Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
136/19.4GDABF.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário: I. O Código Penal prevê no seu artigo 9.º que «aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial.
II. Essa legislação especial é o Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, que se constitui regime-regra aplicável a todos os arguidos que estejam compreendidos na categoria etária ali prevista, verificados os pressupostos que condicionam a sua aplicação (artigo 2.º).
III. A nortear a sua mobilização ressalta o princípio reeducador – princípio de política criminal de sinal contrário ao princípio sancionador -, na linha que vem sendo assinalada pelo Conselho da Europa e pela União Europeia.
IV. Mais ressaltando uma dupla via de intervenção: a ideia de evitar, tanto quanto possível a pena de prisão, e uma paleta própria de medidas de correção (artigos 4.º a 6.º).
V. Apesar de a atenuação especial da pena de prisão ali prevista não ser automática nem de aplicação obrigatória – na medida em que exige que dela resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem delinquente – o tribunal não está dispensado de se pronunciar sobre a conveniência ou inconveniência da aplicação desse regime, devendo justificar a posição que adotar, ainda que em sentido negativo.
VI. Não o fazendo haverá nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artigo 379.º, § 1.º, al. c) CPP.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No processo comum singular nº 136/19.4GDABF, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Albufeira, Juiz 1, o MP deduziu acusação contra os arguidos AA, BB, CC e DD, pela prática, em co-autoria, de um crime de furto qualificado, p.p., pelos Artsº 26, 203 nº1 e 204 nº2 al. e), todos do C. Penal.

Efectuado julgamento foi decidido o seguinte (transcrição):

1. Absolver o arguido BB pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art. 202.º, als. d), todos do Código Penal.
2. Absolver o arguido CC pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art. 202.º, als. d), todos do Código Penal.
3. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art. 202.º, als. d), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
4. Condenar o arguido DD pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art.
202.º, als. d), todos do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão.
5. Decretar, ao abrigo do art. 50.º, n.º 1 e 5 do C.P., a suspensão da pena fixada em 4) pelo período de 18 (dezoito) meses.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido DD, tendo concluído da seguinte forma (transcrição):

1. O arguido DD foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art. 202.º, als. d), todos do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão e decretar, ao abrigo do art. 50.º, n.º 1 e 5 do C.P., a suspensão da pena fixada em 4) pelo período de 18 (dezoito) meses.
2. Todavia, discorda o Recorrente do Acórdão proferido, divergindo da condenação a que foi sujeito, por se revelar injusta, desadequada e desproporcional e por entender não ter sido devidamente levada em conta toda a prova produzida ao longo do processo e, em sede de audiência de discussão e julgamento.
3. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e a matéria direito do douto Acórdão proferido nos presentes autos.
4. O Tribunal a quo fundou a sua convicção no depoimento das testemunhas e, bem assim, da prova documental e pericial junta aos autos.
5. No entanto, é de frisar que, o Arguido AA admitiu integralmente a factualidade que lhe é imputada na acusação, designadamente, de ter, no dia dos factos, se deslocado até à habitação da sua irmã e do companheiro desta, EE com quem tinha vivido recentemente, se introduzido na habitação através de uma janela apos ter partido o vidro e daí ter retirado os objetos descritos no auto de apreensão. Mais esclareceu que, embora tivesse ainda na referida habitação indumentaria e objetos pessoais seus, os bens que este retirou da habitação não lhe pertenciam, facto que tinha ciência. Com efeito, o mesmo admitiu que pretendia proceder à venda dos referidos objetos subtraídos com vista a obter dinheiro para a aquisição de produto estupefaciente. Alegou ainda o arguido que os demais arguidos desconheciam o propósito da sua deslocação até à habitação da sua irmã, apenas tendo pedido ao arguido Jorge boleia da casa da sua progenitora ate à habitação da irmã, indicando que teria deixado bens próprios nessa ultima casa.
6. Ora, das declarações do ora Arguido AA, resultou claramente que o Arguido DDdesconhecia por completo o plano do Arguido AA, somente este lhe pediu boleia, tendo o arguido DD cedido a tal pedido, nada mais.
7. Desconhecendo onde AA pretendia deslocar e o que fazer.
8. Pois o mesmo, no decurso das suas declarações, frisou por diversas vezes que não contou aos restantes a sua pretensão.
9. Desconhecendo onde AA pretendia se deslocar e o que fazer, pois afirmou o mesmo que pretendia ir a Albufeira, buscar umas coisas suas.
10. Ora, se o arguido AA não referiu aos restantes o que pretendia fazer e se nunca referiu que tais objectos não era seus, o Arguido Jorge desconhecia por completo que os objectos não pertenciam ao AA.
11. Por isso, o ora recorrente não pode aceitar que tenha participado no plano do arguido AA em subtrair bens da residência de EE. Assim, resulta da prova supra descrita que os arguidos Jorge e AA em conjugação de esforços e num acordo implícito, ainda que não inicial, mas pelo menos deferido, decidiram subtrair bens que se encontram no interior da fração em que residia EE, sabendo que esses bens não lhes pertenciam
12. Pois das declarações dos arguidos todos afirmaram que o AA nunca referiu o seu propósito, pois não referiu o que pretendia fazer e que os objectos que fora buscar lhe pertenciam ou não pertenciam.
13. Das declarações do militar da GNR FF, resulta que a enumeração de uma lista de bens que foram subtraídos, designadamente o Auto de Notícia, de fls. 7 a 11, o Auto de apreensão de fls. 29 a 32, - o Auto de exame e avaliação, de fls. 33, o Auto de visionamento, de fls. 59, e termo de entrega a fls. 60 a 62.
14. Lista essa que a Testemunha EE, proprietário dos bens também referiu em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
15. No entanto, face à lista de bens que ambos referiram, entendemos que coloca em causa as declarações prestadas pelas Testemunhas o que é contrário às declarações das restantes Testemunhas GG e HH.
16. Com todo o devido respeito que é muito, o ora Recorrente entende que face às declarações destas testemunhas, às mesmas não se pode atribuir grande credibilidade.
17. Pois ambos referiu que, referiram datas diferentes, ora da Acusação decorre que os factos ocorreram em 7 de julho de 2019.
18. Por outro lado, a Testemunha GG referiu que viu dois Homens a levarem um televisor de grandes dimensões, todavia, da lista de bens subtraídos não resulta que tenha sido subtraído um televisor, nem o próprio ofendido referiu que lhe fora subtraído um televisor.
19. Por outro lado, a dinâmica dos acontecimentos contada pelo AA que confessou os factos, referiu que os objectos que levou foram todos colocados numa mala de viagem.
20. Ora, entende o ora Recorrente que as testemunhas não têm credibilidade, pois em momento algum as mesmas referiram que visualizaram uma mala de viagem e referiram outros objectos subtraídos que não os constantes na lista de objectos subtraídos.
21. Mala essa que, também foi visualidade pelo militar da GNR quando interceptou os arguidos.
22. Mala essa que, a testemunha EE também referiu que lhe fora subtraída.
23. Das declarações das Testemunhas GG e HH não resulta a identificação dos arguidos, pois não reconheceram os arguidos e ainda se referiram a dois homens, não a jovens, todos os arguidos são jovens de pouca idade e nenhuma das suas características foram reconhecidas pelas testemunhas.
24. Motivo pelo qual, e pelas datas que as mesmas indicaram para os factos, o ora Recorrente entende que tais declarações são contraditórias com as restantes declarações e prova nos autos, e considera haver sérias duvidas se o que ambos (GG e HH) vislumbraram sejam os factos narrados no libelo acusatório.
25. Ora, face a toda a prova produzida e a constante nos autos, entendemos que não existe qualquer prova que sustente a douta acusação, não há qualquer elemento de prova que permita concluir que foi o arguido Jorge sabia o plano do AA e participou no plano deste, pelo que entende o mesmo que não deve ser condenado pela prática de tais factos.
26. Assim, não restam dúvidas, que a prova produzida é manifestamente insuficiente para a sustentabilidade da condenação do arguido DD, ora recorrente.
27. Pelo que, e salvo melhor opinião, somos do entendimento que o acórdão em crise padece do vício provado no artigo 410. n.º 2, alínea a) do CPP, ou seja, a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
28. E, entende o ora Recorrente que existem sérias e fundadas dúvidas do que efectivamente aconteceu no dia 7 de julho de 2019, motivo pelo qual, deve ser aplicado o principio basilar do direito penal, o Principio do in dubio pro reo.
29. Acerca do Princípio in dubio, escreve o Prof. Figueiredo Dias que, à luz do princípio da investigação bem se compreende, efectivamente, que todos os factos relevantes para a decisão (quer respeitem ao facto criminoso, quer à pena) que, apesar de toda a prova recolhida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do tribunal, também não possam considerar-se como provados.
30. E se, por outro lado, aquele mesmo princípio obriga em último termo o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão, logo se compreende que a falta delas não possa, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido: um non liquet na questão da prova – não permitindo nunca ao juiz, como se sabe, que omita a decisão (...) – tem de ser sempre valorado a favor do arguido. É com este sentido e conteúdo que se afirma o princípio in dubio pro reo», in Direito Processual Penal, reimpressão, 1984, p.213. O estado de dúvida - valorado a favor do arguido por não ter sido ilidida a presunção da sua inocência - pressupõe que, produzida a prova, o tribunal, e só o tribunal, tenha ficado na incerteza quanto à verificação ou não, de factos relevantes para a decisão. Como diz Cristina Líbano Monteiro: «O universo fáctico – de acordo com o “pro reo” – passa a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para a prova dos segundos se exige a certeza.» in Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», pág. 53.
31. Por tudo o exposto e, com todo o devido respeito que é muito, entendemos que o arguido DD deve ser absolvido do que crime que lhe é imputado.
32. No entanto, e caso V. Exas. assim não entendam, sempre se dirá que, o Arguido DD foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.° e 204. °, n.º 2, al e), por referência ao art. 202.º, als. d), todos do Código Penal, na pena de 13 (treze) meses de prisão, tendo sido decretado ao abrigo do art. 50.º, n.º 1 e 5 do C.P., a suspensão da pena fixada em 4) pelo período de 18 (dezoito) meses.
33. Todavia, entende o ora recorrente que a ser condenado e, atenta a sua idade à data dos factos (menor de 21 anos), o Tribunal a quo devia ter ponderado a aplicação do Regime Penal Especial dos Jovens adultos, previsto no DL 401/82 de 2/9, cujo artigo 4º dispõe que o juiz deve atenuar espacialmente a pena nos termos do artigo 73º e 74º do Código Penal, a que, actualmente, correspondem os artigos 72º e 73º, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
34. Tendo-se por certo que, tratando-se de jovens adultos, as razões de ressocialização devem prevalecer, em detrimento das questões da culpa e da ilicitude – vide Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 21.09.2006.
35. No caso concreto, salvo melhor opinião e, atento o teor do relatório social junto aos autos referentes ao ora recorrente, endente o mesmo que a atenuação especial da pena em razão da idade, contribuir para a sua reinserção social.
36. O Arguido trabalha, encontra-se inserido na sociedade e o circunstancialismo apurado do seu relatório social, perfila-se como uma evolução positiva no percurso de vida do ora arguido, afigurando-se que a atenuação espacial no caso concreto pode constituir um estímulo positivo para a vida futura do arguido.
Nestes termos e nos demais de Direito, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deverá o douto Acórdão do Tribunal A quo ser revogado e substituído por outro que, considerando a factualidade, a prova produzida em sede de audiência e julgamento, absolva o Arguido DDs do crime pelo qual foi condenando com todas as consequências legais.
Sem prescindir e, na eventualidade de o venerando Tribunal Ad quem não partilhar da posição que se deixou supra exposta no presente recurso, não poderá deixar de considerar desproporcional e desadequada a aplicação da pena que lhe foi aplicada, pois deveria ter sido ponderado a aplicação do Regime Penal Especial dos Jovens adultos, previsto no DL 401/82 de 2/9, dado que todo o circunstancialismo, o relatório social positivo permitem a atenuação especial da pena em razão da idade, o que irá contribuir para a sua reinserção social pelo que, V. Exas., deverão revogar a decisão proferida pelo Tribunal A quo, substituindo-a por outra em harmonia com a fazendo-se, assim, a habitual necessária e lídima JUSTIÇA!!!

C – Resposta a Recurso

O MP respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista à Exmª Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu parecer no sentido de ser declarada nula a decisão proferida pelo tribunal a quo, determinando-se a baixa dos autos a este tribunal para a elaboração de nova decisão que pondere a possibilidade de aplicação do regime especial para jovens delinquentes ao recorrente.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de o recorrente delimitar, com as conclusões que retira das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
Tendo em conta as conclusões do recurso em causa, são as seguintes as questões sujeitas à apreciação deste tribunal:

1) Erro de julgamento
2) Omissão de pronúncia no que toca ao REJD

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa atentar no que, na decisão sindicada, se deu por provado e não provado (transcrição):

III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1. – DE FACTO:
3.1. – Factos Provados
3.1.1. - Com relevância para a decisão criminal, provaram-se os seguintes factos:
A. O arguido AA, em data não apurada, decidiu deslocar-se à residência da sua irmã, sita na Rua …, em Albufeira, local onde o arguido AA já tinha vivido, para ai furtar tanto videojogos, como a consola de jogos Xbox, modelo One, computador portátil da marca HP, e outros artigos informáticos propriedade do companheiro da irmã do arguido AA, EE.
B. No cumprimento desse propósito, pediu boleia ao arguido DD, o qual, por sua vez, pediu auxilio ao arguido CC.
C. No dia 7/7/2019, o arguido CC, que conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula XX-XX-XX, foi ao encontro do arguido DD e depois do arguido BB. Depois todos se dirigiram a casa da mãe do arguido AA, em Lagoa, e depois dirigiram-se para a cidade de Albufeira.
D. Chegados à Rua …., a hora não concretizada, o arguido CC estacionou a viatura junto do prédio de EE.
E. Nesse momento, os arguidos AA, DD e BB, saíram do automóvel, tendo os dois primeiros se dirigido para o prédio, enquanto o arguido CC ficou no interior da viatura e BB no exterior, junto ao veiculo.
F. Os arguidos AA e DD dirigiram-se ao apartamento n.º 409, onde reside EE e, com recurso a um martelo quebra vidros de emergência, partiram o vidro da janela da habitação, entraram na residência e colocaram no interior de uma mala de cor verde que estava no interior da habitação, no valor de € 20,00:
- um tablet de marca Lenovo de cor preta, no valor não inferior a €300,00;
- uma consola de jogos de marca Xbox, modelo One, no valor não inferior a € 400,00;
- um computador portátil de marca HP, modelo Pavillion Dv7, no valor de € 1.000,00;
- uma base para computador portátil, de cor preta e cinza, de 17’’, marca Deepcool, de
valor não apurado; e,
- cinco videojogos para a plataforma Xbox One e dois videojogos para a plataforma
Xbox 360, no valor não inferior a €60,00 cada jogo.
G. Na posse destes objetos, os arguidos AA Marcelino e DD saíram da habitação e dirigiram-se para o carro onde os aguardava o arguido CC. O arguido BB ao ver os dois arguidos descer, também se encaminhou para a viatura onde estava o arguido CC.
H. Colocada a mala na bagageira do carro, os arguidos abandonaram o local.
I. Cerca de 10 minutos depois, quando tentavam sair a cidade de Albufeira, os arguidos foram abordados pela Guarda Nacional Republicana no cruzamento dos Bombeiros Voluntários de Albufeira, na Avenida dos Descobrimentos, em Albufeira, tendo sido recuperados todos os objetos que haviam sido subtraídos do interior da residência e que se encontravam na bagageira do veículo de matrícula 34-88-LQ onde seguiam.
J. Os arguidos AA e DD agiram em comunhão de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, com intenção, concretizada, de fazer seus os objetos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao entrar na habitação através de uma janela, quer ao retirá-los, atuavam contra a vontade do seu proprietário.
K. Os arguidos AA e DD sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Mais se apurou que:
L. O arguido CC exerce a atividade profissional de carpinteiro numa empresa sita na Bélgica, auferindo a quantia de €900,00 a titulo de renumeração, acrescido do montante variável entre €500,00 a €600,00 por horas extraordinárias.
M. Vive em alojamento fornecido pela empresa, contribuindo, contudo, com a quantia global mínima de €600,00 para a renda e despesas do agregado familiar da companheira, enteada e filho menor de idade.
N. Concluiu o equivalente ao 9.º ano da escolaridade portuguesa.
O. Do relatório social de CC:
«CC é cidadão brasileiro, com residência regular em Portugal. Veio aos 19 anos e tem-se vindo a bastar a si próprio, sem dependência de terceiros. Basicamente faz menção a um percurso profissional ativo, nos últimos três anos com um carater contratual oficial, facilitado pela documentação devidamente regular. Os projetos são de continuar no país de acolhimento, embora, passe períodos fora do país, por conta de obras da empresa de construção civil em que trabalha. CC revela atitudes e valores conformes às regras de vida em sociedade, assim como expressa o seu repúdio por práticas criminais como as que estão subjacentes ao presente processo. Tende, no entanto, a desresponsabilizar-se na situação, encarando o seu envolvimento no mesmo como acidental e demarcando-se de padrões comportamentais desviantes».
P. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
Q. O arguido BB é arrumador de ferro numa sucata em part-time, assim como faz serviços de mudanças, auferindo em media a quantia global de €600,00.
R. Vive com a companheira, a qual trabalha, com o irmão desta e o filho menor de idade, numa habitação arrendada, contribuindo com o montante variável entre €200,00 a
€300,00 para as despesas do agregado familiar.
S. Concluiu o 5.º ano de escolaridade.
T. Do relatório social de BB:
«BB tem mantido um percurso pessoal nos últimos três anos tendente à sua autonomia e constituição de família, dando mostras de reversão de um percurso delinquencial muito marcante ao longo da sua adolescência. O contexto familiar de origem, dos avós paternos, pese embora a notória permissividade e dificuldades de orientação normativa daquela altura, revelou sempre propósito em garantir suporte e orientar o arguido numa via socialmente mais ajustada. As oportunidades locais de criminalidade, fácil ligação a pares problemáticos e hábitos aditivos, sem ligações estruturadas configuraram importantes fatores de risco. Ainda assim, os confrontos com o sistema de administração da justiça penal, com especial incidência entre 2017 e 2019, em que o presente processo se contextualiza, parecem ter tido um impacto importante de dissuasão da trajetória delinquencial, favorecendo-se outras experiências positivas como o trabalho e a relação amorosa».
U. O arguido BB foi condenado:
 Por acórdão proferido no processo n.º 57/18.8GEPTM do Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 09.12.2019, pela prática de um crime dedetenção de arma proibida e um crime de consumo de estupefacientes, numa pena 160 dias de multa, à taxa diária de €7,00.
 Por sentença proferida no processo n.º 408/18.5GDPTM do Juízo Local Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 08.05.2017, pela prática de um crime de trafico de estupefacientes, numa pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, sob regime de prova.
V. O arguido DD é eletricista, auferindo o correspondente ao salario mínimo nacional.
W. Vive com a avó, a qual labora, em habitação arrendada, contribuindo com o montante de €150.00 para as despesas do agregado familiar, para alem de proceder ao pagamento da quantia mensal de €200,00 a titulo de pensão de alimentos devidos ao filho menor de idade.
X. Concluiu o 8.º ano de escolaridade.
Y. Do relatório social de DD:
«DD encontra-se ainda numa fase incipiente de autonomia, observando-se notoriamente pouco preparado na gestão funcional e económica das várias facetas da sua vida, carecendo de muita retaguarda familiar, que nem sempre acontece. As oportunidades locais de criminalidade, fácil ligação a pares problemáticos, elevada disrupção comportamental desde o início da adolescência e consumos de substancias, configuraram-se importantes fatores de risco, mas a evolução afigura-se positiva. Tem agora uma nova relação de namoro, cuja namorada se encontra grávida, sendo os projetos de consolidar uma vida juntos».
Z. O arguido DD foi condenado:
 Por sentença proferida no processo n.º 109/21.7GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 2, transitado em julgado em 25.03.2021, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena 80 dias de multa, à taxa diária de €5,50.
AA. O arguido AA é pintor da construção civil, auferindo a remuneração de €700,00.
BB. Vive com a progenitora, a qual labora, um irmão e a namorada deste ultimo, numa habitação arrendada, contribuindo com o montante minino de €200,00 para as despesas do agregado familiar.
CC. Concluiu o 8.º ano de escolaridade.
DD. Do relatório social de AA:
«AA é um jovem de nacionalidade brasileira que reside com a família no concelho de Lagoa desde 2008. Não chegou a terminar o 9º ano de escolaridade e apresenta uma experiência profissional reduzida, passando algum tempo desocupado, embora no presente esteja a trabalha como pintor de construção civil. Apesar do enquadramento familiar, o arguido registou consumos de estupefacientes e a companhia de pares criminais que estiveram na origem de várias condenações e dos seus problemas com o sistema de justiça nos últimos anos. No âmbito do acompanhamento das várias medidas de pena suspensa em curso, AA mostrou-se sempre inconstante, não sendo regular quer nas entrevistas de supervisão na DGRSP quer nas consultas externas no serviço de saúde que o acompanha, revelando uma atitude de alheamento relativamente às decisões judiciais».
EE. O arguido AA foi condenado:
 Por sentença proferida no processo n.º 126/18.4GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 3, transitado em julgado em 11.06.2019, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada e um crime de consumo de estupefacientes, numa pena de 1 ano de prisão substituída por 365 horas de TFC e na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00 substituída por 60 horas de TFC.
 Por sentença proferida no processo n.º 642/18.8GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 2, transitado em julgado em 28.11.2019, pela prática de um crime de furto, numa pena de 100 dias de multa à taxa diária de €5,00.
 Por acórdão proferido no processo n.º 57/18.8GEPTM do Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 09.12.2019, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de €7,00.
 Por sentença proferida no processo n.º 631/18.2GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 01.07.2020, pela prática de um crime de roubo, numa pena de 2 anos de prisão, suspensa pelo período de 3 anos, sob condição económica.
 Por sentença proferida no processo n.º 115/18.9GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 25.09.2020, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 2 anos de prisão, suspensa pelo período de 2 anos.
 Por sentença proferida no processo n.º 394/19.4GESLV do Juízo Comp. Genérica de Silves – Juiz 2, transitado em julgado em 11.01.2021, pela prática de um crime de roubo, numa pena de 3 anos de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, sob condição económica e regime de prova.
 Por sentença cumulatoria proferida no processo n.º 115/18.9GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 02.11.2021, na pena de 3 anos e 9 meses de prisão, suspensa pelo período de 4 anos e na pena de 190 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
 Por sentença proferida no processo n.º 79/18.9GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 1, transitado em julgado em 02.05.2022, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5,00.
 Por sentença proferida no processo n.º 88/18.8GESLV do Juízo Comp. Genérica de Silves – Juiz 1, transitado em julgado em 02.05.2022, pela prática de um crime de furto qualificado, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período sob regime de prova.
 Por sentença proferida no processo n.º 253/20.8GDPTM do Juízo local Criminal de Portimão – Juiz 3, transitado em julgado em 04.04.2022, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 90 dias de multa à taxa diária de €6,00.
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3.2. – Factos Não Provados
i. Os arguidos estabeleceram plano entre si para se deslocarem à residência da irmã do arguido AA, sita na Rua (…), em Albufeira, local, para aí furtarem objetos.
ii. O arguido BB ficou nas escadas que dão acesso ao 1.º andar para controlar os movimentos das pessoas que entravam no prédio.
iii. Os objetos subtraídos do interior da habitação tinham os seguintes valores:
- um tablet de marca Lenovo de cor preta, no valor de €300,00;
- uma consola de jogos de marca Xbox, modelo One, no valor de € 500,00;
- uma base para computador portátil, no valor de € 20,00; e,
- cinco videojogos para a plataforma Xbox One e dois videojogos para a plataforma Xbox 360, no valor de € 350,00.
iv. Os arguidos CC e BB agiram em comunhão de esforços, de forma livre, voluntária e consciente, com intenção, concretizada, de fazer seus os objetos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que, quer ao entrar na habitação através de uma janela, quer ao retirá-los, atuavam contra a vontade do seu proprietário.

B.1. Erro de Julgamento

Entende o recorrente que o tribunal recorrido errou ao ter dado como provados os factos que permitiram a sua condenação, na medida em que, em seu entender, a prova produzida em Audiência não permitia a assunção probatória da factualidade vertida nos Artsº 2/11, tendo o tribunal, nessa apreciação, violado o princípio in dubio pro reo.
Deduz assim o recorrente uma impugnação da matéria de facto, traduzida num alegado erro de julgamento, com a pretensa violação do princípio in dubio pro reo.
O erro de julgamento, decorrente do Artº 412 nº3 do CPP, não é o erro-vício da sentença previsto no nº2 do Artº 410 do mesmo diploma legal.
A base de um recurso deste género, relativo à matéria de facto, é a incorrecta e deficiente apreciação da prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, pelo tribunal recorrido, por ter valorizado, indevidamente, alguns testemunhos em detrimento de outros.
É sabido que constitui princípio geral que as Relações conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no Artº 428 do CPP, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro, da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no Artº 412 nsº3 e 4 do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o Artº 410 nº2 do aludido Código.
O erro de julgamento, ínsito no Artº 412 nº3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado não provado, ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nsº3 e 4 do Artº 412 do CPP.
É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
E é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes, um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando (violação de normas de direito substantivo) ou in procedendo (violação de normas de direito processual), que se impõe, ao recorrente, o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº3 do Artº 412 do Código de Processo Penal.
Assim, impõe-se-lhe a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, o que só se satisfaz com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que considera indevidamente julgado.
Mais se lhe atribui, a discriminação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, o que se traduz na anotação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que acarreta decisão diversa da recorrida, acrescendo a necessidade de explicitação da razão pela qual essa prova implica essa diferente decisão, devendo assim, reportar o conteúdo específico do meio de prova por si invocado com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.
Por fim, é-lhe ainda assacada a pormenorização das provas que devem ser renovadas, o que só se compraz com a informação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em sede de 1ª instância, dos vícios referidos nas alíneas do nº2 do artº 410 do CPP e das razões para crer que aquela renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo (Cfr. Artº 430 nº1 do citado diploma).
No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto, é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando, em relação a cada facto alternativo que propõe, porque deveria o Tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/03/12, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18/04/12:
«Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento substantivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo».
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, atente-se na forma como na sentença recorrida se justificou a motivação da decisão de facto (transcrição):

IV.1. – Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acima descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente à luz das regras da experiência comum e da nossa livre convicção (cf. art. 127.º do Código de Processo Penal), junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento.
Quanto ao princípio de livre convicção, “o que está na base do conceito é o princípio da libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal, sem que, entretanto, se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contraprova, porque o sistema da prova livre não exclui, e antes pressupõe, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica” (cf. A. dos Reis in CPC anotado, Coimbra Editora, 1950, vol. III, p. 245).
Assim, “(…) O princípio não pode de modo algum querer apontar para uma motivação imotivável e incontrolável, e portanto arbitrária, da prova produzida; se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados; a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever, o dever de perseguir a chamada verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objetivos, e portanto, em geral suscetível de motivação e controlo…”(cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 202/203).
O princípio da livre apreciação da prova “não é, portanto, livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objetivos e, dessa forma, determina uma convicção racional, logo, também ela objetivável e motivável” (cf. Ac. do STJ de 4-11-98, CJ, tomo III, p. 209).
É dentro deste contexto aqui assinalado que o Tribunal se estribou, alicerçado no princípio da livre apreciação da prova, perspetivado como um dever, o de alcançar a verdade material, para julgar provada e não provada a matéria supra transcrita.
Conforme salienta o Prof. Germano Marques da Silva (in Curso II, 1982 [, pág.111]) ”O juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro nível trata-se da credibilidade que merecem ao Tribunal os meios de prova, e depende substancialmente da imediação e aqui intervém elementos não raciona[lmente] explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervém as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, principio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão “regras da experiência”.
Retornando ao caso em apreço, atendeu prima facie o Tribunal às declarações prestadas pelos arguidos, os quais, em particular as declarações do arguido AA que admitiu integralmente a factualidade que lhe é imputada na acusação, designadamente de ter, no dia dos factos, se deslocado ate à habitação da sua irmã e do companheiro desta, EE, com quem tinha vivido recentemente, se introduzido na habitação através de uma janela apos ter partido o vidro e daí ter retirado os objetos descritos no auto de apreensão. Mais esclareceu que, embora tivesse ainda na referida habitação indumentaria e objetos pessoais seus, os bens que este retirou da habitação não lhe pertenciam, facto que tinha ciência. Com efeito, o mesmo admitiu que pretendia proceder à venda dos referidos objetos subtraídos com vista a obter dinheiro para a aquisição de produto estupefaciente.
Alegou ainda o arguido que os demais arguidos desconheciam o propósito da sua deslocação ate à habitação da sua irmã, apenas tendo pedido ao arguido Jorge boleia da casa da sua progenitora ate à habitação da irmã, indicando que teria deixado bens próprios nessa ultima casa. Declarou ainda que os três arguidos, CC, DD e BB vieram busca-lo ate à casa da sua mãe e quando chegaram a Albufeira, o arguido CC, que era o condutor, parqueou escassos metros do edifício, tendo este e os outros dois arguidos saído do interior do veiculo. Contudo, afirmou que só este se deslocou ate à habitação da sua irmã, tendo os outros dois permanecido na via publica. Declarou ainda que guardou os objetos subtraídos numa mala que igualmente não lhe pertencia e se dirigido ate ao veiculo e embora os outros arguidos o tivessem questionado quanto ao conteúdo, este permaneceu em silencio.
A versão relatada pelo arguido AA é corroborada pelas declarações dos arguidos BB e CC, tendo o arguido DD se remetido ao silencio, apesar do primeiro ter admitido lacunas de memoria quanto à dinâmica dos eventos dado o seu então consumo de substancias estupefacientes. Contudo, ambos os arguidos negaram veemente terem tido conhecimento do propósito da deslocação do arguido AA ate à habitação da irmã deste, isto é, que o mesmo pretendia subtrair daí objetos, assim como de terem de algum modo participado ou auxiliado aquele no seu propósito.
Declarou ainda o arguido CC que foi o arguido DD quem lhe pediu boleia para um amigo, a que este acedeu, tendo durante o percurso encontrado o arguido BB, o qual pediu para acompanha-los. Mais alegou que foi o arguido BB quem lhe deu as indicações de direção, tendo parqueado alguns metros à frente do edifício, aonde já se encontraria o arguido, o qual não conhecia ate ao dia em causa. Mais alegou que o AA indicou que teria que ir ate à casa da irmã buscar a sua mala de viagem, tendo o BB e o DD saído para o exterior para local que desconhecesse, enquanto este aguardava no interior do veiculo. Logo de seguida, os três retornaram tendo o AA guardado uma mala na bagageira, tendo este iniciado a sua marcha. Declarou ainda que já junto dos Bombeiros de Albufeira foi sujeito a uma operação de Stop, no decurso da qual teve então conhecimento que os bens que constavam na mala transportada pelo AA eram furtados.
Não obstante as declarações dos arguidos AA, BB e CC serem consentâneas entre si, estas são parcialmente contraditadas, em particular as do AA pela demais prova testemunhal, nomeadamente GG e HH, ambos funcionários num estabelecimento de restauração sito na rua dos eventos, mas sobretudo pelas suas próprias declarações prestadas perante magistrado do ministério publico constantes a fls. 80 a 82 e cuja leitura foi procedida em sede de audiência de julgamento ao abrigo do art. 357.º do CPP.
Com efeito, perante o magistrado do Ministério Publico, o arguido AA declarou que o arguido Jorge não só o acompanhou ate junto à residência da sua irmã, como o auxiliou a introduzir-se no interior da fração, partindo a janela e transportando os objetos que daí retirou. Tal descrição dos eventos é similar e consentânea ao narrado pelas testemunhas GG e HH (as quais nenhum interesse têm no desfecho da lide) que, não tendo reconhecido nenhum dos arguidos, contudo, não manifestaram quaisquer duvidas que observaram dois indivíduos a introduzirem-se no interior do apartamento através da janela e a transportar objetos do seu interior para o exterior.
Considerando a supra referida prova testemunhal, bem como as declarações iniciais prestadas pelo arguido AA, afigura-se mais coerente e consentâneo com as regras da experiência comum que o arguido DD tenha participado no plano do arguido AA em subtrair bens da residência de EE. Assim, resulta da prova supra descrita que os arguidos Jorge e AA em conjugação de esforços e num acordo implícito, ainda que não inicial, mas pelo menos deferido, decidiram subtrair bens que se encontram no interior da fração em que residia EE, sabendo que esses bens não lhes pertenciam e que quer ao entrar na habitação através de uma janela, quer ao retirá-los, atuavam contra a vontade do seu proprietário. Igualmente atuaram sabendo que com as suas condutas, tinham tornado possível o crime, facilitado ou, pelo menos, diminuído o risco da ação.
Diversamente, inexiste qualquer prova nos autos que os arguidos CC e BB tivessem conhecimento do plano do arguido AA e/ou que hajam participado de algum modo/facilitado a pratica desse ilícito.
Ponderou ainda o Tribunal o depoimento prestado por FF, militar da GNR e EE, proprietários dos bens subtraídos, os quais descreveram o modo como ocorreu a fiscalização, os bens subtraídos e seu valor e o modo como se introduziram no apartamento, conjugado com a prova documental dos autos, designadamente o Auto de
Notícia, de fls. 7 a 11, o Auto de apreensão de fls. 29 a 32, - o Auto de exame e avaliação, de fls. 33, o Auto de visionamento, de fls. 59, e termo de entrega a fls. 60 a 62.
Atendeu, ademais, o Tribunal às Declarações dos Arguidos, quanto às suas condições socioeconómicas, aliado aos respetivos relatórios sociais e aos respetivos Certificados de Registo Criminal, no que se refere à (in)existência de antecedentes criminais.

Lendo o teor das motivações de recurso, facilmente se compreende que o que há, da parte do recorrente, é a invocação de um erro de julgamento, ainda que o qualifique como erro notório na apreciação da prova, apontando uma deficiente valoração probatória no que toca à matéria que lhes era imputada, entendendo que uma apreciação crítica do conjunto da prova produzida teria de levar, necessariamente, a conclusão contrária da assumida pelo tribunal recorrido, no sentido de dar por não assente a sua participação no furto qualificado em causa.
Para tanto, funda-se o recorrente, nas declarações do arguido AA, confesso autor do crime e que desresponsabilizou os demais da respectiva prática, afirmando que estes nada sabiam dos seus intentos criminosos, sendo certo que as mesmas não podem ser afastadas pelos depoimentos das testemunhas HH e GG, por estas não merecerem credibilidade.
Ora no que toca às declarações do arguido AA, como bem explicitou o tribunal recorrido, se é verdade que este, em sede de Audiência de Julgamento, assumiu, por inteiro a prática individual do crime, afirmando que os outros três arguidos nada sabiam dos seu propósitos, nem participaram no ilícito, não menos certo é, que logo após o cometimento do ilícito e a seguir à sua detenção, em interrogatório prestado perante o Digno Magistrado do MP - e cuja leitura foi levada a cabo em audiência de julgamento ao abrigo do Artº 357 do CPP - o mesmo arguido AA declarou que o ora recorrente não só o acompanhou ate junto à residência da sua irmã, como o auxiliou a introduzir-se no interior da fracção, partindo a janela e transportando os objetos que daí retirou.
Por outro lado, não se compreende a alegação do recorrente no sentido de descredibilizar as testemunhas HH e GG, que não têm qualquer interesse no processo e não conhecem nenhum dos arguidos, tendo prestado depoimentos sinceros em relação à percepção do que viram.
Ora, por ambas, como funcionários de um estabelecimento de comércio situado nas imediações da residência assaltada, foi afirmado, sem qualquer dúvida, que visionaram dois homens (que não conseguem reconhecer) a introduzirem-se no apartamento em causa, através de uma janela e a transportar objectos do seu interior para o exterior.
É certo que a testemunha GG menciona o que lhe pareceu ser um televisor de grandes dimensões, objecto não consta dos bens furtados, mas ainda que se reconheça que aí possa ter sido atraiçoada por aquilo que lhe pareceu ser algo que não era, a verdade é que, para o que interessa ao dissídio em causa – a circunstância de terem sido duas pessoas a entrar no referido apartamento – a sua percepção está inteiramente de acordo, quer com o afirmado pela outra testemunha, HH, quer com as declarações prestadas pelo próprio arguido AA em sede de inquérito.
Daí que se concorde com a conclusão retirada pela instância sindicada e que agora se recorda:
Considerando a supra referida prova testemunhal, bem como as declarações iniciais prestadas pelo arguido AA, afigura-se mais coerente e consentâneo com as regras da experiência comum que o arguido Jorge tenha participado no plano do arguido AA em subtrair bens da residência de EE. Assim, resulta da prova supra descrita que os arguidos DD e AA em conjugação de esforços e num acordo implícito, ainda que não inicial, mas pelo menos deferido, decidiram subtrair bens que se encontram no interior da fração em que residia EE, sabendo que esses bens não lhes pertenciam e que quer ao entrar na habitação através de uma janela, quer ao retirá-los, atuavam contra a vontade do seu proprietário. Igualmente atuaram sabendo que com as suas condutas, tinham tornado possível o crime, facilitado ou, pelo menos, diminuído o risco da ação.
O que o recorrente traz á liça é, unicamente, a sua discordância com o tribunal julgador no tocante à apreciação que este fez da prova, pretendendo sobrepor a sua perspectiva pessoal à livre convicção daquele tribunal, mas esquecendo que esta, neste domínio, se impõe soberanamente sem outros limites para além dos que a lei assinala.
Numa palavra, a divergência do recorrente não assenta em qualquer divergência entre o que afirma ter sido dito no decurso da audiência de julgamento e aquilo que quem julgou diz que se disse, nessa mesma ocasião, mas apenas e tão só, na avaliação que faz da prova que ali foi produzida.
Ora, considerada a prova produzida, inexistem motivos que justifique qualquer alteração desta convicção probatória, sendo que a mesma se apresenta conforme, quer com tal prova, quer com as regras de experiência e o sentido das coisas, até porque a interpretação e a valoração concertadas dos meios de prova, são efectuadas nos termos do Artº 127 do CPP - princípio da livre apreciação da prova – onde se estipula que: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.
Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.
Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo; porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.
«A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência»- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, « é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs.).
Como se diz no Ac. da Relação de Coimbra, de 18/02/09, proferido no proc. 1019/05.0GCVIS.IC, disponível em www.dgsi.pt:
A sindicância da matéria de facto na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações (cfr ac. do S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008 (Processo:07P4375, www.dgsi.pt):
1º) – A que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;
2º) – A que decorre da natural falta de oralidade e de imediação, com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;
3ª) – A que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disse;
4ª) – A que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)”.
Bem andou assim o tribunal recorrido, pois a factualidade provada e não provada configura-se como adequada às regras de experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual, não merecendo censura, não é sindicável por este tribunal, inexistindo por isso motivos para ser alterado.
A versão factual assumida pelo tribunal em relação ao arguido recorrente sustenta-se nas declarações prestadas pelo arguido AA perante o MP em sede de inquérito, conjugada com os depoimentos das testemunhas HH e GG, o mesmo é dizer, sustentada pelos meios de prova produzidos, quer de prova directa, quer de prova circunstancial.
O modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição, efectuado pelo tribunal a quo, ao não coincidir com a perspectiva do recorrente nos termos em que esta as analisa e nas consequências que daí derivam, não traduz, face ao que se expôs, qualquer erro ou vício.
Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt:
«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.
Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …
… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»
A decisão, nesta matéria, do tribunal recorrido, foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra suficientemente fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada, se contra si se apresentassem meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsiderados, ou se a mesma se configurasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras de experiência ou ao sentido das coisas.
Mas nenhuma destas condições é o caso sub judice, em que o decidido pelo tribunal recorrido, se desenha com lógica e razoabilidade necessárias, de modo que se deve concluir como no aresto citado: «… se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior
Discordar, sem qualquer fundamento legal, leva simplesmente à sua improcedência, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01 : «A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente e no entendimento do recorrente, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o por si pretendido está destinado ao fracasso.
Por outro lado, ao ter assim decidido, em caso algum se desenha uma violação do princípio in dubio pro reo, na medida que esta só ocorre, quando, em sede de prova, perante uma dúvida objectiva e intransponível, o tribunal decide desfavoravelmente ao arguido.
Sendo ele uma emanação do princípio constitucional da presunção de inocência, surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo.
Se, a final, persistir uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova terá de ser resolvido a seu favor, por imposição do estatuído no Artº 32 nº1 da Constituição da República Portuguesa.
Mas esta dúvida não é a que o recorrente entende que o tribunal deveria ter tido, mas antes, a que o tribunal, efectivamente, teve.
Ora, resulta com toda a clareza da fundamentação da sentença recorrida, que não existiu qualquer dúvida no espírito do julgador, na construção do esqueleto factual dos autos, após a apreciação, livre, mas responsável, livre, mas motivada, da prova produzida em Audiência de Julgamento, corroborada com a já existente nos autos.
Nessa medida, não tem cabimento a aplicação do referenciado princípio in dubio pro reo, pois o tribunal a quo entendeu que havia sido produzida suficiente prova do cometimento dos factos pelos arguidos, entendimento que foi sufragado ao abrigo do já escalpelizado princípio da livre apreciação da aprova, ínsito no Artº 127 do CPP.
Inexistindo assim qualquer erro na avaliação da prova por banda do tribunal a quo, ter-se-á que finalizar pela improcedência do recurso do nesta parte.

B.2. Omissão de pronúncia no que toca ao REJA

Alega o recorrente que o tribunal recorrido deveria ter ponderado a aplicação do Regime Penal Especial para Jovens Adultos, previsto no D.L. 401/82, de 23/09 e, nessa medida atenuar especialmente a pena que lhe foi aplicada.
O recorrente nasceu no dia 04/01/2000 e os factos criminosos tiveram lugar em 07/07/2019, ou seja, quando tinha 19 anos de idade.
Nos termos do Artº 1 do D.L. 401/82, de 23/09, aplicável a jovens que, à data do cometimento do crime, já tenham completado os 16 anos de idade e sem que tenham atingido os 21 anos, o tribunal, em caso de aplicar pena de prisão, deve atenuar especialmente a pena, nos termos dos Artsº 73 e 74, ambos do C. Penal, se tiver sérias razões para crer que, da dita atenuação, resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
In casu, o tribunal recorrido, em sede de determinação da medida da pena, não se pronunciou sobre esta matéria, quer em relação ao arguido recorrente, quer quanto ao outro arguido que também condenou, AA, também ele, à data dos factos, menor de 21 anos de idade, mais propriamente, com 18 anos, pois nasceu a 13/07/2000.
Apesar de a referida atenuação especial da pena não ser automática, ou de aplicação obrigatória – na medida em que exige que dela resultem sérias vantagens para a reinserção social do jovem delinquente – o tribunal não está dispensado de se pronunciar sobre a conveniência ou inconveniência da aplicação desse regime, devendo justificar a posição que adoptar, ainda que seja em sentido negativo.
Crê-se ser praticamente pacífico o entendimento jurisprudencial que, a omissão de pronúncia sobre esta matéria constitui nulidade da sentença, na medida em que o tribunal deixou de se pronunciar sobre uma questão a que estava obrigado a fazê-lo, nos termos do Artº 379 nº1 al. c) do CPP.
Por sua vez, tratando-se de uma matéria cujo conhecimento é imposto por um comando legal – Artº 4 do aludido D.L. – não é sequer necessário que a nulidade seja arguida pelo recorrente para que da mesma conheça o tribunal de recurso, porquanto, a verificar-se tal nulidade, o seu conhecimento é oficioso. (Cfr. neste sentido, entre outros, Acs. do STJ, de 15/04/99, Proc. 99P224 e 06/02/22, Proc. 01P4106.)
In casu, ainda que o recorrente mencione que o tribunal deveria ter ponderado a aplicação do referido regime, a verdade é que não aponta qualquer consequência/vício jurídico para a sentença decorrente dessa omissão de pronúncia.
Daqui resulta, por um lado, que a declaração de nulidade aproveita, também, ao arguido não recorrente, AA, e por outro, que o tribunal ad quem não deve exercer o seu poder de suprimento da nulidade, na medida em que isso corresponderia à supressão de um grau de jurisdição, particularmente relevante no caso do arguido não recorrente, que foi condenado em pena de prisão efectiva e que, eventualmente, por força da eventual aplicação do mencionado regime, poderá beneficiar de uma suspensão da execução da pena (Cfr., neste sentido, Acs. desta Relação, de 03/12/15, Proc. 512/11.0GAVNO.E1, 17/01/2018, Proc. 483/14.1GFSTB.E1 e de 26/06/2018, Proc. 3841/13.5TBSTB.E1).
Nesta medida, terá que ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância para que, com vista ao suprimento da verificada nulidade, se proceda à elaboração de nova decisão que pondere a possibilidade de aplicação do aludido regime especial decorrente do D.L. 410/82 de 23/09 aos dois arguidos que foram condenados, o recorrente DD e o seu co-arguido AA, daí retirando as eventuais consequência jurídicas e podendo, para tanto e se entender necessário, reabrir a audiência e determinar a produção de meios de prova, nos termos do artº 340 nº1 do CPP.

3. DECISÃO

Nestes termos, julga-se procedente o recurso e em consequência, declara-se a nulidade da sentença recorrida, nos termos do Artº 379 nº1 al. c) do CPP, por omissão de pronúncia no tocante à aplicabilidade, ou não, do Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, e em consequência, determina-se a remessa dos autos à 1ª instância, a fim de ser suprida a dita nulidade, em relação aos dois arguidos que foram condenados, daí retirando as eventuais consequência jurídicas, podendo, se necessário proceder à reabertura da audiência para os efeitos convenientes.
Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 09 de Maio de 2023
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
Fernando Pina (Adjunto)
Que votam o acórdão com a seguinte declaração de voto:
(Ainda que se perfilhe o entendimento sufragado no Acórdão desta Relação de Évora de 23/03/2021, proferido no âmbito do proc. n.º 276/16.1PBTMR.E1, em que interviemos, respetivamente, como relatora e como Adjunto, no sentido de a nulidade do acórdão da 1.ª instância, decorrente da omissão de pronúncia sobre a aplicação ou não ao arguido, do regime penal aplicável aos jovens de delinquentes, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, pode e deve ser sanada pelo tribunal de recurso, se dispuser dos elementos suficientes e necessários para o efeito, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 2, do CPP, no caso em apreço, considerando que a nulidade em questão também aproveita ao coarguido/condenado, não recorrente, entendemos dever a mesma ser sanada pelo tribunal recorrido, daí o votarmos a decisão da remessa dos autos à 1.ª instância, a fim de ser suprida a nulidade referida.)
(Assinaturas digitais)