Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1834/17.2T8MMN-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
CLIENTELA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A lei não exige que as comunicações da integração do cliente bancário no PERSI e da extinção deste sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção. Não obstante, a instituição de crédito tem o ónus da prova de que efectuou tais comunicações em suporte duradouro, entendido este, nos termos do artigo 3.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10, como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1834/17.2T8MMN-A.E1

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(…) e (…) deduziram os presentes embargos de executado contra Caixa Geral de Depósitos, S.A..

Os embargos foram recebidos.

A embargada contestou, pugnando pela improcedência dos embargos.

Realizou-se audiência prévia, na qual, além do mais, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciado dos temas de prova.

Realizou-se a audiência final, na sequência da qual foi proferida sentença absolvendo os embargantes da instância executiva.

A embargada interpôs recurso da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – O tribunal a quo julgou procedentes os embargos com consequente absolvição dos executados da instância executiva, extinção da execução no que a eles respeita e condenação da embargada nas custas devidas.

2 – Fundamenta a decisão por entender não ter o recorrente provado o envio das cartas de integração e extinção do PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento) instituído pelo Decreto-Lei nº 222/2012.

3 – Assim foram considerados como factos não provados (que fundamentaram a decisão em crise):

“ Em consequência, uma vez que a exequente intentou acção judicial contra o embargante/executado sem que previamente tivesse cumprido todos os trâmites exigidos pelo DL n.º 227/2012, de 25.10, entende-se que existe um impedimento legal à cobrança desse crédito por via de acção judicial, por violação de normas de carácter imperativo que configura excepção dilatória inominada e que determina a absolvição da instância também deste executado, declarando-se a extinção da execução também no que a ele diz respeito”.

4 – A decisão da matéria de facto não é consentânea com os documentos juntos pelo recorrente nem com os factos articulados pelas partes.

5 – O recorrente procedeu à junção de:

- Missiva datada de 18.11.2016 de integração do recorrido no PERSI;

- Missiva datada de 04.10.2017, a informar o recorrido da extinção do PERSI.

6 – Não há qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio registado e/ou aviso de recepção.

7 – Atendemos a que no exercício do contraditório o recorrido não alegou a não recepção das missivas, nem tão pouco impugnou o teor dos documentos juntos pela recorrente, com a sua contestação.

8 – Realçamos que o recorrido em momento algum alega a não recepção das missivas.

9 – Em face da ausência de impugnação do recorrido, quanto às cartas juntas pelo recorrente, poderia o tribunal a quo considerar o envio das missivas como facto controvertido fazendo recair sobre o recorrente o ónus da prova do envio e recepção?

10 – De igual modo, o facto de não ter este alegado a não recepção das missivas entendemos que o tribunal a quo não poderia ter considerado tal facto controvertido, mas antes assente e consequentemente facto provado.

11 – Assim entende o recorrente que deverá ser aditado aos factos provados:

“A exequente enviou ao embargante as cartas datadas de 18.11.2016 e, 04.10.2017, cujas cópias juntou aos autos, contendo comunicação relativa à integração no regime do PERSI e respectiva extinção” e eliminado tal facto dos factos não provados.

12 – Atendemos ainda ao normativo do Decreto-Lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.

13 - O citado diploma apenas obriga a integração e extinção do PERSI através de comunicação em suporte duradouro (e não através de carta registada com aviso de recepção).

14 – A definição de suporte duradouro encontra-se prevista no artigo 3º, alínea h), do citado diploma, definindo como suporte duradouro “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações de destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas, cumprindo a carta simples (sublinhado e negrito nossos) tais requisitos.”

15 – Não há, pois, qualquer exigência legal de que as comunicações referentes ao PERSI sejam remetidas por correio registado e/ou aviso de recepção.

16 – Igualmente não consta da Instrução do Banco de Portugal n.º 44/2012 (regulamenta o Decreto-Lei nº 227/2012) qualquer menção à observância do envio de correio registado/aviso de recepção.

17 – Não prevendo o diploma que rege o PERSI e Instrução do Banco de Portugal que o regulamenta tal observância não poderá o julgador exigir tal formalidade.

18 – Conforme teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.11.2018, disponível em www.dgsi.pt:

I - O artigo 14º, nº 4, do DL nº 227/2012, de 25 de outubro, exige que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro.

II - O artigo 3º, alínea h), do DL nº 227/2012, define o suporte duradouro como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.

III - Ao exigir-se como forma da declaração uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo.

IV - Se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente.

19 – Uma vez mais concluímos pelo aditamento como facto assente dos pontos i) e, ii) dos factos não provados, porque cumprido pelo recorrente as disposições do Decreto-Lei n.º 227/2012.

Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida, por outra que determine o prosseguimento dos embargos, uma vez não verificada a excepção dilatória inominada que impedia ab initio a instauração da presente acção executiva e, que determinou a absolvição dos recorridos da instância executiva.

Os recorridos contra-alegaram, concluindo no sentido da manutenção da sentença recorrida.

O recurso foi admitido.


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A única questão a resolver consiste em saber se deve ser julgado provado que a recorrente enviou, ao recorrido (…), duas cartas, datadas de 18.11.2016 e 04.10.2017, destinadas a comunicar-lhe, primeiro a sua integração no regime do PERSI e, depois, a extinção do mesmo regime, e que as mesmas cartas foram por aquele recebidas.

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Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, em 05.12.2017, intentou acção executiva contra (…), (…), (…) e (…), que corre termos neste juízo sob o n.º 1834/17.2T8MMN, para pagamento da quantia de € 12.625,76;

2. A exequente deu à execução um acordo escrito denominado “Contrato de Empréstimo (Com Entrega de Procuração Irrevogável)”, celebrado no dia 10.02.2003, cujas assinaturas se encontram reconhecidas presencialmente por Notário, entre “Caixa Geral de Depósitos, S.A.”, na qualidade de primeira outorgante, (…) e (…), na qualidade de segundos outorgantes e parte devedora e (…) e (…), na qualidade de terceiros outorgantes e parte fiadora, junto aos autos principais com o requerimento executivo, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais;

3. A quantia emprestada foi disponibilizada aos embargantes/executados, mediante crédito processado na sua conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência da exequente;

4. Que movimentaram e utilizaram em proveito próprio;

5. A primeira prestação do acordo mencionado em 2 não paga pelos embargantes/executados data de 11.03.2014;

6. No dia 18.11.2016, a exequente integrou, pelo menos o embargante/executado, no PERSI;

7. No dia 04.10.2017, foi extinto o respectivo Procedimento;

8. No requerimento executivo, a exequente alega o seguinte, com relevo para os autos: “15. Para além do capital em dívida, são devidos as seguintes quantias:

- Juros de 11/03/2014 a 18/10/2017 no valor de Euros 1.333,70;

- Imposto selo, no valor de Euros 53,35;

- Comissões, no valor de Euros 599,25.”

A sentença recorrida julgou não provados os seguintes factos:

i) No dia 18.11.2016, a exequente enviou ao executado/embargado a carta junta com a contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, que tem como assunto: “Incumprimento – Abertura de PERSI”, onde consta o seguinte com relevo para os autos:

“(…) Por se registar incumprimento na(s) operação(ões) abaixo indicadas (…) Informa-se que, de acordo com o disposto no Art.ª 14.º, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, procedemos à sua integração, nesta data, no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), acima referenciado. (…)”;

ii) No dia 04.10.2017, a exequente enviou ao executado/embargado a carta junta com a contestação, cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta o seguinte com relevo para os autos:

“(…) Informa-se que ao abrigo do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) foi extinto em 2017-10-04, por motivo de: Outro Motivo (…)”;

iii) O executado/embargante recebeu as cartas mencionadas em i) e ii).


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Não é questionado que o contrato descrito no ponto 2 da matéria de facto provada se encontra abrangido pelo regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 (diploma ao qual pertencem as normas adiante referenciadas sem indicação da sua proveniência), pelo que, perante a situação de incumprimento por parte dos recorridos, a recorrente devia ter integrado estes últimos no PERSI entre o 31.º e o 60.º dia subsequentes à data do vencimento da obrigação, nos termos do artigo 14.º, n.º 1. Nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, a recorrente tinha o dever de informar os recorridos da sua integração no PERSI através de comunicação em suporte duradouro, entendendo-se como tal, nos termos do artigo 3.º, al. h), qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.

Do artigo 17.º, n.º 3, resulta, por outro lado, que a recorrente tinha também o dever de informar os recorridos, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considerava inviável a manutenção deste procedimento. O n.º 4 do mesmo artigo estabelece que a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no n.º 3, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.

Está em causa saber se a recorrente remeteu as comunicações previstas nos citados artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, ao recorrido (…). O tribunal a quo julgou não provada a efectivação de tais comunicações. A recorrente pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto nessa parte, por forma a julgar-se provado que as referidas comunicações foram efectuadas. Como fundamento, a recorrente invoca os documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 1 e 2 e a alegada falta de impugnação dos mesmos pelos recorridos. A recorrente argumenta ainda que, ao contrário daquilo que, no seu entendimento, o tribunal a quo considerou, a lei não exige que as referidas comunicações sejam efectuadas através de carta registada com aviso de recepção.

Não é exacto que os recorridos tenham, por alguma forma, confessado a recepção dos documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 1 e 2. A versão factual alegada pelos recorridos na petição de embargos é absolutamente antagónica em relação àquela que a recorrente alega na contestação no que concerne à sua integração no PERSI. Assim, os recorridos alegaram expressamente que o recorrente instaurou a acção executiva sem os ter integrado previamente no PERSI (artigos 21.º a 28.º da petição de embargos), alegação esta que implica, logicamente, a de que nenhum deles recebeu cartas com o conteúdo dos documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 1 e 2. É, pois, insustentável a conclusão de que os recorridos confessaram terem recebido tais cartas. A posição dos recorridos é claríssima no sentido de que a recorrente nunca os integrou no PERSI, o que, como já salientámos, implica logicamente a negação de que algum deles tenha recebido qualquer comunicação nesse sentido proveniente da recorrente.

Note-se que, em conformidade com as descritas posições assumidas pelas partes nos seus articulados, o tribunal a quo incluiu, acertadamente, nos temas de prova, “saber se os executados foram integrados no PERSI, previamente à instauração da execução”. Tratava-se, evidentemente, de matéria de facto controvertida. Aquando do enunciado dos temas de prova pelo tribunal a quo, na audiência prévia, a ora recorrente não reclamou, dizendo concordar com o referido enunciado, como resulta da acta daquela diligência. Só em sede de recurso a recorrente, alterando a posição anteriormente assumida, vem sustentar que, afinal, os recorridos confessaram terem recebido os documentos juntos com a contestação sob os n.ºs 1 e 2, o que, a ser verdade, implicaria que o PERSI tivesse decorrido regularmente em relação ao recorrido (…). Sem razão, como vimos.

Por outro lado, a recorrente argumenta que a lei não exige que as comunicações referentes ao PERSI (seja a integração, seja a extinção) sejam remetidas por correio registado e/ou aviso de recepção. Na realidade, a lei não faz tal exigência. Porém, isso não põe em causa o acerto da sentença recorrida. O referido argumento da recorrente assenta numa interpretação errónea da fundamentação desta sentença.

O tribunal a quo não considerou que a lei estabeleça que as comunicações acima referidas tenham de ser remetidas por correio registado e/ou aviso de recepção. Aquilo que o tribunal a quo fez foi, a propósito da falta de prova da realização das referidas comunicações ao recorrido (…), observar que tal prova poderia ter sido feita se a recorrente tivesse efectuado as comunicações em causa mediante carta registada com aviso de recepção. Nunca se afirmou, na sentença recorrida, que as comunicações de integração do cliente bancário no PERSI e de extinção deste, por parte da instituição de crédito, estejam legalmente sujeitas à forma de carta registada com aviso de recepção. Na sentença recorrida, disserta-se acerca do uso da carta registada com aviso de recepção a propósito da prova e não da forma legalmente imposta para as referidas comunicações.

A argumentação da recorrente faria sentido se o tribunal a quo tivesse julgado provado que as comunicações de integração do recorrido (…) no PERSI e de extinção deste foram efectuadas por meio diverso da carta registada com aviso de recepção e as tivesse considerado inválidas por não terem obedecido a esta forma. Ora, é por demais evidente que não foi essa a razão de decidir da sentença recorrida. Em vez disso, julgou-se não provada a realização das referidas comunicações, fosse por que forma fosse, e, a esse propósito, observou-se que a realização das mesmas comunicações através de carta registada com aviso de recepção poderia ter assegurado a referida prova. A diferença é óbvia. A argumentação desenvolvida pela recorrente não passa, afinal, de uma tentativa de desfocar a verdadeira questão, que foi a ausência de prova da realização das comunicações em causa, fosse por que forma fosse.

Concluindo, inexiste fundamento para alterar a decisão sobre a matéria de facto no sentido pretendido pela recorrente. Cingindo-se o objecto do recurso a essa questão, como resulta das conclusões formuladas pelo recorrente, deverá o mesmo recurso ser julgado improcedente.


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Sumário: (…)

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Decisão:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

Évora, 10 de Setembro de 2020

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

Mário Rodrigues da Silva

José Manuel Barata