Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
241/19.7T8FTR.E1
Relator: ANA PESSOA
Descritores: ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE
CESSAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) O ex-cônjuge continua a integrar, juntamente com o cônjuge, a primeira classe de obrigados, pelo que só na falta deles ou na impossibilidade de os mesmos prestarem alimentos serão chamadas as pessoas da classe subsequente (desde logo, os descendentes), e assim por diante (cf. artigos 2009º e 2013º, n.º 2, do Código Civil);
ii) Demonstrando o divorciado ter direito a recorrer, para alimentos, em primeira linha, ao ex-cônjuge, não tem, por isso, um direito de alimentos mais restrito que o das demais pessoas que nunca foram casadas, pois o artigo 2016-A do Código Civil não restringe ou limita o direito de alimentos para divorciados, apenas fornecendo critérios para o montante da pensão de alimentos, uma vez verificados os pressupostos de que depende a respetiva fixação;
iii) Uma vez fixado tal direito, a sua cessação resultará de alguma das circunstâncias previstas no artigo 2013.º, do Código Civil, v.g a falta de recursos do devedor para continuar a cumprir e a circunstância do credor deles já não necessitar – mas também poderá ser originada por razões de manifesta equidade (n.º 3, do artigo 2016.º, do mesmo diploma).
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora,

I. RELATÓRIO.
AA intentou a presente ação declarativa para cessação de alimentos contra BB, pedindo que se declare cessada a obrigação de prestar alimentos à Ré, sua ex-cônjuge, fixada por acordo no âmbito do processo de divórcio por mútuo consentimento no qual foi dissolvido o casamento contraído entre ambos, ou, caso assim não se entenda, que reduza o seu montante para quantia não superior a €100.00.
Para tanto alegou, em suma, que as suas circunstâncias de vida e despesas se alteraram, bem como se alteraram as da Ré, não podendo o Autor continuar a suportar o seu pagamento, até porque a Ré nunca providenciou pela sua subsistência, designadamente, procurando emprego, existindo fortes indícios de que a Ré tem imóveis em seu nome e é titular de várias contas bancárias, a que acrescentou a invocação de argumentos que alegadamente teriam estado na génese do acordo celebrado quanto à pensão de alimentos, que também deixaram de existir ou que “abalam” aquele acordo.
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A Ré apresentou contestação alegando, em síntese, que não se verificam quaisquer alterações de facto e/ou circunstâncias que justifiquem a procedência da presente ação, impugnando os argumentos atinentes à formação da vontade para celebrar o acordo com esta, bem como a interpretação dada pelo Autor aos respetivos recibos de vencimento pelo mesmo juntos.
Aludiu ao facto de o Autor ter deixado de proceder ao pagamento da pensão, razão pela qual intentou ação executiva destinada a cobrar coercivamente a mesma.
Concluiu pugnando pela improcedência da ação.
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Foi dispensada a realização da realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o valor da ação, o objeto do litígio e os temas da prova.
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O Autor apresentou articulado superveniente, na sequência do pedido de apoio judiciário formulado pela Autora, alegando que esta reside com os respetivos progenitores e com o filho, considerando que devem ser apurados os rendimentos destas pessoas, articulado que mesmo foi admitido.
Notificada, a Requerida opôs-se à realização das diligências requeridas, tendo, não obstante, sido ordenada a solicitação de informações solicitadas por aquele.
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Realizou-se o julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal, julgando a presente acção improcedente, decide manter a prestação alimentícia a suportar pelo Autor a favor da Ré, absolvendo a mesma do peticionado.
Valor da acção: o já fixado € 30 000.01 8trinta mil euros e um cêntimo).
Registe e Notifique.”
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Inconformado o Requerente interpôs o presente recurso de Apelação, tendo, após alegações, formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso tem por objeto o seguinte:
2- Verificação da incapacidade da alimentada, ora recorrida, para prover à sua subsistência;
3- Ponderação das necessidades da ora recorrida e das possibilidades do ora recorrente.
4- ADITAMENTO AOS FACTOS PROVADOS DOS SEGUINTES FACTOS:
9, 10, 11, 12 e 13:
5- O Tribunal a quo deu (apenas) como provado, nos factos 9, 10, 11, 12 e 13, os “rendimentos declarados em sede de IRS” pelo ora recorrente, “o valor de retenções”, o valor das “contribuições” e o valor da “retenção de sobretaxa”.
6- Porém, o Tribunal não fez constar que o rendimento líquido anual do ora recorrente resulta da subtração do “valor de retenções”, do valor das “contribuições” e do valor da “retenção de sobretaxa” relativamente aos “rendimentos declarados em sede de IRS”, nem apurou o valor mensal líquido, recebido pelo ora recorrente.
7- Assim sendo, impõe-se o aditamento aos Factos Provados dos seguintes factos:
8- “9. No ano de 2015, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 52 010.64, sendo o valor de retenções de € 15923.00, as contribuições de € 7544.16 e a retenção de sobretaxa de € 615.00, o que perfaz líquido o valor de € 24.077,15, a que equivale mensalmente € 1.719,79 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
9- “10. No ano de 2016, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 49 445.00, sendo o valor de retenções de € 15069.00, as contribuições de € 7172.22 e a retenção de sobretaxa de € 698.00, o que perfaz líquido o valor de € 26.535,78, a que equivale mensalmente € 1.895,41 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
10- “11. No ano de 2017, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.01, sendo o valor de retenções de € 16412.00 e as contribuições de € 7758.76, tendo declarado um benefício fiscal no valor de € 39.96, o que perfaz líquido o valor de € 29.281,29, a que equivale mensalmente € 2.091,52 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
11- “12. No ano de 2018, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.04, sendo o valor de retenções de € 16422.00, as contribuições de € 7758.80, o que perfaz líquido o valor de € 29.311,20, a que equivale mensalmente € 2.093,65 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
12- “13. No ano de 2019, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 50435,32, sendo o valor de retenções de € 15974,00 e as contribuições de € 4288,68 , o que perfaz líquido o valor de € 30.172,64, a que equivale mensalmente € 2.155,18 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
13- ADITAMENTO AOS FACTOS PROVADOS DOS SEGUINTES
FACTOS: 20, 21 e 22.
14- A sentença a quo não apurou o valor líquido que a ora recorrida auferiu mensalmente, nesses anos de 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019; pelo que esse valor deve ser dividido em 14 meses.
15- Assim sendo, impõe-se o aditamento aos Factos Provados dos seguintes factos:
16- “20. Nos anos de 2015, 2016 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7383.08, o que perfaz líquido o valor mensal de € 527,36, (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”;
17- “21. Nos anos de 2017 e 2018 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7382.96, o que perfaz líquido o valor mensal de € 527,56 (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”;
18- “22. No ano de 2019 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 4543.36”, o que perfaz líquido o valor mensal de € 342,52, (14 prestações por ano – 12 meses mais um mês de subsídio de férias e outro mês de subsídio de Natal)”.
19- ALTERAÇÃO do FACTO PROVADO 44:
20- Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento não resulta que os trabalhos identificados no ponto 44. tenha sido pontuais e de forma
21- A sentença a quo não apurou qual o rendimento mensal que a ora recorrida tinha pelos trabalhos que fazia de “limpeza, fazer bolos para fora e render férias em lojas”.
22- Resulta das declarações das testemunhas CC (do dia 15/11/2022, das 16:04:57 às 16:40:50) e DD (do dia 15/11/2022, das 16:41:22 às 17:09:17), ambas arroladas pela recorrida, que esta realizava todos os meses cerca de € 200,00, nunca menos de € 150,00, pelos trabalhos que efectuava, com limpezas que fazia em casa de pessoas e de bolos que confeccionava para fora.
23- A atribuição e a manutenção de uma pensão de alimentos a ex-cônjuge pressupõe dois momentos sucessivos ou não sucessivos:
24- A sentença a quo violou o disposto no art. 342º, nº 1 do CC ao considerar, em todo o seu raciocínio, que cabia ao ora recorrente o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito.
25- De acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, é à ora recorrida (R.) que cabe o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito.
26- Quanto a ora recorrente, caber-lhe-á o ónus (nos termos do n.º 2 do artigo 342.º) de provar as circunstâncias que poderão justificar a não atribuição do direito a alimentos.
27- A concessão da pensão de alimentos algo que só deve ser concedido e mantida em situações muito particulares e excepcionais, nomeadamente quando por motivo de doença o cônjuge não pode trabalhar ou porque durante toda a vivência em comum se dedicou à família não exercendo qualquer atividade profissional (o que não se encontra provado, nem uma coisa nem outra, nos factos provados da sentença recorrida), sendo clara a lei que determina que após a separação o outro cônjuge não tem que manter o mesmo padrão de vida que vivia na constância do matrimónio;
28- A recorrida fica, todos os meses, com € 1,227,36, incluindo a pensão que o requerido lhe paga.
29- Tem a ora recorrida todas as condições para poder subsistir pelos seus próprios meios e tem condições de prover ao seu sustento;
30- O Recorrente está reformado do Exército, tem as mencionadas despesas mensais, pelo que não se compreende agora que vá continuar a pagar uma pensão à ora recorrida que também pode trabalhar, que tem rendimentos declarados de cerca de € 500.00 mensalmente, mais a pensão de € 527,36 e mais o rendimento de € 200,00 dos bolos, rissóis e limpezas que faz, tudo no montante de € 1.227,36, que lhe permite garantir um mínimo de vida digna.
31- A doença do recorrente origina-lhe despesas avultadas.
32- Para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge necessitado, além dos elementos indicados no artigo 2016.º, n.º 3, acrescentara-se três factores de ponderação: a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal e um novo casamento ou união de facto;
33- O ora recorrente não poder continuar a pagar a pensão de € 527,36, que paga há mais de 18 anos.
34- Entende-se assim que viola a douta sentença o disposto no n.º 1 do art.º 2016.º da Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro.
35- A sentença recorrida errou ao não ter aplicado o disposto no artigo 2016.º-A do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e vigente a partir de 30 de Novembro de 2008, a qual introduziu uma importante alteração em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, estabelecendo a regra de que o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e, este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação, assumindo natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles carece a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para reorganizar a sua vida.
36- Não obstante a ideia de solidariedade (pós) conjugal e de um dever de assistência, o legislador introduziu o carácter temporário da obrigação, estando em causa apenas a garantia de um mínimo de vida digno e de uma obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
37- A pensão acordada não pode ser perpétua e definita, vigorando há mais de 18 anos a esta parte.
38- A recorrida nada fez para consiga começar a obter proventos que garantissem a sua subsistência, sendo que nada disse consta dos factos provados, até porque esta nem sequer os alegou.
39- Podemos concluir que o direito a alimentos entre ex-cônjuges é um direito especial e com uma natureza excepcional e subsidiária, tendo-se como objectivo “prestar um socorro que atinja um mínimo decente”.
40- Deste modo, QUANDO É APRECIADA A MANUTENÇÃO (COMO OCORRE IN CASU) DE UMA PENSÃO DE ALIMENTOS, COMEÇA POR SER NECESSÁRIO PROCEDER AO APURAMENTO DA INCAPACIDADE DE QUEM A PEDE PARA SUBSISTIR PELOS SEUS PRÓPRIOS MEIOS, SÓ DEPOIS, NUMA SEGUNA FASE, SE PARTINDO PARA A VERIFICAÇÃO DOS RESTANTES REQUISITOS.
41- Há, pois, assim, DOIS MOMENTOS SUCESSIVOS ou NÃO SUCESSIVOS que importa atender:
42- 1.º - Verificação da incapacidade do alimentado para prover à sua subsistência;
43- 2.º - Ponderação das necessidades do demandante e das possibilidades do demandado.
44- Se o PRIMEIRO MOMENTO não está verificado, então não se passa ao SEGUNDO MOMENTO.
45- Quanto a estes dois momentos, diga-se que, em termos de ónus da prova, de acordo com o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, é ao/à requerente dos alimentos e / ou à pessoa que está a receber os alimentos, a ora recorrida, que cabe o ónus da prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja:
46- - da sua incapacidade para prover à sua subsistência (por exemplo, por força da sua idade, da sua saúde débil, da impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer actividade profissional para prover à sua subsistência, etc.) (artigo 2016.ºA) – prova que a recorrida não fez;
47- - das suas necessidades (artigos 2003.º e 2004.º) - prova que a recorrida não fez (nem sequer alegou na sua petição inicial);
48- - de a pessoa que está a pagar os alimentos tem possibilidades de os prestar (artigos 2003.º e 2004.º).
49- Quanto ao ora recorrente, caber-lhe-ia o ónus (nos termos do n.º 2 do artigo 342.º) de provar as circunstâncias que poderão justificar a não atribuição do direito a alimentos.
50- Encontra-se em necessidade quem não consegue satisfazer adequadamente as necessidades de uma vida autónoma e digna, quer com o seu património, quer com a sua força de trabalho – não constando dos factos provados nenhuma dessas situações.
51- Em face destas considerações, há que começar por verificar se dos factos dados como provados é possível ultrapassar o PRIMEIRO MOMENTO DE APRECIAÇÃO acabado de referir e concluir que a ora recorrida (R. nos autos) provou, ou não, estar capaz de prover à sua subsistência.
52- Resulta desta matéria de facto provada de que a ora recorrida dispõe mensalmente de € 1.227,36, sendo cerca de € 500,00 de rendimentos mensais declarados a título de IRS (pontos 20, 21 e 22 da matéria provada), € 527,36 da pensão mensal (ponto 7 dos factos provados) que o recorrente está obrigado a entregar-lhe e cerca de € 200,00 mensais de “alguns trabalhos, como limpeza, fazer bolos para fora e render férias em lojas” (ponto 44 dos factos provados).
53- A recorrida não provou, e tinha esse ónus da prova, a sua incapacidade para prover à sua subsistência (por exemplo, por força da sua idade, da sua saúde débil, da impossibilidade de iniciar o exercício de uma qualquer actividade profissional para prover à sua subsistência, etc.) (artigo 2016.ºA).
54- A recorrida não provou, e tinha esse ónus da prova, das suas necessidades (artigos 2003.º e 2004.º) mensais, como despesas fixas de água, luz, gás, renda da casa, alimentação, vestuário, despesas de farmácia, entre outras (prova que a recorrida não fez e nem sequer alegou na sua petição inicial);
55- A recorrida apenas alegou e provou que precisa de prover ao seu sustento, mas isso é apanágio de qualquer cidadão, sendo que o que aquela (recorrida) devia ter provado era que estava impossibilitada de angariar trabalho para garantir a sua subsistência, prova que a recorrida não fez, pois nada disso se encontra dado como provado na sentença recorrida. PORÉM,
56- Perante estes factos o Tribunal a quo concluiu que a R. / recorrida estava impossibilitada de prover ao seu sustento.
57- Compreendendo embora o raciocínio realizado pela Senhora Juíza a quo (rendimentos fixos declarados a título de IRS de cerca € 500,00, rendimentos provenientes do trabalho, fracos proventos decorrentes da confecção caseira de bolos e de limpezas em cerca de € 200,00), mais apensão de € 527,36, cremos não lhe assistir razão, por perder a visão de conjunto da matéria.
58- Nada nos parece justificar que findo o casamento entre Autor e Ré, aquele tenha de continuar a assegurar a subsistência desta, passados mais de 18 anos após o divórcio, 36 anos após o casamento, dado que a solidariedade (pós) familiar que aí estaria em causa, teria de assentar em razões factuais claras que demostrassem a sua excepcionalidade.
59- A regra, como se disse, é a de que cada ex-cônjuge deve assegurar a sua subsistência, sendo a fixação de alimentos uma medida excepcional, subsidiária e tendencialmente temporária.
60- A recorrida tem plena capacidade para exercer uma actividade profissional que a sustente.
61- Certo que tem gastos superiores aos seus proventos, mas disso não pode o Autor, ora recorrente, ser vítima: é também à R., ora recorrida, que cabe adequar as suas despesas aos seus proventos.
62- A sentença recorrida errou ao não ter aplicado o disposto no artigo 2016.º-A do Código Civil, introduzido pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro e vigente a partir de 30 de Novembro de 2008,.
63- CONSIDERAMOS, ASSIM, QUE A RÉ / RECORRIDA NÃO PROVOU A EXCEPCIONALIDADE DA SUA SITUAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE DE PROVER À SUA SUBSISTÊNCIA, O QUE NÃO PERMITE SEQUER PASSAR AO SEGUNDO MOMENTO (DE AFERIÇÃO DAS NECESSIDADES DA RECORRIDA E DAS POSSIBILIDADES DO RECORRIDO).
64- Deve ser declarada a cessação da obrigação de alimentos a favor da R. / recorrida ou, caso assim se não entendesse, e sem prescindir, em alternativa, que o valor da pensão seja reduzido para o montante mensal de € 100,00.
65- Caso não se entenda o alegado anteriormente em V.1 e sem prescindir:
66- SEGUNDO MOMENTO: A PROVA da AFERIÇÃO DAS NECESSIDADES DA RECORRIDA e das POSSIBILIDADES DO RECORRENTE:
67- Resulta dos factos dados como provados que estão reunidos os pressupostos para a cessação ou, em alternativa, e sem prescindir, de redução da obrigação de alimentos sub judice.
68- Deve ser declarada a cessação da obrigação de alimentos a favor da R. /recorrida ou, caso assim se não entendesse, e sem prescindir, em alternativa, que o valor da pensão seja reduzido para o montante mensal de € 100,00.
69- Decidindo o contrário, a sentença a quo violou o disposto no artigo 497º do Código Civil.
Terminou pedindo que seja concedido provimento ao recurso interposto, revogando-se a sentença recorrida, sendo declarada a cessação da obrigação de alimentos a favor da Ré ou, caso assim se não entenda, que o valor da pensão seja reduzido para o montante mensal de € 100,00.
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A Apelada respondeu ao recurso, oferecendo contra-alegações pugnando pela improcedência do mesmo, apresentando, por seu turno, a seguinte síntese conclusiva:
1-A douta Sentença não merece qualquer reparo e é exemplar na fundamentação tanto da matéria de facto como do Direito;
2-Não existe qualquer fundamento para alterar os pontos 9 a 13 da matéria de facto, para incluir o rendimento líquido anual e mensal do recorrente porquanto nos mesmos estão mencionados os valores de IRS, contribuições e sobretaxa que por mero cálculo aritmético permitem saber os valores líquidos recebidos.
3- Também o valor líquido apresentado pelo recorrente não corresponde ao seu rendimento líquido do ano respetivo, porquanto recebeu reembolso de IRS de montantes elevados que devem ser somados aos valores anteriores.
4- Não existe qualquer fundamento para alterar os pontos 20 a 22 da matéria de facto, para incluir o rendimento líquido mensal da recorrida porquanto por mero calculo aritmético é possível apurar o valor mensal líquido recebido uma vez que a recorrida não paga IRS.
5-A situação económica e financeira pode ser apreciada com base nos valores anuais ou mensais recebidos.
6-A prova testemunhal produzida não é suficiente para alterar o ponto 44 dos factos dados como provados.
7-O Autor/recorrente não logrou provar que circunstâncias supervenientes se produziram na sua vida que o impeçam de continuar a prestar alimentos à Ré Recorrida.
8-O rendimento do Recorrente mantém-se inalterado sem qualquer redução significativa e sem despesas acrescidas.
9-O Recorrente não logrou provar que A Ré/Recorrida já não necessita de alimentos por si prestados, ónus que lhe competia.
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II. OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
- apurar se procede a impugnação da matéria de facto;
- saber se deve ser declarada cessada a obrigação de prestar alimentos pelo Autor à ex-cônjuge ora Ré.
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III. FUNDAMENTAÇÃO.
III.1. De facto.
Com interesse para a decisão da causa, o Tribunal Recorrido considerou apurados os seguintes factos:
“1. Autor e Ré casaram em 20.09.1986;
2. No âmbito do processo de divórcio por mútuo que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Mafra, foi decretado o divórcio entre o autor e a ré em 15.06.2004, transitada na mesma data, homologando-se o acordo de prestação de alimentos entre os cônjuges do qual resulta que (§ 1) até à data da outorga da escritura de compra e venda da casa de morada de família, bem próprio do casal, o aqui Autor pagaria à aqui Ré a quantia de € 150.00 mensais, sendo a quantia descontada pela entidade patronal do mesmo e depositada, até ao dia 24 de cada mês, na conta desta;
3. Do referido acordo consta que “(§ 2) após a data da outorga da escritura de venda, referida supra, o valor da prestação mensal de alimentos passará a ser de € 500.00 e paga nos termos referidos no ponto anterior;
4. Mais acordaram Autor e Ré que nos meses em que aquele receber o subsídio de férias e de Natal, entregaria o dobro das quantias referidas nos pontos anteriores, ou seja, € 300.00 e € 1000.00, respetivamente;
5. Mais acordaram as partes que as quantias supra elencadas serão atualizadas anualmente, em janeiro, em função do aumento do vencimento do ali Requerente marido e na mesma proporção, ocorrido no ano anterior, sendo esta autorizada a beneficiar de todos os serviços, incluindo médicos, prestados pelos serviços militares, em condições análogas às dos cônjuges;
6. A venda referida em 3. foi formalizada por escritura lavrada em 21.03.2007;
7. A pensão atualmente é de € 527,36;
8. Autor e Réu têm um filho, EE, nascido em .../.../1987;
9. No ano de 2015, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 52 010.64, sendo o valor de retenções de € 15923.00, as contribuições de € 7544.16 e a retenção de sobretaxa de € 615.00.
10. No ano de 2016, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 49 445.00, sendo o valor de retenções de € 15069.00, as contribuições de € 7172.22 e a retenção de sobretaxa de € 698.00.
11. No ano de 2017, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.01, sendo o valor de retenções de € 16412.00 e as contribuições de € 7758.76, tendo declarado um benefício fiscal no valor de € 39.96.
12. No ano de 2018, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.04, sendo o valor de retenções de € 16422.00, as contribuições de € 7758.80.
13. No ano de 2019, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 50435,32, sendo o valor de retenções de € 15974 e as contribuições de € 4288,68.
14. Aos rendimentos referidos nos pontos anteriores, em cada um dos referidos anos, o Autor deduziu à coleta o valor de € 7383.08, sendo em 2019 somente de € 4218.88, com base na pensão paga à Ré.
15. No ano de 2015, o Autor recebeu reembolso de IRS no valor de € 3654.26;
16. No ano de 2016, o Autor recebeu reembolso de IRS no valor de € 3561.88;
17. No ano de 2017, o Autor recebeu reembolso de IRS no valor de € 3121.00;
18. No ano de 2018, o Autor recebeu reembolso de IRS no valor de € 3310.19;
19. No ano de 2019, o Autor recebeu reembolso de IRS no valor de € 4427.40;
20. Nos anos de 2015, 2016 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7383.08;
21. Nos anos de 2017 e 2018 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7382.96;
22. No ano de 2019 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 4543.36;
23. A progenitora do Autor é utente do Lar ... e os serviços prestados pela ERPI ascendem ao montante mensal de € 900.00;
24. A progenitora do Autor auferia pela Caixa Geral de Aposentações, no ano de 2017, a quantia mensal de € 763.07, tendo-lhe sido abonado, naquele ano, o total de € 10494.09;
25. Em 26.08.2018 o Autor contraiu um crédito pessoal junto do Unibanco, no valor global de € 11 000.00, a pagar no prazo de 36 meses, sendo a prestação mensal no montante de €390.05;
26. O Autor pagou € 59.30 de fornecimento de água referente a setembro/ outubro de 2019;
27. Por referência ao mesmo período o Autor pagou € 60.16 de fornecimento de eletricidade;
28. E € 42.23 de fornecimento de telecomunicações, incluindo TV;
29. O ora Autor entrou na situação de reforma em 01 de Julho de 2016;
30. O Autor encontra-se casado com FF, desde 25.07.2017, tendo cada um mantido a sua residência habitual (o primeiro em ..., a segunda em Fronteira), assumindo, cada um, as despesas inerentes à respetiva residência;
31. A Ré instaurou processo de execução contra o Autor para pagamento da pensão de alimentos em discussão nos autos, que corre termos neste Juízo de Competência Genérica de Fronteira sob o n.º 235/20.0T8PTG;
32. Não existe registo de inscrição para emprego / formação no IEFP, IP, por parte da Ré;
33. A Ré não possui qualquer registo de remunerações desde 01/2012 ou aufere prestações sociais junto do Instituto da Segurança Social, IP;
34. A Ré nunca recebeu subsídio de desemprego;
35. A Ré é titular de conta bancária junto do Millennium BCP que, à data de 14.07.2020 não registava qualquer saldo há mais de um ano;
36. A Ré é titular de uma conta junto do Banco Santander Totta, SA que em agosto de 2019 não tinha qualquer valor depositado;
37. Em dezembro de 2020 o filho das partes auferia o salário mensal no valor de €982.14, como trabalhador por conta de outrem na sociedade HCL Technologies Lts Sucursal Em Portugal;
38. O progenitor da Ré aufere uma pensão no valor de € 344.44/ mensal e uma pensão de velhice no valor mensal ilíquido de € 318.67;
39. A progenitora da Ré aufere uma pensão no valor de € 315.89 e uma pensão de velhice no valor mensal ilíquido de € 288.79;
40. O progenitor da Ré não possui quaisquer prédios averbados em seu nome junto da AT;
41. A progenitora da Ré possui 29/60 de um prédio rústico sito na freguesia do Turcifal, Torres Vedras;
42. O filho de Autor e Ré possui inscrito na AT em seu nome 1/3 de um prédio urbano, sito na freguesia e concelho de Mafra;
43. E em agosto de 2019 era titular de uma conta junto da Caixa Geral de Depósitos, S.A. com o saldo de € 319.03;
44. A Ré efetuou alguns trabalhos, como limpeza, fazer bolos para fora e render férias em lojas, de modo pontual e de forma informal;
45. Em 02.11.2021 o Autor foi diagnosticado com cancro na próstata;
46. Na sequência do que foi submetido a intervenção cirúrgica, pela qual despendeu as quantias de € 6477.32 e de € 4548.48;
47. Já no decurso dos presentes autos, o Autor contratualizou um pedido de empréstimo para aquisição de veículo automóvel usado, no valor global de € 29 467.82, a pagar em 91 mensalidades no valor de € 316.52, cada uma.”
*
III.2. O Tribunal Recorrido considerou que com interesse para a decisão, não resultaram demonstrados os seguintes factos:
“a. Foram quatro os fundamentos que presidiram a que o A. acordasse no pagamento mensal dos € 500,00, a título de alimentos para a ora R., na data do divórcio (15 de junho de 2004);
b. O primeiro foi que o A. pretendia divorciar-se da R., da forma mais rápida, “estava farto daquele suplício do casamento”;
c. sendo que para que isso acontecesse teria que ser pela modalidade de mútuo consentimento, e, para que tal ocorresse, teriam que acordar a questão dos alimentos entre os cônjuges;
d. O segundo fundamento foi que a ora Ré disse ao Autor que não era necessário ele “gastar dinheiro com um Advogado para o divórcio”, e que existia uma Ilustre Advogada comum do casal que podia resolver o problema, mas que na prática não era mais do que a “Advogada da sua mulher”, ora Ré, pois este (A.) nunca a contratou, tendo apenas lhe passado procuração;
e. O terceiro fundamento foi somente para que após o divórcio a ora Ré ficasse com algum sustento económico até reorganizar a sua vida: procurar emprego e fazer a sua vida de forma autónoma.
f. pois a R., desde a data do divórcio, há mais de 15 anos, não obstante ser uma pessoa com saúde, nunca procurou emprego, vivendo às custas dos seus pais, com quem vive;
g. Em quarto lugar, e como quarto fundamento, porque o Autor e a Ré, à data do divórcio, tinham um filho, de nome EE, ainda menor sendo que esses € 500,00 de prestação alimentícia “serviam” também para ajudar a ora Ré no sustento do seu filho;
h. o Autor, que é filho único, despende todos os meses do valor de € 137,00 para as despesas do Lar da sua mãe.
i. A Ré nunca se deu ao trabalho de procurar um emprego;
j. O Autor tenha deixado de pagar à Ré a pensão acordada por dificuldades económicas por si vivenciadas.”
*
III.3. Da impugnação da matéria de facto.
O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil.

Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º citado, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.

De acordo com o artigo 640º a que se aludiu, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: a) os pontos da matéria de facto de que discorda; b) os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; e, c) a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, sendo que no que respeita à indicação dos meios probatórios, quando os que sejam invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, deve ainda, igualmente sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (artigo 640, n.º 2, do CPC).

Por outro lado, em conformidade com os preceitos já citados, os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda têm de constar necessariamente das conclusões, dado que estas servem para delimitar o objeto do recurso.

Por se encontrarem, no caso dos autos, ainda que de forma sumária, preenchidos os pressupostos do artigo 640.º do Código de Processo Civil nas alegações de recurso do Recorrente, passamos à apreciação da referida impugnação.

Procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência de julgamento bem como à respetiva confrontação com a prova documental constante dos autos.

E da concatenação de todos esses meios de prova, não pode discordar-se do juízo probatório realizado nestes pontos pelo Tribunal recorrido.

Vejamos porquê.

*

Pretende o Autor ver alterados os pontos os pontos 9 a 13 da matéria de facto, por forma a que os mesmos passem a incluir o seu rendimento líquido anual e mensal.

Recordemos os pontos em causa:

“9. No ano de 2015, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 52 010.64, sendo o valor de retenções de € 15923.00, as contribuições de € 7544.16 e a retenção de sobretaxa de € 615.00.
10. No ano de 2016, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 49 445.00, sendo o valor de retenções de € 15069.00, as contribuições de € 7172.22 e a retenção de sobretaxa de € 698.00.
11. No ano de 2017, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.01, sendo o valor de retenções de € 16412.00 e as contribuições de € 7758.76, tendo declarado um benefício fiscal no valor de € 39.96.
12. No ano de 2018, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 53492.04, sendo o valor de retenções de € 16422.00, as contribuições de € 7758.80.
13. No ano de 2019, os rendimentos declarados pelo Autor em sede de IRS ascendem ao montante de € 50435,32, sendo o valor de retenções de € 15974 e as contribuições de € 4288,68.”
Ora, o que o Apelante pretende que se adite aos factos indicados, nos quais se encontram especificados os valores de IRS, contribuições e sobretaxa, é o resultado do calculo aritmético de subtração dos valores relativos a retenções, contribuições e sobretaxa, e a divisão pelo número de salários auferidos, operações que o Tribunal tem em consideração, sem que seja necessário que os respetivos resultados constem dos factos provados.

Acresce que para o cálculo do valor líquido de das remunerações efetivamente auferidas importaria ainda considerar os valores recebidos pelo ora Apelante a título de “reembolso de IRS”, pois que se trata de quantias que integrando a remuneração, foram retidas em excesso pelo Estado, e, por isso, devolvidas no ano seguinte.

A alteração pretendida, para além de não contemplar os referidos valores, é absolutamente irrelevante, porquanto com os elementos que constam dos factos provados é possível conhecer os valores que interessa para a decisão – os das remunerações efetivamente auferidas pelo Autor.

Entende ainda o Autor que devem ser alterados os pontos os pontos 20 a 22 da matéria de facto, para neles se incluir o rendimento líquido mensal da Recorrida.

Os factos em causa são os seguintes:

“20. Nos anos de 2015, 2016 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7383.08;
21. Nos anos de 2017 e 2018 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 7382.96;
22. No ano de 2019 a Ré declarou rendimentos em sede de IRS no valor de € 4543.36”
Ora, do que se expôs anteriormente resulta já a irrelevância do pretendido, pois é certo que também quanto a estes factos, por mero cálculo aritmético – operação de divisão - que o Tribunal considera, é possível apurar o valor mensal líquido recebido uma vez que a Apelada não paga IRS.

Acresce que os valores ali mencionados são os que mensalmente são entregues à Requerida pelo ora Apelante, não se somando a estes, como resulta da indicação do NIF da entidade pagadora nas declarações de rendimentos, que corresponde ao do Apelante.

Improcede, pois, nesta parte, a impugnação.

*

Insurge-se o Apelante contra o que se considerou no ponto 44. dos factos provados, por ali não se ter feito constar qual o rendimento mensal que a ora Recorrida tinha pelos trabalhos que fazia de “limpeza, fazer bolos para fora e render férias em lojas”, sendo que no seu entender, resulta da prova que esta realizava todos os meses cerca de €200,00, nunca menos de €150,00, pelos trabalhos que efetuava, com limpezas que fazia em casa de pessoas e de bolos que confecionava para fora.

Mas não lhe assiste razão.

Na verdade, as testemunhas CC e DD, a que o Apelante alude para sustentar tal pretensão, mais não fizeram que sublinhar o caracter esporádico e incerto das atividades que sabem levar a Requerida a cabo, como a venda de bolos e pastéis para fora, ou a substituição de uma empregada de loja, eventualmente uma vez por ano, nas férias da mesma, e ser do conhecimento das mesmas que a ora Requerida sofre cada vez mais com problemas ósseos, designadamente nas mãos, que limitam, cada vez mais, a possibilidade de poder promover tais atividades.

Referiram ainda os problemas de saúde dos pais da Ré e as dificuldades em que a mesma se encontra por vezes, para poder suportar as despesas, que já levou a que lhe tivesse sido emprestado dinheiro por diversas vezes.

Conclui-se desta forma que, nem este, nem qualquer outro meio de prova permite a alteração pretendida pelo ora Apelante.

factos dados como provados.

Assim improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois que os factos provados e não provados foram julgados em conformidade com o que resultou da prova produzida, como se viu, nenhuma razão existindo para dissentir do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido.
Não procedendo a impugnação da matéria de facto, é pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar e decidir se o Recorrente demonstrou os pressupostos de que dependia a procedência da ação.
É o que cumpre averiguar de seguida.
*
III.4. Apreciação jurídica.
O Requerente intentou a presente ação pretendendo que se declare a cessação - ou, caso assim não se entenda, a redução - da prestação alimentícia fixada na decisão que decretou o divórcio entre Requerente e Requerida, decisão essa que homologou o acordo celebrado entre ambos no âmbito de tal processo, nos termos do disposto nos artigos 1776º a 1778º do Código Civil.
Está em causa, desde logo, o disposto no artigo 2013º, n.º 1, b) do Código Civil que dita: a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixa de precisar deles.
Como é sabido, na vigência da sociedade conjugal, impende sobre os cônjuges um recíproco dever de assistência, compreendendo-se neste a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 1675º e 2015º do Código Civil.
Dissolvido o casamento pelo divórcio, ao regra é a de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, conforme dispõe o artigo 2016, n.º 1, do diploma que vimos de citar, sem prejuízo do direito a alimentos como refere o n.º 2 do mesmo artigo, alimentos esses regulados nos artigos 2003 a 2014 do Código Civil, com as especificidades relativas à determinação do montante previstas no artigo 2016-Aº, aditado pela Lei 61/2008, de 31 de outubro.
Este último diploma referido, introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, consagrado nos artigos 2016 e 2016-A do Código Civil, passou a atribuir cariz excecional ao direito de alimentos entre cônjuges, consagrando o chamado “princípio da autossuficiência”, conferindo, como regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e subsidiário.
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 11.12.2019[1], que aqui seguimos de perto, tal modelo:
“(…)reconhece «ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais» (Maria João Tomé, «Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges», in Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, p. 445).
Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004 do Código Civil. O conceito de necessidade está longe da manutenção do estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do artigo 2016-A do Código Civil, ao estabelecer que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003, n.º 1, do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da rutura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido.
O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos não se verificará sequer se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo (n.º 3 do art. 2016 do CC). O legislador não definiu o conceito desta «cláusula de equidade negativa», tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. Procurando integrar este conceito, escreveu Rita Lobo Xavier que «só poderá tratar-se de situações ligadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral, na alínea c) do artigo 2013º, e, em particular, na parte final do artigo 2019º: quando o credor violar gravemente os seus deveres para com o obrigado, ou quando se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral» (Recentes alterações ao regime jurídico do divórcio e das responsabilidades parentais, 2009, Almedina, p. 44).
Razões associadas ao posterior comportamento do ex-cônjuge, como por exemplo, colocar-se deliberadamente numa posição de carência ou não diligenciar ativamente pela sua autossuficiência, podendo e devendo fazê-lo, querendo onerar o outro, apesar da sua aptidão para prover com autonomia à obtenção de meios para satisfação das suas necessidades, são suscetíveis de se reconduzir à referida «cláusula de equidade negativa».(…)”
Importa, porém, salientar, por de interesse para o caso, dois pontos que se mantém inalterados:
i) o ex-cônjuge continua a integrar, juntamente com o cônjuge, a primeira classe de obrigados, pelo que só na falta deles ou na impossibilidade de os mesmos prestarem alimentos serão chamadas as pessoas da classe subsequente (desde logo, os descendentes), e assim por diante (cf. artigos 2009º e 2013º, n.º 2, do Código Civil);
ii) demonstrando o divorciado ter direito a recorrer, para alimentos, em primeira linha, ao ex-cônjuge, não tem, por isso, um direito de alimentos mais restrito que o das demais pessoas que nunca foram casadas, pois o artigo 2016-A do Código Civil não restringe ou limita o direito de alimentos para divorciados, apenas fornecendo critérios para o montante da pensão de alimentos, uma vez verificados os pressupostos de que depende a respetiva fixação.
Uma vez fixado tal direito, a sua cessação resultará de alguma das circunstâncias previstas no artigo 2013.º, do Código Civil, v.g., como se referiu, a falta de recursos do devedor para continuar a cumprir e a circunstância do credor deles já não necessitar – mas também poderá ser originada por razões de manifesta equidade (n.º 3, do artigo 2016.º, do mesmo diploma).
E segundo o artigo 2012.º (alteração dos alimentos fixados), se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ou podem outras pessoas ser obrigadas a prestá-los.
Sintetizando:
“o direito a alimentos não deve perdurar para sempre, competindo ao ex-cônjuge providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência e não ficar dependente do outro cônjuge e este, por sua vez, eternamente vinculado a essa obrigação assumindo a natureza temporária, com vista a permitir ao cônjuge que deles careça a satisfação das suas necessidades básicas nos primeiros tempos subsequentes ao divórcio, de modo a permitir-lhe o mínimo de condições para regularizar a sua vida.
Como consequência da adoção do sistema de divórcio constatação da rutura, por via do que a nossa lei consagra atualmente o princípio da auto-suficiência, decorre o carácter temporário da obrigação a favor dos ex-cônjuges (cf. artigo 2016.º do C. Civil), isto é, a regra geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuge, depois do divórcio ou da separação judicial de pessoas e bens, é a de que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, constituindo exceção o direito a alimentos, a que qualquer dos cônjuges tem direito independentemente do tipo de divórcio, sendo que, por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser-lhe negado; sendo fundada a dita obrigação num dever de solidariedade pós conjugal, a sua constituição depende da necessidade do credor e das possibilidades do devedor; de carácter essencialmente alimentar, a prestação fica sujeita a alterações nos termos do artigo 2102º do Código Civil e cessa tão logo o titular do direito seja capaz de prover à sua subsistência ou o devedor fique sem recursos que lhe permitem continuar a suportá-la (cfr. artigos 2012º e 2013º ainda do mesmo Código Civil)”[2].
*
No caso dos autos, tendo Autor e Ré acordado, por ocasião da dissolução do casamento, que o primeiro pagaria alimentos à segunda, que atualmente ascendem ao montante de €527,36 mensais, pretende o Autor ver declarada cessada ou reduzida para o montante de €100,00 tal prestação.
Porém, em vista dos factos provados, e não obstante se reconheça que o Autor cumpriu por vários anos, até atingir a reforma, o pagamento da mensalidade acordada, certo é que não se demonstraram os pressupostos de que depende a procedência de tal pretensão.
Na verdade, e no que respeita à necessidade da Ré, não se demonstrou que tenha passado a dispor de rendimento indispensável ao seu sustento, habitação, vestuário.
Pelo contrário, não tem rendimentos regulares, para além de algumas centenas de euros anuais que de vez em quando aufere por trabalhos esporádicos que são propostos, nem património, sendo, pois, exclusivamente sustentada pela quantia fixada a título de alimentos.
A Autora tem perto de 65 anos de idade e, como foi declarado pelo filho e pelas suas testemunhas referidas, podendo deduzir-se da natureza das atividades a que se vem dedicando, não tem qualificações profissionais nem académicas.
É um dado de conhecimento geral que é praticamente impossível alguém, com a sua de idade, sobretudo sem habilitações académicas e sem qualificações profissionais, obter emprego que lhe permita agora prover sozinha ao seu sustento[3].
Assente que permanece a necessidade de alimentos, importa considerar que não demonstrou o Autor, como lhe cabia, nos termos do disposto no artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, que deixou de os poder prestar.
Na verdade, como, com acerto se considerou na sentença recorrida, é um facto que a situação financeira do mesmo não se deteriorou.
Sendo certo que terá despesas com a sua vida particular, com a mãe, com a doença de que agora sofre, é também certo que deixou de suportar as despesas com a educação do filho, já autónomo, que vive em casa própria, e que, como bem assinalou o Tribunal Recorrido, terá um regime de assistência na doença que lhe permitirá aliviar alguns encargos com a que infelizmente o atingiu.
Não vivendo desafogadamente, não temos dúvida disso, o ora Apelante não demonstrou ter perdido a possibilidade de contribuir na medida do indispensável para sustento da Requerida.
Para apurar o montante, dir-se-á que, tendo presentes os critérios previstos no artigo 2016-A do Código Civil, não é excessivo o montante que os ex-cônjuges encontraram por acordo pela altura do divórcio.
O casamento entre ambos durou quase duas décadas, tendo a ora Requerida cuidado do filho até que atingiu a autonomia, o que tem valor económico, não tem já possibilidade de arranjar um emprego regular, e não tem rendimentos.
Tendo presente tudo quanto se expôs, subscreve-se o entendimento do Tribunal Recorrido, quando refere que afigura-se justo e compatível com as necessidades da Ré e a capacidade financeira do Autor, manter a prestação alimentícia nos termos em vigor.
O que não significa que caso venham a alterar-se as circunstâncias que agora se constataram, quer quanto à necessidade da Recorrida - designadamente por esta passar a auferir uma pensão de sobrevivência, sublinhando-se aqui que a mesma deverá continuar a procurar os meios sociais ou outros que lhe permitam deixar necessitar dos alimentos - ou às possibilidades do Recorrente, não deva este último promover a alteração ou a cessação dos alimentos fixados.
***
IV. DECISÃO:
Em face do exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a decisão Recorrida.
Custas pelo Apelante.
Registe e notifique.

*
Évora, 2023-03-30
(Ana Pessoa)
(José António Moita)
(Maria da Graça Araújo)

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[1] Proferido no processo n.º 21/19.0T8AMD.L1, acessível em www.dgsi.pt; cf. ainda toda a doutrina e jurisprudência no mesmo citadas.

[2] Tomé de Almeida Ramião, “O Divórcio e Questões Conexas – Regime Jurídico Actual”, Quid Iuris, pg. 92.

[3] Cf. Acórdão da Relação de Lisboa já citado.