é a dilação no tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da obrigação da outra. A exceção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente, apenas obsta temporariamente ao exercício da prestação do contente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspetiva a seu cargo ou, sem, pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo.
O que estando em causa uma situação de alegado cumprimento defeituoso no âmbito de um contrato de empreitada, significa que o dono da obra pode opor-se ao cumprimento da sua prestação enquanto a contraparte (empreiteiro) não eliminar os defeitos da mesma.
Quando no artigo 731.º do CPC se estipula que a oposição se pode fundar na alegação de factos que poderiam ser invocados como defesa no processo de declaração, aí se incluindo a exceção de não cumprimento, a norma tem de ser interpretada como reportando-se às situações em que legalmente a lei prevê a possibilidade de invocação da exceção de não cumprimento, ou seja, quando no processo de declaração (ou na fase declarativa dos embargos de execução) esteja em causa um contrato bilateral.
O que não sucede quando o título executivo é um ato unilateral de reconhecimento de dívida. A ação declarativa (ou oposição aos embargos com base nesse título) a que a lei se reporta seria a que tivesse como causa de pedir o questionamento do reconhecimento da dívida, ou seja, onde estivesse em discussão a existência e validade daquele reconhecimento e não a ação declarativa que constituiu a causa da emissão do documento onde se reconhece a dívida e onde se discute o cumprimento defeituoso da obrigação emergente de um contrato bilateral.
Em resumo, se o título executivo for um documento particular autenticado onde é reconhecida unilateralmente uma dívida, ainda que a mesma tenha como causa um contrato bilateral onde se discute o cumprimento parcial ou defeituoso do contrato, a exceção de não cumprimento desse contrato bilateral não constituiu fundamento para dedução de embargos de executado na execução titulada pelo referido documento particular autenticado.
Quer isto dizer, que a exceptio pode ser deduzida no âmbito da discussão do contrato bilateral que originou a emissão do reconhecimento da dívida, dada a natureza bilateral do contrato em causa (artigo 428.º do Código Civil), mas não pode ser invocada em relação a atos unilaterais como ocorre com o reconhecimento de dívida previsto no artigo 458.º do Código Civil.
Nestes termos, nenhuma censura merece a sentença recorrida que decidiu exatamente nesse sentido.

3. Do pedido de alteração da decisão de facto
Analisados pontos da decisão de facto impugnados e a respetiva fundamentação, verifica-se que a apelante pretende através da mesma alterar e ampliar a decisão de facto em relação à denúncia dos defeitos, aos defeitos em si mesmo, à sua reparação e respetivo custo.
Como já acima foi referido, a apreciação da apreciação da impugnação da decisão de facto dependia da utilidade da mesma para efeitos de conhecimento do objeto do recurso, o que pressupunha que era admissível a invocação do exceção de não cumprimento do contrato de empreitada como fundamento de oposição aos embargos.
O que não foi acolhido pelas razões sobejamente expostas.
A finalidade pressuposta nos artigos 662.º e 640.º do CPC ao conferirem à 2.ª instância poderes de sindicabilidade da decisão de facto saída do julgamento no tribunal a quo, em ordem à formação de uma convicção própria, tem como finalidade última aferir se determinados factos relevantes para a decisão a proferir foram, ou não, corretamente julgados.
Se essa finalidade não se verifica no caso concreto, a apreciação da impugnação sobre a decisão de facto é um ato inútil, logo proibido (artigo 130.º do CPC), tanto mais que tal ato violaria os princípios da utilidade, economia e celeridade processual, não estando, consequentemente, o tribunal ad quem obrigado a apreciar tal impugnação (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Nestes termos, atenta a inutilidade da impugnação da decisão de facto, não se procede à sua reapreciação.

4. Do mérito do julgado
Como decorre das conclusões do recurso, a apelante faz suportar a crítica à decisão de direito na invocação da nulidade do título, na admissão da exceção de não cumprimento e na alteração da decisão de facto.
Todos estes fundamentos, pelas razões supra analisadas, não lograram proceder.
Não resultando da análise jurídica que fazemos da sentença recorrida qualquer razão para dela discordarmos, nem se afigurar existir qualquer outra questão que importe conhecimento oficioso, não se encontrando violados os preceitos mencionados pela apelante, nem outros, restando julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante/embargante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 20-04-2023
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)

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[1] Proc. n.º 2266/16.5T8ACB-B.C1.S1 (Cura Mariano), em www.dgsi.pt
[2] Proc. n.º 6514/12.2TCLRS.L1.S1 (Garcia Calejo), em www.dgsi.pt
[3] Cfr., exemplificativamente, Ac. STJ, de 17-11-2015, proc. n.º 2545/10.5TVLSB.L1.S1 (Maria Clara Sottomayor) em www.dgsi.pt
[4] Cfr., exemplificativamente, Ac. STJ, de 07-03-2023, proc. n.º 2829/17.1T(ACB-A.C1.S2 (Tibério Nunes da Silva); Ac. STJ, de 16-02-2023, proc. n.º 30218/15.5T8LSB-A.L1.S1 (Maria Graça Trigo) em www.dgsi.pt.