Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
Descritores: | SIGILO DE COMUNICAÇÕES DISPENSA | ||
Data do Acordão: | 06/04/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Mostra-se justificada a dispensa do dever de sigilo profissional em sede de comunicações electrónicas, autorizando-se uma operadora de telecomunicações móveis a fornecer os dados que possua relativos à morada/residência do cliente, nos termos do disposto no artigo 135º, nº 3, do Código de Processo Penal, aplicável por força do artigo 417º, nº 3 , do Código de Processo Civil, quando tal informação for solicitada a partir do processo e se afigurar necessária para o correcto andamento do mesmo, designadamente para efeitos de citação, procurando desse modo evitar-se o recurso à citação edital. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. Nº 130866/18.5YIPRT-A.E1 – Incidente de dispensa de dever de sigilo Comarca de Santarém - Juízo Local Cível de Santarém – Juiz 2 * Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC) (...) * Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…) – Comunicações, SA intentou pela Secretaria de Justiça do Balcão Nacional de Injunções requerimento de injunção para cobrança do montante de € 755,85 contra (…), indicando como domicílio do mesmo a Rua (…), nº 3, 3º-D – Santarém. Frustrada a notificação do Requerido, foram os autos remetidos à distribuição no Tribunal a quo como acção especial para cumprimento de obrigação pecuniária no âmbito do Dec.-Lei nº 269/98, de 01/09. Com vista à citação do Requerido na identificada acção foram realizadas pesquisas junto de todas as bases de dados acessíveis pelo Tribunal, apenas se tendo apurado uma única morada – Rua (…), n.º 38, Lote 4, 3.º direito, Jardim de (…), 2005-280 Santarém, sendo certo que resultou frustrada a citação pessoal, por via postal registada com aviso de recepção e por contacto pessoal de agente de execução, tentada na mesma. Oficiaram-se às entidades prestadoras de serviços essenciais, solicitando-se informação acerca da morada do Requerido tendo a (…) Portugal Comunicações Pessoais, S.A. (doravante apenas …), uma das contactadas, recusado a prestação de tal informação, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPC, apelando, outrossim, aos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 16/94 e 21/2000, argumentando que nestes se considerou que os elementos que identificam o cliente, como sejam o seu nome, morada e número de telefone estão cobertos pelo sigilo das comunicações e pelo sigilo profissional sempre que este requeira confidencialidade dos seus dados, o que se verificou no caso do Requerido, entendendo ser aplicável ao caso concreto o disposto no artigo 34º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e o artigo 4º, nº 1, da Lei nº 4/2004, de 18/08, alterada pela Lei nº 46/2012, de 29/08. Notificada da frustração das diligências, a Requerente veio requerer o prosseguimento dos autos, requerendo expressamente a citação do Requerido por meio de editais. O Tribunal a quo proferiu então despacho, no qual solicitou a este Tribunal da Relação de Évora a quebra do sigilo invocado pela (…), com o seguinte teor: “O procedimento especial de injunção deduzido por (…) Comunicações, S.A. contra (…) foi remetido à distribuição na sequência da frustração da notificação pessoal do mesmo na morada indicada. Com vista à citação do réu na presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, foram feitas pesquisas junto de todas as bases de dados acessíveis pelo tribunal, apenas se tendo apurado uma única morada – Rua (…), n.º 38, Lote 4, 3.º direito, Jardim de (…), 2005-280 Santarém – em que se frustrou a citação pessoal por via postal registada com aviso de recepção e por contacto pessoal de agente de execução. Oficiaram-se as entidades prestadoras de serviços essenciais, solicitando-se informação acerca da morada do réu e, de entre elas, a (…) Portugal Comunicações Pessoais, S.A. (doravante, …) recusou a prestação de tal informação, ao abrigo dos artigos 417.º, n.º 3, als. b) e c), do CPC. Para tanto, disse que o réu é seu cliente e solicitou a confidencialidade dos seus dados aquando da subscrição do serviço telefónico, pelo que as informações referentes à sua morada se encontram cobertas quer pelo sigilo das comunicações, quer pelo sigilo profissional, atento o disposto no art.º 34.º, n.º 1 e 4, da CRP, no art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2004, de 18/08, 48.º, n.º 1, alínea l), da Lei n.º 5/2004, de 10/02. Mais apelou aos Pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 16/94 e 21/2000, dizendo que nestes se considerou que os elementos que identificam o cliente, como sejam o seu nome, morada e número de telefone estão cobertos pelo sigilo das comunicações e pelo sigilo profissional sempre que este requeira confidencialidade dos seus dados, o que se verificou no caso do réu. Notificada da frustração das diligências, a autora veio requerer o prosseguimento dos autos. Apreciando: Apesar de resultar do art.º 417.º, n.º 1, do CPC que todas as pessoas têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, a recusa de colaboração será legítima se importar violação de sigilo de comunicações ou profissional, conforme expressamente ressalvado pelo n.º 3 do mesmo preceito legal. Considerando os motivos de recusa invocados, por remissão do n.º 4 do art.º 417.º do CPC cumpre aplicar (com as necessárias adaptações) o disposto no art.º 135.º do CPP acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de segredo. Ora, entre o mais, que para o caso dos autos não releva, decorre do art.º 135.º do CPP dispõe que podem escusar-se a depor (ou prestar informações) os membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo (n.º 1) e que, se não houver dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, o tribunal não ordena a prestação do depoimento (ou informação) e suscita à apreciação do tribunal superior a quebra de sigilo (n.º 2 e 3). Face à redacção do art.º 135.º do CPP, é patente que o incidente de quebra de sigilo está dividido em duas fases: a fase de apreciação da legitimidade da escusa, que é tratada no n.º 2 e é da competência do tribunal de 1.ª instância e a fase de justificação da escusa que é tratada no n.º 3 e é da competência do tribunal superior àquele onde a escusa é deduzida. No caso vertente, para apurar da legitimidade da recusa da (...) em prestar as informações solicitadas, devem apreciar-se as normas convocadas por aquela sociedade. O art.º 34.º, n.º 1, da CRP consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, estabelecendo que “[o] domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”. Por seu turno, o n.º 4 do mesmo preceito legal estatui que “[é] proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.” O art.º 4.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2004, de 18/08, dispõe que “[a]s empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respetivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público.” Finalmente, o art.º 48.º, n.º 1, al. l), da Lei n.º 5/2004, de 10/02 prescreve que deve constar do contrato “a indicação expressa da vontade do assinante sobre a inclusão ou não dos respectivos elementos pessoais nas listas telefónicas e sua divulgação”. Embora não se equacione nos autos a revelação de quaisquer dados de tráfego e dados de conteúdo e, como tal, não esteja em causa a intromissão nas telecomunicações (art.º 417.º, n.º 3, al. b), do CPC), cremos que as operadoras de telecomunicações devem guardar sigilo relativamente aos dados de base (designadamente, a morada) quando o cliente se oponha à sua divulgação, por força do disposto no art.º 48.º, n.º 1, al. l), da Lei n.º 5/2004. Como tal, será legítima a sua recusa em fornecer tais informações, ao abrigo do disposto no artigo 417.º, n.º 3, alínea c), do CPC. A posição por nós perfilhada é adoptada no recente acórdão do TRL de 05/05/2020, bem como no TRE de 12/04/2018, entre vários outros. No mesmo sentido, já se pronunciara a PGR no Parecer n.º 21/2000, de 16/06/20003 em que se sustentou que os dados base não contendem com a esfera íntima da vida privada e, por isso, não se encontram excepcionados do dever de cooperação previsto no art.º 417.º, n.º 3, alínea b), do CPC; porém, caso tenham carácter sigiloso por o interessado ter manifestado a oposição à sua publicitação e divulgação e as entidades requisitadas venham a invocar escusa com base no disposto na alínea c) do n.º 3 do [actual] art.º 417.º do CPC funciona então o mecanismo previsto no art.º 135.° do CPP. Aqui chegados, julgo legítima a recusa da Vodafone em prestar a informação solicitada. Assim, e considerando ainda que a citação pessoal visa assegurar o direito fundamental ao processo equitativo, o apuramento da morada do réu junto da Vodafone é essencial para o regular andamento do processo e a boa administração da justiça e o emprego da citação edital sem estarem goradas todas as diligências para a citação pessoal pode implicar a prática de uma nulidade processual, justifica-se suscitar junto do tribunal superior o incidente de quebra de sigilo para a divulgação da morada do réu e a sua subsequente citação. Pelo exposto, e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 417.º, n.º 4, do CPC e 135.º, n.º 3, do CPP, suscito o incidente de quebra de sigilo perante o Tribunal da Relação de Évora, para os efeitos acima referidos. * Com vista a instruir o competente incidente, determino a extracção de certidão do presente despacho, da carta registada para citação do réu que veio devolvida (ref.ª 6104484), da junção de documentos pelo agente de execução a atestar a frustração da citação por contacto pessoal com o réu, dos resultados das pesquisas de moradas nas bases de dados acessíveis pelo Tribunal, do requerimento 24/01/2020, despacho de 28/01/2020 e subsequente resposta negativa de todas as instituições oficiadas e ainda do requerimento de 18/05/2020. * Autuado o apenso com a certidão dos actos processuais mencionadas, remeta o mesmo ao Tribunal da Relação de Évora, para decisão do incidente ora suscitado. Santarém, d.s.” (Itálico nosso). * O incidente subiu a esta Instância e colheram-se Vistos. * II – QUESTÃO A DECIDIR A questão a decidir consiste apenas em determinar se, no caso concreto, é, ou não, de considerar preenchidos os requisitos que possibilitam o levantamento, ou a dispensa, do sigilo invocado pela operadora (…) Portugal. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos com interesse para a decisão do incidente em apreço constam do segmento atinente ao relatório acima delineado. * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Dispõe o artigo 34º da Constituição da República Portuguesa (doravante apenas CRP) que: 1- O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis; […] 4- É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal”. Prevê o artigo 48º, nº 1, da Lei nº 5/2004, de 10/02 (Lei das Comunicações Electrónicas), na versão mais recente em vigor conferida pela Lei nº 92/2017, de 31/07, o seguinte: “1- Sem prejuízo da legislação aplicável à defesa do consumidor, a oferta de redes de comunicações públicas ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público é objecto de contrato, do qual devem obrigatoriamente constar, de forma clara, exaustiva e facilmente acessível, os seguintes elementos: […] l) Indicação expressa da vontade do assinante sobre a inclusão ou não dos respectivos elementos pessoais nas listas telefónicas e sua divulgação através dos serviços informativos, envolvendo ou não a sua transmissão a terceiros, nos termos da legislação relativa à protecção de dados pessoais”; O artigo 127º desta Lei revogou expressamente a Lei nº 91/97, de 01/08, que definira as bases gerais atinentes ao estabelecimento, gestão e exploração de redes de telecomunicações e a prestação de serviços de telecomunicações. Preceitua, por seu turno, o artigo 4º, nº 1, da Lei 41/2004, de 18/08, relativa “ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas” (que não foi objecto de alteração por parte da versão mais recente do diploma conferida pela Lei 46/2012, de 29/08), que: “1- As empresas que oferecem redes e ou serviços de comunicações electrónicas devem garantir a inviolabilidade das comunicações e respectivos dados de tráfego realizadas através de redes públicas de comunicações e de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público”. Diz-nos, outrossim, o artigo 417º, nº 1, do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), que: |