Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1854/17.7T8PTM.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
PORTARIA DE EXTENSÃO
FILIAÇÃO SINDICAL
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – Em face do princípio da dupla filiação previsto no n.º 1 do art. 496.º do Código do Trabalho, o CCT subscrito pela entidade empregadora não se aplica a uma sua trabalhadora que (através de uma associação sindical) não o outorgou.
II – Esse CCT apenas será aplicado a essa trabalhadora, se a mesma o escolher, caso em que não poderá estar filiada em qualquer associação sindical (art. 497.º, n.º 1, do Código do Trabalho) ou através de uma portaria de extensão.
III – A circunstância de a entidade empregadora (e apenas ela) ter subscrito um determinado CCT, não impede que outro CCT lhe venha a ser aplicado, por via de uma portaria de extensão, desde que esse outro CCT se reporte ao sector de actividade e profissional dessa entidade empregadora e dos seus trabalhadores (art. 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
IV – Havendo várias portarias de extensão concorrenciais, compete aos trabalhadores a escolha do CCT que pretendem que lhes seja aplicado e, na falta dessa escolha, será aplicado o CCT cuja publicação da portaria de extensão é mais recente (arts. 483.º, n.º 2 e 482.º, n.ºs 2 e 3, al. a), ambos do Código do Trabalho).
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
S... (A.) intentou a presente acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “T....” (R.), pedindo que seja reconhecida pela R. a rescisão com justa causa por iniciativa da A., devendo, em consequência aquela pagar a esta o montante global de €72.132,06, repartido em:
- €46.063,93, a título de remuneração mensal de base;
- €3.205,83, a título de subsídio de férias;
- €3.782,30, a título de subsídio de Natal;
- €19.080,00, a título de indemnização;
a tudo acrescendo os respectivos juros de mora, à taxa legal, a contar da presente data e até integral pagamento.
Alegou, em súmula, que a A. foi admitida ao serviço da R. em 02-05-2000 para prestar serviço de escriturária, tendo exercido as suas funções sob a ordem, direcção e fiscalização da R., nas instalações da R., em Portimão, com um horário de trabalho de trinta e nove horas semanais, tendo folga ao Sábado e Domingo.
Mais alegou que o horário de trabalho cessou em 17-06-2017, por resolução promovida pela A., invocando justa causa.
Alegou ainda que a R. sempre lhe pagou apenas o salário mínimo nacional e subsídio de refeição, não cumprindo o salário previsto para o sector, nem cumprindo o pagamento do trabalho em dia de folga ou feriado.
Alegou também que no início do mês de Abril, a R. informou a A. que o seu horário de trabalho iria sofrer alterações, tendo a A. não concordado com tal, visto o horário proposto ser incompatível com a sua vida familiar, tendo a A. sido contratada para o horário de trabalho das 09:00 horas às 19:00 horas, com um intervalo para almoço de duas horas; sendo o horário proposto das 13:00 horas às 23:00 horas.
Alegou igualmente que no dia 02-05-2017, a A. entrou ao serviço da R. às 09:00 horas, tendo sido informada pela R. que não poderia trabalhar, podendo permanecer no local, mas não mexer em nada, o que aconteceu nos dois dias imediatamente seguintes, pelo que a A., já não aguentando a pressão, tendo sentido a sua saúde física e psicológica deteriorar-se, decidiu, em consequência, dirigir-se ao médico, o qual lhe passou medicação e deu-lhe baixa médica, sendo que, durante o período da baixa, a A. entrou em contacto telefónico com a R., tentando resolver o diferendo, mas a R. em nada cedeu, mantendo a sua posição em alterar o horário de trabalho da A. unilateralmente, pelo que apenas restava à A. a resolução do vínculo laboral que a unia à R. alegando justa causa, nos termos da cláusula 39.º do CCTV, aplicado ao sector, por via da portaria de extensão publicada no BTE n.º 1, de 08-01-2011, devendo, por isso, ser a A. indemnizada na quantia de €19.080,00.
Alegou, por fim, que a R. nunca pagou à A. o salário aplicável à sua função, em face do CCT aplicável (última revisão publicada no BTE, 1.ª série, n.º 37, de 08-10-2010, com publicação original no BTE n.º 7, de 22-02-1982), mas tão-somente o salário mínimo, pelo que se mostram em dívida as quantias supra mencionadas, devidas entre os anos 2001 e Abril de 2017.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
A R. apresentou contestação, invocando, por excepção, a ilicitude da rescisão efectuada pela A., por falta de requisitos legais da carta em que tal rescisão foi formalizada, visto inexistir a indicação dos factos concretos e da temporalidade dos mesmos.
Impugnou ainda, em síntese, a R., invocando a caducidade das diferenças salariais requeridas que remontam a 2001 e ainda que o CCT que a A. defende não é o aplicável, sendo aplicável o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU (BTE n.º 9 de 08-03-1980, n.º 16 de 29-04-1982, e n.º 20 de 29-05-1996), que a R. subscreveu, tendo a R. sempre respeitado este CCT, não podendo a portaria de extensão sobrepor-se ao princípio da liberdade de escolha e ao princípio da filiação, nos termos do art. 3.º do Código do Trabalho.
Formulou também pedido reconvencional, alegando, em síntese, que sendo a resolução do contrato de trabalho, por parte da A., ilícita, deve a A. ser condenada a pagar à R. o montante de €1.114,00, nos termos do art. 401.º do Código do Trabalho.
Solicitou, por fim, a condenação da A. como litigante de má-fé, por ter solicitado, por três vezes, valores diferentes à R., sendo os valores em dívida do conhecimento pessoal da A., devendo, em consequência, ser esta condenada a pagar à R., a título de indemnização, o montante de €2.500,00.
A A., em articulado superveniente, veio responder, em síntese:
- à excepção, alegando que tudo o que era invocado na referida carta era do conhecimento da R., pois, por mais de uma vez, já tinha sido exposto à R. a situação da falta do pagamento dos valores remuneratórios, bem como a situação que se prendia com a alteração do horário de trabalho, sendo que, tratando-se a falta de pagamento das remunerações uma situação contínua, não se inicia qualquer prazo de caducidade, tendo a invocação da justa causa sido efectuada em tempo útil;
- à reconvenção, entendendo nada ter de pagar, visto que a carta de rescisão enviada foi-o em tempo e cumpria os requisitos legais;
- à litigância de má-fé, alegando que este instituto não pode ser utilizado como arma de arremesso por forma a intimidar qualquer uma das partes, não existindo da parte da A. qualquer má-fé, sendo as eventuais diferenças de valores apontadas pela R., não fruto de qualquer má-fé, mas antes resultado de diferentes contabilizações feitas em diferentes fases do processo, ora sozinha, ora acompanhada pelo sindicato e por mandatário.
- à impugnação, invocou apenas que a R. tem como CAE a referência “52212 – Assistência a Veículos na Estrada” e nunca tornou público junto dos seus trabalhadores ser filiada na ANTRAM.
A pedido do tribunal da 1.ª instância, foram juntos pela R. os documentos de fls. 344 a 346.
A A., em resposta a tal junção, impugna a legitimidade de tal documentação fazer prova da R. ser associada da ANTRAM.
Notificada a ANTRAM para informar se a R. foi e/ou é sua associada e, na afirmativa, desde quando ou em que período, foi pela mesma junto aos autos o documento de fls. 357, o qual foi notificado às partes.
Por despacho judicial foi admitido o pedido reconvencional, sendo, de seguida, dispensada a audiência preliminar, fixado o valor da causa em €72.132,06, e proferido, em 13-03-2018, despacho saneador-sentença, onde se proferiu a seguinte decisão:
Em face do supra exposto e nos termos das disposições legais supra citadas, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provada, e, em consequência:
A) Julga-se improcedente, por não provado, o pedido de que se reconheça a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho, e absolve-se a ré T... do pedido de condenação no pagamento de compensação pela cessação do contrato de trabalho contra ela deduzido pela autora S..;
B) Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de condenação da ré no pagamento de diferenças salariais relativas às retribuições pagas nos anos de 2001 a 2016, nos termos expostos, e condena-se a ré ...a pagar à autora S... o montante global de € 10.175,29 (dez mil, cento e setenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos);
C) Julga-se parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré contra a autora, no que se refere à quantia devida a título de aviso prévio em falta, e condena-se a autora a pagar à ré o montante de € 705,53 (setecentos e cinco euros e cinquenta e três cêntimos).
D) Julga-se ainda improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora como litigante de má fé.
Custas a cargo de autora e ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 86,88/100 para a autora, e 13,12/100 para a ré, sem prejuízo da isenção de que beneficia a autora (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil).
Não se conformando com a sentença, veio a R. interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A – Deve o facto provado N) ser alterado e dado como provado que, pelo menos desde Janeiro de 2001 a Recorrente era filiada da ANTRAM, com base na prova documental junta em 22-11- 2017 ao autos, a fls…
B - As cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.
C - Ao princípio da liberdade de escolha do CCT pela entidade empregadora acresce o princípio da filiação. A convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevem e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes. Decorre destes normativos o princípio da filiação, nos termos do qual as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias.
D - Não parece razoável aplicar-se, por via da extensão, um instrumento autónomo de regulamentação colectiva a trabalhadores sindicalizados em outros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações de empregadores, pois estar-se-á a pôr em causa o princípio da autonomia privada.
A isto acresce que, segundo a regra da subsidiariedade do art.º 3º do CT, o regulamento de extensão só pode ser emitido na falta de convenção colectiva, pelo que, se dá preferência à autonomia da vontade.
E – As portarias de extensão, salvo referência expressa em contrário, não são aplicáveis às empresas relativamente às quais existe regulamentação colectiva específica.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso ter provimento, sendo a Sentença revogada na parte em que condenou a Recorrente, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.
A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões:
I. No respeitante à impugnação do ponto M), da matéria de facto, não pode a mesma proceder, já que a prova que o sustenta existe no processo e não foi impugnada.
II. Tendo em conta toda a análise da aplicabilidade de CCTs e Portarias de extensão, feita pelo douto tribunal a quo, a data da inscrição em sindicato por parte da ora contra-alegante é irrelevante, até porque a solução sempre seria a mesma.
III. No respeitante à impugnação do ponto N), da matéria de facto, não pode a mesma proceder, já que a Recorrente não faz qualquer prova de que a data da sua inscrição é anterior à determinada pelo tribunal.
IV. A Recorrente pretende extrapolar a data da sua inscrição de um documento que não tem sequer a sua identificação, e, portanto, não pode provar a data pretendida.
V. A entidade ANTRAM certamente saberá qual a data de inscrição dos seus associados, sendo que só o documento junto por esta é que refere especificamente a T..., ora Recorrente.
VI. Assim, impugnação dos pontos M) e N), da matéria de facto, não tem qualquer suporte fáctico e legal, devendo, em consequência não ser atendida e ser considerada improcedente, mantendo-se os factos provados nos precisos termos em que foram estabelecidos.
VII. Quanto à aplicabilidade dos CCTs e Portarias de extensão, não pode o recurso proceder, por a argumentação da Recorrente não ter qualquer fundamento fáctico e legal.
VIII. Veja-se, desde logo, que a Recorrente não impugna a matéria de facto provada quanto aos recibos de vencimento, quanto aos valores neles apostos e quanto à categoria profissional da ora contra-alegante.
IX. Na verdade, a Recorrente tenta manipular o princípio da filiação a seu proveito, mas olvida que a filiação a que este princípio se refere é a dupla filiação das partes outorgantes e não à supremacia da filiação da entidade patronal sobre os seus trabalhadores e sobre as restantes fontes de Direito Laboral.
X. Assim, a Recorrente não pode querer que se aplique o CCT alegado, só porque é associada da entidade patronal outorgante, esquecendo todas as outras previsões legais.
XI. A própria Recorrente entende que a qualidade de sindicalizada da ora contra-alegante é irrelevante, mas pretende que se lhe aplique um CTT que não subscreveu, em vez de aplicar as portarias de extensão, como mandam estas e manda também a lei.
XII. E mesmo assim, aplicam-se as tabelas do CTT que a Recorrente diz ser o seu e que, descaradamente, não cumpre!
XIII. É bipolar a argumentação da Recorrente que pretende aplicar um CTT, mas não pretende aplicar as tabelas desse CTT, que como vimos são até aplicáveis, no que respeita à retribuição da ora contra-alegante.
XIV. Naturalmente, tendo em consideração a matéria provada, aplica-se a Portaria de Extensão, publicada no BTE nº 1, de 08.01.1999, que manda aplicar regras e tabelas (ANTRAM/FESTRU) que não foram respeitadas pela Recorrente, e portanto, foi esta, e bem, condenada a pagar as diferenças de retribuição devidas à ora contra-alegante.
XV. Igualmente aplica-se a Portaria n.º 484/2005, que manda aplicar, ainda assim, as tabelas antigas (ANTRAM/FESTRU), que não foram respeitadas pela Recorrente, e portanto, foi esta, e bem, condenada a pagar as diferenças salariais devidas à contra-alegante.
XVI. Também assim se aplica a Portaria de Extensão nº 3/2011, que manda aplicar as tabelas antigas (ANTRAM/FESTRU), até Outubro de 2012, que não foram respeitadas pela Recorrente, e portanto, foi esta, e bem, condenada a pagar as diferenças salariais devidas à ora contraalegante.
XVII. Após Outubro de 2012 se aplicavam os valores do CCT ACAP/SINDEL, por força da portaria, e também estes foram desrespeitados pela Recorrente, e portanto, foi esta, e bem, condenada a pagar as diferenças de retribuição devidas à ora contra-alegante.
XVIII. A Recorrente entende que pagou, e cita-se: “sempre tendo respeitado os valores constantes da tabela salarial daquele instrumento de regulamentação colectiva para a categoria profissional (…)”.
XIX. Então, como é possível que o tribunal a quo, usando esse CCT, chegue a valores diferentes? Valores que, face à prova feita, eram superiores aos pagos à ora contra-alegante…
XX. Em resumo, a Recorrente nunca pagou de acordo com as disposições aplicáveis, quer por via do seu próprio alegado CCT, quer por via das portarias de extensão, pelo que só sobra a conclusão de que a argumentação da mesma não tem qualquer adesão à realidade fáctica e legal dos autos!
XXI. Assim, bem andou o tribunal a quo na decisão que tomou, condenando a Recorrente como condenou.
XXII. Pelo que, em consequência, deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal a quo.
Tudo exposto, consideramos que nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente e manter-se a sentença recorrida.
Assim expostas ao subido escrutínio de Vossas Excelências as contraalegações e conclusões apresentadas pela Recorrida, vem a mesmo apelar a que se faça, por Vossa mão, a merecida JUSTIÇA!
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta ao parecer.
Tendo sido mantido o recurso, foram colhidos os vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objecto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Impugnação da matéria de facto;
2) Eficácia das portarias de extensão.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
A. A autora foi admitida ao serviço da ré em 02 de maio de 2000, para prestar serviço de escriturária. (artigo 1º da p.i.)
B. No exercício das suas funções, a autora ocupava-se do serviço de escriturária, recebia os pagamentos dos clientes, fazia e encaminhava faturas, etc. (artigo 2º)
C. As funções supra referidas, sempre a autora as desempenhou sob as ordens, direção e fiscalização permanentes da ré. (artigo 3º da p.i.)
D. O horário da autora era de trinta e nove horas semanais. (artigo 4º da p.i.)
E. O local de trabalho da autora era nas instalações da ré, em Portimão. (artigo 7º da p.i.)
F. O contrato de trabalho celebrado entre autora e ré cessou em 17.06.2017, por resolução promovida pela autora, invocando justa causa. (artigo 8º da p.i.)
G. Com a data de 22.05.2017, a autora remeteu à ré a carta que constitui o documento de fls. 265 (recebida em 26.05.2017), com o seguinte teor:
“Assunto: Resolução do contrato de trabalho celebrado com V. Exas. com justa causa e por iniciativa da trabalhadora
Exmos. Senhores,
1) Verificando-se que V. Exas. incumprem reiteradamente o compromisso laboral para comigo assumido, vejo-me forçada a concluir que não estão reunidas as condições para que me mantenha a desempenhar para a vossa empresa, a minha atividade profissional.
2) Assim sendo, venho, com os fundamentos referidos no nº 2 do artigo 394º, alínea a), b) e ainda a alínea e) do Código do Trabalho, bem como a alínea h) do CCTV aplicável ao sector, resolver o vínculo que me liga à vossa empresa o qual faço de imediato.
3) Venho ainda, ao abrigo do nº 1 do artigo 396º do código supra referido, solicitar que me seja pago os montantes devidos pela cessação do vínculo laboral, no valor de € 20.272,50.
4) Requeiro ainda, o pagamento dos créditos vencidos, referentes às prestações não pagas, constantes no CCTV para o sector montante de € 23.324,00.
No valor global de € 43.598,50.
5) Requeiro ainda os juros vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor de 4% ao ano, até integral pagamento. (…)” (artigo 9º da p.i.)
H. A ré, durante toda a relação laboral que manteve com a autora, sempre pagou, pelo menos, o salário mínimo nacional e subsídio de refeição. (artigo 11º da p.i.)
I. No início do mês de abril [de 2017], a ré informou a autora de que o seu horário de trabalho iria sofrer alteração. (artigo 13º da p.i.)
J. A autora não concordou com a alteração do seu horário de trabalho. (artigo 14º da p.i.)
K. O horário de trabalho inicialmente contratado com a autora era: entrada às 09h00, saída às 19h00, com um intervalo para almoço de duas horas. (artigo 17º da p.i.)
J. O horário proposto pela ré era: entrada às 13h00 e saída às 23h00. (artigo 18º da p.i.)
L. Durante o tempo em que trabalhou para a ré, a autora auferiu as retribuições que constam dos recibos de vencimento que constituem os documentos de fls. 32 a 242, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigo 35º da p.i.)
M. A autora é sócia do STRUP – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal, com o nº ... artigo 37º da p.i.)
N. A ré é associada da ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias, com o nº ... desde 03.09.2002. (artigo 32º da contestação e documento de fls. 357)
O. Em 30.05.2017, a ré dirigiu à autora a carta que constitui o documento de fls. 318-319, com o seguinte teor:
“Exmª Senhora Dª S...
Seu Assunto: Resolução do contrato de trabalho celebrado com V. Exª com justa causa e por iniciativa da trabalhadora
Reg. c/ AR
Exmª Senhora,
Cumpre-nos reiterar a V. Exª os nossos melhores cumprimentos.
Acusamos a recepção da sua missiva, datada de 22 de Maio de 2017, da qual tomámos a devida nota.
Foi com grande surpresa que recebemos tal missiva, por considerarmos que V. Exª não tem nenhuma razão séria, fundamentada, demonstrada ou credível para resolver de forma ligeira e leviana um contrato de trabalho que mutuamente nos vinculou ao longo de mais de 17 anos, ainda para mais quando estávamos a dialogar com V. Exª.
Todavia, o direito de resolver/revogar unilateralmente o contrato individual de trabalho é um direito que lhe assiste e ao qual não podemos nem queremos opor-nos.
Naturalmente que não lhe reconhecemos nenhuma justa causa para a resolução do mesmo, não existindo uma razão séria, concreta e fundada que permita sustentar tal justa causa.
Não teve nem tão pouco alegou ou demonstrou V. Exª qualquer prejuízo sério.
A sua atuação assenta em mero capricho, e não em pretensão fundada, séria ou com qualquer respaldo legal, como V. Exª compreenderá, por enquanto, ainda é à entidade patronal que cumpre assegurar a disciplina e organização no trabalho.
Ainda assim, esta empresa dialogou com todos, ali se incluindo V. Exª, e, fixou horários de trabalho novos em função de exigências de clientes da empresa, tudo sendo do conhecimento de V. Exª, porque ali trabalhava e porque lhe foi explicado.
Tendo de resto procurado na elaboração dos referidos novos horários de trabalho acautelado ao máximo e dentro do possível os interesses dos trabalhadores e conjugando-os com as necessidades da empresa.
Em concreto, nem se pode dizer que os novos horários sejam piores, ou mais nocivos ou lesivos para os trabalhadores do que os anteriores.
Esta empresa não pode dar a V. Exª um tratamento de favor em relação aos demais trabalhadores da empresa, o princípio da igualdade de tratamento tem guarida legal e constitucional.
Esta empresa não violou nenhum dos seus deveres e nem afectou os direitos de V. Exª.
De resto, os demais colegas de V. Exª cumprem os novos horários de trabalho sem reparo, só V. Exª entendeu ser diferente.
Com efeito, era V. Exª que violava repetidamente os seus mais elementares deveres de trabalhadora, como bem sabe – como fosse o da assiduidade – sem que a empresa a tenha perseguido disciplinarmente como podia fazer, dando assim mostras de compreensão e tolerância para com V. Exª, o que faz, aliás, com todos os colegas – o que igualmente é do conhecimento de V. Exª.
V Exª ao não dar o pré-aviso legal, ao qual estava obrigada, constituiu-se na obrigação de indemnizar a empresa nos termos do artigo 399º e 401º do CT.
Como V. Exª não cumpriu o prazo de pré-aviso para a rescisão de contrato, tem de pagar à entidade empregadora uma indemnização igual à remuneração-base do período de aviso prévio em falta.
V. Exª tem ainda de compensar a entidade patronal por eventuais danos que lhe cause devido à falta ou atraso do aviso prévio.
V. Exª não cumpriu igualmente o exigido no artigo 395º, nº 4 do CT.
Naturalmente que não lhe reconhecemos qualquer justa causa de despedimento, nem estarem em dívida por parte desta empresa para com V. Exª créditos laborais vencidos, muito menos nos valores que alega.
Naturalmente que não estando tais valores em dívida não podem vencer juros, como é elementar.
V. Exª deve passar pelos nossos escritórios para lhe ser entregue o certificado de trabalho e outra documentação legal que V. Exª entenda solicitar, nos termos do artigo 341º do CT, bem como fazermos as contas finais e assinar o respectivo recibo.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos. (…)” (artigo 66º da contestação).
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se existe fundamento (i) para a impugnação da matéria de facto; e (ii) qual a eficácia das portarias de extensão.
1 – Impugnação da matéria de facto
De acordo com as conclusões formuladas pela Apelante, o facto provado N) deve ser alterado, dando-se como provado que “pelo menos desde Janeiro de 2001 a Recorrente era filiada da ANTRAM”, com base na prova documental junta em 22-11- 2017 aos autos.
Estipula o art. 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que:
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Recorrente, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016, no âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt:
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Cumpre decidir.
Uma vez que nas conclusões formuladas pela Apelante, apenas se mostra identificada a discordância com um dos factos que foi dado como provado, qualquer outra discordância que tenha sido invocada em sede de alegações, por não respeitar o disposto nos arts. 639.º, n.º 1 e 640.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, não será apreciada por este tribunal.
Resultou provado no facto N) que:
A ré é associada da ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias, com o nº 4386, desde 03.09.2002.

De acordo com a Apelante, em face dos documentos juntos a fls. 344/345, este facto deveria ter a seguinte redacção:
A ré é associada da ANTRAM – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias, com o nº 4386, pelo menos desde Janeiro de 2001.

Na realidade, os documentos a que a Apelante faz menção reportam-se a fotocópias, juntas por ela, de uma factura para pagamento à “ANTRAM” dos quatro trimestres de 2001, em nome do sócio “F...”, e de um recibo de pagamento pelo sócio “F...” à “ANTRAM” desses quatro trimestres de 2001, em 08-01-2002 (fls. 344 a 346).
Estes documentos foram impugnados pela Autora.
Porém, o documento de fls. 357, em que o tribunal a quo fundamentou o facto N) que deu como provado, foi enviado pela “ANTRAM”, a solicitação do tribunal, e nele consta expressamente que a empresa “T....” é associada daquela entidade desde 03-09-2002. Este documento foi notificado à R. (fls. 358 e 360), não tendo sido, por esta, impugnado.
Deste modo, apenas nos resta concluir que o tribunal a quo andou bem ao valorar o documento de fls. 357, onde o nome da Apelante se mostra expressamente indicado e cujo teor foi aceite por ambas as partes; e ao não valorar os documentos de fls. 344 a 346, que, não só não estão emitidos em nome da Apelante, como foram expressamente impugnados pela Apelada.
Nesta conformidade, improcede a solicitada impugnação da matéria de facto.
2 – Eficácia das portarias de extensão
De acordo com as conclusões formuladas pela Apelante, as cláusulas de uma convenção colectiva de trabalho só têm aplicação relativamente aos contratos de trabalho cujas partes estejam filiadas nas organizações signatárias, em face do princípio da liberdade de escolha do CCT, a que acresce o princípio da filiação, não parecendo razoável aplicar-se, por via da extensão, um instrumento autónomo de regulamentação colectiva a trabalhadores sindicalizados em outros sindicatos ou a empregadores filiados em outras associações de empregadores, pois estar-se-á a pôr em causa o princípio da autonomia privada, acrescendo a isto, a regra da subsidiariedade do art. 3.º do Código do Trabalho.
Concluiu ainda que as portarias de extensão, salvo referência expressa em contrário, não são aplicáveis às empresas relativamente às quais existe regulamentação colectiva específica, pelo que o presente recurso deve ter provimento, sendo a sentença revogada na parte em que condenou a Recorrente.
Regulamenta o art. 496.º do Código do Trabalho que:
1 - A convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respectivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º
3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.

Dispõe o art. 482.º do Código do Trabalho que:
1 - Sempre que exista concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho negociais, são observados os seguintes critérios de preferência:
a) O acordo de empresa afasta a aplicação do acordo colectivo ou do contrato colectivo;
b) O acordo colectivo afasta a aplicação do contrato colectivo.
2 - Nos outros casos, os trabalhadores da empresa em relação aos quais se verifica a concorrência escolhem o instrumento aplicável, por maioria, no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor do instrumento de publicação mais recente, comunicando a escolha ao empregador interessado e ao serviço com competência inspectiva do ministério responsável pela área laboral.
3 - Na ausência de escolha pelos trabalhadores, é aplicável:
a) O instrumento de publicação mais recente;
b) Sendo os instrumentos em concorrência publicados na mesma data, o que regular a principal actividade da empresa.
4 - A deliberação prevista no n.º 2 é irrevogável até ao termo da vigência do instrumento adoptado.
5 - Os critérios de preferência previstos no n.º 1 podem ser afastados por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho negocial, designadamente, através de cláusula de articulação de:
a) Convenções coletivas de diferente nível, nomeadamente interconfederal, sectorial ou de empresa;
b) Contrato coletivo que estabeleça que determinadas matérias, como sejam a mobilidade geográfica e funcional, a organização do tempo de trabalho e a retribuição, sejam reguladas por convenção coletiva.

Estipula o art. 483.º do Código do Trabalho que:
1 - Sempre que exista concorrência entre instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não negociais, são observados os seguintes critérios de preferência:
a) A decisão de arbitragem obrigatória afasta a aplicação de outro instrumento;
b) A portaria de extensão afasta a aplicação de portaria de condições de trabalho.
2 - Em caso de concorrência entre portarias de extensão aplica-se o previsto nos n.os 2 a 4 do artigo anterior, relativamente às convenções colectivas objecto de extensão.

Estatui o art. 514.º do Código do Trabalho que:
1 - A convenção colectiva ou decisão arbitral em vigor pode ser aplicada, no todo ou em parte, por portaria de extensão a empregadores e a trabalhadores integrados no âmbito do sector de actividade e profissional definido naquele instrumento.
2 - A extensão é possível mediante ponderação de circunstâncias sociais e económicas que a justifiquem, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e no do instrumento a que se refere.

Determina o art. 3.º do Código do Trabalho que:
1 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.
2 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho não podem ser afastadas por portaria de condições de trabalho.
3 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que, sem oposição daquelas normas, disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores quando respeitem às seguintes matérias:
a) Direitos de personalidade, igualdade e não discriminação;
b) Protecção na parentalidade;
c) Trabalho de menores;
d) Trabalhador com capacidade de trabalho reduzida, com deficiência ou doença crónica;
e) Trabalhador-estudante;
f) Dever de informação do empregador;
g) Limites à duração dos períodos normais de trabalho diário e semanal;
h) Duração mínima dos períodos de repouso, incluindo a duração mínima do período anual de férias;
i) Duração máxima do trabalho dos trabalhadores nocturnos;
j) Forma de cumprimento e garantias da retribuição;
l) Capítulo sobre prevenção e reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais e legislação que o regulamenta;
m) Transmissão de empresa ou estabelecimento;
n) Direitos dos representantes eleitos dos trabalhadores.
4 - As normas legais reguladoras de contrato de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual que estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador, se delas não resultar o contrário.
5 - Sempre que uma norma legal reguladora de contrato de trabalho determine que a mesma pode ser afastada por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho entende-se que o não pode ser por contrato de trabalho.

Apreciemos então.
Mostrando-se definitivamente assente a matéria de facto dada como provada, é com base em tais factos que a situação jurídica apresentada será apreciada.
Nesta matéria, a R. entende, assim, que o CCT que deveria ser aplicado à relação laboral entre si e a A. é o celebrado entre a ANTRAM (da qual é associada desde 03-09-2002) e a FESTRU e não, o defendido pela A., que é o celebrado entre a ACAP e o SINDEL.
Vejamos, em primeiro lugar, quais foram os CCT que a sentença recorrida aplicou.
Sobre esta matéria cita-se a seguinte parte da sentença recorrida (com excepção das notas de rodapé):
Quanto ao IRCT aplicável regista-se divergência entre as partes, já que a autora sustenta que a relação de trabalho deve regular-se pelas disposições constantes do CCT celebrado entre a ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, cuja última revisão global foi publicada no BTE nº 37, de 08.10.2010, ao passo que a ré reivindica ser aplicável o CCT celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE nº 9, de 08.03.1980, com as sucessivas alterações, a última das quais publicada no BTE nº 32, de 29.08.1998, já que, segundo refere, é representada por aquela associação empresarial.
Cabe, ainda, notar que, muito embora a autora refira que o CCT por si invocado teve a sua publicação original no BTE nº 7, de 22.02.1982, o instrumento aplicável à data em que a autora iniciou a sua relação de trabalho com a ré era o CCT entre a ACAP e a FETESE, publicado no BTE nº 4, de 29.01.1999, com as alterações introduzidas por revisões posteriores, designadamente, a publicada no BTE nº 4, de 29.01.2001, ao qual o SINDEL aderiu em 07.02.2002, por acordo de adesão publicado no BTE nº 35, de 22.09.2002.
Em conformidade com o que resulta do artigo 496º do Código do Trabalho, em matéria de regulamentação coletiva do trabalho, vigora o princípio da filiação, ou seja, os instrumentos de regulamentação coletiva obrigam o empregador que subscreve a convenção ou filiado em associação de empregadores celebrante, e os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
E assim é que o CCT/ANTRAM prevê, especificamente, na sua cláusula 1ª, que o mesmo abrange, por um lado, em toda a área nacional as empresas representadas pela Antram – Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e, por outro lado, todos os trabalhadores ao seu serviço nas categorias previstas naquele CCTV e representados pelas associações outorgantes.
A cláusula 2ª do CCT/ACAP dispõe, por seu turno, que o mesmo obriga as empresas representadas pelas associações patronais indicadas (ACAP, RIMA, ANECRA, ARAN), que se dedicam às atividades da indústria, comércio e reparação automóvel, nomeadamente as que se dediquem ao comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos, assim como atividades conexas; e que são também abrangidos os trabalhadores, independentemente da categoria profissional atribuída, representados pelos sindicatos signatários.
Importa, ainda, ter em conta que relativamente ao CCT/ANTRAM foi publicada, no BTE nº 1, de 08.01.1999, Portaria de Extensão, que tornou o mesmo aplicável às relações de trabalho entre entidades patronais não filiadas na associação patronal outorgante que exerçam a atividade económica abrangida pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas, e às relações de trabalho entre entidades patronais filiadas na associação patronal outorgante e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais previstas na convenção não representados pelas associações sindicais outorgantes.
E, relativamente ao CCT/ACAP foi publicada, no BTE nº 1, de 08.01.2011 e no D.R., 1ª série, de 03.01.2011, Portaria de Extensão, que tornou aquele CCT aplicável às relações de trabalho entre empregadores não filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as atividades abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas, e às relações de trabalho entre empregadores filiados nas associações de empregadores outorgantes que exerçam as atividades abrangidas pela convenção e trabalhadores ao seu serviço das profissões e categorias profissionais nela previstas não representados pelas associações sindicais outorgantes. A extensão foi excluída apenas no que se refere a trabalhadores filiados no SIMA – Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins ou filiados em sindicatos inscritos na FEPCES – Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e na FIEQUIMETAL – Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgica, Química, Farmacêutica, Elétrica, Energia e Minas.
Antes ainda, foi publicada a Portaria nº 484/2005, de 18 de maio (D.R., Iª Série-B, de 18.05.2005), que operou a mesma extensão relativamente ao CCT entre a ACAP e a FETESE (e SINDEL), publicado no BTE nº 27, de 22.07.2003.
No caso dos autos, apurou-se que a ré é associada da ANTRAM desde 03.09.2002, e que a autora é associada do STRUP – Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal (que é representado pela FECTRANS – Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações, que sucedeu à FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos).
Ou seja, mesmo que se considere que nenhum dos referidos CCT poderia aplicar-se diretamente – por não serem ambas as partes representadas pelos respetivos outorgantes em nenhum dos casos – a verdade é que ambos são suscetíveis de aplicação por via extensiva, já que a atividade exercida pela ré entidade patronal (v.g., o reboque e transporte de viaturas automóveis) se mostra abrangida por ambas as convenções, sendo certo que em ambas se acha prevista a categoria profissional da autora (escriturária).
Verifica-se, pois, uma situação de concorrência entre instrumentos de regulamentação coletiva não negociais, devendo aplicar-se o disposto no artigo 483º, nº 2, que remete a resolução da situação para o previsto nos nos 2 a 4 do artigo 482º, ambos do Código do Trabalho.
No caso, não tendo havido escolha dos trabalhadores (posto que, nos autos, não foi dada notícia de que a mesma tenha ocorrido), deve aplicar-se o instrumento de publicação mais recente – o qual, no entanto, apenas pode aplicar-se a partir do momento em que entrou em vigor a respetiva Portaria de Extensão (e nos termos previstos na mesma), por não haver lugar a aplicação retroativa.
Em suma, no que se refere aos factos ocorridos no início da execução do contrato de trabalho em causa nos autos (em maio de 2000), aplicar-se-á o CCT/ANTRAM (tendo em conta a Portaria de Extensão publicada em 1999) e, quanto aos factos ocorridos após a entrada em vigor das Portarias de Extensão nos 484/2005 e 3/2011, aplicar-se-á o CCT/ACAP (que é o instrumento mais recente, posto que o CCT/ANTRAM não conhece atualização desde 1999).
[…]
Veio a autora peticionar a condenação da ré no pagamento das quantias de € 46.063,93, € 3.205,83 e € 3.782,30, que refere serem relativas, respetivamente, a remuneração mensal base, subsídio de férias e subsídio de Natal. Depreende-se da sua alegação que tais valores resultam do cálculo que fez quanto à diferença entre as retribuições (e complementos remuneratórios) que lhe foram pagas pela ré durante a execução do contrato de trabalho e aquelas que entende que lhe seriam devidas em função do CCT celebrado entre a ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, cuja última revisão global foi publicada no BTE nº 37 de 08.10.2010.
Da matéria de facto provada – designadamente, dos recibos de vencimento juntos, cuja exatidão não foi posta em causa por nenhuma das partes – resulta que os salários pagos à autora tiveram a seguinte evolução:
- pelo menos a partir de janeiro de 2001: Esc. 67.000$00 (ou seja € 334,19) – cf. fls. 32 a 44;
- pelo menos a partir de fevereiro de 2002: € 399,04 – cf. fls. 45 a 71;
- pelo menos a partir de março de 2004: € 411,01 – cf. fls. 72 a 81;
- a partir de fevereiro de 2005: € 421,30 – cf. fls. 82 a 97 e 108;
- a partir de abril de 2006: € 431,83 – cf. fls. 98 a 107, 109 a 111 e 122;
- a partir de abril de 2007: € 444,78 – cf. fls. 112 a 121 e 123 a 135;
- a partir de janeiro de 2009: € 450,00 – cf. fls. 136 a 146;
- a partir de janeiro de 2010: € 475,00 – cf. fls. 147 a 159;
- a partir de janeiro de 2011: € 485,00 – cf. fls. 160 a 210;
- a partir de outubro de 2014: € 505,00 – cf. fls. 211 a 221;
- a partir de setembro de 2015: € 525,00 – cf. fls. 222 a 225;
- a partir de janeiro de 2016: € 530,00 – cf. fls. 226 a 237; e
- a partir de janeiro de 2017: € 557,00 – cf. fls. 238, 239, 241 e 242.
Como se discutiu acima, nesta matéria, aplicar-se-á o CCT/ANTRAM no período compreendido entre o início do contrato e a entrada em vigor da Portaria nº 484/2005 (o que ocorreu em 23 de maio de 2005 – cf. artigo 2º da aludida portaria), após o que é aplicável o CCT/ACAP.
Nos termos do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, de acordo com a última tabela salarial publicada (BTE nº 30, de 15.08.1997), a remuneração mínima fixada para um «escriturário de 2ª» era de Esc. 90.600$00 (€ 451,91), para um «escriturário de 1ª» era de Esc. 98.800$00 (€ 492,81) e para um «escriturário principal» era de Esc. 98.900$00 (€ 493,31).
E, de acordo com a cláusula 9ª do referido CCTV, o escriturário de 2ª classe acede à categoria de escriturário de 1ª classe ao fim de três anos na categoria. De resto, a cláusula 18ª, nº 2, alínea d) do CCT/ACAP, também prevê o acesso dos escriturários à categoria imediatamente superior após três anos de permanência na categoria.
Não existindo atualização posterior da tabela salarial do CCT/ANTRAM, e na medida em que na mesma se prevêem remunerações mínimas superiores à retribuição mínima mensal garantida vigente à data em que a autora começou a trabalhar para a ré, deveria a mesma ser remunerada de acordo com aquela tabela salarial – já que, como se referiu, mesmo que autora e ré não fossem, à data, associadas de qualquer das entidades outorgantes daquele CCTV, estava em vigor a Portaria de Extensão publicada no BTE nº 1, de 08.01.1999.
Em consequência, estando provado que a autora foi admitida ao serviço da ré com a categoria de escriturária, aceitando-se que iniciaria a sua carreira como «escriturária de 2ª», deveria auferir, nos primeiros três anos de trabalho, a remuneração mensal mínima de Esc. 90.600$00 (€ 451,91) e, a partir de maio de 2003, deveria auferir a remuneração mensal mínima correspondente à categoria de «escriturária de 1ª», ou seja, Esc. 98.800$00 (€ 492,81).
O que se provou, porém, é que sempre lhe foi pago, pelo menos, o salário mínimo (o que, de acordo com os recibos de vencimento juntos aos autos, só terá acontecido nos dois primeiros anos de trabalho, já que, em fevereiro de 2002, o vencimento pago à autora era superior ao salário mínimo nacional) e, por isso, tem a autora direito a que lhe sejam pagas as diferenças salariais correspondentes.
Dado que a autora apenas reclamou as diferenças salariais a partir de janeiro de 2001, proceder-se-á ao cálculo respetivo a partir daquela data.
Assim, uma vez que a partir de janeiro de 2001, a autora passou a auferir Esc. 67.000$00 (€ 334,19), abaixo da retribuição mínima prevista no CCTV para a categoria de «escriturária de 2ª», tem, relativamente a esse ano, direito a receber da ré a correspondente diferença, de € 1.648,08.
Quanto ao ano de 2002, mantendo presente que a autora apenas reclama o pagamento das diferenças salariais relativas aos meses de fevereiro a dezembro (além dos subsídios de férias e de Natal) e considerando que nesse ano lhe foi paga a retribuição mensal de € 399,04, quando era devida a retribuição mínima de € 451,91, tem direito a receber da ré a correspondente diferença, que é de € 687,31.
No ano de 2003, a ré remunerou a autora pelo valor mensal de € 399,04, quando deveria ter pago, nos meses de janeiro a abril, o valor de € 451,91 e, a partir do mês de maio, o valor de € 492,81 (retribuição mínima correspondente à categoria de «escriturária de 1ª»). Assim, nos primeiros quatro meses do ano, a autora deveria ter recebido € 1.807,64, e nos restantes, o valor global de € 3.942,48, perfazendo assim o total de € 5.750,12, a que acrescem os subsídios de férias e de Natal de valor igual a um mês de retribuição (cf. cláusulas 43ª e 44ª do CCTV), ou seja, mais € 985,62. Como apenas recebeu, nesse ano, € 5.586,56, tem direito a receber a diferença correspondente, ou seja, € 1.149,18.
Relativamente ao ano de 2004, mantendo presente que a autora apenas reclama o pagamento de diferenças relativas aos meses de março a maio e julho a dezembro, considerando que nesse período lhe foi paga a retribuição mensal de € 411,01, quando deveria ter auferido € 492,81, deve ser-lhe paga a respetiva diferença, no montante de € 736,20.
No ano de 2005, a ré pagou à autora € 411,01 no mês de janeiro, e € 421,30 em todos os restantes meses, quando devia ter-lhe pago € 492,81. A autora tem, por isso, direito à respetiva diferença, no valor de € 1.011,43.
É certo que, a partir de 23.05.2005, como se referiu acima, é aplicável o CCT/ACAP, por força da Portaria nº 484/2005, de 18 de maio. No entanto, o posicionamento salarial que cabe à autora enquanto «primeira escriturária», que corresponde ao nível 8 na tabela salarial constante daquele CCT, conduz a que à mesma devesse ser paga a retribuição mínima de € 481,40. Ora, como decorre da cláusula 121ª, nº 3 desse mesmo CCT que da respetiva aplicação não poderá resultar para os trabalhadores baixa de categoria ou diminuição da retribuição, deve manter-se o valor atribuído por força da tabela salarial do CCT/ANTRAM – que subsistirá até que o valor previsto no CCT aplicável seja superior ao já auferido.
Assim, relativamente ao ano de 2006, no qual a ré pagou à autora € 421,30 nos três primeiros meses do ano (e igual montante de subsídio de férias, pago no mês de março), € 431,83 nos meses de abril a setembro (e igual montante de subsídio de Natal) e € 100,76 (correspondente a 23,33% do vencimento de € 431,83) no mês de setembro, o que conduz a que, nesse ano, globalmente tenha pago € 4.808,77, quando deveria ter pago € 5.043,07, tem agora a pagar a diferença, no valor de € 234,30.
Quanto ao ano de 2007, considerando que a autora apenas peticiona diferenças relativas aos meses de fevereiro a dezembro (e respetivos subsídios de férias e de Natal) e que, nesse ano, a ré lhe pagou a quantia global de € 5.681,60, quando deveria ter pago € 6.336,11, deve a mesma pagar a diferença, no valor de € 704,51.
No ano de 2008, e relativamente aos meses peticionados, de janeiro a abril e junho a dezembro (acrescidos dos subsídios de férias e de Natal), em que a ré pagou à autora a retribuição mensal de € 444,78, quando deveria ter pago, € 491,82, tem a pagar a diferença, no montante de € 611,52.
No que se refere ao ano de 2009, tendo presente que a autora apenas reclama as diferenças relativas aos meses de janeiro, fevereiro, abril a junho, agosto a dezembro e respetivo subsídio de Natal, e que, nesses meses, a ré lhe pagou a retribuição mensal de € 450,00, quando deveria ter pago € 491,82, é devida a respetiva diferença, no valor de € 460,02.
Relativamente ao ano de 2010, no que se refere aos meses peticionados, de janeiro a março e de maio a dezembro (acrescidos dos subsídios de férias e de Natal), considerando que a ré pagou o valor mensal de € 475,00, quando deveria ter pago os já referidos € 491,82, tem a pagar a diferença, no valor de € 218,66.
Em 2011, como já se referiu acima, foi publicada a Portaria de Extensão nº 3/2011 (D.R., 1ª série, de 03.01.2011), que tornou aplicável aos trabalhadores ao serviço da ré o CCT celebrado entre a ACAP – Associação Automóvel de Portugal e outras e o SINDEL – Sindicato Nacional da Indústria e Energia e outros, publicado no BTE nº 37, de 08.10.2010. No entanto, o artigo 2º, nº 2 da aludida portaria dispõe que as tabelas salariais constantes daquele CCT “produzem efeitos, nos termos previstos na convenção, a partir da data indicada pelo empregador ou, o mais tardar, dois anos após a publicação da convenção (…)”.
Ou seja, apesar da entrada em vigor daquela portaria, as tabelas salariais constantes do CCT em causa – não tendo a ré indicado qualquer data anterior – apenas se aplicarão a partir de 08.10.2012.
Nesta conformidade, no ano de 2011, tendo a ré pago à autora € 485,00 mensais, quando deveria ter pago € 491,82, deve agora pagar a respetiva diferença, de € 95,48.
Em 2012, ano no qual a ré pagou à autora, mensalmente, a quantia de € 485,00, quando deveria ter pago, nos meses de janeiro a setembro, € 491,82, e nos meses de outubro a dezembro, € 550,00 (retribuição mínima correspondente ao Nível 8 da Tabela I do CCT/ACAP, lugar onde deve posicionar-se a autora, enquanto escriturária de 1ª), tem a autora direito à correspondente diferença, no valor de € 338,20.
Quanto ao ano de 2013, em que ré manteve o pagamento da retribuição mensal de € 485,00 (com exceção do mês de agosto, em que apenas foi pago 56,66% daquele valor), sendo que era devido o valor mensal de € 550,00 (€ 311,63 no mês de agosto, por aplicação da aludida percentagem), é devida a respetiva diferença, no valor global de € 881,80.
No ano de 2014, a ré pagou à autora a retribuição mensal de € 485,00 nos meses de janeiro a setembro, e de € 505,00 nos meses de outubro a dezembro (e os subsídios de férias e de Natal foram pagos em duodécimos), o que conduziu a que, globalmente, tenha pago, nesse ano a quantia de € 6.856,72, quando deveria ter pago € 7.700,00, pelo que tem agora a pagar a diferença, no valor de € 843,28.
Relativamente ao ano de 2015, mantendo presente que a autora reclama o pagamento de diferenças relativas aos meses de janeiro a julho (sendo que, neste último mês, a retribuição paga corresponde apenas a 70%), constata-se que a ré pagou a retribuição mensal de € 505,00, quando deveria ter pago € 550,00, pelo que a respetiva diferença corresponde a € 262,38.
Em 2016, tendo em atenção que apenas está peticionado o pagamento das diferenças relativas aos meses de março a dezembro e 16,66% do mês de fevereiro, e o valor proporcional dos subsídios de férias e de Natal, e considerando que a ré pagou a retribuição mensal de € 530,00 (no montante global de € 6.307,07), quando deveria ter pago € 550,00 (correspondendo, nas indicadas circunstâncias, ao valor global de € 6.600,01), tem agora a pagar a diferença, no valor de € 292,94.
No ano de 2017, uma vez que a ré passou a pagar o valor da retribuição mínima garantida de € 557,00, e a tabela salarial constante do CCT da ACAP se manteve inalterada – o que, no caso da autora, corresponde a uma retribuição mínima de € 550,00, como já se referiu acima, não há qualquer acerto a fazer.
Desta feita, somadas todas as diferenças salariais constatadas, tem a autora a haver da ré o valor global de € 10.175,29 (no qual se incluem já os valores relativos aos subsídios de férias e de Natal, nos termos explanados relativamente a cada um dos anos e tendo em conta os pedidos formulados).
Procede, pois, nesta medida o pedido formulado quanto ao pagamento de diferenças salariais.
De acordo com a sentença recorrida a que supra se aludiu, resulta, desde logo, ainda que por fundamentação diferente da invocada pela R./Apelante, que o CCT que esta pretende ver aplicado – o celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU (com última actualização publicada no BTE n.º 32, de 29-08-1998) - foi o que a sentença recorrida aplicou directamente entre o início da relação laboral da A. com a R. (02-05-2000) e 23-05-2005; e indirectamente, por ser o mais favorável à A., desde 23-05-2005 até 08-10-2012.
Assim, importa acentuar que a Apelante, apesar de não ter razão quando pretende que o CCT que subscreveu, em 03-09-2002 (o celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU), deva ser o aplicável às relações laborais estabelecidas entre si e a A./Apelada, única e simplesmente por se encontrar subscrito por si (olvidando, desde logo, que o art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho, se reporta ao princípio da dupla filiação, o que pressupõe, para a sua inevitável aplicação às partes, não só que a entidade empregadora, como também a trabalhadora, tenham subscrito a mencionada convenção colectiva de trabalho, inexistindo, porem, no caso concreto, a subscrição por parte da trabalhadora desse CCT); efectivamente, em face da portaria de extensão publicada no BTE n.º 1, de 08-01-1999, esse foi o CCT que a sentença recorrida aplicou até 23-05-2005, e, em face do disposto na cláusula 121.º, n.º 3 Cláusula 121.º, n.º 3, do CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 27, de 22-07-2003 que se cita: “Da aplicação do CCTV não poderá resultar para os trabalhadores baixa de categoria e, bem assim, diminuição de retribuição, nem dos quantitativos dos abonos para falhas, das ajudas de custo e das despesas de deslocação, resultantes de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho vigentes à data da sua entrada em vigor.”., do CCT celebrado entre a ACAP e a FETESE, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 27, de 22-07-2003 (aplicável por força da portaria de extensão n.º 484/2005, publicada no DR n.º 96/2005, série I-B, de 18-05-2005), o que aplicou no cálculo das remunerações devidas à A. até 08-10-2012.
Deste modo, a fundamentação invocada pela Apelante (de que deve ser o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, o aplicável à relação laboral entre A. e R. durante o decurso da respectiva relação laboral, por ter sido o celebrado pela R.), e pela qual recorre da sentença proferida pelo tribunal a quo, apenas se reporta ao período entre 08-10-2012 e Dezembro de 2016, pretendendo que os acertos salariais mensais, ao invés de se reportarem ao valor de €550,00 (Anexo I, Tabela I, nível 8, do CCT celebrado entre a ACAP e o SINDEL), continuem a reportar-se ao montante de €492,81 (que é o aplicado pelo CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU – Anexo II, Grupo V, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 30, de 15-08-1997), ou seja, que continue a aplicar-se o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, já não o CCT celebrado entre a ACAP e o SINDEL, publicado no BTE n.º 37, de 08-10-2010, sobre o qual versou a portaria de extensão n.º 3/2011, publicada no DR n.º 1/2011, série I, de 03-01-2011.
Conforme já mencionámos anteriormente, não se compreende a invocação, por parte da Apelante, do n.º 1 do art. 496.º do Código do Trabalho, para justificar a aplicação do CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU às relações laborais existentes entre si e a Apelada, uma vez que o sindicato na qual esta se encontra inscrita (STRUP) não subscreveu tal acordo, nem, aliás, a Apelante alega tal circunstância.
E, a ser assim, não se mostrando cumprido o princípio da dupla filiação, tal CCT apenas seria de aplicar à Apelada ou por via de uma portaria de extensão, como foi o caso dos autos, ou, enquanto esta não se encontrasse filiada em qualquer associação sindical (uma vez que se desconhece quando ocorreu a inscrição da Apelada no STRUP), por sua escolha, nos termos do n.º 1 do art. 497.º do Código do Trabalho, o que, de qualquer modo, teria de resultar dos factos provados.
Inexistindo o princípio da dupla filiação, bem como qualquer escolha da trabalhadora, o CCT subscrito pela entidade empregadora apenas é aplicável à A. através de uma portaria de extensão.
A circunstância de a entidade empregadora (e apenas ela) ter subscrito um determinado CCT, não impede que outro CCT lhe venha a ser aplicado, por via de uma portaria de extensão, desde que esse outro CCT se reporte ao sector de actividade e profissional dessa entidade empregadora e dos seus trabalhadores (art. 514.º, n.º 1, do Código do Trabalho). Havendo várias portarias de extensão concorrenciais, compete aos trabalhadores a escolha do CCT que pretendem que lhes seja aplicado e, na falta dessa escolha, será aplicado o CCT cuja publicação da portaria de extensão é mais recente (arts. 483.º, n.º 2 e 482.º, n.ºs 2 e 3, al. a), ambos do Código do Trabalho).
Veja-se sobre esta mesma matéria, o sumário do acórdão proferido nesta relação em 15-02-2018, no âmbito do processo n.º 116/17.4T8PTG.E1, consultável em www.dgsi.pt:
I – Em observância ao princípio da dupla filiação, para aplicação de uma convenção colectiva, terá que se verificar, simultaneamente, a filiação do empregador (caso não celebre a convenção directamente) e do trabalhador nas respectivas entidades outorgantes (artigo 496.º, n.º 1 do CT).
II – Porém, o âmbito da convenção colectiva pode alargar-se, total ou parcialmente, por força de portarias de extensão, a entidades empregadoras do mesmo sector económico e a trabalhadores da mesma profissão ou profissão análoga, desde que exerçam a sua actividade no âmbito do sector de actividade e profissional definido na convenção colectiva (artigo 514.º, n.º 1 do CT).
III – Verificando-se concorrência de convenções colectivas de trabalho, não tendo os trabalhadores da Ré/recorrente escolhido por maioria qual a que pretendiam ver aplicada, deve aplicar-se a mais recente.

Cita-se ainda o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-10-1998, na Revista n.º 6/98, 4.ª secção social, consultável em www.stj.pt:
I - As portarias de extensão constituem um modo de regulação administrativa das relações de trabalho, previsto na lei, e pelo qual a Administração se pode sobrepor à vontade dos respectivos sujeitos, impondo-lhes a obrigação de cumprir o clausulado de determinada convenção colectiva.

Para ressalvar os princípios da filiação, da autonomia privada e da liberdade sindical, devem essas entidades colectivas que não pretendem que determinado CCT se lhes aplique, opor-se à aplicação da portaria de extensão, nos termos do n.º 3 do art. 516.º do Código do Trabalho, invocando precisamente tais princípios.
Neste sentido, Luís Gonçalves da Silva no artigo Pressupostos, Requisitos e Eficácia da Portaria de Extensão, publicado na revista Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, Vol. 1, Coordenação Pedro Romano Martinez, Almedina, pp. 771 e 772, que se cita:
Por outro lado, não nos parece existir violação da liberdade sindical pelo simples facto de a portaria se aplicar a filiados em associações não outorgantes. Naquela subsume-se não só a possibilidade de não inscrição, mas também a de desfiliação de qualquer sindicato. Caso se enveredasse por uma resposta positiva, também se poderia dizer que a aplicação aos trabalhadores não sindicalizados viola a liberdade sindical, uma vez que, de certo modo, esta situação é materialmente idêntica à da aplicação da portaria a filiados em associações não outorgantes. Noutros termos: os trabalhadores (e as entidades patronais) não filiados em quaisquer associações irão ter as suas relações laborais reguladas por uma portaria cujo conteúdo é o de uma convenção colectiva (ou decisão arbitral), celebrada por entidades com as quais não têm qualquer relação, desde logo, porque não querem. Então, o facto de se aplicar o conteúdo de um acordo a trabalhadores (e a entidades patronais) que não querem filiar-se e, logicamente, ter as suas actividades reguladas por aquele, também levaria à violação da liberdade de filiação (vertente negativa). Ou seja: assim entendida a liberdade sindical também seria violada, na sua vertente negativa da liberdade de inscrição, i. e., a possibilidade de não inscrição.

Atendendo, então, ao caso em apreço, aplica-se à relação laboral existente entre A. e R., entre 08-10-2012 e Dezembro de 2016, efectivamente o CCT celebrado entre a ACAP e o SINDEL, publicado no BTE n.º 37, de 08-10-2010, sobre o qual versou a portaria de extensão n.º 3/2011, publicada no DR n.º 1/2011, série I, de 03-01-2011, por inexistir escolha por parte da Apelada (art. 482.º, n.º 2, do Código do Trabalho) e ser esta publicação a mais recente (a portaria de extensão relativa ao CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU foi publicada no BTE n.º 1, de 08-01-1999), pelo que a sentença recorrida fez uma correcta interpretação dos CCT aplicáveis.
Importa ainda mencionar que na portaria de extensão n.º 3/2011, publicada no DR n.º 1/2011, série I, de 03-01-2011, apenas se excluem da sua aplicação os trabalhadores filiados no SIMA ou filiados em sindicatos inscritos na FEPCES e na FIEQUIMETAL (art. 1.º, n.º 4, da referida Portaria), o que não é o caso da A., e que a mesma abrange “as relações de trabalho entre empregadores que se dediquem às actividades da indústria, comércio e reparação automóvel, nomeadamente comércio, reparação, serviços afins e construção de veículos automóveis, máquinas agrícolas e industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos e actividades conexas, e trabalhadores ao seu serviço” (preâmbulo da referida Portaria).
Aplicando-se ao sector de actividade da R. e ao sector profissional da A. o CCT celebrado entre a ACAP e o SINDEL, publicado no BTE n.º 37, de 08-10-2010 (o que, aliás, não é impugnado pela Apelante), a sentença recorrida agiu em conformidade com o disposto neste CCT ao aplicar à situação em apreço o cálculo diferencial a partir do montante de €550,00 e não do montante de €492,81.
Nesta conformidade, improcede igualmente a apelação da R. quanto a esta questão.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 28 de Fevereiro de 2019
Emília Ramos Costa (relatora)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes