Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1292/09.5TBBNV.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: INCIDENTE
HABILITAÇÃO DE HERDEIROS
CONDENAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Os sucessores de pessoa falecida habilitados num processo judicial devem ser condenados, nessa qualidade, no pagamento da dívida do autor da herança, mas respondendo apenas nos termos do art.º 2071.º, Cód. Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA instaurou a presente acção contra BB, pedindo a condenação deste no pagamento quantia de 5,791,08€ e correspondentes juros legais vencidos e vincendos à taxa legal, sendo os vencidos no montante de 782,51€, proveniente de despesas que teve de pagar em consequência de um acidente de viação causado por culpa do R., sendo que este não tinha seguro de responsabilidade civil.
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Por o R. ter falecido, foram habilitadas, como suas sucessoras, as suas filhas CC, DD e por EE.
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Por estas, pessoal e regularmente citadas, não terem contestado, foram julgados confessados os factos alegados.
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Foi proferida sentença cuja parte decisória é a seguinte:
julgo a presente acção procedente e, em consequência condeno CC, DD e EE, em substituição de Manuel Pimentel Filipe, ao pagamento da quantia de 5.791,08 € (cinco mil setecentos e noventa e um euros e oito cêntimos), acrescida de juros sobre essa importância à taxa anual de 4% desde a data de citação até integral e efectivo pagamento, indo no mais absolvidas.
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Desta sentença recorrem as RR. alegando o seguinte:
As RR. EE e CC não foram citadas.
Além disto, as RR. entendem que não podem ser condenadas no pagamento da quantia em causa uma vez que a herança se encontra indivisa. Os herdeiros não são devedores, relativamente a uma dívida da herança e, enquanto a herança não for partilhada, nunca são responsáveis pelo pagamento das dívidas do de cujus, pelo que, embora tenham legitimidade para ser demandados em acção judicial destinada a exigir o pagamento de dívida da herança, “os herdeiros serão demandados e condenados, mas não a pagar os créditos, tão somente a reconhecerem a sua existência ou a verem satisfeitos pelos bens da herança os créditos dos credores do de cuius”. Ou seja, o pedido – tal como foi formulado – teria e tem que improceder. Neste caso – de herança indivisa não partilhada – os herdeiros apenas podem ser condenados a reconhecer a existência do crédito sobre a herança e a ver satisfeito esse crédito pelos bens da herança. Ora, não foi esta a decisão do tribunal, já que o que o Autor pediu foi a condenação das próprias rés (herdeiros) a pagar aquela quantia e este pedido não pode proceder, na medida em que a responsabilidade pelo pagamento dessa dívida não é das rés, mas sim da herança da qual são herdeiros.
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Em relação à alegada nulidade, não vemos dos autos que as recorrentes não tenham sido citadas; foram-no no âmbito do incidente de habilitação, nos termos do art.º 352.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil, e por isso, não tinha que ser citadas para a acção.
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Em relação ao mérito do recurso, importa, em primeiro lugar, desfazer um equívoco.
O A. não pediu a condenação das RR. mas sim de seu pai, BB; é o que resulta claramente da p.i..
Não estamos perante uma acção dirigida contra os herdeiros mas sim contra o devedor original.
Por isso, entendemos que a jurisprudência citada nas alegações não é imediatamente aplicável aqui.
Num caso (o do ac. da Relação do Porto, de 28 de Janeiro de 2010), a acção foi proposta directamente contra os herdeiros decidindo o tribunal que estes não podem ser condenados a pagar uma dívida da herança mas «apenas podem ser condenados a reconhecer a existência do crédito sobre a herança e a ver satisfeito esse crédito pelos bens da herança, devendo, por isso, improceder o pedido de condenação dos próprios herdeiros na satisfação desse crédito». No outro caso (o do ac. do STJ, de 9 de Fevereiro de 2012), a acção foi proposta contra a herança ilíquida e indivisa, acontecendo que ocorreu a intervenção dos herdeiros que, entretanto, tinham realizado a partilha.
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O nosso caso tem na sua base um incidente de habilitação. Este tem por função a substituição no processo de uma parte falecida pelos seus herdeiros e nada tem que ver com o litígio material em questão. Como se escreve no ac. da Relação de Guimarães, de 24 de Maio de 2011, a «decisão de habilitação, em si mesma considerada, não dispõe, por se tratar de matéria totalmente fora do objecto do incidente de habilitação, sobre que bens respondem pela dívida do Executado ou em que circunstâncias se efectuará a responsabilidade dos herdeiros habilitados por essa dívida».
Por seu turno, o ac. da Relação de Coimbra, de 21 de Janeiro de 2013, decidiu que a «habilitação de herdeiros não provoca alteração na relação substantiva em litígio», pelo que apenas o «património hereditário responde pelas dívidas em causa na acção e não o património pessoal dos sucessores habilitados».
A habilitação, por estes motivos, trata tão-só da substituição processual, de uma alteração da instância, e não do litígio material. Sem dúvida, e como se expõe no citado ac. da Relação do Porto, os herdeiros não são pessoalmente responsáveis pelas dívidas deixadas pelo autor da sucessão; mas são-no nos termos do art.º 2071.º, Cód. Civil, isto é, sem exceder o valor dos bens herdados.
Ora, ao sucederem na relação processual, as recorrentes assumem a qualidade de partes na presente acção permitindo que o processo siga os seus termos e que o credor obtenha um título executivo sobre o património do devedor.
Cremos ser este o aspecto relevante nestes autos.
Uma coisa é a substituição processual, outra bem diferente é a responsabilidade pelo pagamento da dívida e, também, a qualidade dos bens que por ela respondem (veja-se o caso do ac. de 28 de Janeiro de 2010).
As recorrentes não são pessoal e directamente responsáveis pela dívida, são antes sucessoras do devedor; por isso, não podem ser condenadas no respectivo pagamento.
Mas podem ser condenadas enquanto tal, enquanto sucessoras habilitadas.
De outra forma, admitindo-se a habilitação mas não se admitindo a condenação dos habilitados, o credor ficaria sem qualquer resposta para o seu problema. Não podia obter a condenação do devedor (porque falecido) nem dos sucessores habilitados porque o não eram em primeiro lugar. A solução passa por condenar os sucessores mas expressamente nesta qualidade e com as consequências que a lei estatui.
Por isso, condenação dos sucessores habilitados só se pode fazer nestes exactos termos, isto é, na qualidade de substitutos da parte falecida. Não sendo as recorrentes as devedoras, não podem elas ser condenadas como tal. Cremos ser isto precisamente que a sentença teve em mente ao condenar as recorrentes «em substituição». Apenas se esclarecerá este trecho da decisão.
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Por isso, a única alteração a introduzir na sentença consiste na referência à qualidade de sucessoras das recorrentes, alteração esta que nenhum desvio introduz na solução decidida na 1.ª instância, antes a esclarece.
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Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso esclarecendo-se que as recorrentes são condenadas na qualidade de herdeiras habilitadas do devedor.
Custas pelas recorrentes.
Évora, 5 de Maio de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos