Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
161/21.5GFLLE.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A determinação concreta da pena é feita dentro dos limites legalmente definidos, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
II. Deve atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando-se no artigo 71.º CP algumas delas.
III. Todo o quadro circunstancial evidenciará não apenas o grau de culpa do agente, mas também as exigências de prevenção geral e as de prevenção especial, a partir das quais, se extrairá a pena concreta a aplicar ao arguido.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO


A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 161/21.5GFLLE, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Local Criminal de Loulé – Juiz 2, o Ministério Público requereu o julgamento do arguido:
- AA (….)

Imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal.

O arguido AA não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas.

Realizado o julgamento, com observância das formalidades legais, na ausência do arguido, que, notificado para comparecer, faltou sem justificação, foi proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
- Condenar o arguido AA pela prática em autoria material de um crime de ofensa à integridade física, previsto no artigo 143, nº 1, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), correspondentes a 60 (sessenta) dias de prisão subsidiária, artigo 49º, do Código Penal.
(…)

Inconformado com esta sentença condenatória o arguido AA, da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes, anormalmente extensas conclusões (transcrição):
1. O Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal a quo, no dia 10 de janeiro de 2021, pelo qual o arguido é condenado numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de sete euros, correspondentes a 60 dias de prisão subsidiária, é de uma manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório.
2. O acórdão recorrido é assim atentatório dos princípios basilares do nosso sistema penal, resultando do texto do acórdão recorrido de forma declarada a violação dos Princípios da imediação da prova e in dubio pro réu.
3. Incorre o Tribunal a quo em erro notório na apreciação da prova, e, tratando-se assim de um acórdão sui generis ao conseguir estar eivado dos vícios mencionados do artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do C.P.P.
4. Acresce à gravidade da decisão que os indícios que o Tribunal utiliza para formar a sua convicção resultam do depoimento da testemunha/ofendido, que claramente tem interesse na condenação do arguido/recorrente.
5. Os pontos 1 a 4 da matéria de facto provada (constante de fls. 1 a 2 do acórdão recorrido) são os pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados e dos quais resultou a condenação do arguido numa pena de noventa dias de multa à taxa diária de sete euros, correspondentes a 60 dias de prisão subsidiária. (artigo 412º nº 3 alínea a) do C.P.P.
6. “O tribunal fundou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, a que – o arguido faltou sem justificação, como relatado, e em que – BB, claramente muito mais velho que o arguido, praticamente com o dobro da idade, afirmou ter partilhado com o arguido habitação, onde o arguido o agrediu, pelo que se queixou na GNR no mesmo dia, mas já antes fora agredido na habitação pelo arguido, como também depois quando lhe partiu os óculos, na Rua (…), e que o arguido é muito agressivo, batia-lhe com frequência, pelo que chegou a ir ao Hospital de Faro fazer exame médico por causa das agressões, e também que morou lá com o arguido pouco tempo, talvez cerca de um mês, o arguido foi contaminado pela covid, e ele saiu da casa, o caso foi ainda este ano (2021) no início do Verão, o arguido por tudo e por nada partia para a agressão, tem 20 e tal anos, e ele, BB, 60 anos, e o arguido esmurrou-o na cabeça a seguir ao almoço, por achar que algo estaria sujo, ficou com hematomas, foi ao hospital gabinete médico-legal, e era geralmente na cabeça que o arguido lhe batia durante ou ao fim do dia, o arguido trabalhava em restaurante com horário meio esquisito, e enfim que por isso dormia fechado a chave com medo do arguido, domingo foi a agressão, na segunda-feira foi ao hospital (e realmente 30 de Maio de 2021 calha a um domingo), a casa pertencia ao senhor indicado como testemunha, de cujo nome já não se lembra, e mais que saiu de casa antes de o arguido ter a covid, e desde então não mais o viu, – e CC afirmou conhecer arguido e queixoso por terem vivido numa sua casa no princípio do Verão (de 2021), onde entrou primeiro o arguido, estiveram alguns meses, de favor, não pagavam renda, mas que não presenciou agressões, soube pelo queixoso, que o chamou e disse-lhe que fora agredido, acha que no mesmo dia, e que ia ou já fora à GNR queixar-se, que tinha levado socos na cabeça e fora fazer tratamento, e acha houvera mais situações, pelo que o queixoso disse fazendo um gesto de ferido na cabeça, mas não foi verificar o ferimento, e enfim que acredita que acredita que o arguido lhe bateu, pois o arguido é violento e agressivo com as pessoas: ele, CC, tivera outra pessoa antes no quarto com o arguido, e também tiveram problemas com este, «tinha problemas com toda a gente», e, enfim, que primeiro saiu o queixoso para não haver mais confusões, pediu-lhe ele, e dois ou três meses depois pediu ao arguido que saísse, e ele saiu, forçado, dessa casa que fica numa transversal à Rua (…), e o caso foi este ano (2021), no início do verão: – depoimentos não contrariados por nenhum outro e em parte contestes entre si, e prestados por quem não revelou interesse material algum nos autos, em que nem foi deduzido pedido de indemnização cível, como podia pelo queixoso, e que, conjugados com relatório de exame médico-legal de fls 24 a 26, se entende provarem os factos. Para os antecedentes criminais, CRC junto aos autos.”
7. A factualidade contida nos referidos pontos, segundo o tribunal a quo formou a sua convicção nos seguintes meios de prova: Depoimento de BB; Depoimento de CC; Relatório de exame médico-legal, a fls. 24 a 26 dos autos.
8. Em análise sintetizada da prova testemunhal em termos sintéticos e genéricos realizada é a seguinte:
i. A primeira testemunha, BB:
Tem todo um discurso bastante confuso e pouco claro, não sabe concretizar as alegadas agressões levadas a cabo pelo arguido/recorrente, todas as respostas são retiradas a custo, bem como apenas refere que a motivação destas alegadas agressões seria por o locado estar sujo.
Refere inequivocamente - duas vezes, quer a instâncias da Sra. Dra. Magistrada M.P, quer a instâncias da Defensora Oficiosa - que apenas saiu do locado após o arguido estar positivo à Covid-19, mais, esta afirmação consta da fundamentação do Tribunal a quo, em conformidade com o ponto 16º deste articulado.
Ainda, salienta de ter de trancar o quarto à chave por ter medo do recorrente, uma vez que este era ser agressivo.
Mas apesar do medo, apenas saiu do locado após o recorrente ter contraído covid-19, caso contrário, pelo visto, ainda lá permaneceria.
9. A segunda testemunha, CC:
Refere que não presenciou qualquer agressão por parte do recorrente contra a testemunha BB, que teve conhecimento desta situação apenas porque este lhe contou e que não verificou qualquer marca ou lesão no corpo da referida testemunha.
Acrescentou que, tendo em consideração o conflito entre os seus arrendatários, pediu à testemunha BB que saísse do locado.
Ainda salienta o facto de o arguido ser agressivo.
Deste depoimento não é possível retirar qualquer indício em como as alegadas agressões tiveram lugar por parte do recorrente/arguido contra a testemunha/ofendido.
10. Decorre assim da leitura integral dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento que a partir da prova testemunhal indicada pelo tribunal recorrido não é possível dar como provados os supra, referidos factos.
11. Quanto à prova documental, é referido que a testemunha sofreu “– Crânio: uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5cm por 4cm nas maiores dimensões.
No entanto, não é possível aferir que esta lesão foi infringida pelo recorrente/arguido.
12. Ora da prova supra-referida não é possível afirmar inequivocamente que a testemunha BB foi agredida pelo arguido, aliás, é referido no seu depoimento que ele tinha medo do arguido, no entanto, apenas saiu de casa após o arguido ter Covid-19.
13. Referindo também a testemunha CC, que a testemunha BB saiu da sua casa, após este ter solicitado.
14. Ora, ainda que possamos admitir que o arguido teria uma atitude mais agressiva para com a testemunha BB, não é possível retirar com inequívoca convicção da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento que o arguido agrediu a testemunha, tendo causado as lesões descritas do relatório médico-legal.
15. Importa ainda referir que apesar de ambas as testemunhas referirem que o arguido tinha uma atitude agressiva, tal afirmação não passa apenas de um juízo de valor feito por ambos, e não traduz de modo algum que o arguido tenha efetivamente agredido a testemunha, e contrariamente a este juízo de valor feito tanto pelas testemunhas como pelo Tribunal a quo, temos o Registo Criminal do arguido em que nada consta.
16. Este entendimento extravasa a compreensão de qualquer homem médio colocado na posição de julgador, pelo que tratando-se de erro notório na apreciação da prova será tratado em sede própria.
17. Nesta sede conclui-se que por falta de elementos de prova, todos os supra, mencionados factos foram incorrectamente considerados provados.
18. Dispõe o acórdão recorrido o seguinte (fls. 4 a 5):
“Ora, no caso em apreço, tendo-se apurado que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, 30-05-2021, 16 h, o arguido AA, no interior do Nº (…), área desta comarca, sem que nada o fizesse prever, desferiu diversos murros na cabeça do queixoso BB, que por isso sofreu no crânio uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5 cm por 4 cm nas maiores dimensões, que lhe causou seis dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral nem para a capacidade de trabalho profissional, verifica-se que o comportamento do arguido preencheu o tipo objectivo do artigo 143º, nº 1, CP, mas também o tipo subjectivo, pois da factualidade apurada resulta que ele actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de molestar fisicamente o ofendido, sabendo que tal conduta é punida criminalmente.
Praticou assim o arguido o crime de que vem acusado.”
19. Ora, salvo o devido respeito tal não corresponde à verdade pois a prova testemunhal implicava que alguns factos não tivessem sido dados como provados, senão vejamos:
20. Os pontos 1 e 4 dos factos provados, como supra se demonstrou foram considerados provados, no que concerne ao episódio ocorrido no dia 30-05-2021, o Tribunal a quo baseou a sua convicção apenas no depoimento da testemunha BB (ofendido), uma vez que a outra testemunha, CC, não presenciou qualquer agressão.
21. A testemunha BB referiu que tinha medo do arguido/recorrente, mas, no entanto, apenas saiu de casa após este último estar com covid-19 e, ainda refere a testemunha CC, que pediu para aquele sair do locado.
22. Ora alguém que compartilha a casa e é agredido frequentemente pelo companheiro de casa, deveria ter saído da mesma, assim que alegadamente ocorreu a primeira agressão, bem como, é estranho que o senhorio, testemunha CC nunca tenha visto qualquer lesão.
23. O Tribunal a quo ao dar como provados os factos alegadamente ocorridos a 30-05-2021, em conformidade com a fundamentação constante do acórdão ora recorrido, violou entre outros o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127º, do C.P.P
24. “Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum” (cit. Ac. STJ de 17 de Dezembro de 1999; BMJ, 472, 407).
25. “Ou seja, só existe erro na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal.” (neste sentido Ac. STJ de 15 de Abril de 1998; BMJ, 476, 82).
26. Os pontos 1 a 4 da matéria de facto provada (constante de fls. 1 a 2 do acórdão recorrido) foram incorrectamente considerados como provados.
27. E ainda em sede de fundamentação a fls. 6, conclui que:
“(…) Assim, atentar-se-á nas circunstâncias da actuação do arguido – em casa em que também vivia como o ofendido, mais velho que ele, e que não consta que o provocasse, ou revidasse, – e praticada com dolo directo, e cujas consequências se prolongaram por dias, sem todavia exorbitar do que é sólito nestes casos, mas igualmente sem que a vítima reagisse à agressão.”
28. Ora, como se verificou pela análise da prova, esta não permite dar os referidos factos como provados, além de que não é possível retirar a conclusão descrita na fls. 6 que a testemunha BB “e que não consta que o provocasse, ou revidasse”.
29. O Tribunal fez uma interpretação incorrecta dos factos julgados dados como provados, pelo que, a sua correcta apreciação impunha decisão diversa, além do mais, é referido em sede de fundamentação a fls. 3 que os “depoimentos (…) prestados por quem não revelou interesse material algum nos autos”, afirmação esta que não podemos concordar, uma vez que a única testemunha que afirma a agressão, é o ofendido, logo tem interesse direto na decisão dos autos.
30. Existiu uma deficiente avaliação da prova produzida e que deveria ter levado a outras conclusões e, não podia o Tribunal a quo subsumir o comportamento do recorrente no crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do C.P.
31. Pelo que, analisados os factos nenhuma circunstância revela que o recorrente/arguido tenha agredido o ofendido/testemunha, e em consequência disso, em caso algum poderá estar provado o dolo, uma vez que não ocorreu a agressão.
32. Também consubstancia uma situação de erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado (neste sentido Ac. STJ, 10 de Março de 1999, SASTJ, nº 29, 73 e Ac. STJ de 2 Junho 1999).
33. Pois, qualquer pessoa que partilhe um locado e que constantemente é agredido sem razão aparente, a primeira medida a tomar será efetuar uma queixa contra essa pessoa e, em seguida procurar outro locado, e não apenas sair do mesmo após o “colega” de casa ter apanhado Covid-19.
34. Em análise da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, não é possível o Tribunal a quo formar a sua convicção apenas no depoimento da testemunha/ofendido BB, pois este tem sempre interesse nos resultados destes autos.
35. Ora, o Tribunal a quo decidindo pela condenação do recorrente sem mais qualquer prova, demonstra a volatilidade da nossa justiça.
36. “O princípio in dubio pro reo, como corolário importante na materialização do princípio da presunção de inocência apresenta-se-nos como limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, pois impede o julgador de tomar uma decisão segundo o seu critério no que respeita aos factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, uma vez que os factos favoráveis devem dar-se como provados, quer sejam certos ou duvidosos.”
(Neste sentido Cristina Líbano Monteiro “Perigosidade de Inimputáveis i In Dubio Pro Reo”, B.F.D. Studia Jurídica Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, nº 24, 1997, pp. 51, 53 e 166).
37. Logo, sempre o arguido beneficia do princípio in dubio pro reo no sentido de que na dúvida da verificação ou não da sua actuação dolosa relativamente ao evento verificado, esta actuação não deverá ter-se por verificada.
38. A materialização deste princípio fundamental e basilar, quanto dirigido à apreciação dos factos objecto de um processo penal, desdobra-se em dois vectores essenciais:
Primeiro: o ónus probatório da imputação de factos ou condutas que integram um ilícito criminal cabe a quem acusa;
Segundo: em caso de dúvida razoável, e insanável, sobre os factos descritos na acusação, o Tribunal deve decidir a favor do arguido.
39. “O princípio in dubio pro reo é, pois, uma garantia subjectiva e, além disso uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.” (Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1984, 1º Vol., p. 215.)
40. Ora, como supra se demonstrou, o Tribunal a quo violou os princípios da presunção da inocência e in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos ocorridos nos elementos de prova indicados.
41. A prova tem de ser sempre plena, com vista à condução da convicção e não à simples admissão de maior probabilidade, assim, provado e provável ou possível são conceitos antitéticos de um ponto de vista jurídico. A certeza não é conciliável com a reserva da verdade contrária.
42. “A Jurisprudência do STJ tem vindo a entender que a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, mas a sua existência só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma mais do que evidente, que o tribunal, v. g., na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Livre apreciação da prova não é livre-arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza, em geral, de acordo com critérios lógicos e objectivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela, em geral, objectivável e motivável.”
43. O Julgador, a quem é atribuída a função de aplicar a lei, tem de se libertar da mera convicção pessoal, emocional, subjectiva e motivável de homem comum, pois não é esse o significado a reter da livre apreciação da prova, conforme disposto no artigo 127º do C.P.P.
44. Sabido é que um non liquet na questão da prova terá que ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal” I, pág 213. Ac. do STJ de 07JUL99, 3a Secção, cujo sumário se encontra publicado na página da Internet.
45. Ainda, reforçamos que este princípio da prova estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, dando lugar à presunção de inocência do mesmo a que alude o artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 11º, nº 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, impondo que o julgador valore sempre em favor daquele um non liquet.
46. Por outras palavras, o Julgador, por muitas e genuínas convicções que tenha sobre a eventual culpabilidade de determinado arguido num caso concreto, não existindo matéria probatória suficiente para concluir pela sua participação ou envolvimento na prática dos alegados factos descritos no libelo acusatório, só pode apontar para uma solução: a absolvição.
47. Se assim o tribunal não proceder – como manifestamente o tribunal de primeira instância não procedeu, – estará a violar o princípio do in dubio pro reo, corolário a retirar a final da procedência do vício agora invocado do erro notório na apreciação da prova nos termos do artigo 410º, nº 2, al. c) do C.P.P.
48. O arguido/recorrente, perante a dúvida sobre a verificação ou não da sua actuação dolosa relativamente ao evento verificado, deveria ter beneficiado do princípio in dubio pro reo e, assim, dar-se como não verificada aquela actuação.
49. Assim, a fundamentação do aresto pelo Tribunal recorrido não podia lograr alcançar os factos dados como provados que preenchem a tipicidade do crime de ofensa à integridade física simples e atribui a sua autoria também ao Recorrente, fazendo-o em notório erro na apreciação da prova nos termos do artigo 410º, nº 2, al. c) do C.P.P. por violação do princípio do in dubio pro reo.
50. Em virtude deste vício considera-se que é possível uma decisão da causa pelo Tribunal ad quem.
51. Pelo que, claramente ocorreu uma violação pelo Tribunal recorrido, do princípio in dubio pro reo, incorrendo por essa via em erro notório na apreciação da prova.
52. Da inexistência da prática do crime de ofensas à integridade física simples: Este crime tutela o bem jurídico de integridade física, pelo que, compreende quer a integridade corporal, quer a saúde física.
53. Tendo como elemento objectivo: que o agente ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa e como elemento subjetivo: o dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º, do C. Penal.
54. Relativamente ao tipo objectivo, este requer a existência de um nexo de causalidade entre a conduta do agente e o resultado verificado, nos termos do artigo 10º do C.P, assim, para que se estabeleça um nexo de causalidade entre o resultado e uma acção, é necessário que em abstrato a acção seja idónea a causar esse resultado, que há-de ser uma consequência típica e previsível daquela.
55. “Para o preenchimento do crime de ofensa à integridade física apenas se exige a existência de uma ofensa no corpo (não cumulativamente a existência de ofensa à saúde), constituindo ofensa toda a acção que prejudique o bem-estar físico da vítima, até independentemente de provocar ou não dor” – Acórdão da Relação de Coimbra, de 09-05-2012, in www.dgsi.pt
56. Em conformidade com a matéria julgada provada não é possível aferir que o tipo do crime de ofensas à integridade física simples está preenchido, nem tão pouco aferir que a lesão sofrida por parte da testemunha BB, foi consequência directa da conduta consciente, livre e dolosa do ora recorrente.
57. Tendo inclusive a testemunha CC, referido que não assistiu a qualquer agressão por parte do recorrente à testemunha DD, nem sequer ter visto qualquer lesão.
58. É disposto no nº 1, do artigo 40º e nº 1 do artigo 47º, ambos do C.P, que o crime de ofensa à integridade física previsto no artigo 143º, nº 1, do C.P, é punível com pena de prisão de um mês a três anos ou com pena de multa de dez a trezentos e sessenta dias.
59. Para a determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deve seguir as linhas orientadoras do artigo 71º do Código Penal, ou seja, deve atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. O nº 2 daquele artigo manda atender, entre outros elementos, às condições pessoais do agente.
60. Ainda que o recorrente/arguido tivesse praticado o crime pelo qual foi condenado – o que não se concede – os critérios que o Tribunal a quo utilizou para a aplicação desta pena são destituídos de razoabilidade, senão vejamos:
61. No que a esta matéria respeita, o Tribunal a quo considerou o seguinte:
“Ora, o arguido não tem antecedentes criminais registados por este tipo de crime, sendo por isso de supor que uma pena não privativa da liberdade bastará, por um lado, a conscientizá-lo dos seus deveres jurídicos e cívicos, e da necessidade de pautar o seu comportamento pelos valores e exigências próprios da sociedade em que se insere, respeitando designadamente a integridade física dos outros e abstendo-se de a ofender por qualquer modo e menos ainda com violências como a que ora se lhe exprobra, devendo relacionar-se ordeira e pacificamente com os demais cidadãos; por outro lado, a pena não detentiva afigura-se suficiente a consolidar as expectativas da comunidade na validade da norma violada. Por conseguinte, opta-se por pena de multa, cuja moldura, no caso, vai de 10 a 360 dias: artigos 143º, nº 1, e 47º, nº 1, CP. Para determinar a pena em concreto, procede-se a duas operações distintas: determina-se o número de dias de multa, e fixa-se o quantitativo diário.
A determinação dos dias de multa efectua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se a culpa, não como fundamento, mas como limite da pena, não havendo, todavia, pena sem culpa: artigos 40º, 47º, nº 1, e 71º, nº 1, CP. Para o efeito, ponderam-se as agravantes e as atenuantes gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele: artigo 71º, nº 2, CP.
Assim, atentar-se-á nas circunstâncias da actuação do arguido – em casa em que também vivia como o ofendido, mais velho que ele, e que não consta que o provocasse, ou revidasse, – e praticada com dolo directo, e cujas consequências se prolongaram por dias, sem, todavia, exorbitar do que é sólito nestes casos, mas igualmente sem que a vítima reagisse à agressão.
No âmbito da prevenção geral, porém, deparam-se exigências de algum relevo, além do mais porque a ofensa à integridade física configura uma das formas mais frequentes de expressão da agressividade humana, urgindo repor e assegurar as expectativas da comunidade na efectiva observância da norma infringida.
Tudo ponderado, reputam-se por adequados 90 dias de multa.
Por sua vez, o quantitativo diário determina-se entre € 5 e € 500, atendendo à situação económica e financeira do arguido, bem como aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47º, nº 2, CP, os quais não tendo sido apuradas da prova produzida, mas atento o nível geral de vida, preços e salários praticado ao presente, reputa-se adequado fixar o quantitativo diário em sete euros, com risco de quantitativo inferior gorar o carácter sancionatório inerente às penas.”
62. Ora, com o devido respeito, não foi valorado o facto de o Recorrente não ter qualquer antecedente criminal, bem como não há como aferir que a lesão sofrida pela testemunha BB, constante do relatório médico-legal foi praticada pelo Recorrente.
63. Por outro lado, como pode o Tribunal a quo concluir pelo dolo directo se não existe qualquer prova que o crime em apreço nos autos tenha sido praticado pelo Recorrente?
64. Ora, em consideração ao supra descrito não podem ser provados os factos que levaram à condenação do recorrente/arguido, não tendo este sido absolvido, como deveria ter acontecido, mesmo que assim não se entenda, sempre teria que atender-se ao princípio in dúbio pro reu, pelo que se impõe dar provimento ao recurso e absolver o arguido aqui recorrente do crime por que vem condenado, à cautela será se dirá que sendo aplicada uma pena, a mesma deverá ser no limite mínimo (10 dias), sendo que a pena ora aplicada é manifestamente desproporcional e desadequada face à factualidade apurada e descrita, violando por esta via o Tribunal a quo o disposto no artigo 71º do Código Penal.
Termos em que e nos mais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, em consequência, ser o recorrente absolvido do crime de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, na pena de noventa dias de multa à taxa diária de sete euros, correspondentes a 60 dias de prisão subsidiária, conforme artigo 49º, do CP e do pagamento das custas processuais, fixadas em 2,5 UC, e nos encargos que a sua actividade tenha dado lugar, em que foi condenado.
Fazendo assim os senhores venerandos juízes desembargadores a costumada Justiça.

Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se no sentido da sua improcedência, concluindo, (transcrição):
Face a todo o exposto, não nos merece, qualquer crítica a douta decisão recorrida.
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, e salvo o devido respeito e melhor opinião, a decisão recorrida não é passível de censura e deverá ser mantida.
Contudo, V. Exas. farão, como sempre Justiça.


Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso interposto.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
Factos provados:
1. Em 30 de Maio de 2021, pelas 16 horas, no interior do Nº (…), área desta comarca, sem que nada o fizesse prever, o arguido desferiu diversos murros na cabeça do queixoso BB.
2. Em consequência da agressão de que foi vítima, sofreu o queixoso: “– Crânio: uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5cm por 4cm nas maiores dimensões” (examinada e descrita no auto de exame médico-legal de fls 24 a 26, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), lesão essa que foi determinante de 6 (seis) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
3. O arguido actuou com o propósito de ofender o corpo e saúde do queixoso, o que logrou.
4. O arguido actuou de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.
5. Carece de antecedentes criminais.

Factos não provados:
Relevante para a decisão da causa nenhum outro facto se provou.

Motivação:
O tribunal fundou a sua convicção na prova produzida em audiência de julgamento, a que – o arguido faltou sem justificação, como relatado, e em que – BB, claramente muito mais velho que o arguido, praticamente com o dobro da idade, afirmou ter partilhado com o arguido habitação, onde o arguido o agrediu, pelo que se queixou na GNR no mesmo dia, mas já antes fora agredido na habitação pelo arguido, como também depois quando lhe partiu os óculos, na Rua (…), e que o arguido é muito agressivo, batia-lhe com frequência, pelo que chegou a ir ao Hospital de Faro fazer exame médico por causa das agressões, e também que morou lá com o arguido pouco tempo, talvez cerca de um mês, o arguido foi contaminado pela covid, e ele saiu da casa, o caso foi ainda este ano (2021) no início do Verão, o arguido por tudo e por nada partia para a agressão, tem 20 e tal anos, e ele, BB, 60 anos, e o arguido esmurrou-o na cabeça a seguir ao almoço, por achar que algo estaria sujo, ficou com hematomas, foi ao hospital gabinete médico-legal, e era geralmente na cabeça que o arguido lhe batia durante ou ao fim do dia, o arguido trabalhava em restaurante com horário meio esquisito, e enfim que por isso dormia fechado a chave com medo do arguido, domingo foi a agressão, na segunda-feira foi ao hospital (e realmente 30 de Maio de 2021 calha a um domingo), a casa pertencia ao senhor indicado como testemunha, de cujo nome já não se lembra, e mais que saiu de casa antes de o arguido ter a covid, e desde então não mais o viu, – e CC afirmou conhecer arguido e queixoso por terem vivido numa sua casa no princípio do Verão (de 2021), onde entrou primeiro o arguido, estiveram alguns meses, de favor, não pagavam renda, mas que não presenciou agressões, soube pelo queixoso, que o chamou e disse-lhe que fora agredido, acha que no mesmo dia, e que ia ou já fora à GNR queixar-se, que tinha levado socos na cabeça e fora fazer tratamento, e acha houvera mais situações, pelo que o queixoso disse fazendo um gesto de ferido na cabeça, mas não foi verificar o ferimento, e enfim que acredita que o arguido lhe bateu, pois o arguido é violento e agressivo com as pessoas: ele, CC, tivera outra pessoa antes no quarto com o arguido, e também tiveram problemas com este, «tinha problemas com toda a gente», e, enfim, que primeiro saiu o queixoso para não haver mais confusões, pediu-lhe ele, e dois ou três meses depois pediu ao arguido que saísse, e ele saiu, forçado, dessa casa que fica numa transversal à Rua (…), e o caso foi este ano (2021), no início do verão: – depoimentos não contrariados por nenhum outro e em parte contestes entre si, e prestados por quem não revelou interesse material algum nos autos, em que nem foi deduzido pedido de indemnização cível, como podia pelo queixoso, e que, conjugados com relatório de exame médico-legal de fls 24 a 26, se entende provarem os factos. Para os antecedentes criminais, CRC junto aos autos.
(…)

Da qualificação jurídica:
«Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa»: artigo 143º, nº 1, do Código Penal.
Trata-se de um crime comum: pode ser cometido por qualquer pessoa; de forma ou execução livre: pode ser perpetrado por qualquer meio; de resultado: exige-se que haja uma ofensa efectiva à integridade física; e instantâneo: consuma-se com a acção ou omissão produtiva do dano.
O bem jurídico protegido é a integridade física da pessoa humana, compreendendo esta a integridade corporal e psíquica da pessoa.
Para o preenchimento da tipicidade objectiva deste tipo legal de crime deverá verificar-se a existência de uma ofensa no corpo ou na saúde de outrem. Por ofensa no corpo poderá entender-se todo o mau trato com que o agente é prejudicado no seu bem-estar físico de modo não insignificante. Como lesão da saúde deve considerar-se toda a intervenção que ponha em causa o estado de completo bem-estar físico e mental de uma pessoa. Ao conceito de saúde contrapõe-se o de doença, enquanto alteração anatómica ou funcional do organismo, geral ou local, com carácter evolutivo, seja para a consolidação (estabilização sem sequelas), seja para a morte.
Do ponto de vista objectivo, o tipo exige ainda a existência de um nexo de causalidade entra a conduta do agente e o resultado verificado, segundo a teoria da causalidade adequada ou da adequação, consagrada no artigo 10º CP. Por tal doutrina, para que se estabeleça um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção, é necessário que em abstracto a acção seja idónea a causar esse resultado, que por sua vez há-de ser uma consequência normal, típica e previsível daquela. Assim, a adequação determina-se através de um juízo ex ante ou de prognose póstuma, referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, sendo o critério de adequação geral e objectivo, e o da previsibilidade individual e subjectivo.
Por fim, para o preenchimento da tipicidade subjectiva do ilícito descrito no artigo 143º CP exige-se o dolo, em qualquer das suas modalidades (cf. artigo 14º desse diploma), referindo-se o dolo às ofensas no corpo ou na saúde do ofendido, e sendo irrelevantes nesta sede as motivações do agente.
Enfim, é punível como autor, além do mais, quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros: artigo 26º CP.
Ora, no caso em apreço, tendo-se apurado que, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas, 30-05-2021, 16 h, o arguido AA, no interior do Nº (…), área desta comarca, sem que nada o fizesse prever, desferiu diversos murros na cabeça do queixoso BB, que por isso sofreu no crânio uma equimose rosada, ovalada, na região occipital direita, com 5 cm por 4 cm nas maiores dimensões, que lhe causou seis dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral nem para a capacidade de trabalho profissional, verifica-se que o comportamento do arguido preencheu o tipo objectivo do artigo 143º, nº 1, CP, mas também o tipo subjectivo, pois da factualidade apurada resulta que ele actuou de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito conseguido de molestar fisicamente o ofendido, sabendo que tal conduta é punida criminalmente.
Praticou assim o arguido o crime de que vem acusado.

Da pena aplicada:
O crime de ofensa à integridade física previsto no artigo 143º, nº 1, CP, é punível com pena de prisão de um mês a três anos ou com pena de multa de dez a 360 dias, cf. artigos 40º, nº 1, e 47º, nº 1, CP.
Segundo o disposto no artigo 70º CP, se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (cf. artigos 40º CP). Quer dizer, o tribunal só deve negar a aplicação da pena alternativa quando a pena de prisão se mostre necessária ou de todo mais conveniente à luz da prevenção especial de reintegração.
Ora, o arguido não tem antecedentes criminais registados por este tipo de crime, sendo por isso de supor que uma pena não privativa da liberdade bastará, por um lado, a conscientizá-lo dos seus deveres jurídicos e cívicos, e da necessidade de pautar o seu comportamento pelos valores e exigências próprios da sociedade em que se insere, respeitando designadamente a integridade física dos outros e abstendo-se de a ofender por qualquer modo e menos ainda com violências como a que ora se lhe exprobra, devendo relacionar-se ordeira e pacificamente com os demais cidadãos; por outro lado, a pena não detentiva afigura-se suficiente a consolidar as expectativas da comunidade na validade da norma violada. Por conseguinte, opta-se por pena de multa, cuja moldura, no caso, vai de 10 a 360 dias: artigos 143º, nº 1, e 47º, nº 1, CP.
Para determinar a pena em concreto, procede-se a duas operações distintas: determina-se o número de dias de multa, e fixa-se o quantitativo diário.
A determinação dos dias de multa efectua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se a culpa, não como fundamento, mas como limite da pena, não havendo, todavia, pena sem culpa: artigos 40º, 47º, nº 1, e 71º, nº 1, CP. Para o efeito, ponderam-se as agravantes e as atenuantes gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele: artigo 71º, nº 2, CP.
Assim, atentar-se-á nas circunstâncias da actuação do arguido – em casa em que também vivia como o ofendido, mais velho que ele, e que não consta que o provocasse, ou revidasse, – e praticada com dolo directo, e cujas consequências se prolongaram por dias, sem, todavia, exorbitar do que é sólito nestes casos, mas igualmente sem que a vítima reagisse à agressão.
No âmbito da prevenção geral, porém, deparam-se exigências de algum relevo, além do mais porque a ofensa à integridade física configura uma das formas mais frequentes de expressão da agressividade humana, urgindo repor e assegurar as expectativas da comunidade na efectiva observância da norma infringida.
Tudo ponderado, reputam-se por adequados 90 dias de multa.
Por sua vez, o quantitativo diário determina-se entre € 5 e € 500, atendendo à situação económica e financeira do arguido, bem como aos seus encargos pessoais, conforme o disposto no artigo 47º, nº 2, CP, os quais não tendo sido apuradas da prova produzida, mas atento o nível geral de vida, preços e salários praticado ao presente, reputa-se adequado fixar o quantitativo diário em sete euros, com risco de quantitativo inferior gorar o carácter sancionatório inerente às penas.
(…)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:

- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo todos os factos provados sob os pontos 1 a 4, serem considerados como não provados.
- Impugnação da sentença proferida, por vício da decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, por erro notório na apreciação da prova.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à qualificação jurídica dos factos, porque não provados e não subsumíveis ao tipo legal.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à medida da pena de multa, que se deveria situar no mínimo legal.
- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de facto provada nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, devendo os factos provados nos pontos 1 a 4, serem considerados como não provados.
É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido AA, constata-se que a mesma faz referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-03-2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Cabe aqui evidenciar, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lança luz sobre a questão em apreço.
Como, de forma impressiva, refere o Conselheiro Carmona da Mota no acórdão do STJ de 27-02-2003, Proc. 140/03, “ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido depende fundamentalmente da sua credibilidade: ou seja, a sua idoneidade e autenticidade. iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas. iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Ou seja, e como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, pág. 204 e sgs., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais.
Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
E, nesta matéria assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só a oralidade e imediação, com efeito, permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva apresentada pelo recorrente que pretende impugnar a matéria de facto considerada como provada nos pontos 1 a 4, que em seu entender deverão ser julgados como não provados.
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…). Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.
Assim, no âmbito do referido erro de julgamento em matéria de facto, há-de conceder-se que, revista a prova produzida na audiência de julgamento, a gravação dos depoimentos das testemunhas, a tese sustentada, fundamentadamente, na sentença, nos termos e âmbito do disposto, “maxime”, nos artigos 374º, nº 2 e 127º, do Código de Processo Penal, mesmo que se não possa ter como imposta, tem de ter-se por consentida pela prova na audiência levada em primeira instância.
Com efeito, tendo este Tribunal “ad quem” procedido à audição da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, demais prova documental junta aos autos, relevante para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa, conforme disposto no artigo 412º, nº 6, do Código de Processo Penal e, não afastada que está a possibilidade de nos socorrermos do princípio da livre convicção na apreciação/valoração das provas, concluímos que a nossa convicção acerca dos factos sob julgamento não diverge daquela que o Tribunal “a quo” alcançou e exprimiu na sentença recorrida.
Há que concretizar, após a audição de toda a prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente os depoimentos das testemunhas CC e DD, a prova pericial e a prova documental constante dos autos e, como resulta bem claro do texto da sentença recorrida do Tribunal “a quo”, o depoimento da testemunha BB, expressa grande genuidade e clareza, não só na verbalização da descrição do ocorrido, como na caracterização da personalidade do próprio arguido, sendo corroborado genericamente pelo depoimento da testemunha CC e pela prova pericial, sendo por tal, credível e susceptível fundamentar uma convicção inequívoca da situação ocorrida entre esta testemunha e o arguido, sendo aliás, que nenhuma outra prova foi produzida que de alguma forma possa contraditar tal descrição dos factos.
A opinião do arguido expressa através do recurso interposto, não passa de uma mera opinião pessoal e parcial, que é manifestamente incompatível com a prova testemunhal produzida e com a prova pericial e documental, constante dos autos, tendo por tal bem andado o Tribunal “a quo”, no julgamento da matéria de facto.
De igual forma a força probatória da prova documental, é diferenciada pela comprovação ou não da perícia médica, tendo também aí, sido considerado a prova documental produzida e junta aos autos.
Pelo exposto bem andou o Tribunal “a quo”, em conferir credibilidade aos depoimentos das testemunhas BB e CC e, à prova pericial, nos termos em que os valorou.
Assim, de acordo com os elementos de prova referidos, nada permite concluir de forma diferente ao feito pelo Tribunal “a quo”.
Relativamente aos aspectos de ordem subjectiva é do conhecimento geral serem apurados em função dos factos objectivos que indiciam a atitude psicológica do agente para com o facto.
Com efeito, as intenções, as vontades, os conhecimentos, as representações mentais, porque do foro psíquico do sujeito, não são realidades palpáveis, sensitivamente perceptíveis, hipostasiáveis.
Desse modo, a inerente percepção, nomeadamente para efeitos judiciais, só pode ser alcançada por via da ponderação dos comportamentos exteriorizados que, de um modo mais ou menos conclusivo, demonstrem esses estados psicológicos (nas palavras de Germano Marques da Silva, e na linha de pensamento de Cavaleiro de Ferreira, “a maior parte das vezes os actos interiores não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores.”, Curso de Processo Penal, II, 1999, p. 101).
Quanto aos aspectos de ordem subjectiva, o Tribunal “a quo” ponderou os elementos objectivos disponíveis, com efeito, a convicção do Tribunal quanto a estes factos, resultou da conjugação de todos os elementos de prova supra enunciados entre si, bem como, com as regras de experiência comum.
O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou “hominis”, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que a livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.
Sabido é que, no artigo 127º, do Código de Processo Penal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante (o julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa), pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada”, artigos 84º (caso julgado), 163º (valor da prova pericial), 169º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344º (confissão) do Código de Processo Penal e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova, artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125º e 126º, do Código de Processo Penal e, o do “in dubio pro reo” artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
O princípio “in dubio pro reo”, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui um princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal.
Dito de outra forma, o princípio “in dubio pro reo” constitui uma imposição dirigida ao juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e que se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevantes para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios prova, de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a percepção da personalidade do depoente impondo-se por tal a imediação e a oralidade e a da dúvida inultrapassável, conduzindo ao princípio “in dubio pro reo”.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão.
Não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e, em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.
Volvendo ao processo, bastará a simples leitura da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto assumida na instância, para se alcançar o processo lógico-formal, o raciocínio efectuado pelo Tribunal “a quo” na ponderação das provas produzidas e privilegiadas na formação da convicção expressa no relato dos factos dados como provados.
Posto isto, surge como evidente que a não-aceitação, que o recorrente manifesta relativamente ao modo como o Tribunal “a quo” decidiu a matéria de facto, não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão só na sua análise pessoal da prova e da sua vontade de a sobrepor à análise levada a cabo por quem tem o poder/dever de a fazer.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedente a alegada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente AA.

- Da impugnação da sentença proferida, por vício da decisão da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, por erro notório na apreciação da prova.
Nos termos referidos, impõe-se, por obediência à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, deixar exarado que a sentença recorrida, por si ou com recurso às regras da experiência, não revela qualquer dos vícios prevenidos no nº 2 do artigo 410º, do Código de Processo Penal.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, local supra, mencionado.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
De igual modo, conforme supra, referido, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do “favor rei”, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra o arguido.
O simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal e expressa na decisão recorrida não conduz ao aludido vício - cfr. Acórdãos do S.T.J. de 19-09-1990, BMJ 399, pág. 260 e de 26-03-1998, Proc. nº 1483/97.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal “a quo” decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.
Por tal, não resulta existir qualquer dos vícios constantes do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) ou, c), do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.
Não se verifica nenhuma violação do princípio da presunção da inocência, constante do artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, ou qualquer violação das garantias de defesa arguido, nos termos do disposto no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, do disposto no artigo 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, do disposto no 14º, nº 2, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e, do disposto no artigo 6º, nº 2, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem” não pode deixar de julgar improcedente a alegada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente AA.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à qualificação jurídica dos factos, ou porque não provados ou não porque subsumíveis ao tipo legal de crime.
Decorre do disposto no artigo 143º, nº 1, do Código Penal que: “Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
O crime de ofensa à integridade física simples tutela o bem jurídico, integridade física e, compreendendo a integridade corporal e a saúde física e, tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:
- Que o agente ofenda o corpo ou a saúde de outra pessoa (tipo objectivo);
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º, do Código Penal (tipo subjectivo).
A acção típica, a agressão, pode ser realizada através de um sem número de diferentes comportamentos do agente, mas o que, para o caso, importa reter, é que podem existir ofensas ao corpo sem que, simultaneamente, exista uma ofensa à saúde do ofendido.
É o que sucede, por exemplo, com uma bofetada ou um empurrão que, pela sua intensidade, não causem dor ou sofrimento.
Por outro lado, as lesões insignificantes não devem ser consideradas ofensas ao corpo ou à saúde tipicamente relevantes, sob pena de violação dos princípios da dignidade do bem tutelado e da intervenção mínima do direito penal (cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 309).
No caso concreto, desde logo cumpre aqui afirmar, que face ao, supra, referido sobre a improcedência da impugnação da matéria de facto, assente resulta o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos, do tipo de crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, praticado pelo arguido/recorrente AA.
Improcede, pois, também nesta parte o recurso interposto.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, quanto à medida da pena de multa, que se deveria situar no mínimo legal.
Os critérios, que devem presidir à quantificação das penas parcelares concretamente aplicáveis, são os estabelecidos pelo artigo 71º, do Código Penal, sob a epígrafe “Determinação da medida da pena”, estatui:
“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O nº 1 do artigo 40º do Código Penal estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente às penas concretas e adequadas, o artigo 71º, nº 1, do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
O crime de ofensa à integridade física previsto no artigo 143º, nº 1, CP, é punível com pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) a 360 (trezentos e sessenta) dias, cf. artigos 40º, nº 1, e 47º, nº 1, do Código Penal.
Perante os pressupostos já enunciados, e o nível da ilicitude, deparamo-nos com um relevante desvalor da acção, atendendo às lesões provocadas na vítima e, ao circunstancialismo que rodearam a prática dos factos.
Devem também acentuar-se que as razões de prevenção existentes em relação a tais condutas, que são essenciais numa sociedade comunitária e socializadora, assente nas relações interpessoais, como são os actuais modelos.
Analisadas tais circunstâncias das condutas em apreço e bem assim as que o Tribunal “a quo” enumerou, logo evidente se torna que o circunstancialismo em causa aponta para um limite mínimo ditado pela prevenção geral de integração acima previsto na norma incriminadora, pela forma gratuita das ofensas praticadas, pelas circunstâncias da actuação sendo arguido muito mais novo e forte que a vítima, tendo actuado com dolo directo e sem qualquer causa que de alguma forma atenua-se a ilicitude e a culpa da sua conduta, sendo todo o circunstancialismo apurado de grave censura da conduta do arguido, devendo refletir-se na medida da pena esta mesma censura, sob pena de insuficiente defesa do ordenamento jurídico.
E, à luz da prevenção especial que no caso não pode deixar de ter conteúdo negativo de intimidação individual, temos também um quadro que aponta para a necessidade de uma pena de multa situada acima do limite mínimo da medida abstracta legalmente prevista.
Resultando da sentença recorrida:
A determinação dos dias de multa efectua-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se a culpa, não como fundamento, mas como limite da pena, não havendo, todavia, pena sem culpa: artigos 40º, 47º, nº 1, e 71º, nº 1, CP. Para o efeito, ponderam-se as agravantes e as atenuantes gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele: artigo 71º, nº 2, CP.
Assim, atentar-se-á nas circunstâncias da actuação do arguido – em casa em que também vivia como o ofendido, mais velho que ele, e que não consta que o provocasse, ou revidasse, – e praticada com dolo directo, e cujas consequências se prolongaram por dias, sem, todavia, exorbitar do que é sólito nestes casos, mas igualmente sem que a vítima reagisse à agressão.
No âmbito da prevenção geral, porém, deparam-se exigências de algum relevo, além do mais porque a ofensa à integridade física configura uma das formas mais frequentes de expressão da agressividade humana, urgindo repor e assegurar as expectativas da comunidade na efectiva observância da norma infringida.
Tudo ponderado, reputam-se por adequados 90 dias de multa”.
Pelo exposto, no doseamento da pena de multa aplicada, parece-nos que o Tribunal “a quo” ponderou devidamente as circunstâncias apuradas e as aludidas finalidades das penas, sendo que a pena fixada não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Todo o circunstancialismo que nos autos resulta provado, afasta liminarmente qualquer possibilidade de diminuição da culpa do arguido, da ilicitude dos factos e das necessidades de prevenção.
Ora, atentos os factos julgados provados, o bem jurídico protegido pela incriminação, o grau de violação do mesmo e, as circunstâncias indicadas na decisão recorrida, não se vislumbra na matéria sedimentada no Tribunal “a quo”, qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa do arguido foi excedida, afigurando-se a pena doseada em medida adequada aos factos apurados e ademais fixada com equilibrado critério.
Assim, o princípio moderador da culpa não se mostra beliscado com a pena de 90 (noventa) dias multa, fixada ao arguido AA.
Nestes termos, cremos que é de manter a pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, ao arguido, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do arguido
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem”, não pode deixar de julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente, relativo à medida da pena a que se mostra condenado, confirmando-se consequentemente, nesta parte, a sentença recorrida.

Nestes termos improcedem, portanto, todas as pretensões constantes da motivação do recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se consequentemente a sentença recorrida.

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido AA, ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação da recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.


III - DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 21-06-2022
Fernando Paiva Gomes M. Pina
Beatriz Marques Borges
Gilberto da Cunha