Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1239/11.9TBCTX.E.1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: DIREITO DE RETENÇÃO
TERCEIRO
Data do Acordão: 02/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- A titularidade do direito de retenção (direito real de garantia, art.º 754.º, CC) por parte do promitente comprador depende apenas da verificação dos seguintes pressupostos: a) traditio da coisa ou coisas, objecto do contrato definitivo prometido; b) o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; c) a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito.
II- Tal direito é oponível a terceiro adquirente.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Caixa Geral de Depósitos, SA instaurou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, contra Manuel Correia Guardiano e Deolinda da Encarnação Fernandes, todos com os demais sinais dos autos, pedindo que os Réus sejam condenados a: reconhecer o direito de propriedade da Autora como legítima proprietária dos prédios - Fracção E correspondente à garagem no 5, na cave, do prédio urbano descrito na CRP do Cartaxo sob o n.º 1107, freguesia do Cartaxo, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art.º no 4081 e Fracção N, correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano descrito na CRP do Cartaxo sob o n.º 1107, freguesia do Cartaxo, inscrita na respectiva matriz predial urbana com o art.º n.º 4081 e condenados à entrega das mesmas à Autora livres e devolutas de pessoas e bens.

Pede, ainda, a condenação dos Réus a pagarem solidariamente à Autora, a título de indemnização dos danos causados.

Alega, para tanto e, em síntese, que adquiriu em 26.06.94, no âmbito dos autos de execução fiscal n.º 1988-91/000679.3, do Serviço de Finanças do Cartaxo os imóveis acima identificados, tendo procedido ao registo dos mesmos em 18.08.1999. Mais alega que os Réus ocupam os supra identificados imóveis e que interpelados para procederem à entrega, não fizeram, pelo que tal conduta causa prejuízo à Autora.

Os Réus, contestaram por impugnação e deduziram a excepção de prescrição e formularam pedido reconvencional.

Em síntese, alegam que, já prescreveu o direito à indemnização peticionado Pela Autora, na medida em que esta tem conhecimento da ocupação dos imóveis pelos Réus desde 23.06.1994, sendo que há muito que decorreu o prazo de prescrição nos termos do artigo 498.° do CC..

Alegam, ainda, que celebraram com a Sociedade “Os dois – Construção e Venda de Apartamentos, Lda.” um contrato-promessa de compra e venda que tinha por objecto a fracção N e houve tradição do imóvel. Com efeito, tendo sido o mesmo incumprido pela referida Sociedade, tem estes nos termos legais à devolução da quantia que prestaram ao promitente vendedor. Assim, em consequência, invocam o direito de retenção até não serem ressarcidos do referido montante.

A Autora replicou.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção e, em consequência, decidiu:

Reconhecer aos Réus Manuel Correia Guardiano e Deolinda da Encarnação Fernandes o direito de exercerem a retenção sobre a Fracção N, correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano descrito na CRPredial do Cartaxo sob o n.º 1107, freguesia do Cartaxo, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art.º n.º 4081 enquanto não forem pagos das quantias resultantes do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda.

Absolver os Réus do peticionado pela Autora.

Inconformada recorreu a A. tendo formulado as seguintes conclusões:

Os Apelados invocaram para legitimar a sua ocupação, serem titulares direito de retenção decorrente da celebração de contratos promessa de compra e venda dos imóveis em causa na presente acção.

Atentando na prova documental junta aos autos, verifica-se que os Apelados somente obtiveram sentença reconhecendo o direito de retenção quanto à fracção E.

No que concerne à [ração “N”, os Apelados não obtiveram qualquer decisão judicial a reconhecer-lhes o direito de retenção, nem sequer reclamaram créditos no processo de execução fiscal.

Nestes termos e face à prova produzida com força bastante, o facto provado : somente que: “Os Réus reclamaram créditos quanto à (ração “E” na execução fiscal n.!! 1988-91/00679.3 e apensos.. e não com o n.2 2030/1998, como Por lapso foi certamente referido na sentença.

E aditando-se aos factos provados que “Os Réus não reclamaram créditos quanto à fracção “N”.

Resulta também dos documentos juntos aos autos, que os Apelados não reclamaram créditos no processo de falência da sociedade promitente_ vendedora, pelo que deve ser aditado como provado que “os Réus não reclamaram créditos no processo de falência da sociedade Os Dois, Ida.

Os Réus reclamaram créditos no processo de execução fiscal fora do prazo previsto no art 8692 na redacção do CPC aplicável a tal processo, pejo que qualquer direito que tivessem a ver reconhecido qualquer crédito com preferência ao crédito da Apelante, se mostrava já há muito caducado.

Quanto à fracção N, os Apelados não reclamaram quaisquer créditos na execução fiscal. Nem actuaram contra a promitente vendedora visando o reconhecimento de qualquer direito, logo não lograram demonstrar a existência de qualquer direito de retenção sobre a referida fracção oponível à Autora.

ð processo de execução fiscal foi mandado avocar ao processo de falência da sociedade promitente vendedora, processo no qual os créditos dos Réus não foram reconhecidos, conforme sentença de verificação e graduação de créditos. cuja certidão foi junta aos autos em 17/06/2014.

Assim, verifica-se que os invocados créditos pelos Apelados sobre a sociedade Os Dois, Lda não foram reconhecidos, nem graduados, logo não podem os Apelados querer ser pagos pelos alegados créditos que invocam sobre a sociedade promitente_ vendedora.

Ademais, o pedido reconvencional deduzido pejos Réus deveria ter sido desde logo indeferido. Ou pelo menos julgado improcedente. Porquanto os Apelados peticionaram em reconvenção a resolução do contrato promessa que celebraram com a sociedade Os Dois relativamente à fracção “N”, sendo que tal sociedade não é parte na presente acção.

Igualmente o pedido de condenação no pagamento de juros até integral pagamento sobre os alegados sinais pagos deveria ter sido julgado improcedente por ter sido declarada a insolvência da sociedade promitente vendedora, o que nos termos do art.º 15111, n,l1 2 do CPEREF faz cessar a contagem de Juros ou de outros encargos sobre as obrigações do falido.

Os Apelados não têm direito de retenção sobre as (rações em causa, porque enquanto promitentes-compradores não praticaram aptos de efectiva apreensão material da coisa prometida, em nome próprio, ou seja, intervindo sobre a coisa como se fosse sua, nem houve abandono do imóvel pelo seu proprietário, nem tal foi invocado.

Acresce que, a posse exigida para a existência de direito de retenção é uma posse actual, o que não sucede no presente caso.

Resulta do depoimento de parte prestado peja Ré Deolinda da Encarnação Fernandes, em 30/01/2015 que os Apelados já não residem nas fracções em causa, conforme se transcreve: “Não habito a casa neste momento.

Tal informação foi corroborada pela testemunha Paulo Jorge Matos Narciso, aos lm59ss do seu depoimento.

Termos em que não deveria ter sido reconhecido qualquer direito de retenção aos Apelados oponível à Apelante.

Mas o direito de retenção tal como alegado pelos Apelados não é oponível à Apelante ainda por outro fundamento.

O direito de retenção apenas confere ao titular a Possibilidade de ser ressarcido, pelo valor da venda do imóvel, com preferência sobre os demais credores com garantia real sobre o mesmo, sendo um direito real de garantia e não um direito real de gozo.

A existência de direito de retenção a favor dos Réus apenas lhes confere o direito de serem pagos com preferência em relação aos demais credores, atento o disposto no art.º 759.º, n.º 2 do C. Civil, pois o direito de retenção. Enquanto direito de garantia caduca com a venda judicial. Nos termos do art.º 824.º, n.º 2 do C. Civil.

Entendimento diferente poria em causa todo o instituto da venda judicial dos imóveis penhorados em processo executivo. Permitindo-se ao titular de direito de retenção que continuasse a usar e usufruir o imóvel. já não sendo proprietário executado/promitente-vendedor relapso e impedindo o adquirente de tomar posse efectiva e material do imóvel. Que adquiriu livre de ónus ou encargos, sem que o titular do direito de retenção nada tivesse de pagar ao adquirente por tal uso.

Os direitos dos titulares do direito de retenção, deixam com a venda judicial de estar garantidos com a posse e passam em contra partida a ser suportados pelo produto da venda, retida à ordem do processo, até ser proferida sentença de verificação e graduação de créditos e os credores serem pagos pela ordem nela estipulada.

A dispensa de depósito do preço é uma faculdade a que a Autora teve direito ao abrigo do legislado no artigo 887.11 do CPC e tal acontece por o valor de compra ser inferior ao seu crédito, pelo que para todos os efeitos, o valor do seu crédito compensa o valor da compra.

Os Réus não diligenciaram por sua única e exclusiva culpa, para que o seu direito fosse reconhecido e graduado como tal no âmbito do processo de execução fiscal, esse direito de retenção sobre os imóveis extinguiu-se com a venda judicial, sendo que o titular de direito de retenção não pode recusar-se a entregar o bem.

Os Apelados ocupam os imóveis em causa, sem qualquer título legítimo, sabendo que com tal comportamento violam o direito de propriedade da Autora, desde a data da venda judicial.

Sendo o local ilegitimamente ocupado e fruído desde 23/06/1994, estão pois os Apelados obrigados a indemnizar a Apelante pelos danos que esta Ocupação ilícita lhe causou.

O art.º 1305.º, do CC confere ao proprietário os direitos de uso e fruição da coisa pejo que, estando o dono impedido de fruir o prédio e não tendo a parte contrária logrado convencer que o detém com base em título válido, oponível ao proprietário, assiste a este o direito de formular o correspondente pedido de indemnização, como forma de reparar os prejuízos decorrentes daquela privação.

\ Apelante demonstrou e explicou os danos que sofreu com a ocupação ilícita e eu/Posa dos Apelados, conforme os depoimentos das testemunhas Catarino José Santos Carrasco Cunha e Sandra Isabel Perdigão Paiva Ribeiro, transcritos nas alegações.

Os Apelados deverão ser condenados no pagamento solidário dos mesmos conforme peticionado pela Apelante.

Face à prova produzida os factos que constam da sentença em 2.1.2 factos não provados deverão ser tidos como provados. Devendo dar-se como provado que:
a)Se os referidos imóveis tivessem sido entregues à Autora pelos Réus, como deveriam ter sido, na data da venda, em 23.6.94, poderiam ter sido colocados no mercado de arrendamento, através de empresas do GRUPO CAIXA, mais vocacionadas para essa actividade comercial, podendo a Autora obter desde aquela data e até 31.7.11, o rendimento global de 9.909,26 €, para a fracção E, e 56.152,49 €, para a fracção N, b)A não ser assim, as quantias despendidas pela Autora na aquisição dos referidos imóveis seriam aplicadas em operações activas de longo prazo, como são as dos empréstimos para aquisição de habitação própria celebrados entre aquela e os mutuários, e teriam sido remuneradas, desde 23.6.1994 até 31.7.2011, às sucessivas taxas históricas do crédito à habitação, nos montantes globais de 6.736,48 €, para a fracção E, e 49.348,80 €, para a fracção N, verbas que correspondem aos danos causados à Autora até 31.7.11. tendo após esta data, um agravamento diário de 0,94 € e 6,87 €, respectivamente, por aplicação da taxa de juro actual de 7,978 %, c) a actuação dos Réus subtraiu à Autora o gozo dos imóveis identificados, o que lhe causou, pelo menos, o dano correspondente ao montante dos juros, calculados às sucessivas taxas supletivas legais, desde 23.6.1994, até 31.7.2011, sobre os capitais investidos nas aquisições (4.289,66 €, e 31.424,27 €), que se cifra em € 4.970,25 €, pela ocupação abusiva da fracção E, e 36.409,97 t, pela ocupação abusiva da fracção N, tendo após 1.8.11, inclusive, acrescem agravamentos diários, por aplicação da taxa de juro legal de 4%, de 0,47 € e 3,44 €, respectivamente.

O critério para fixação de indemnização pelos danos sofridos pela Apelante tendo Por base o montante equivalente em rendas que a Apelante teria auferido se colocado o imóvel no mercado de arrendamento, tem sido o critério seguido para situações semelhantes à da presente acção na jurisprudência.

Os recorridos apresentaram contra alegações pugnando pela confirmação da decisao recorrida.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir:

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

1-Em 23.6.1994, no âmbito dos autos de execução fiscal no 1988-911000679.3, do Serviço de Finanças do Cartaxo, a A. adquiriu, em venda judicial, os seguintes imóveis: - Fracção E correspondente à garagem no 5, na cave, do prédio urbano descrito na CRPred. do Cartaxo sob o n.º 1107. freguesia do Cartaxo. Inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art.º n.º 4081 e Fracção N, correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano descrito na CRPred. Do Cartaxo sob o no 1107, freguesia do Cartaxo, inscrito na respectiva matriz predial urbana com o art.º n.º 4081.

2-A 16 de Novembro de 1990, os RR. prometeram adquirir à sociedade comercial “Os Dois – Construção e Venda de Apartamentos, Lda.”, e esta prometeu vender-lhes, a fracção “N”, identificada no ponto n.º 1 dos factos provados.

3-Os RR. entregaram à promitente vendedora a quantia de 200.000$00 (duzentos mil escudos), actualmente, € 997,5958 (novecentos e noventa e sete euros e sessenta cêntimos), a título de entrada e princípio de pagamento, titulada por dois cheques, um de € 50.000$00 (cinquenta mil escudos)/€ 249,3989 (duzentos e quarenta e nove euros e quarenta cêntimos) e outro de 150.000$00 (cento e cinquenta mil escudos)/€ 748,1968 (setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos), a qual os recebeu.

4-Clausularam que o restante do preço seria pago no acto da escritura definitiva, a qual se efectuaria quando a entidade bancária mutuante – CGD - remetesse a respectiva minuta àquela respeitante.

5-Em 16 de Novembro de 1990, os RR. passaram a habitar a fracção “N”, por a promitente vendedora lhe ter efectuado nessa ocasião a entrega da respectiva chave.

6-Ai permanecendo e tendo-a transformado na sua residência permanente, onde pernoitam, confeccionam e tomam as refeições, guardando e cuidando da roupa e objectos seus, recebendo os seus amigos, a correspondência e pagando os seus impostos.

7-Em 1 de Abril de 1991, os RR. subscreveram com a sociedade “Os dois construção e venda de apartamentos, Lda.” um escrito que denominaram de .contrato-promessa de compra e venda”, no qual aqueles prometeram comprar e este prometeu vender, mediante o preço de 1.200.000$00 (um milhão de duzentos mil escudos), actualmente, € 5985,5748, na moeda com curso legal (cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos), a fracção E referida no ponto n. o 1 dos factos provados, tendo para o efeito os mesmos entregue ao referido terceiro, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 700.000$00 (setecentos mil escudos)1 € 3491.5853 (três mil e quatrocentos e noventa e um euros e sessenta cêntimos)

8-O promitente vendedor facultou aos RR. o gozo da referida fracção, o qual ainda se mantém.

9-Na acção sob o n.º 15/94 foi decretada a resolução da promessa de venda respeitante à fracção acima identificada, por incumprimento imputável ao promitente vendedor, sendo este condenado a restituir aos aqui RR. a quantia de 1.400.000$00 (um milhão e Quatrocentos mil escudos)! € 6983,1706 (um milhão e novecentos e oitenta e três mil euros e dezoito cêntimos), a título de sinal por estes prestado e o respectivo dobro, acrescido dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a respectiva citação até efectivo e integral pagamento.

10-A reconhecerem ambos os ali RR. aos ali AA. e aqui RR. “o direito a exercerem o retenção sobre a garagem identificada no ponto n. o dos factos provados até que lhes seja feito o pagamento da quantia de 1 400 000$00, acrescidos de juros à taxa legal desde a citação.”

11-Os RR. não foram até hoje reembolsados pelo terceiro promitente faltoso da citada quantia e respectivos juros ou oferecido a estes o pagamento do que foi condenado

12-As escrituras respeitantes a cada uma das fracções não foram celebradas na ocasião aprazada, nem noutra.

13-A mencionada promitente vendedora demandou os aqui RR., em acção d reivindicação, onde peticionava a restituição da Fracção “N”, a mesma a que ora A. Pretende ver ser-lhe restituída, a qual correu termos pelo 1° Juízo desse tribunal sob o n.º 83/91, e que foi julgada improcedente pelo Acórdão da Relação de Évora, datado de 10 de Julho de 1997, já transitado.

14-Tendo-se no referido aresta concluído pela legitimidade da detenção pelos aqui RR. da coisa objecto mediato do contrato-promessa de compra e venda, então, celebrado e relativo à fracção “N”.

15-A aquisição identificada no ponto n.º 1 dos factos provados e realizada pela Autora foi concedida com dispensa do preço e foi registada em 18.8.1999.

16-Os Réus reclamaram os seus créditos no processo de execução fiscal n. o 2030/1998 3 não foram pagos até ao momento.

17-A fracção “E” foi adquirida pelo valor de PTE 860.000$00 (4.289,66 €).

18-A Fracção «N» foi adquirida pelo valor de PTE 6.300.000$00 (31.424,27 €).

19-Posteriormente à aquisição, a A. pretendeu entrar na posse de ambos os imóveis, não o tendo conseguido, porquanto verificou que os mesmos se encontravam ocupados pelos RR., pelo menos desde 23.6.1994.

20-Desde a aquisição, a A. interpelou os RR., directamente ou através dos advogados das partes, para desocuparem ambas as fracções, em sucessivas comunicações de que é exemplo a carta, enviada em 26.5.2000.

21-Os RR. não procederam à entrega dos imóveis, que na presente data, se mantêm ocupados pelos RR.

Factos não provados:

a)Que se os referidos imóveis tivessem sido entregues à Autora pelos Réus, como deveriam ter sido, na data da venda, em 23.6.94, poderiam ter sido colocados no mercado de arrendamento, através de empresas do GRUPO CAIXA, mais vocacionadas para essa actividade comercial, podendo a Autora obter desde aquela data e até 31.7.11, o rendimento global de 9.909,26 €, para a fracção E, e 56.152,49 €, para a fracção N.

b)Que a não ser assim, as quantias despendidas pela Autora na aquisição dos referidos imóveis seriam aplicadas em operações activas de longo prazo, como são as dos empréstimos para aquisição de habitação própria celebrados entre aquela e os mutuários, e teriam sido remuneradas. Desde 23.6.1994 até 31.7.2011, às sucessivas taxas históricas do crédito à habitação, nos montantes globais de 6.736,48 €, para a fracção E, e 49.348,80 €, para a fracção N.

c)Que as verbas que correspondem aos danos causados à Autora até 31.7.11, tendo após esta data, um agravamento diário de 0.94 € e 6,87 €, respectivamente, por aplicação da taxa de juro actual de 7,978 %.

d)Que a actuação das Rés subtraiu à Autora o gozo dos imóveis identificados, o que lhe causou, pelo menos, o dano correspondente ao montante dos juros, calculados às sucessivas taxas supletivas legais, desde 23.6.1994, até 1.7.2011, sobre os capitais investidos nas aquisições (4.289,66 €, e 31.424,27 €), que se cifra em € 4.970,25 €, pela ocupação abusiva da fracção E, e 36.409,97 €, pela ocupação abusiva da fracção N.

e)Que após 1.8.11, inclusive, acrescem agravamentos diários, por aplicação da taxa de juro legal de 4%, de 0,47 € e 3,44 €, respectivamente.

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal /art.º 639.º, CPC).

Discute-se nuclearmente a questão de saber se os RR tem direito de retenção sobre as fracções objecto dos contratos promessa em causa nos autos e, no caso de resposta afirmativa saber se tal direito ´e oponível `a A. recorrente.

Invoca a recorrente erro na apreciação da prova que determina alteração da matéria de facto julgada provada, designadamente o ponto 16 da fundamentação de facto da sentença recorrida devendo ainda ser julgado provado que os RR não reclamaram créditos quarto à fracção ‘N”

Sustenta ainda que deveriam ter sido julgados provados os factos respeitantes ao alegado prejuízo sofrido pela apelante em consequência da detenção dos imóveis por parte dos recorridos.

Não é objecto de controvérsia que entre os Réus e a Sociedade “Os dois construção e venda de apartamentos, Lda.” foram celebrados dois contratos-promessa de compra e venda, no âmbito dos quais os Réus pagaram o montante de 200 e 700 contos. É também ponto assente que os contratos promessa não foram cumpridos por parte do promitente-vendedor, sendo a este imputável o incumprimento e ainda a sua condenação no pagamento no pagamento de 1. 400000$00, acrescido de juros desde a citação até efectivo pagamento, atenta o teor da sentença proferida no processo n.º 15/94, já transitada em julgado, decorrendo do Acórdão datado de 10 de Julho de 1997, já transitado, o qual concluiu pela legitimidade da detenção pelos aqui RR. da coisa objecto mediato do contrato promessa de compra e venda, então, celebrado e relativo à fracção N.

Não se discute também o regime aplicável ao incumprimento da obrigação de contratar.


No caso de incumprimento por parte do promitente vendedor e no caso de o promitente comprador não optar pela execução especifica do contrato, assiste-lhe o direito de exigir o dobro do que prestou, ou caso, tenha havido tradição da coisa objecto do contrato definitivo prometido, o valor desta, objectivamente determinado ao tempo do não cumprimento, com dedução do preço convencionado, e a restituição do sinal e da parte do preço que tenha pago (artigos 830.º, 442.º, n.ºs 1 e 2 e 3 do Código Civil).

Havendo tradição da coisa, o credito resultante do não cumprimento do contrato promessa de compra e venda confere ao promitente comprador, o direito de retenção (art.º 755.º, n.º 1, alínea f), CC).

A titularidade deste direito real de garantia (art.º 754.º, CC) por parte do promitente comprador depende apenas da verificação dos seguintes pressupostos: a) traditio da coisa ou coisas, objecto do contrato definitivo prometido; b) o incumprimento definitivo do contrato promessa pelo promitente alienante; c) a titularidade pelo promitente adquirente, por virtude desse incumprimento, de um direito de crédito.

Como refere a decisao recorrida, para que o direito de retenção se deva reconhecer ao promitente, é suficiente uma traditio neta – a entrega de um objecto que representa simbolicamente a coisa e permita a actuação material sobre ela. É o que ocorre, frequentemente, no caso de prédios urbanos ou de fracções de prédio urbano, em que basta para a realização da traditio a entrega das chaves que permitam aceder aqueles bens

Do exposto decorre que é inócua a consideração de que actualmente ao RR não habitam a fracção em causa

O direito de retenção resolve-se no direito conferido ao credor, que encontra na posse de certa coisa pertencente ao devedor de, não só recusar a entrega dela enquanto o devedor não cumprir, mas também, de executar a coisa e se pagar à custa do valor dela, com preferência sobre os demais credores (vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 5’ edição, vol. II, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 571. A função de garantia é assegurada pelo direito de retenção por uma via dupla: através de um efeito compulsório, resultante da pressão psicológica que a situação jurídica da retenção exerce sobre o dono da coisa; pela Possibilidade de realização pecuniária, relacionada com as faculdades executivas, com pagamento preferencial da coisa retida, nos termos reconhecidos ao credor pignoratício e ao credor hipotecário (art.ºs 758 e 759 do Código Civil); cfr. António Menezes Cordeiro, Da Retenção do Promitente na Venda Executiva, ROA, Ano 57, n.º 11, Pág, 547).

O direito de retenção, porque dispõe de sequela – de que a inerência, i, e. inseparabilidade do direito real e da coisa a que está adstrito é a noção base - é um verdadeiro direito real de garantia.

É, por isso, dotado, para usar uma terminologia corrente e expressiva, de oponibilidade erga omnes, sendo, portanto, oponível mesmo ao próprio dono da coisa que não seja o titular do direito à entrega dela e prevalece sobre o direito de credito garantido por hipoteca ainda que constituída anteriormente (art.º 759.º, n.º 2, CC).

Do exposto resulta que os RR. gozam do direito de retenção.

A questão que se coloca é então a de saber se o direito de retenção é oponível a terceiro adquirente.

Subscrevemos na íntegra a exausta argumentação constante da decisao recorrida perante a unanimidade do entendimento doutrinal e jurisprudencial sobre esta matéria.

«Como o diz claramente Carvalho Fernandes, lições de direitos reais, Quid Júris, 1996, pag 134 expressamente, a transmissão do direito do devedor sobre a coisa retida não é oponível ao retentor. Nesse sentido, aponta, de resto, o facto de a lei não prever a transmissão desse direito como causa de extinção do direito de retenção. ·

Isto é, o direito de retenção é um direito real, dotado de sequela, pelo que o bem continuará a responder pela dívida, independentemente de quem seja o seu titular, isto é, mesmo que entretanto o devedor tenha deixado de ser o proprietário do bem retido. “Tudo se passa como se a coisa fosse ela própria a devedora, como se existisse uma obrigação Propter rem (…) o débito segue a coisa como se fosse ela a devedora” (Júlio Gomes, Direito de retenção, publicado nos CDP Julho/Setembro de 2005, n.º 11, pág. 13).

‘O poder que (os direitos reais de garantia) conferem ao titular, (… é) o de mediante um acto de disposição (por intermédio do tribunal), realizar à custa (da coisa), sem que se torne necessária a cooperação do proprietário ou mesmo contra a sua vontade, determinado valor (o valor do crédito garantido pela res).”’o poder de sequela (ou de seguimento) existe em todos os direitos reais.., podendo “destinar-se”, “no caso de direitos reais limitados”, “a possibilitar o exercício do direito em caso de transmissão. Pelo titular do ius disponendi, da coisa sobre que o direito incide. Se o dono de um prédio hipotecado […] o aliena, o direito real do credor hipotecário (…) segue a coisa, isto é, pode ser exercido em face do novo proprietário. Do que se trata, aqui, não é de defender o direito de hipoteca […] contra uma agressão cometida por terceiro (a alienação do prédio é lícita), mas de [o] fazer valer contra um subadquirente” (note-se a aplicação do aqui dito ao direito de retenção é imediata, por força do artigo 759.°, n.º1, pois que nele se diz que o respectivo titular tem a faculdade de executar a coisa, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário). (Henrique Mesquita, Obrigações reais e ónus reais, Almedina, Teses, 1990, Págs 76 a 81).

O direito de retenção constitui hoje um verdadeiro direito real (não de gozo, mas) de garantia, como resulta não apenas da sua implantação sistemática no Código Civil, paredes meias com o penhor. A hipoteca e os privilégios creditórios, mas principalmente do regime traçado na lei, ao equiparar em princípio o titular da retenção ao credor pignoratício (artigos 758.° e 759.°, n.º 3) e ao colocá-lo expressamente à frente do credor hipotecário, ainda que a hipoteca tenha sido anteriormente registada, la graduação dos vários créditos sobre o mesmo devedor (artigo 759.°, nos. 1 e 2), independentemente do registo desse direito. Quer isto significar que, em atenção à finalidade precípua da concessão do direito de retenção, o promitente-comprador que seja credor da indemnização prevista no artigo 442.° do Código Civil, goza (Contra quem quer que seja) da faculdade de não abrir mão da coisa enquanto se não extinguir o seu crédito.»

No mesmo sentido Ac STJ, de 13/01/200º e Ac. uniformizador de Jurisprudência 4/2014.

E certo que como sustenta a recorrente que os ora apelados não reclamaram créditos quanto à fracção N, só o tendo feito quanto à fracção E na execução fiscal n.º 1988-91/00679.3 e apensos.

Ora como sustentam os recorridos o credito relativo à fracção N não foi reclamado porque ao tempo estava pendente a acção de reivindicação instaurada pelo promitente vendedor contra os ora recorridos tendo posteriormente, no âmbito dessa acção, sido reconhecido o direito de retenção sobre a fracção em causa.

Sustenta a recorrente que os apelados não podem opor o direito de retenção ao adquirente em venda judicial (art.º 824.º, CC) pois essa solução poria em causa todo o instituto da venda judicial.

A venda judicial transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.


Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzem efeitos em relação a terceiros independentemente de registo. (art.º 824.º, n.º 2, CC).

A própria lei prevê a possibilidade de existência de um regime legal que se afaste da regra enunciada n.ºs 1 e 2 da citada norma.

Como se refere no Acórdão uniformizador de jurisprudência supra citado, como em muitos outros sectores do ordenamento jurídico, também aqui, ao nível do contrato-promessa, o legislador, no seu poder dever de corrigir desequilíbrios e tomando em linha de conta os interesses e riscos em presença, entendeu propender para a protecção da parte mais débil, o promitente comprador, face ao credor hipotecário, desde que aquele tivesse entregue ao outro outorgante o sinal e obtido a tradição do objecto do contrato.

A tese da recorrente poria em causa este propósito expresso do legislador e como concluem os apelados, este equilíbrio estatuído pelo legislador sairia desequilibrado a vingar a tese da Apelante, que não podia ignorar os negócios celebrados, pois, era também para ser sua mutuante, como decorre da publicidade registral referida, outro entendimento faria incorrer os promitentes compradores, a parte mais débil, no risco de ver defraudada a tutela conferida pelo legislador, sendo assim legítima a retenção dos bens pelos Apelados, enquanto não forem pagos pelos seus créditos, tal como se decidiu no julgado recorrido.

Por todo o exposto acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisao recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Évora, 4 de Fevereiro de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso