Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
184/11.2TTSTR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
AJUDAS DE CUSTO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: O montante pago de forma regular pelo empregador ao trabalhador sinistrado a título de ajudas de custo no estrangeiro não integra o conceito de retribuição, para o efeito de calcular o valor das indemnizações e pensões a atribuir, se aquelas ajudas de custo se destinam a pagar as despesas suportadas pelo trabalhador com as refeições.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 184/11.2TTSTR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelantes: BB, CC, DD, (autores).
Apeladas: EE, Lda e FF - Companhia de Seguros, SPA (rés).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J2.

1. Os autores intentaram a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra EE, Lda. e FF– Companhia de Seguros, SPS, pedindo a condenação destas no pagamento às sucessoras do trabalhador falecido, de uma pensão anual vitalícia, subsídio por morte, despesas de funeral e subsídio de férias e de Natal e ajudas de custo, no total de € 167 885,58 (cento e sessenta e sete mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data do respetivo vencimento, na proporção de 63,40% e 36,60%, respetivamente para cada uma das rés, ou na proporção que vier a ser apurada.
Alegam que GG sofreu um acidente de viação quando prestava o seu trabalho de motorista de transportes internacionais de pesados para a entidade empregadora EE, Lda, do qual resultaram lesões que lhe causaram a morte, tendo a entidade empregadora transferido a sua responsabilidade infortunística para a ré FF – Companhia de Seguros, SPA no montante anual de € 12 247,20, não tendo sido transferida a importância relativa às ajudas de custo e prémio TIR.
Procedeu-se à citação das rés e do ISS, IP, sendo este para os efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, nada tendo sido requerido.
A ré FF – Companhia de Seguros, SPA apresentou contestação na qual declarou aceitar a transferência de responsabilidade no âmbito do contrato de seguro em causa, até ao montante anual de € 12 247,20 e a existência do acidente e o nexo de causalidade entre este e as lesões, mas não aceita a sua caraterização como acidente de trabalho, por entender que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado, que deu causa ao acidente de viação, concluindo pela sua descaraterização.
Citada, a ré EE, Lda contestou alegando que aceita a ocorrência do acidente e a sua caraterização como de trabalho, o nexo causal entre o acidente e as lesões e entre estas e a morte do sinistrado, assim, como a transferência para a ré seguradora das responsabilidades decorrentes da retribuição anual de € 12 247,20.
Mais declara que aceita a responsabilidade referente à parcela não transferida de € 10,75 x 11 meses, a título de ajudas de custo internacional (prémio TIR), mas não aceita a quantia reclamada a título de ajudas de custo no montante de € 1 714,60 x 11 meses/ano, por não integrarem o salário do sinistrado e não estarem tituladas nos recibos.
Alega, ainda, que o acidente sucedeu por negligência grosseira do trabalhador, que na condução do veículo adotou um comportamento temerário, sendo causa exclusiva da sua ocorrência.
Termina peticionando a improcedência da ação.
Foi proferido despacho saneador onde se julgaram verificados os pressupostos processuais e foi selecionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória, a qual foi objeto de reclamações, que foram parcialmente atendidas.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento como consta da ata.

2. Foi proferida sentença, onde foi respondida a matéria de facto, com a seguinte decisão, após deferimento do pedido de retificação formulado pela ré seguradora:
Em face do supra exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente ação intentada pelos autores , mulher e filhos do sinistrado GG e, em consequência:
1. Condena-se a ré FF – COMPANHIA DE SEGUROS, S.P.A. a pagar:
1.1. À autora CC:
1.1.1. A pensão anual e vitalícia no montante de € 3 674,16 (três mil, seiscentos e setenta e quatro euros e dezasseis cêntimos), atualizada, a partir de 1 de janeiro de 2012 para o valor de € 3 806,43; a partir de 1 de janeiro de 2013 para o valor de € 3 916,82; a partir de 1 de janeiro de 2014 para o valor de € 3 932,49; a partir de 1 de janeiro de 2016 para o valor de € 3 948,22 e a partir de 1 de janeiro de 2017 para o valor de € 3 967,96, sem prejuízo das atualizações que venham a ser entretanto fixadas, a pagar em prestações mensais e no seu domicílio, desde 26/04/2011, até à idade da reforma, e no montante de € 4 898,88 (quatro mil e oitocentos e noventa e oito euros e oitenta e oito cêntimos) após essa idade, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre as mensalidades já vencidas e não pagas na sua totalidade ou em parte;
1.1.2. Os subsídios de férias e de Natal, correspondentes, cada um, a 1/14 do montante da pensão anual referida em 1.1.1., bem como juros de mora sobre as mensalidades já vencidas e não liquidadas na sua totalidade ou em parte;
1.1.3. O subsídio por morte do sinistrado, no montante de € 2 766,85 (dois mil, setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal devidos desde 26/04/2011;
1.1.4. A quantia de € 747,20 (setecentos e quarenta e sete euros e vinte cêntimos) a título de despesas de funeral, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação.
1.2. A pagar aos autores CC e DD:
1.2.1. A pensão anual e temporária no montante de € 4 898,88 (quatro mil, oitocentos e noventa e oito euros, e oitenta e oito cêntimos), sendo € 2 449,44 (dois mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos) para cada um, em prestações mensais e no seu domicílio, desde 26/04/2011 e até 19/06/2012 quanto à autora CC e até 22/05/2015 quanto ao autor DD, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre as mensalidades já vencidas e não pagas na sua totalidade ou em parte;
1.2.2. A pensão referida no ponto 1.2.1. é atualizada, quanto a ambos, para o valor de € 5 075,24 com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2012, sendo € 2 537,62 para cada um e, quanto ao autor DD, a pensão é atualizada a partir de 1 de janeiro de 2013 para o valor de € 2 611,21 e, a partir de 1 de janeiro de 2014 para o valor de € 2 621,65.
1.2.3. Os subsídios de férias e de Natal, correspondentes, cada um, a 1/14 do montante da pensão anual, bem como juros de mora sobre as mensalidades já vencidas e não liquidadas na sua totalidade ou em parte;
1.2.4. O subsídio por morte do falecido pai, no montante de € 2 766,85 (dois mil, setecentos e sessenta e seis euros e oitenta e cinco cêntimos) sendo € 1 383,42 (mil, trezentos e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos) para cada um, acrescido de juros de mora à taxa legal devidos desde 26/04/2011;
2. Condena-se a ré EE, LDA. a pagar:
2.1. À autora BB:
2.1.1. A pensão anual e vitalícia no montante de € 612,32 (seiscentos e doze euros e trinta e dois cêntimos), atualizada, a partir de 1 de janeiro de 2012 para o valor de € 634,36; a partir de 1 de janeiro de 2013 para o valor de € 652,76; a partir de 1 de janeiro de 2014 para o valor de € 655,37; a partir de 1 de janeiro de 2016 para o valor de € 657,99 e a partir de 1 de janeiro de 2017 para o valor de € 661,28, sem prejuízo das atualizações que venham a ser entretanto fixadas, em prestações mensais e no seu domicílio, desde 26/04/2011, até à idade da reforma, e no montante de € 816,32 (oitocentos e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos) após essa idade, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre as mensalidades já vencidas e não pagas na sua totalidade ou em parte;
2.1.2.Os subsídios de férias e de Natal, correspondentes, cada um, a 1/14 do montante da pensão anual, bem como juros de mora sobre as mensalidades já vencidas e não liquidadas na sua totalidade ou em parte;
2.2. A pagar aos autores CC e DD:
2.2.1. A pensão anual e temporária no montante de € 816,42 (oitocentos e dezasseis euros e quarenta e dois cêntimos), em prestações mensais e no seu domicílio, desde 26/04/2011, sendo € sendo € 408,21 (quatrocentos e oito euros e vinte e um cêntimos) para cada um, até 19/06/2012 quanto à autora CC, e quanto ao autor DD até 22/05/2015;
2.2.2. A pensão referida no ponto 2.2.1. é atualizada, quanto a ambos, para o valor de € 845,81, com efeitos reportados a 1 de janeiro de 2012, sendo € 422,91 para cada um; quanto à pensão do autor DD, a pensão é atualizada a partir de 1 de janeiro de 2013 para o valor de € 435,17 e, a partir de 1 de janeiro de 2014 para o valor de € 436,91;
2.2.3. Os subsídios de férias e de Natal, correspondentes, cada um, a 1/14 do montante da pensão anual, bem como juros de mora sobre as mensalidades já vencidas e não liquidadas na sua totalidade ou em parte.
3. Absolvem-se as rés do demais peticionado pelos autores.
Condena-se autores e rés nas custas da ação, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam os autores.
Valor da causa: € 167 885,58 (cento e sessenta e sete mil, oitocentos e oitenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos).

3. Inconformados, vieram os autores interpor recurso de apelação, que motivaram, com as conclusões seguintes:
a) – O valor das Ajudas de Custo recebidas pelo sinistrado, uma vez que não se destinavam a pagar as concretas e exatas despesas realizadas pelo A. com os alimentos, isto é, as respetivas faturas, antes se traduziam no pagamento duma quantia diária, certa e igual conforme aos países por onde o sinistrado circulava, terá que considerar-se como uma retribuição. E
b) - Nesse sentido, deverá considerar-se, como média mensal dessa retribuição, a quantia de € 1 009,54.
c) – Reconhecendo-se que o A. tem o direito de integrar a quantia de € 11 104,94€ (11 x 1.009,54) no valor da sua retribuição anual, a qual deverá considerar-se no montante de € 25 393,19. E assim,
d) – Deverão corrigir-se todas as pensões e subsídios atribuídos aos AA. a partir deste montante.
e) – A MMª Juiz “a quo” ao não decidir assim, violou o disposto nos art.ºs 258.º e 260.º do C. do T. e 71.º n.ºs 1 a 5 da Lei de Acidentes de Trabalho.
Nestes termos e invocando, ainda, o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, em conformidade com as antecedentes conclusões.

4. Não foi apresentada resposta.

5. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

6. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

7. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se as ajudas de custo integram a retribuição.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os factos seguintes:
1. GG (doravante referenciado nesta decisão como sinistrado) era casado com a autora BB, viúva, nascida em 13 de setembro de 1966, e era pai da autora CC, nascida em 19 de junho de 1987, e do autor DD, nascido em 22 de maio de 1990 – al. a) dos factos assentes;
2. CC, em 25 de abril de 2011, frequentava o curso de mestrado de Química Tecnológica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – al. b) dos factos assentes.
3. CC, no ano letivo de 2011/2012, esteve inscrita no Mestrado em Química Tecnológica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
4. DD, em 25 de abril de 2011, frequentava o 2.º ano do Curso Superior de Relações Internacionais do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, estando inscrito no 3.º ano do referido curso, para o ano escolar de 2012/2013 – al. c) dos factos assentes.
5. DD, no ano letivo de 2015/2016, esteve inscrito no 2.º ano curricular do Mestrado em Economia e Gestão de Ciência, Tecnologia e Inovação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
6. O sinistrado trabalhava ao serviço da ré EE, Ldª (doravante aqui referenciada como empregadora), com sede na …, sob as ordens e direção desta, como motorista de pesados que exercia as suas funções no transporte internacional rodoviário de mercadorias – al. d) dos factos assentes.
7. No dia 25 de abril de 2011, cerca da 1 hora e 20 minutos, o sinistrado e …, motoristas ao serviço da ré empregadora, circulavam no veículo pesado de mercadorias, matrícula …, propriedade da ré empregadora, em …, França, pela Route Nationale 230, no exercício de um transporte de mercadorias, em cumprimento das ordens e instruções da Empregadora, quando sofreram um acidente – al. e) dos factos assentes.
8. Do acidente resultaram para o sinistrado lesões que foram causa direta e necessária da sua morte, a qual sobreveio nesse mesmo dia 25 de abril de 2011 – al. f) dos factos assentes.
9. A ré empregadora havia celebrado com a ré FF – Companhia de Seguros, S.A. (doravante referenciada como ré seguradora), um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º …., na modalidade de prémio variável em função das folhas de férias – al. g) dos factos assentes.
10. Em sede de tentativa de conciliação, a ré seguradora aceitou a existência do acidente, bem como a existência de um contrato de seguro de acidentes de trabalho, tendo aceite como salário para si transferido o montante de € 12.247,20 (doze mil, duzentos e quarenta e sete euros, vinte cêntimos), a qual incluía retribuição base mensal de € 600 (seiscentos euros), catorze vezes por ano, acrescida da importância de € 274,80 (duzentos e setenta e quatro euros, oitenta cêntimos), catorze vezes por ano, a título de cláusula 74ª; enjeitou a sua responsabilidade pela reparação do acidente, alegando que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado – al. h) dos factos assentes.
11. A ré empregadora declarou aceitar a existência do acidente, a sua caraterização do acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente, as lesões sofridas pelo sinistrado e sua morte, tendo ainda declarado ter a sua responsabilidade emergente do acidente transferida para a ré seguradora pelo montante anual de € 12.247,20 (doze mil, duzentos e quarenta e sete euros, vinte cêntimos), a qual incluía retribuição base mensal de € 600 (seiscentos euros), catorze vezes por ano, acrescida da importância de € 274,80 (duzentos e setenta e quatro euros, oitenta cêntimos), catorze vezes por ano, a título de cláusula 74ª, constantes dos recibos juntos aos autos, reconhecendo como sua responsabilidade a reparação dos beneficiários pela retribuição não transferida atinente ao Prémio TIR, que computou em € 105,75, onze vezes por ano; Rejeitou reconhecer como retribuição os montantes pagos a título de ajudas de custo – al. i) dos factos assentes.
12. O sinistrado e a ré empregadora haviam outorgado um contrato a termo certo, pelo período de quatro meses, entre 28 de fevereiro de 2011 e 27 de junho de 2011 – al. j) dos factos assentes.
13. A ré empregadora pagou ao sinistrado, as seguintes quantias e sob as seguintes denominações:
Em março de 2011:
€ 600,00 a título de vencimento;
€ 274,80 a título de Cláusula 74ª, n.º 7;
€ 105,75 a título de Prémio TIR;
€ 645,00 a título de Aj. Custo Estrangeiro;
Em abril de 2011:
€ 600,00 a título de vencimento;
€ 274,80 a título de Cláusula 74ª, n.º 7;
€ 105,75 a título de Prémio TIR;
€ 1.374,07 a título de Aj. Custo Estrangeiro;
€ 93,69 a título de Retr. Prop. Subs. Natal;
€ 109,08 a título de Retr. Prop. Mês Férias;
€ 109,08 a título de Retr. Prop. Sub. Férias;
€ 183,20 a título de P. S. Férias – Cláusula 74;
€ 42,91 a título de P.S. Natal – Cláusula 74; – al. k) dos factos assentes.
14. Entre 28 de fevereiro de 2011 e 25 de abril de 2011, o sinistrado apenas não esteve ao serviço da ré empregadora nos dias 21 de março, 28 de março e 9 de abril – al. l) dos factos assentes.
15. O sinistrado foi sepultado em Santarém – al. m) dos factos assentes.
16. A autora BB suportou as despesas de funeral, no valor de € 747,20 e a ré seguradora suportou as despesas de trasladação do corpo do sinistrado – al. n) dos factos assentes.
17. A ré empregadora é uma empresa de transportes rodoviários de mercadorias, em Portugal e na Europa - artigo 14.º da B.I.
18. O veículo pesado de mercadorias, com a matrícula …, era composto de cabine e atrelado de carga - artigo 15.º da B.I.
19. No local onde ocorreu o acidente, a RN 230, comporta 3 faixas de rodagem em cada sentido - artigo 18.º da B.I.
20. Na sequência do embate, o veículo e respetivo atrelado tombaram e a cabine ficou esmagada - resposta ao artigo 25.º da B.I.
21. As quantias pagas ao sinistrado a título de “ajudas de custo - Estrangeiro” destinavam-se a reembolsá-lo das despesas com alimentação por si efetuadas, aquando das suas deslocações ao serviço da ré empregadora -artigo 26.º da B.I.
22. O sinistrado, enquanto motorista da ré empregadora, efetuou sempre viagens de longo curso, viagens estas que importam a ida e o retorno - resposta ao artigo 27.º da B.I.
23. Cada uma destas viagens importou vários dias em deslocação - artigo 28.º da B.I.
24. A ré empregadora, pelo elevado número de motorista que tem, cerca de 600, todos eles afetos a transportes internacionais e de longo percurso, com vista a afastar burocracias e os custos inerentes a esta, optou por fixar um valor diário para reembolso das despesas com refeições a favor dos motoristas, excluindo o regime de pagamento de refeições mediante fatura - artigo 29.º da B.I.
25. Este valor diário varia consoante o grupo de países pelos quais a viagem decorre, em consideração das diferenças no custo de vida de cada um dos locais de destinos - artigo 30.º da B.I.
26. Assim, quando a viagem decorre pelo menos em França, Reino Unido e Alemanha, é pago um valor diário, pré-definido de € 40 - artigo 31.º da B.I.
27. Caso seja Países Nórdicos é pago um valor diário pré-definido de € 50 - artigo 32.º da B.I.
28. O sinistrado, quando em serviço, carecia, para pagar as quatro refeições diárias, pequeno-almoço, almoço, jantar e ceia, de uma média diária de € 40 - artigo 1.º da B.I.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir consiste em apurar se as ajudas de custo integram a retribuição.
O artigo 258.º do Código do Trabalho prescreve que se considera retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho (n.º 1);
A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou espécie (n.º 2); e
Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3).
O art.º 260.º n.º 1 do CT prescreve que não se consideram retribuição:
a) As importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respetivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador;
O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição (nº. 2 do art.º 260.º do CT).
Por sua vez, o art.º 71.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que veio regulamentar o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, prescreve que a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente (n.º 1).
Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (n.º 2).
Resulta da análise das normas jurídicas do CT e das normas jurídicas da LAT acabadas de citar que esta define um conceito de retribuição mais amplo que o do primeiro diploma legal, uma vez que decorre da última que para a integração das importâncias auferidas pelo trabalhador na retribuição para efeitos de atribuição de pensão ou indemnização basta apenas que sejam recebidas de forma regular. Verificando-se a regularidade do seu recebimento, só deixam de integrar o conceito de retribuição na parte em que se destinem a compensar o trabalhador sinistrado pelos custos aleatórios.
Em relação a esta questão concreta está provado que: “a ré empregadora pagou ao sinistrado, as seguintes quantias e sob as seguintes denominações:
Em março de 2011:
€ 600, a título de vencimento;
€ 274,80, a título de Cláusula 74ª, n.º 7;
€ 105,75, a título de Prémio TIR;
€ 645, a título de Aj. Custo Estrangeiro;
Em abril de 2011:
€ 600, a título de vencimento;
€ 274,80, a título de Cláusula 74ª, n.º 7;
€ 105,75, a título de Prémio TIR;
€ 1.374,07, a título de Aj. Custo Estrangeiro;
€ 93,69, a título de Retr. Prop. Subs. Natal;
€ 109,08, a título de Retr. Prop. Mês Férias;
€ 109,08, a título de Retr. Prop. Sub. Férias;
€ 183,20, a título de P. S. Férias – Cláusula 74;
€ 42,91, a título de P.S. Natal – Cláusula 74; – al. k) dos factos assentes.
Entre 28 de fevereiro de 2011 e 25 de abril de 2011, o sinistrado apenas não esteve ao serviço da ré empregadora nos dias 21 de março, 28 de março e 9 de abril – al. l) dos factos assentes.
A ré empregadora é uma empresa de transportes rodoviários de mercadorias, em Portugal e na Europa.
As quantias pagas ao sinistrado a título de “ajudas de custo - Estrangeiro” destinavam-se a reembolsá-lo das despesas com alimentação por si efetuadas, aquando das suas deslocações ao serviço da ré empregadora.
O sinistrado, enquanto motorista da ré empregadora, efetuou sempre viagens de longo curso, viagens estas que importam a ida e o retorno.
Cada uma destas viagens importou vários dias em deslocação - artigo 28.º da B.I.
A ré empregadora, pelo elevado número de motorista que tem, cerca de 600, todos eles afetos a transportes internacionais e de longo percurso, com vista a afastar burocracias e os custos inerentes a esta, optou por fixar um valor diário para reembolso das despesas com refeições a favor dos motoristas, excluindo o regime de pagamento de refeições mediante fatura.
Este valor diário varia consoante o grupo de países pelos quais a viagem decorre, em consideração das diferenças no custo de vida de cada um dos locais de destinos.
Assim, quando a viagem decorre pelo menos em França, Reino Unido e Alemanha, é pago um valor diário, pré-definido de € 40.
Caso seja Países Nórdicos é pago um valor diário pré-definido de € 50.
O sinistrado, quando em serviço, carecia, para pagar as quatro refeições diárias, pequeno-almoço, almoço, jantar e ceia, de uma média diária de € 40”.
Resulta dos factos provados que desde o início do contrato de trabalho, em 28.02.2011, até à data do acidente, em 25.04.2011, o trabalhador sinistrado prestou a sua atividade durante 54 dias. Considerando o valor de € 40 diários pagos a título de ajudas de custo para despesas com refeições, o trabalhador auferiria a quantia de € 2 160, correspondente a 54 dias x € 40.
A empregadora pagou-lhe naquele período de tempo, a título de ajudas de custo e para esse efeito, o montante de € 2 019,07.
Verificámos que o valor pago não excede o montante máximo a atribuir para efeito do pagamento das despesas com a alimentação do trabalhador sinistrado.
Assim, a quantia paga ao trabalhador a título de ajudas de custo no estrangeiro destinou-se a reembolsá-lo das despesas que este efetuava com a alimentação quando estava deslocado no estrangeiro, daí que não possa ser integrada na retribuição para efeitos de cálculo das pensões devidas aos beneficiários legais
Embora o montante fosse pago em quantia certa relativamente a cada dia de trabalho no estrangeiro, a sua aleatoriedade mantém-se, dada a imprevisibilidade do preço das refeições, os quais podem variar conforme o país, localidade e tipo de estabelecimento prestador do serviço.
O pagamento acordado visa facilitar o reembolso das despesas com a alimentação e não a beneficiá-lo através da atribuição de um suplemento remuneratório regular. Ou seja, não resultava daí um ganho para o trabalhador no final do mês. Apenas era reembolsado das despesas que havia efetuado.
Deste modo, improcede a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Sumário: o montante pago de forma regular pelo empregador ao trabalhador sinistrado a título de ajudas de custo no estrangeiro não integra o conceito de retribuição, para o efeito de calcular o valor das indemnizações e pensões a atribuir, se aquelas ajudas de custo se destinam a pagar as despesas suportadas pelo trabalhador com as refeições.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida na parte impugnada.
Custas pelos autores apelantes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de julho de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço