Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
427/15.3T8SSB.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I – Destinando-se as obrigações impostas nas diversas alíneas do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 08-02, a proteger interesses alheios, no caso, dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária, a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar;
II - Não tendo havido tradição do bem imóvel prometido vender, havendo sinal e tendo a promitente-vendedora incumprido definitivamente o contrato-promessa celebrado, têm os promitentes-compradores direito à exigida restituição do sinal em dobro, não lhes assistindo direito a qualquer outra indemnização pelo incumprimento do contrato, salvo convenção em contrário, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

BB e CC intentaram a presente ação declarativa, com processo comum, contra DD, EE – Mediação Imobiliária Unipessoal, Lda. e FF Seguros, S.A., pedindo: a) se declare o incumprimento definitivo do contrato-promessa dos autos por parte da 1.ª ré e, em consequência, se decrete a resolução do mesmo; b) consequentemente, se condene a 1.ª ré ao pagamento aos autores a quantia de € 15 000, a título de devolução do sinal em dobro, acrescida de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde 15-03-2015 até 24-08-2015, no montante de € 266,30, e dos que se vencerem desde 25-08-2015 até efetivo e integral pagamento; c) se condene as 2.ª e 3.ª rés, solidariamente com a 1.ª ré, em relação à quantia de € 7500, a título do sinal em singelo, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento; d) se condene as rés, solidariamente, a pagar aos autores a quantia de € 2874,6 a título de danos patrimoniais pelo incumprimento contratual da responsabilidade das rés, acrescido de juros legais desde a citação até efetivo e integral pagamento; e) se condene a 1.ª ré a pagar aos autores a quantia de € 904,66 a título de danos patrimoniais pela emissão da licença de utilização do imóvel prometido, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento, sendo que sobre € 92,30 devem as 2.ª e 3.ª rés ser condenadas solidariamente com a 1.ª ré; f) se condene as rés a pagarem, solidariamente, aos autores a quantia de € 3000, sendo € 1500 a cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento; g) se condene as rés a pagarem, solidariamente, aos autores as quantias que tiverem de realizar em consequência da instauração da presente ação, preparação e acompanhamento da mesma, incluindo todas as deslocações para fora de Lisboa e incluindo honorários de advogado, taxas de justiça e demais despesas, tudo a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros legais desde a liquidação até efetivo e integral pagamento.
Alegam, em síntese, que celebraram com a 1.ª ré um contrato-promessa de compra e venda de um imóvel a esta pertencente, do qual tiveram conhecimento através da empresa de mediação imobiliária 2.ª ré – a qual havia transferido para a seguradora 3.ª ré a responsabilidade civil emergente do exercício da respetiva atividade de mediação imobiliária, através de contrato de seguro entre ambas celebrado –, tendo procedido ao pagamento à 1.ª ré, através da 2.ª ré, da quantia de € 7500 a título de sinal; acrescentam que o imóvel não se encontrava licenciado, razão pela qual não foi possível, num primeiro momento, fazer a escritura, existindo, inclusivamente, ordem de demolição, tendo as 1.ª e 2.ª rés omitido aos autores a falta de licenciamento do imóvel e a ordem de demolição, do respetivo conhecimento; os autores sustentam, ainda, que suportaram parte do licenciamento e que a 1.ª ré, após a emissão da licença, procedeu à alienação do imóvel a terceiro, o que causou aos autores danos patrimoniais e não patrimoniais, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citada editalmente, a 1.ª ré não contestou, na sequência do que foi citado o Ministério Público, o qual apresentou contestação contendo defesa por impugnação.
Citada, a 2.ª ré contestou, defendendo-se por impugnação e pedindo a respetiva absolvição do pedido.
Citada, a 3.ª ré contestou, invocando a exclusão da situação invocada pelos autores do âmbito de cobertura do contrato de seguro e defendendo-se por impugnação, pedindo a respetiva absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, a qual, julgando a ação parcialmente procedente, decidiu o seguinte:
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a ação parcialmente procedente porque parcialmente provada e, em consequência, decide:
a) Declarar resolvido o contrato promessa celebrado entre os Autores e a 1.ª Ré celebrado a 24.03.2013, por incumprimento definitivo da 1.ª Ré;
b) Consequentemente, condenar a 1.ª Ré a devolver aos Autores o sinal em dobro, no montante global de € 15.000, acrescido de juros moratórios desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) Condenar a 1.ª Ré a proceder ao pagamento, aos Autores, da quantia de € 738 a título de custos de licenciamento, acrescida de juros moratórios desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
d) Condenar a 1.ª Ré no pagamento da quantia global de € 1350 a título de danos não patrimoniais aos Autores, sendo € 750 à Autora e € 600 ao Autor, acrescida de juros moratórios desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
e) Absolver as Rés do demais peticionado.
Custas a cargo dos Autores e da 1.ª Ré na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o decaimento da 1.ª Ré em 77,51% e o dos Autores no remanescente (art. 527.º do Código de Processo Civil).
Registe e Notifique.
Inconformados, os autores interpuseram recurso da sentença, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«1. Vem o presente recurso de Apelação interposto da, aliás, douta Sentença que julgou pela procedência parcial da acção ao invés de efectuar condenação de todas as Rés.
2. Pretendem os Apelantes revogação da sentença no sentido de ser condenada não apenas a 1ª Ré mas também as 2º e 3º rés com fundamento na existência de responsabilidade civil da 2ª Ré, de acordo com a factualidade provada nos autos.
3. Ou seja, a Douta Sentença enferma de vícios ao nível do julgamento da matéria de facto e, sobretudo, enferma grave vício de interpretação de direito, nomeadamente na aplicação do regime da responsabilidade civil aplicável em sede de mediação imobiliária, vide arts 17º e 7º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro e arts 490º, 483º, 485º, 562º, 563, 564 e 566º do C.C.
4. Os Apelantes pretendem a alteração do ponto d) dos Factos não provados para provado.
5. Se conjugarmos a factualidade provada nos pontos G., I.,K., X., com o depoimento da Autora CC, cujo depoimento ficou registado no sistema de gravação do Tribunal – sessão de julgamento do dia 1-03-2018, entre as 15.24.01 e as 16.12.26, não pode deixar de se considerar que a 2ª Ré pretendia enganar os Autores no sentido de assinarem uma escritura que sabiam que não podia e não devia ser feita.
6. Isto porque a 2ª Ré lhes deu indicação expressa de que deviam comparecer mas que eles (2ª Ré) iam ficar à porta e o nome deles não ia constar.
7. Só depois do A. BB comunicar à 2ª Ré que tal comportamento ia ser denunciado é que uma hora antes da escritura a 2ª Ré deu indicação de que os AA. não deviam comparecer porque a escritura não podia ser feita com um artigo que já estava extinto - terreno.
8. Vide supra os depoimentos transcritos a este respeito da A. CC sobre a marcação da escritura aos minutos 9.11 e 11.49.
9. Pelo exposto, e tendo em conta que a 2ª Ré tinha perfeita noção de que a escritura que ia ser feita tinha por base o terreno, para não se exigir a licença de utilização, o facto do ponto d. dado como não provado deve transitar para o elenco da factualidade provada.
10. Os Apelantes também reclamam a alteração ao ponto h) dos factos não provados para provados, pois, o Tribunal não considerou que os AA. tenham perdido dois anos de juros sobre 48.000 no montante global de Euros 1071, quando houve prova nesse sentido.
11. Por um lado está provado que os AA. tiveram de colocar à ordem capitais no valor de Euros 48.000,00 que estavam a prazo e em forma de certificados de aforro – ponto QQ dos Factos Provados.
12. Aliás, de acordo com os documentos juntos à P.I., consta que os AA. na data da escritura tiveram de movimentar as seguintes quantias: Doc. 31 e 33 – talões da Caixa Geral de Depósitos datados de 20.05.2013 – levantamento do montante euros 30.000,00 pertencente a BB a favor de P….Doc. 32 – Talão da Caixa Geral de Depósitos datado de 27-05-2013 – relativo a levantamento de Euros 24.000,00 de CC a favor de DD – Depósito de Euros 30.000,00 e 24.000,00 na data de 2-12-2013 para crédito de BB e CC, respectivamente.
13. Sucede que, a respeito dos valores perdidos a título de juros, o Autor BB, cujo depoimento se encontra registado no sistema de gravação do tribunal – na sessão do dia 1-03-2018 – entre as 14.08.50 e as 15.16.01, afirmou que ele e a mulher perderam uma quantia superior a Euros 1.000,00.
14. Vide transcrição supra aos minutos 33.46, 33.53, 36.18 e 34.19.
15. Pelo que, existindo erro de julgamento, requer-se seja modificado o sentido do facto atrás referido ponto h. para “provado”.
16. E se o MMº Juiz entendia que a prova era insuficiente, pode sempre relegar-se para liquidação em execução de sentença, quando o que está em causa não é o dano em si mas a sua quantificação, o que não foi feito.
17. Ao nível do direito, ocorre erro na interpretação do artº 17º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro e artºs 483º, 490º, 485º Nº 2º, 562º, 563º, 564º e 566º do C.C.
18. Ora, o exercício da actividade de mediação imobiliária encontra-se previsto no Dec. Lei nº 15/2013 de 8 de Fevereiro, sendo que, os deveres que a 2ª Ré incumpriu e que estão amplamente provados na factualidade dos autos se destinam a proteger não só os clientes mas também os destinatários da mediação, neste caso os AA.
19. A ré imobiliária, na execução do contrato de mediação, violou os deveres resultantes do art. 17º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro, uma vez que não se certificou da correspondência entre as características do imóvel e as que publicitou, elaborou um panfleto onde publicitava duas vivendas que não tinham licença de habitação, induzindo em erro os AA e referiu aos AA. que havia apenas um problema relativamente a 20 m2 quando, de facto, as edificações eram ilegais e tinham ordem de demolição.
20. Concretamente, provou-se a este respeito a factualidade pontos K, L, M, N,P, U, X, Y e Z e também que os Autores sofreram danos com a celebração do negócio intermediado pela 2ª Ré – factos provados FF, QQ, TT, UU, VV, WW e XX
21. Ora, se por um lado, a douta sentença reconhece que a 2ª Ré praticou factos ilícitos no âmbito da mediação dos autos, considerando mesmo que praticou factos que são susceptíveis de induzir em erro os interessados no negócio, aqui AA., por outro apresenta um argumento de que não existe nexo de causalidade entre esses factos e os danos sofridos pelos AA.
22. Também refere que no momento em que celebraram o contrato promessa, os AA. estavam em condições de não celebrarem o negócio e de não pagarem qualquer sinal. Considera que a simples leitura da menção “terreno para construção” no contrato promessa teria obstado a que os AA. tivessem prosseguido com o negócio.
23. Ora, tal não pode aceitar-se pois, está provado que só no dia anterior à escritura é que os AA. souberam que se mantinha em falta o licenciamento - facto ponto Z, sendo que os documentos mencionados nos pontos U e V para não juristas, como é o caso dos AA. e estando os AA. de boa fé, não são aptos a fazer recuar o negócio visado, como pretende a MMª Juiz, erradamente em nosso entender.
24. Assim, deve considerar-se que existe nexo de causalidade entre os factos ilícitos praticados pela 2ª Ré e elencados na Douta Sentença e que são: pagamento do sinal em singelo- despesas com a casa de férias perda de juros por levantamento das poupanças- ( cf. pedido de alteração da matéria de facto supra) e danos morais em consequência da não celebração da escritura em Maio de 2013.
25. Consequentemente, tendo a 2ª ré violado, de forma culposa, os deveres previstos no artº 17º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro constituiu-se esta na obrigação de indemnizar os AA. pelos danos que daí advieram – cfr. art. 485º, nº 2 do Cód. Civil, 490º, 483º, 562º, 563º, 564º e 566º do C.C. por aplicação do artº 7º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.
26. Invoca-se Jurisprudência no sentido da interpretação aqui defendida pelos AA. , nomeadamente Acórdão do STJ de 8-05-2013, Vide Acórdão da Relação de Évora de 03-02-2005 e Acórdão da Relação do Porto de 21-05-2013, todos in www.dgsi.pt:
27. Em relação à 3ª Ré, diga-se que a garantia do contrato de seguro obrigatório celebrado pelo mediador imobiliário abrange todos os danos causados pela sua actividade não só ao comitente como ao terceiro interessado no potencial negócio e nessa medida, deve ser condenada a 3ª Ré nos mesmos termos em que for a 2ª Ré condenada, atenta a transferência de responsabilidade estabelecida pela apólice mencionada em YY.
28. Deve manter-se a condenação da 1º Ré na decisão alíneas a), b) e c), e no mais, deve a sentença ser revogada pois, a falta de diligência legalmente exigível da 2ª Ré causou aos AA. danos que não foram contemplados na douta Sentença, para além de não se aceitar o montante de danos não patrimoniais fixados na 1ª Instância, consideravelmente abaixo dos valores praticados pela jurisprudência.
29. Pelo exposto, devem os 2º e 3º Réus serem solidariamente condenados a pagar aos AA. a quantia de Euros 7.500,00 a título de devolução do sinal em singelo, e todos os Réus – 1º, 2º e 3ª Réus - solidariamente condenados a pagar aos AA. a quantia de euros 1.807,00 a título de danos patrimoniais em consequência da não realização da escritura pública em Maio de 2013 e também condenados solidariamente a pagar aos Autores a quantia de 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros desde a citação até integral pagamento.
30. Relativamente à 3ª Ré, deve decidir-se que esta deve pagar a título de responsabilidade civil profissional da ré mediadora, tal como se obrigou - cf. ponto YY dos factos provados.
31. Em conclusão, foi feita prova suficiente da violação de deveres de informação e também genéricos de boa fé e lealdade por parte da 2ª Ré, enquanto omitiu informação muito relevante para a prossecução das finalidades do contrato e/ou para o investimento de confiança efectuado pelos AA., devendo alterar-se a decisão no sentido da condenação também das 2ª e 3ª Rés, ao contrário do que consta da Sentença de 1ª Instância.
32. Pelo exposto, deve ser alterada a Douta Sentença nos termos requeridos, julgando-se, assim, pela condenação das Rés nos termos peticionados.»
A 2.ª e 3.ª rés apresentaram contra-alegações, ambas se pronunciando no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
- da responsabilidade da mediadora imobiliária 2.ª ré e da seguradora 3.ª ré;
- da obrigação de indemnizar.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
A. Os Autores ocupam a posição de promitentes compradores no contrato promessa celebrado com a 1.ª Ré, tendo havido mediação da 2.ª Ré.
B. Em 2013, a 1.ª Ré era dona do imóvel sito em Pinhal do Cabedal n.º … Carrasqueira 2970 Sesimbra, artigo matricial …, freguesia do Castelo, Concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º ….
C. Desde 2012 até à presente data a 2.ª Ré exerce a atividade de mediação imobiliária com o nome comercial de GG e também HH, através da Licença AMI …7.
D. Os Autores estavam interessados em adquirir uma casa na zona de Sesimbra e, contactaram a 2.ª Ré, que lhes apresentou o imóvel da propriedade da 1.ª Ré.
E. Após a visita ao imóvel os Autores viram um panfleto, a que tiveram acesso nas instalações da 2.ª Ré, onde se encontrava anunciado o referido imóvel.
F. Foi a 2.ª Ré quem elaborou e distribuiu o panfleto, constando do mesmo panfleto o email da GG e o logótipo da GG na primeira página de contactos da empresa.
G. O panfleto mostra uma fotografia de uma casa descrita no panfleto com a seguinte identificação: terreno/habitação 700 m2 c/2 habitações V2 e V1 (nova). Bons acabamentos. Zona calma – preço sob consulta.
H. Os Autores visitaram o imóvel da 1.ª Ré.
I. Antes da visita, na data de 15 de março de 2015 Fernando M…, angariador da 2.ª Ré, remeteu aos Autores quarto fotografias da moradia referida em F.
J. Os Autores propuseram adquirir o imóvel por € 61.500.
K. O mediador da 2.ª Ré informou os Autores que as duas habitações estavam legais, com exceção de 20m2 relativos à garagem, e que no limite teriam que os demolir.
L. O mediador da 2.ª Ré e a 1.ª Ré não informaram os Autores da ordem expressa de demolição com data anterior da Câmara Municipal de Sesimbra.
M. Foi formalizada a proposta de aquisição do imóvel sito na Carrasqueira lote … artigo …, com intervenção da mediação da 2.ª Ré, tendo sido acordado que os compradores entregavam € 2500 para reserva naquela data e € 10.000 na data do contrato promessa.
N. Com o intuito de comprarem o imóvel que tinham visto no panfleto referido em F., os Autores, no dia 24.03.2013, outorgaram com a 1.ª Ré contrato promessa de compra e venda desse imóvel, ocupando os Autores a posição de promitentes compradores e a 1.ª Ré a posição de promitente vendedora.
O. Nos termos do contrato referido em N.:
“CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
Entre os abaixo assinados:
Primeiro outorgante:
DD, (…), adiante designada como PROMITENTE VENDEDOR
E
Segundo Outorgante:
BB (…) e CC (…) adiante designada como PROMITENTE COMPRADOR
É celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato Promessa de Compra e Venda, nos termos e condições das cláusulas seguintes:
1 – Identificação do Imóvel
O PROMITENTE VENDEDOR é dono e legítimo proprietário do terreno urbano para construção com área de 754m2 sito na Rua … n.º … Carrasqueira 2970 Sesimbra, Freguesia do Castelo, Concelho de Sesimbra, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o n.º … e o artigo matricial n.º …
2 – Promessa de Compra e Venda
Pelo presente contrato, o PROMITENTE VENDEDOR promete vender, livre de quaisquer ónus ou encargos, compromissos ou responsabilidades ao PROMITENTE COMPRADOR, que promete comprar pelo preço e condições presentemente acordadas, o imóvel referido na cláusula primeira.
3 – Preço e Condições de Pagamento
O preço global de venda é de euros € 61.500 (sessenta e um mil e quinhentos euros), que serão pagos da seguinte forma:
a) O PROMITENTE COMPRADOR entrega no ato da assinatura do presente contrato como sinal e princípio de pagamento o valor de euros 7.500 (…);
b) O remanescente de 54.000,00 euros (…) será entregue no ato da escritura.
4 – Escritura Pública
A data de marcação da escritura pública de compra e venda, a favor do PROMITENTE COMPRADOR, será até um máximo de 60 dias após a assinatura do presente contrato e é da responsabilidade dos vendedores. Os vendedores deverão comunicar a data da escritura às partes do presente contrato com a antecedência mínima de 5 dias.
5 - Incumprimento
1 – Em caso de incumprimento definitivo do presente contrato por causa imputável ao PROMITENTE COMPRADOR, o PROMITENTE VENDEDOR poderá fazer suas as importâncias recebidas.
2 – Em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável ao PROMITENTE VENDEDOR, o PROMITENTE COMPRADOR terá por direito a restituição em dobro da quantia paga, acrescida de todas as quantias que tiver despendido na obtenção de documentos para a realização de escritura pública de compra e venda.
(…)”.
P. Na data da celebração do contrato referido em O., para pagamento do sinal, os Autores entregaram à 1.ª Ré, através da 2.ª Ré, o valor de € 7500.
Q. A 21.05.2013 a gerente da 2.ª Ré comunicou ao Autor:
“Boa tarde
Sr. BB conforme a nossa conversa telefónica de ontem venho por este meio justificar o porque da não se conseguir fazer a escritura durante o dia de hoje.
Conforme o BB sabe está em falta o documento que comprova a utilização do armazém construído no terreno ou a certidão de infraestruturas.
Os mesmos documentos terão de ser passados pela camara municipal de Sesimbra o que demora ainda algum tempo até serem deferidos.
Pondo isto já estamos a tomar todas as diligências necessárias para que com a máxima brevidade um dos documentos chegue a nossa posse e se consiga efetuar a escritura com a máxima brevidade.
Penso que para si também é uma mais valia e lhe trará mais confiança no ato da escritura se tiver todos os documentos em nossa posse.
Sem mais e esperando ter novidades ainda durante esta semana.
(…)”.
R. A 29.05.2013 a gerente da 2.ª Ré enviou um email ao Autor BB com o seguinte teor:
Bom dia Sr. BB e Dr.ª M…, segue em anexo o ofício de legalização referente à arrecadação e arrumos conforme a caderneta predial do art. 17668 registada a favor da cliente vendedora Sr.ª DD.
Esperamos durante o decorrer do dia de hoje, poder ainda facultar mais informação relativas ao processo. (…)”.
S. O anexo referido na comunicação anterior foi emitido pelo Departamento de Urbanismo da Câmara Municipal de Sesimbra à Ré, datado de 28.11.2012, com o seguinte teor:
Assunto: Notificação
1. A edificação que construiu (alterações na garagem e construção de garagem) ilegalmente afigura-se suscetível de legalização, devendo, para tanto, apresentar no prazo de 30 dias, no Departamento de Urbanismo, projeto da obra executada, acompanhado dos elementos constantes no Portaria 232/08, de 11 de Março.
2. O projeto de legalização deverá respeitar as regras legais e regulamentares aplicáveis, nomeadamente o RGEU e o RJUE, pelo que deverá a edificação existente e o respetivo projeto ser objeto das alterações que se mostrem necessárias à sua conformação às mesmas.
3. A não apresentação, no prazo supra estipulado, do objeto de obra, importará, de imediato a declaração de insusceptibilidade de legalização da obra e a sua consequente demolição. (…)”.
T. A 1.ª Ré nunca informou directamente os Autores sobre a falta de licenciamento do imóvel e sobre a ordem de demolição.
U. Em 2005 o lote … do Pinhal do Cabedal, matriz n.º … do Serviço de Finanças de Sesimbra constava nas Finanças como estacionamento coberto – 1 divisão com 30 m2 de área coberta.
V. Em 2008 o mesmo imóvel constava como arrecadações e arrumos – 1 divisão com 40 m2 de área coberta.
W. Na certidão permanente do imóvel, a área coberta que constava à data de 18.03.2013 no lote … era de 30 m2, com a seguinte descrição: r/c para garagem com 1 assoalhada – desanexado do …4 do Castelo.
X. No dia anterior ao da data designada para realização da escritura, a 2.ª Ré comunicou aos Autores por telefone que a escritura se ia realizar mas que não ia ter a intervenção da 2.ª Ré como mediadora.
Y. A escritura não se realizou porque as habitações construídas no imóvel da Ré não estavam legalizadas, não tinham licença de utilização e tinha ordem de demolição da Câmara Municipal de Sesimbra.
Z. Os Autores só souberam no dia anterior à realização da escritura pública que se mantinha a falta de licenciamento das edificações anunciadas no panfleto localizado na Carrasqueira.
AA. Após saberem da falta de licença de utilização, alvará e ordem de demolição do imóvel do panfleto, os Autores comunicaram à 1.ª e à 2.ª Ré que só fariam a escritura se o imóvel estivesse legalizado.
BB. Por email datado de 31.05.2013 Fernando M…, mediador da 2.ª Ré, comunicou ao Autor:
Boa tarde,
Sr. BB conforme lhe foi dito ontem quem passou a fazer o contacto com a Sr.ª M… foi o nosso advogado Dr. T….
Hoje tivemos uma reunião com o mesmo, que nos informou que em relação à legalização a D.ª DD não esta de acordo em pagar qualquer tipo de valores.
O arquitecto diz que o valor é:
800€ do trabalho de arquitectura+Iva
225€ do levantamento topográfico+Iva
60€ de taxas da camara
Dando um valor final de 1085€
Exposto isto e sabendo que a aquisição do imóvel foi por um valor justo e adequado ao valor de mercado e sabendo também que com esta legalização (toda a área construída) o imóvel automaticamente se valoriza, pensamos que além de salvaguardar o negocio e sabendo que se o caso for para tribunal podendo o Sr. BB alegar a nulidade de contrato por falta de cumprimento da parte vendedora a mesma dificultará o pagamento da coima aplicada conforme o decreto de lei 830 do código civil.
Acho que para que tudo corra com a máxima brevidade seria mais viável ser o Sr. BB a fazer este pagamento, pois como sempre disse esta seria após a aquisição do imóvel uma das situações que iria tratar.
Fazendo a legalização de toda a construção será mais fácil depois para si também fazer o projecto de alterações, para ai então colocar a casa ao seu gosto, e sabendo que não haverá qualquer tipo de anomalia.”
CC. Os Autores, por acordo com as 1.ª e 2.ª Rés, celebraram um aditamento ao contrato promessa, com o seguinte teor:
Cláusula Primeira – Considerando que o imóvel objecto da promessa já celebrada e que corresponde ao art.º matricial … não dispõe de licença de utilização/habitação e que, por esse motivo, não foi celebrada a escritura de compra e venda, as partes acordam no seguinte aditamento.
Cláusula Segunda – Os custos do licenciamento atrás referido são por compra dos compradores e da mediadora interveniente no negócio na proporção de 2/3 para os compradores e 1/3 para a mediadora, sendo que, relativamente aos compradores, tais custos não podem ultrapassar o valor previsto no orçamento do arquitecto contactado e que é de Euros 1085,00 mais IVA.
Cláusula Terceira – Os promitentes compradores obrigam-se a informar a promitente vendedora do estado do pedido de licenciamento e, no decurso do Mês de Julho do ano corrente, após ser confirmado que o processo já teve início e está a correr na Câmara competente, os promitentes compradores poderão passar a usufruir do imóvel para além da simples colocação dos seus pertences.
Cláusula Quarta – O indeferimento, a recusa ou a impossibilidade legal de emissão da licença de utilização da construção prevista no artigo …, até à data da escritura inviabiliza a promessa de compra antes celebrada, por se tratar de elemento essencial do negócio, equiparando-se a falta de licença ao incumprimento definitivo do contrato pela vendedora, com as legais consequências indemnizatórias já previstas na promessa e nos termos gerais.
Cláusula Quinta – Se o contrato prometido não vier a ser celebrado, os promitentes vendedores reconhecem expressamente que a autorização de acesso à fracção prometida não lhes confere a posse da mesma e obrigam-se a entregar o imóvel prometido e as respectivas chaves no prazo máximo de 15 dias, devendo indemnizar a promitente vendedora por danos decorrentes do atraso na entrega.
Cláusula Sexta – A data de marcação da escritura de compra e venda, a favor dos promitentes compradores, será marcada no prazo máximo de 2 meses a contar da assinatura do presente aditamento e é da responsabilidade da vendedora. A Vendedora deverá comunicar a data da escritura às partes com a antecedência mínima de 5 dias.
(…)”.
DD. O processo de licenciamento do imóvel prometido vender foi iniciado pela 1.ª Ré, tendo demorado mais de um ano por motivo não imputável a qualquer das partes.
EE. Apesar de estar previsto que após o início do pedido de licenciamento os Autores passavam a ocupar o imóvel, nunca a 1.ª Ré autorizou essa ocupação.
FF. À data, a Autora estava à espera de gémeos e com uma gravidez de risco.
GG. Em termos de licença, o lote … passou a constar como r/c para habitação e logradouro com 122 m2 de área coberta – desanexado do n.º … do Castelo, e consta na matriz n.º ….
HH. Os Autores, sabendo que a licença estava quase a ser emitida, mandaram uma carta à 1.ª Ré nas datas de 21.04.2014 e 21.05.2014, para que fosse diligenciada a marcação da escritura, logo que obtida a licença e comunicaram também que mantinham interesse na compra da casa.
II. Os Autores não receberam respostas a essas cartas.
JJ. Em 26.02.2014 a Câmara Municipal de Sesimbra oficiosamente ordenou a alteração ao Alvará de Loteamento passando a constar: Especificações: Alteração do polígono de implantação da garagem com telheiro, do lote n.º … (descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Sesimbra sob o n.º … da freguesia do Castelo).
KK. O processo de licenciamento do artigo matricial … foi concluído em finais de 2014, tendo a licença sido emitida.
LL. Em 24.10.2014 e 29.10.2014 os Autores remeteram à 1.ª Ré carta registada com aviso de receção e outra igual simples, respectivamente, em que solicitam a marcação da escritura do imóvel prometido.
MM. Os Autores não receberam resposta da 1.ª Ré às duas cartas atrás referidas.
NN. Por carta datada de 23.02.2015 os Autores comunicam à 1.ª Ré:
ASSUNTO: MARCAÇÃO DA ESCRITURA COMPRA E VENDA IMÓVEL PROMETIDO
Na sequência das anteriores cartas de 24 e 29 de outubro de 2014, que lhe foram remetidas e recebidas, em que solicitávamos a marcação da escritura, não recebemos até esta data qualquer comunicação da sua parte com a marcação da escritura do imóvel prometido, conforme obrigação prevista no contrato promessa que celebrámos, nem, por outro lado, recebemos comunicação da intenção de não cumprir.
Atendendo a que não é nossa intenção esperar indefinidamente pela realização da mencionada escritura, até porque necessitamos do imóvel, pretendemos por esta via intimá-la ao cumprimento, concedendo-lhe um prazo limite para outorga da escritura. Nessa medida, e porque está na posse de todos os documentos de licenciamento do imóvel, fixamos o prazo de 15 de março de 2015 como prazo limite para a outorga da escritura em falta, aguardando que nos seja comunicada a data, hora e local da escritura com a antecedência prevista no contrato e como é seu ónus.
Findo o prazo atrás fixado, se não tiver sido outorgada a escritura de compra e venda do imóvel prometido, consideramos a sua obrigação contratual culposa e definitivamente incumprida e, em consequência, resolvido o contrato promessa entre nós celebrado, com as contratuais e legais consequências, nomeadamente cláusula 5.ª do contrato promessa, art. 808.º n.º 1, art. 436.º n.º 1 e 2, art. 442.º n.º 2 do C.C., art. 799.º n.º 2 e art. 487.º n.º 2, todos do C.C., entre outros. A par das sanções contratuais e legais aplicáveis ao contrato promessa, iremos analisar o comportamento adotado à luz da violação do dever de boa fé contratual. (…)”.
OO. A Ré recebeu a referida comunicação a 22.02.2015, nada tendo feito ou comunicado.
PP. Em 20.11.2014 a 1.ª Ré vendeu o imóvel objecto do contrato promessa, já legalizado, a HH.
QQ. Os Autores, antes da data designada para a escritura agendada, a 28.05.2013, para poderem cumprir com a obrigação de pagamento do preço do negócio prometido, tiveram que colocar à ordem capitais no valor de cerca de 48.000, que estavam a prazo e em forma de certificados de aforro.
RR. O projeto para efeitos de licenciamento ascendeu ao montante de € 900+IVA.
SS. A título dos custos do licenciamento, os Autores efetuaram o pagamento da quantia de € 738.
TT. Os Autores, em consequência de não terem comprado o lote … na data agendada para a escritura e porque tinham intenção de passar as férias de 2013 no lote 38, tiveram de alugar uma casa para passar férias, tendo gasto, para o efeito, cerca de € 600/€ 700.
UU. Os Autores, na convicção de que o negócio prometido se iria realizar sem problemas, entregaram a casa que tinham arrendada em maio de 2013 e que era o local onde usualmente passavam férias.
VV. Quando a Autora soube, em maio de 2013, que não se iria realizar a escritura, por falta de legalização do lote …, ficou ansiosa e preocupada em relação ao local onde iriam passar as férias de 2013 e ao litígio que tinham que enfrentar, dado que já tinham gasto o valor do sinal e já tinham entregue a casa onde habitualmente passavam férias.
WW. A Autora, após o cancelamento da escritura, sofreu momentos de ansiedade, o que criava risco de complicações na gravidez.
XX. A impossibilidade de realização de escritura em maio de 2013, a espera pelo licenciamento durante mais de um ano, o silêncio da 1.ª Ré após receber a licença, a venda do lote n.º … a terceiro e a necessidade de reclamar os direitos em ação judicial causaram e causam aos Autores profundo desgosto, descrédito e sentimento de injustiça, situação essa que se mantém até à presente data.
YY. Entre a 2.ª e a 3.ª Ré foi celebrado um contrato de seguro, através do qual a 2.ª Ré transferiu para a 3.ª a responsabilidade civil adveniente da sua atividade comercial.
ZZ. O seguro começou a vigorar no dia 02.03.2012 pelo período de um ano, prorrogável por iguais períodos enquanto não fosse denunciado ou cancelado.
AAA. A apólice tem um capital seguro de € 150.000 com uma franquia de 10% do valor da indemnização, com o mínimo de € 500.
BBB. Nos termos das condições gerais do contrato de seguro celebrado entre a 2.ª e a 3.ª Ré:
Cláusula 3.ª
Garantias do contrato:
O presente contrato cobre, até ao limite do capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o segurado, por responsabilidade civil resultante da atividade das entidades de mediação imobiliária e dos mediadores que estejam contratualmente sob a sua responsabilidade, nas condições legais e regulamentares fixadas para a obrigação de segurar e para o correspondente seguro obrigatório, e nos termos que sejam expressamente declarados e informados à Victoria e assim, para isso, sejam mencionados nas condições particulares do seguro. (…)
Cláusula 5.ª
Exclusões
Não ficam cobertos por esta apólice:
a) a responsabilidade por danos decorrentes da falta de capacidade e legitimidade para contratar das pessoas que intervenham em negócios com o Segurado, quando estes factos lhe sejam dolosamente ocultados, e nos casos em que seja impossível o cumprimento legal que impende sobre o Segurado no sentido de se certificar, no momento da celebração do contrato de mediação, da capacidade e da legitimidade para contratar das pessoas intervenientes nos negócios que irão promover;
b) a responsabilidade pelos danos decorrentes da impossibilidade de cumprimento de deveres contratuais ou de quaisquer obrigações legais por facto de força maior não imputável ao Segurado;
c) a responsabilidade pelo pagamento de danos decorrentes de reclamações resultantes ou baseadas direta ou indiretamente na aplicação de quaisquer fianças, taxas, multas ou coimas, impostas por autoridades competentes, bem como de outras penalidades de natureza sancionatória ou fiscal e por indemnizações fixadas a título punitivo, de danos exemplares ou outras reclamações de natureza semelhante. (…)”.
CCC. Antes de assinarem qualquer proposta de compra, os Autores viram o folheto, visitaram o terreno com os edifícios, e as cadernetas prediais referidas em U. e V..

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
a. Que os Autores tenham visto o imóvel no panfleto e apenas após tenham contactado a 2.ª Ré para o visitar;
b. Que o valor referido em J. tenha sido proposto pela mediadora;
c. Que o mediador da 2.ª Ré tenha informado os Autores que o imóvel tinha licença de utilização relativamente a 40 m2 de área coberta, constando como garagem, mas que tal não obstava à realização do negócio;
d. Que a 1.ª e 2.ª Ré planeavam enganar os Autores levando-os a, sem que eles se apercebessem, a comprar, em termos de escritura, o terreno sobre o qual foram construídas as casas do panfleto e não as casas que constam da fotografia;
e. Que a formalização da proposta de aquisição tenha ocorrido a 17.03.2013;
f. Que tenha sido a 1.ª Ré, através de procuradora, a ficar de marcar a escritura, tendo comunicado aos Autores o agendamento para o dia 28.05.2013;
g. Que na sequência do facto vertido em Q. os Autores tenham ficado convencidos de que era uma questão de falta de documento na posse da 1.ª Ré e não de falta de licença do imóvel;
h. Que em face da não realização da escritura pública, e até à data da propositura da ação em juízo – 26.08.2015 – os Autores tenham perdido dois anos de juros sobre 48.000, no montante global de € 1071;
i. Que os custos totais com o processo de licenciamento tenham ascendido a € 1107, sendo € 250 para o levantamento topográfico;
j. Que os Autores tenham suportado mais de 2/3 do custo do licenciamento, no total de € 904, uma vez que a mediadora apenas procedeu ao pagamento da quantia de € 360;
k. Que o montante referido em TT. ascendesse a € 1459,20;
l. Que para evitar esse risco, teve de controlar tais sentimentos, não podendo para o efeito tomar qualquer medicação em face do seu estado de gravidez;
m. Que o Autor enviasse todas as semanas emails para a sua advogada e que tenha ligado várias vezes para o Eng.º C…, com o intuito de saber o estado do licenciamento, situação que perdurou desde julho de 2013 até setembro de 2014, e mantinha-se sempre na expetativa de realizar a escritura logo que tivesse sido emitida a licença;
n. Que o sinistro nunca tenha sido participado à 3.ª Ré;
o. Que nas circunstâncias vertidas em CCC. os Autores tenham visto a certidão permanente do imóvel e que tenham tido conhecimento da respetiva capacidade construtiva, sendo esta de 150 m2;
p. Que desde a entrada do processo de licenciamento, a 2.ª Ré perdeu o contacto com o assunto, conforme solicitado pelas partes;
q. Que a 1.ª Ré não tenha informado a 2.ª Ré que tinha sido indeferido o processo de licenciamento da garagem, tendo sido esta descobrir após pesquisas nos arquivos da Câmara Municipal, do que informaram de imediato os Autores;
r. Que os Autores tenham despendido a quantia de € 280 + IVA com serviços de advogado para contacto com as Rés.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os recorrentes põem em causa a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando que os factos constantes das alíneas d) e h) de 2.1.2., considerados não provados, devem ser aditados à matéria provada.
Sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, dispõe o artigo 662.º do Código de Processo Civil, no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Esta reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve, de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição, ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado na 1.ª instância, o que importa a apreciação da prova produzida, com vista a permitir à Relação formar a sua própria convicção.
Está em causa, no caso presente, a reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância na parte relativa aos dois indicados pontos da matéria de facto, com vista a apurar se, face a determinados factos tidos como assentes e à prova produzida, os concretos factos indicados pelos recorrentes foram incorretamente julgados não provados, devendo ser acrescentados à matéria provada.
Quanto ao facto constante da alínea d) de 2.1.2. – que a 1.ª e 2.ª Ré planeavam enganar os Autores levando-os a, sem que eles se apercebessem, a comprar, em termos de escritura, o terreno sobre o qual foram construídas as casas do panfleto e não as casas que constam da fotografia –, consta da fundamentação da decisão de facto que não foram produzidos quaisquer meios de prova que sustentassem tal ponto, motivo pelo qual foi julgado não provado.
Discordando deste entendimento, defendem os recorrentes que os factos constantes dos pontos G), I), K) e X) de 2.1.1., julgados provados, conjugados com as declarações de parte prestadas pela autora, impõem se considere assente o facto constante da citada alínea d) de 2.1.2..
Cumpre reapreciar os indicados elementos, de forma conjugada e de acordo com as regras de experiência comum, retirando dos factos conhecidos as necessárias ilações.
Os factos considerados provados sob os pontos G), I), K) e X) de 2.1.1. têm a redação seguinte:
G. O panfleto mostra uma fotografia de uma casa descrita no panfleto com a seguinte identificação: terreno/habitação 700 m2 c/2 habitações V2 e V1 (nova). Bons acabamentos. Zona calma – preço sob consulta.
I. Antes da visita, na data de 15 de março de 2015 Fernando M…, angariador da 2.ª Ré, remeteu aos Autores quarto fotografias da moradia referida em F.
K. O mediador da 2.ª Ré informou os Autores que as duas habitações estavam legais, com exceção de 20m2 relativos à garagem, e que no limite teriam que os demolir.
X. No dia anterior ao da data designada para realização da escritura, a 2.ª Ré comunicou aos Autores por telefone que a escritura se ia realizar mas que não ia ter a intervenção da 2.ª Ré como mediadora.
Nas declarações de parte que prestou na audiência final, a autora CC esclareceu, além do mais, a estranheza que lhe causou a marcação da escritura em Alcântara, local distante de Sesimbra, onde se localiza o imóvel, bem como o teor da comunicação que lhe foi efetuada pela 2.ª ré na véspera da data designada para a escritura a que alude a alínea X) de 2.1.1. e demais comunicações entre esta ré e os autores, até à comunicação ao autor marido do cancelamento da outorga de tal escritura e contexto no âmbito do qual tal ocorreu, explicando a informação que o autor marido lhe transmitiu sobre o teor dessa comunicação, da qual deduziu que pretendiam a 1.ª e a 2.ª rés induzi-los a celebrar escritura de compra e venda do terreno onde foram implantadas as casas e não destas, conforme era intenção dos autores.
Porém, não revelou a autora conhecimento suficiente da existência de qualquer conluio entre a 1.ª e a 2.ª rés no sentido de levar os autores adquirirem bem diverso daquele que pretendiam, celebrando a escritura de compra e venda em termos desconformes ao acordado. Limitou-se a declarante a descrever o procedimento relativo à marcação da escritura e ao respetivo cancelamento, com base no que lhe foi transmitido pelo autor marido, complementado pelo seu conhecimento direto do teor da comunicação a que alude a alínea X) de 2.1.1., daí deduzindo o objetivo que julga ter levado as 1.ª e 2.ª rés a proceder a tal marcação. Estas declarações, além de pouco precisas, no que respeita à matéria do invocado conluio entre a 1.ª e a 2.ª rés, mostram-se coincidentes com a posição defendida pelos autores na presente ação e não se encontram apoiadas em qualquer outro elemento probatório, o que não é alterado pela conjugação deste meio de prova com o teor dos factos supra indicados, tidos como assentes.
Verifica-se, assim, que a conjugação das declarações prestadas pela autora com os factos supra indicados, considerados provados sob pontos G), I), K) e X) de 2.1.1., não impõe se considere assente o facto em apreciação, constante da alínea d) de 2.1.2., assim improcedendo, nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
No que respeita ao facto constante da alínea h) de 2.1.2. – que em face da não realização da escritura pública, e até à data da propositura da ação em juízo – 26.08.2015 – os Autores tenham perdido dois anos de juros sobre 48.000, no montante global de € 1071 –, extrai-se da fundamentação da decisão de facto que não foi considerado provado pelos motivos seguintes:
No que respeita à perda de juros relativos a dois anos pelo facto de os Autores terem mobilizado contas a prazo (facto vertido em h.), para além das declarações prestadas pelos Autores não foram produzidos meios de prova que sustentassem esta perda, entendendo o tribunal que a vaguidade das declarações prestadas relativamente a este facto em concreto e, ainda, considerando que este facto tem subjacente a aplicação de normas contratuais, não são as mesmas suscetíveis de comprovar tal perda.
Discordando deste entendimento, defendem os recorrentes que o facto constante do ponto QQ) de 2.1.1., julgado provado, conjugado com os documentos 31, 32 e 33 juntos aos autos com a petição inicial e com as declarações de parte prestadas pelo autor, impõem se considere assente o facto constante da citada alínea h) de 2.1.2..
Vejamos se lhes assiste razão.
O facto considerado provado sob o ponto QQ) de 2.1.1. tem a redação seguinte:
QQ. Os Autores, antes da data designada para a escritura agendada, a 28.05.2013, para poderem cumprir com a obrigação de pagamento do preço do negócio prometido, tiveram que colocar à ordem capitais no valor de cerca de 48.000, que estavam a prazo e em forma de certificados de aforro.
Ora, analisando os documentos invocados pelos apelantes, verifica-se que se trata de documentos bancários comprovativos de movimentos efetuados pelos autores na Caixa Geral de Depósitos, nos termos já julgados provados sob o ponto QQ) de 2.1.1., não esclarecendo, porém, o acordado relativamente ao pagamento de juros relativos às quantias em causa. No que respeita à matéria em apreciação, o autor BB, nas declarações de parte que prestou na audiência final, declarou que, com a movimentação do montante a que alude o ponto QQ) de 2.1.1., deixaram os autores de auferir um montante superior a € 1000 a título de juros.
Porém, conforme considerou a decisão recorrida, a prova do facto constante da alínea h) de 2.1.2. pressupõe a análise das condições contratuais relativas à aplicação do montante em causa, bem como às penalizações decorrentes da respetiva movimentação, o que não consta dos elementos probatórios apresentados. Acresce que as declarações prestadas pelo autor se mostram, nesta matéria, pouco precisas, além de coincidentes com a posição defendida pelos autores na presente ação e desapoiadas de qualquer outro elemento probatório, o que não é alterado pela conjugação deste meio de prova com o teor do facto supra indicado, relativo à movimentação do capital em causa, julgado provado.
Concluiu-se, assim, que a conjugação das declarações de parte prestadas pelo autor com os documentos invocados e com o facto supra indicado, considerado provado sob o ponto QQ) de 2.1.1., não impõe se considere assente o facto em apreciação, constante da alínea h) de 2.1.2., assim improcedendo, também nesta parte, a impugnação da decisão de facto.
Nesta conformidade, improcede totalmente a impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes.

2.2.2. Responsabilidade da mediadora imobiliária 2.ª ré e da seguradora 3.ª ré
Está em causa, nos presentes autos, uma relação jurídica qualificada pela decisão recorrida como contrato-promessa de compra e venda, estabelecida entre os autores, na qualidade de promitentes-compradores, e a 1.ª ré, como promitente-vendedora, com intervenção da empresa de mediação imobiliária 2.ª ré, o que não vem questionado no presente recurso, encontrando-se as partes de acordo a tal respeito.
A 1.ª instância considerou verificado o incumprimento definitivo imputável à 1.ª ré, atenta a alienação a terceiro do bem imóvel prometido vender, e concluiu que assiste aos autores o direito à resolução do negócio, em consequência do que declarou resolvido o contrato-promessa e condenou a 1.ª ré a restituir o sinal em dobro e a indemnizar os autores por danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo os montantes arbitrados acrescidos de juros contabilizados desde a citação até integral pagamento, o que igualmente não é posto em causa na apelação.
Discordam os apelantes da decisão recorrida na parte em que absolveu as 2.ª e 3.ª rés dos pedidos contra as mesmas formulados, por se ter entendido que, apesar da prática de atos ilícitos pela 2.ª ré no exercício da respetiva atividade de mediação imobiliária, inexiste nexo de causalidade entre tal atuação e os danos sofridos pelos autores em consequência do incumprimento do contrato-promessa, pelo que não se encontram preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil da 2.ª ré, o que afasta a responsabilidade da 3.ª ré decorrente do contrato de seguro entre ambas celebrado.
Defendem os recorrentes que os deveres que a 2.ª ré incumpriu, no exercício da respetiva atividade de mediação imobiliária, se destinam a proteger, não só os clientes, mas também os terceiros destinatários da mediação, entre os quais se incluem os autores. Sustentam que a 2.ª ré não se certificou da correspondência entre as características do imóvel e aquelas que publicitou, elaborou um panfleto onde publicitava duas vivendas que não tinham licença de habitação, induzindo em erro os autores, e informou-os de que havia apenas um problema relativamente a 20 m2 quando, na verdade, as edificações eram ilegais e tinham ordem de demolição, sendo que só na véspera da escritura tomaram conhecimento de que se mantinha a falta de licenciamento; acrescentam que foi a conduta da 2.ª ré que os levou a celebrar o contrato-promessa e que sofreram danos em consequência de tal celebração, pelo que entendem existir nexo de causalidade entre a descrita conduta e os danos sofridos.
Vejamos se lhes assiste razão.
Decorre da factualidade assente que a empresa de mediação imobiliária 2.ª ré divulgou e publicitou um bem imóvel pertencente à 1.ª ré e que esta pretendia vender, na sequência do que o apresentou aos autores, que pretendiam adquirir uma casa na zona em causa e a contactaram, e interveio nas negociações que conduziram à celebração do contrato-promessa de compra e venda desse imóvel outorgado a 24-03-2013 entre os autores e a 1.ª ré, bem como naquelas que conduziram ao aditamento que lhe foi posteriormente introduzido pelos contraentes.
Esta atuação da 2.ª ré consubstancia o exercício da atividade de mediação imobiliária, tal como definida no artigo 2.º, n.ºs 1 e 2, al. b), da Lei n.º 15/2013, de 08-02, diploma que estabelece o regime jurídico a que fica sujeito o acesso e o exercício de tal atividade.
Sob a epígrafe Deveres para com os clientes e destinatários, dispõe o artigo 17.º da citada lei, no seu n.º 1, que a empresa de mediação é obrigada a: a) certificar-se, no momento da celebração do contrato de mediação, que os seus clientes têm capacidade e legitimidade para contratar nos negócios que irá promover; b) certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes; c) propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro; d) comunicar imediatamente aos destinatários qualquer facto que possa pôr em causa a concretização do negócio visado.
Destinando-se as obrigações impostas nas diversas alíneas do citado n.º 1 do artigo 17.º a proteger interesses alheios, no caso, dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária, a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar.
Não tendo os autores celebrado com a 2.ª ré qualquer contrato de mediação imobiliária, antes tendo celebrado com a cliente da empresa mediadora imobiliária um contrato-promessa por esta mediado, deverão ser considerados destinatários do serviço, conforme definição constante do artigo 2.º, n.º 5, da Lei n.º 15/2013, de 08-02, pelo que cumpre verificar se se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
O princípio geral em matéria de responsabilidade por factos ilícitos encontra-se plasmado no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, norma que impõe a quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a obrigação de indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Daqui se extrai que são pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: o facto voluntário do agente, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Considerou a decisão recorrida que a atuação da 2.ª ré violou os deveres impostos pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do citado preceito, conforme decorre do excerto que se transcreve:
Da factualidade provada constata-se que a 2.ª Ré não procedeu em conformidade com a obrigação a que está adstrita e que consta das alíneas b) e c) que antecede, na medida em que:
- Não se certificou da correspondência entre as características do imóvel e as que publicitou, nomeadamente pela consulta às respetivas cadernetas prediais;
- Elaborou um panfleto onde publicitava a venda de um terreno/habitação, tendo o seu mediador imobiliário remetido fotografias do interior da habitação, quando o imóvel não estava licenciado para habitação, assim induzindo em erro os Autores;
- O angariador imobiliário da 2.ª Ré, quando da visita dos Autores ao imóvel, referiu existir apenas um problema relativamente a 20 m2, quando, de acordo com as cadernetas prediais do imóvel (que a 2.ª Ré se não viu deveria ter visto) o problema ultrapassava estes 20 m2..
- Da proposta de aquisição do imóvel não consta que este é um terreno urbano para construção, mas sim uma morada: Carrasqueira lote … artigo ….
A violação destes deveres por parte da 2.ª Ré caracteriza os factos por si praticados como ilícitos, na medida em que os três últimos são suscetíveis de induzir em erro os interessados no negócio sobre o seu objeto e o primeiro consubstancia uma violação dos princípios base que regem a atividade de mediação imobiliária.
Concorda-se com tal apreciação, reportada à celebração do contrato-promessa de compra e venda outorgado a 24-03-2013 entre os autores e a 1.ª ré.
Porém, não poderá olvidar-se o aditamento a que alude o ponto CC. de 2.1.1., posteriormente introduzido ao aludido contrato-promessa pelos respetivos contraentes, autores e 1.ª ré, bem como pela 2.ª ré, do qual consta a assunção pelas três partes de um conjunto de obrigações, motivada pela constatação de que o imóvel prometido vender não dispõe de licenciamento e de que tal constitui a razão da não celebração da escritura de compra e venda, conforme decorre da cláusula 1.ª. Face a tal constatação, os contraentes iniciais modificaram o contrato-promessa outorgado a 24-03-2013, conforme lhes permite o artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil, através de aditamento no qual interveio como parte a 2.ª ré, que igualmente se vinculou ao cumprimento de determinadas obrigações.
Assim, através do aludido aditamento, assumiram os autores e a 2.ª ré a obrigação de suportar os custos do licenciamento em causa, na proporção de 2/3 para os primeiros e 1/3 para a segunda, com o limite constante da cláusula 2.ª; os autores obrigaram-se a prestar informação à 1.ª ré sobre o estado do processo de licenciamento e esta obrigou-se a permitir-lhes a utilização do imóvel a partir do momento indicado na cláusula 3.ª; acordaram em equiparar a não concessão da licença de utilização em falta ao incumprimento definitivo, nos termos constantes da cláusula 4.ª; regularam as consequências da não celebração do contrato prometido, assumindo os autores a obrigação de restituir o imóvel nos termos e prazos indicados na cláusula 5.ª; acordaram os termos e prazos de marcação da escritura, conforme cláusula 6.ª.
Analisando tal aditamento introduzido ao contrato-promessa, verifica-se que foi determinado pela constatação da impossibilidade de cumprimento do contrato inicialmente outorgado, por falta de licenciamento do imóvel prometido vender, e pela necessidade de diligenciar pela respetiva obtenção com vista a viabilizar a celebração da escritura de compra e venda. Assim, a modificação do contrato teve como fundamento a constatação da divergência entre as circunstâncias em que os autores fundaram a decisão de contratar e que representam a base do contrato-promessa outorgado – a saber, a viabilidade da celebração do negócio prometido – e a realidade.
Tendo os autores outorgado o contrato-promessa na convicção de que o bem imóvel prometido vender integrava as construções implantadas no terreno e de que dispunha de condições legais para a celebração da escritura de compra e venda, o que os levou a celebrar o contrato, verifica-se que, ao tomarem conhecimento de que o imóvel prometido vender não dispunha de licenciamento e de que tal impedia a celebração da escritura de compra e venda, acordaram com 1.ª ré a aludida modificação contratual, na qual interveio a ré mediadora imobiliária, que assumiu a obrigação de pagamento de parte dos custos do aludido licenciamento.
Este acordo tem na sua base, além do mais, as consequências da supra exposta atuação ilícita da 2.ª ré, no que respeita à celebração do contrato-promessa de compra e venda outorgado a 24-03-2013 entre os autores e a 1.ª ré, tendo como objetivo criar condições que permitam celebrar a escritura de compra e venda do imóvel que os autores pretendiam adquirir, mediante a assunção de determinadas obrigações pelos três contraentes, incluindo a 2.ª ré, que se comprometeu a suportar parte dos custos do licenciamento do imóvel.
Assim sendo, ainda que a atuação ilícita da 2.ª ré possa ter contribuído para a falsa representação pelos autores da realidade do bem imóvel, a qual os levou a outorgar o contrato-promessa, o aditamento introduzido ao contrato permite considerar sanadas, por acordo das partes, as consequências de tal atuação da mediadora imobiliária.
O subsequente incumprimento definitivo do contrato-promessa, com as modificações introduzidas pelo aludido aditamento, não resultou da inviabilidade da celebração da escritura por falta de licenciamento, mas sim da venda a terceiro pela 1.ª ré do bem imóvel prometido vender aos autores, sendo certo que não se extrai da matéria de facto provada qualquer intervenção da 2.ª ré na celebração deste negócio, nem a prática pela mesma de qualquer ato ilícito em momento posterior à celebração do aludido aditamento.
Daqui decorre que o incumprimento do contrato-promessa não resultou, ainda que de forma mediata, da atuação ilícita da 2.ª ré, cujas consequências ficaram sanadas nos termos acordados pelas partes no aditamento introduzido ao contrato, conjugados com o subsequente licenciamento do imóvel, o qual permitiria a celebração do negócio prometido, tal como permitiu à 1.ª ré proceder à venda do imóvel a terceiro, incumprindo a promessa de o vender aos autores.
Sob a epígrafe Nexo de causalidade, dispõe o artigo 563.º do Código Civil que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
Afirma Ana Prata (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 722-723) que “neste preceito está consagrada a chamada teoria da causalidade adequada”, explicando o seguinte: “Esta implica, num primeiro momento, a análise da situação de acordo com a teoria da condição sine qua non, isto é, tem de começar-se por verificar se, no caso concreto, o facto foi condição necessária do prejuízo. Respondida afirmativamente esta questão, pergunta-se se, em condições normais da vida, aquele facto tem aptidões causais para provocar aquele tipo de consequências danosas. Concluída esta operação intelectual, pode dizer-se que o facto é causa jurídica do dano”. Acrescenta a autora (loc. cit.) que “se se verifica que um facto é causa adequada de um outro que, por seu lado, é causa adequada do prejuízo, se está tipicamente perante uma cumulação real de causas, o que significa que a causalidade adequada nada tem que ver com a causalidade direta”.
No caso presente, em que os danos sofridos pelos autores decorrem do incumprimento do contrato-promessa imputável à promitente-vendedora, verificando que tal incumprimento resultou da venda do imóvel a terceiro sem qualquer intervenção da mediadora imobiliária e não da anterior impossibilidade de celebração da escritura por falta de licenciamento do imóvel, cumpre concluir que a atuação ilícita da 2.ª ré em momento anterior à modificação introduzida ao contrato-promessa e ao subsequente licenciamento do imóvel prometido vender, ainda que constitua uma condição sem a qual os autores não teriam celebrado o contrato-promessa, não tem aptidão para provocar os danos decorrentes da venda do imóvel a terceiro, uma vez obtido o licenciamento inicialmente em falta.
Concluiu-se, assim, que aquela conduta ilícita da 2.ª ré não atuou como condição dos danos sofridos pelos autores, pelo que cumpre considerar não verificado o nexo de causalidade entre tal conduta e os danos decorrentes do incumprimento do contrato-promessa.
Nesta conformidade, é de afastar a responsabilidade da 2.ª ré, solidariamente com a 1.ª ré, pelo pagamento aos autores das quantias relativas à restituição do sinal entregue e à indemnização arbitrada, o que igualmente afasta a responsabilidade da 3.ª ré com fundamento no contrato de seguro outorgado com a 2.ª ré.
Improcede, nesta parte, a apelação, cumprindo manter a absolvição das 2.ª e 3.ª rés decidida pela 1.ª instância, ainda que com fundamentação diversa.

2.2.3. Obrigação de indemnizar
A 1.ª instância considerou que ocorreu incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável exclusivamente à 1.ª ré e que tal confere aos autores, além do direito à resolução do contrato, o direito a exigirem o dobro do que prestaram a título de sinal, em consequência do que declarou resolvido o contrato-promessa e condenou a 1.ª ré a restituir o sinal em dobro, o que não vem questionado na apelação.
A decisão recorrida condenou, ainda, a 1.ª ré a pagar aos autores a quantia de € 738, a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes dos custos de licenciamento do imóvel pelos mesmos suportados, e a quantia de € 1350, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, ambas acrescidas de juros contabilizados desde a citação até integral pagamento.
Defendem os apelantes que, além dos custos de licenciamento do imóvel, sofreram outros danos patrimoniais que pretendem ver indemnizados, designadamente as despesas com o arrendamento de uma casa de férias e os juros perdidos em consequência do levantamento da quantia de € 48 000, pretendendo lhes seja arbitrado o montante de € 1807 a título de indemnização pelos indicados danos; por outro lado, sustentando que se mostra diminuto o montante arbitrado a título de indemnização por danos não patrimoniais, peticionam a respetiva fixação no montante de € 3000.
Porém, face ao regime do incumprimento do contrato-promessa de compra e venda, não lhes assiste direito à indemnização que peticionam.
No caso presente, em que não houve tradição do bem imóvel prometido vender, tendo havido sinal e tendo a promitente-vendedora incumprido definitivamente o contrato-promessa celebrado, têm os promitentes-compradores direito à restituição do sinal em dobro – o que exigiram e lhes foi concedido pela decisão recorrida –, não lhes assistindo direito a qualquer outra indemnização pelo incumprimento do contrato, salvo convenção em contrário, conforme decorre do estatuído no n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil.
Dispõe o n.º 4 do mencionado preceito o seguinte: Na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, nos casos de perda do sinal ou de pagamento do dobro dele, ou do aumento do valor da coisa ou do direito à data do não cumprimento.
Afirma Manuel Januário Costa Gomes (Em Tema de Contrato-Promessa, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1990, p. 37-38) que “a primeira parte do n.º 4 do art.º 442.º tem aplicação sempre que, em qualquer contrato – incluindo os contratos-promessa – o contraente fiel, seja ele o accipiens ou o tradens, faça funcionar o mecanismo do sinal. Em tal caso, inexistindo convenção em contrário, não pode ele exigir indemnização suplementar, ainda que alegue e prove que os prejuízos sofridos excedem em valor a indemnização ditada “a forfait” pelo mecanismo do sinal. (…) Na verdade, inexistindo convenção em sentido contrário, é de entender que a indemnização correspondente ao sinal (…) cobre todos os danos sofridos pelo contraente fiel, ainda que deixe “descobertos” os danos excedentes sofridos pelo mesmo (…)”. No mesmo sentido, esclarece António Pinto Monteiro (Cláusula Penal e Indemnização, Coimbra, Almedina, 1990, p. 179) que “a solução consagrada no n.º 4 do art. 442.º acaba por conduzir a que, se a execução específica não for viável, ou o credor tiver perdido o interesse no cumprimento, ele deixe de poder exigir a indemnização a que, na ausência de sinal, teria direito. O contraente faltoso fica, assim, numa situação de poder, de facto, violar o contrato, sabendo antecipadamente qual será o custo (porventura baixo) dessa atitude”. Mário Júlio Almeida Costa (Contrato-Promessa – Uma síntese do regime actual, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra, Almedina, 1994, p. 65), por seu turno, afirma o seguinte: “Nos casos de perda do sinal ou de entrega do dobro deste, ou do valor actualizado da coisa ou do direito, excluiu-se, salvo estipulação das partes em contrário, qualquer outra indemnização compensatória devida pelo promitente faltoso”, acrescentando que “a lei se refere apenas a indemnizações respeitantes ao não cumprimento definitivo do contrato-promessa”. Em anotação ao indicado artigo 442.º, explica Ana Prata (ob. cit., p. 566) que a regra da primeira parte do n.º 4 “sublinha a função penal do sinal, estabelecendo que este impede, em princípio e salvo convenção em contrário, outra indemnização pelo não cumprimento obrigacional”.
Face ao regime previsto no artigo 442.º, n.º 4, do qual decorre que não há lugar, pelo incumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização nos casos de pagamento do sinal em dobro, salvo convenção em contrário, cumpre averiguar se algo foi estipulado entre as partes relativamente a um eventual direito a indemnização em caso de incumprimento contratual.
Analisando o contrato-promessa outorgado entre os autores e a 1.ª ré, verifica-se que a única cláusula que estipula o direito a tal indemnização consiste na cláusula 5.ª, cujo n.º 2 dispõe o seguinte: Em caso de incumprimento do presente contrato por causa imputável ao PROMITENTE VENDEDOR, o PROMITENTE COMPRADOR terá por direito a restituição em dobro da quantia paga, acrescida de todas as quantias que tiver despendido na obtenção de documentos para a realização de escritura pública de compra e venda.
Verifica-se, assim, que as partes estipularam a obrigação da promitente-vendedora indemnizar os promitentes-compradores, em caso de incumprimento contratual imputável à primeira, das quantias por estes despendidas com a obtenção de documentos para a realização da escritura prometida, sendo certo que não convencionaram a indemnização de qualquer outro dano patrimonial, nem de quaisquer danos não patrimoniais.
Não se enquadrando os danos patrimoniais cuja indemnização vem peticionada na apelação, nem os danos não patrimoniais, todos decorrentes do incumprimento do contrato-promessa, no âmbito desta convenção das partes, cumpre concluir que não assiste aos autores o direito a reclamarem a respetiva indemnização, sem prejuízo de se manter a indemnização arbitrada pela decisão recorrida, dado que não impugnada em sede de recurso pela parte com legitimidade para o efeito.
Improcede assim, também nesta parte, a apelação, cumprindo manter a decisão recorrida, ainda que com fundamentação diversa.

Em conclusão:
I – Destinando-se as obrigações impostas nas diversas alíneas do artigo 17.º, n.º 1, da Lei n.º 15/2013, de 08-02, a proteger interesses alheios, no caso, dos clientes e dos destinatários do serviço de mediação imobiliária, a violação pela empresa mediadora imobiliária destes deveres poderá fazê-la incorrer em responsabilidade civil, desde que verificados os demais pressupostos da obrigação de indemnizar;
II - Não tendo havido tradição do bem imóvel prometido vender, havendo sinal e tendo a promitente-vendedora incumprido definitivamente o contrato-promessa celebrado, têm os promitentes-compradores direito à exigida restituição do sinal em dobro, não lhes assistindo direito a qualquer outra indemnização pelo incumprimento do contrato, salvo convenção em contrário, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 442.º do Código Civil.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, ainda que com diversa fundamentação, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.

Évora, 28-02-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato