Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
947/18.8T8PTM-E.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: ADVOGADO
CITIUS
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Tendo a parte sido notificada pela secretaria judicial para apresentar novo requerimento, com o fundamento de que o primeiro requerimento não era legível, caso a parte discordasse dessa falta de legibilidade, deveria, no prazo de 10 dias, reclamar para o juiz de que dependesse funcionalmente tal secretaria (artigo 157.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).
II – Se por despacho judicial, já transitado, se tiver rejeitado um requerimento apresentado por um mandatário, através de email, não é possível invocar, em recurso posteriormente interposto, a falta de fundamento de tal rejeição.
III – Não tendo o Apelante nem reclamado da notificação efetuada pela secretaria judicial, nem recorrido do despacho judicial que lhe rejeitou o requerimento por email, nem apresentado, no prazo de 10 dias, o referido requerimento através do Citius, não pode, cerca de 5 meses depois, pretender alterar uma situação com a qual, no seu devido tempo, se conformou.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 947/18.8T8PTM-E.E1
2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
Em processo relativo à alteração das responsabilidades parentais interposto por … (requerente) contra … (requerido), e relativo aos menores (…) e (…), filhos de ambos, foi proferida sentença, em 04-03-2019, cuja parte decisória se transcreve:
I. Pelo exposto julgo a ação de alteração procedente e, em consequência, decido alterar o regime de exercício das responsabilidades parentais relativas aos menores (…) e (…), passando a vigorar o seguinte:
1. Exercício das responsabilidades parentais:
a) Os menores ficam confiados aos cuidados da mãe e com ela residentes;
b) O exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente dos menores incumbe à mãe;
c) O exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida dos menores são decididas de comum acordo por ambos os progenitores, salvo caso de urgência manifesta;
2. Visitas:
a) Os menores estarão com o pai um fim-de-semana de seis em seis semanas, correspondente ao fim-de-semana de folga laboral do pai, para esse efeito, as deslocações deverão ser feitas alternadamente pelo pai e pela mãe, no seguimento do que já vem sendo feito após a definição do regime provisório, suportando cada um o custo das deslocações que fizer;
b) As férias escolares do Natal serão passadas, desde o primeiro dia de férias até ao dia 26 de Dezembro, com um dos pais, e desde o dia 26 de Dezembro até ao último dia de férias com o outro, alternando os pais entre si, anualmente, estes dois períodos;
c) As férias escolares da Pascoa serão passadas uma semana com cada um dos pais;
d) A interrupção lectiva do Carnaval será passada com o pai, que, neste caso, fará as deslocações necessárias;
e) As férias escolares do Verão serão a passar metade do tempo com cada um dos progenitores, em períodos concretos a combinar, anualmente, entre os pais com antecedência de pelo menos três meses em relação ao seu início.
d) Nas deslocações para férias (alíneas b), c) e e)), o pai recolherá os menores na residência da mãe e a mãe irá buscar os menores a casa do pai no final do período de férias correspondente.
3. Alimentos:
a) O pai contribuirá mensalmente com a prestação de € 100,00 (cem euros) para alimentos devidos a cada um dos filhos, que deverá ser depositada na conta bancária da mãe até ao dia 8 de do mês a que respeita, e que deverá ser actualizada, anualmente, em Janeiro, à taxa de 2%;
b) O pai contribuirá ainda com 50% do valor das despesas médicas, medicamentosas e escolares (livros e material escolar), devendo, para esse efeito, a mãe remeter o comprovativo das despesas, via correio electrónico, no mês em que as fizer, e o seu valor deverá ser pago, por depósito na mesma conta, no mês seguinte, juntamente com a pensão de alimentos.
*
II. Julgo parcialmente procedente o incidente de incumprimento correspondente ao apenso A, e condeno ambos os pais em multa, que fixo em 2Ucs para cada um;
*
III. Julgo improcedente o incidente de incumprimento correspondente ao apenso C, e absolvo a requerida do pedido.
*
IV. Custas do processo de alteração e do apenso A a cargo de ambos os pais, na proporção de ½ para cada um.
As custas do apenso C são a cargo do progenitor aí requerente.
*
Registe e notifique.
Interposto recurso quer pela requerente (…) quer pelo requerido (…) dessa sentença, foi proferido acórdão por este tribunal, em 13-02-2020, com a seguinte decisão:
Em face do exposto, a 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga parcialmente procedente a apelação e, alterando a matéria de facto, mantêm o restante decidido pelo tribunal a quo, mas absolvendo a requerente e o requerido da condenação em multa pelo incumprimento no Apenso A.
Custas pela recorrente recorrido, em partes iguais – artigo 527.º CPC.
Notifique.
Elaborada a conta, foram notificados requerente e requerido da mesma com data de envio de 24-07-2020.
Em 28-07-2020, deu entrada em juízo um requerimento apresentado pelo mandatário do requerido, Dr. (…), o qual, com data desse mesmo dia, determinou a notificação desse mandatário, efetuada pela secretaria do tribunal a quo, com o seguinte teor:
Fica deste modo V.ª Ex.ª notificado, na qualidade de Mandatário, relativamente ao processo supra identificado, para providenciar pelo envio do ficheiro anexo ao formulário referência Citius 8073170 datado de 28-07-2020, uma vez que o mesmo, na forma em que foi enviado, e após impressão, fica impercetível.
Em 29-07-2020, pelo referido mandatário foi remetido um email ao tribunal a quo, com o seguinte teor:
Exmo. Senhor Escrivão de Direito,
Reitero-lhe os meus melhores cumprimentos.
Uma vez que o ficheiro anexo não está bem visível via Citius-Signius pedia o favor de dar entrada por esta via para bem cumprir o solicitado.
Votos de Boas Férias.
O Advogado grato e ao dispor.
Em anexo a tal email, mostrava-se junto o requerimento anteriormente apresentado via Citius.
Tal apresentação deu lugar ao seguinte despacho, proferido em 03-09-2020:
Fls. 514
O requerimento não foi apresentado nos termos legais, pois que aos intervenientes, ainda mais advogados, não é admitida a comunicação com o Tribunal por simples email.
Assim, desentranhe e devolva, não se apreciando o conteúdo do email.
A 07-09-2020 foi desentranhado o referido requerimento enviado por email e foi notificado o mandatário Dr. (…) do despacho proferido a 03-09-2020, bem como que o requerimento já desentranhado seria devolvido pelo registo do correio.
Em 22-02-2021, em requerimento subscrito pelo mandatário Dr. (…), o requerido (…) veio apresentar o seguinte requerimento:
(…), Requerido nos autos à margem referenciado e ali melhor identificado vem Reclamar da Conta por entender que a decisão do Tribunal da Relação de Évora, por se a última, se estende a todo o processo e seus apensos, logo as custas deviam ser em partes iguais, como ali determinado no final e ainda requerer a V. Ex.ª o pagamento das custas em prestações, no máximo legalmente permitido.
O que já tinha requerido em 28-07-2020 e que reitera.
Em resposta a tal requerimento, foi dado, em 24-02-2021, o seguinte despacho:
Fls. 525 v.
Por extemporâneo, indefiro.
Nota-se que o requerimento de 28 de julho a que é feita referência não era percetível, tendo o Senhor Advogado sido notificado para juntar cópia legível do mesmo. Depois, foi junto email mandado desentranhar, pois que não é este o procedimento para os Senhores Advogados intervirem no processo.
Mesmo assim, o requerimento agora em apreço chegou mais de 5 meses depois do tal email, pelo que estão esgotados os prazos para solicitar o pagamento em prestações.
Notifique, incluindo o requerente ele próprio.
Inconformado com tal despacho, veio o requerido (…) interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões:
A – O Advogado deve nos processos que o permitem praticar os atos de forma eletrónica e desmaterializada e por via da plataforma eletrónica Citius. Todavia, se após ter praticado o ato por esta via é notificado pela Secretaria de que um ficheiro não está legível ou não é possível imprimir e que deve providenciar pelo envio do ficheiro, não está, neste concreto caso impedido de enviar o solicitado ficheiro por correio eletrónico, uma vez ali plasmada essa razão, dado que, repetir tudo via Citius seria insistir no erro e praticar ato inútil.
B – Se o Mandatário sempre praticou naquele processo os atos por Citius e nunca sucedeu nenhum incidente, antes ou depois deste, o Tribunal não está dispensado de indagar se a culpa é do envio ou do recebimento e se o funcionário que está a imprimir os documentos não cometeu nenhum lapso. Tanto mais que, o Advogado signatário enviava peças a dezenas de outros Tribunais sem nenhum incidente, o qual só sucedeu naquele concreto Tribunal e processo – isto é o mínimo que o princípio da cooperação exigia que o Tribunal indagasse.
C – O Tribunal também não está dispensado de fazer um esforço mínimo de ler o documento originalmente enviado via Citius se isso lhe possibilitava as ferramentas informáticas ao seu dispor.
D – Se o Mandatário praticou em tempo o ato via plataforma Citius como devia, e após notificação da Secretaria, que lhe comunica que o ficheiro enviado por essa via, não está legível ou imprimível, não está o Mandatário impedido, em face deste concreto circunstancialismo que se traduz num impedimento prático, de enviar o ficheiro por correio eletrónico ao Tribunal, dado que, o envio via Citius não se revelou possível e tudo isto foi invocado em tempo e era do conhecimento do Tribunal, ou seja, que só se enviava de novo o ficheiro pela via do correio eletrónico, por tal ter sido solicitado pela Secretaria do Tribunal e por ter existido um alegado problema no envio Citius original.
E – O Tribunal ao não permitir após a prática do ato por Citius a prática do ato por correio eletrónico e ao não conhecer do requerido dificultou o acesso à Justiça do Mandatário e da parte, dado que, este praticou o ato inicialmente via Citius, após ter sido notificado pela Secretaria para providenciar pelo envio do ficheiro, voltou a enviá-lo a juízo por correio eletrónico, não o ia fazer naturalmente de novo via Citius, pois não estava a funcionar, não se sabendo sequer se tal culpa era do Mandatário ou do Tribunal pois nem sequer foi indagado, isso seria insistir no erro e praticar ato inútil. Não estava, pois, em face de tal justo impedimento o mandatário impedido de praticar o ato por vias alternativas, que o Tribunal conseguisse receber.
Violou ou interpretou assim incorretamente assim o Tribunal a quo, os artigos 20.º do CRP e artigo 7.º, 130.º e 144.º, maxime n.ºs 7 e 8 do CPC, e violou ainda aquela Despacho os artigos 66.º, n.º 3, 67.º, n.º 2, 69.º e 72.º da Lei n.º 145/2015, de 09/09 – o que se alega para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, do CPC.
Nestes termos e nos Demais de Direito, deve o recurso ter provimento e, em consequência, o D. Despacho ser revogado, ser conhecido o requerimento do Recorrente, seguindo o processo a sua ulterior tramitação até final, com as legais consequências.
O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, e, em consequência, pela manutenção do despacho recorrido.
O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Após ter sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos e dispensados os vistos, por acordo, cumpre apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Apelante, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (artigo 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Assim, no caso em apreço, a questão que importa decidir é:
1) Se o mandatário do requerido podia enviar um requerimento por email depois de o ter enviado pelo Citius, quando esse requerimento, após impressão, se revelou ilegível.
III – Matéria de Facto
Os factos relevantes para a decisão são os que já constam do relatório que antecede.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se o mandatário do requerido podia enviar um requerimento por email depois de o ter enviado pelo Citius, quando esse requerimento, após impressão, se revelou ilegível.
1 – Se o mandatário do requerido podia enviar um requerimento por email depois de o ter enviado pelo Citius, quando este, após impressão, se revelou ilegível
No entender do Apelante, apesar de o advogado nos processos ter de praticar os atos de forma eletrónica e desmaterializada, através da plataforma eletrónica Citius, se, após assim ter procedido, é notificado pela secretaria de que um ficheiro não está legível ou não é possível de imprimir e que deve providenciar pelo envio desse ficheiro, não está, neste caso, impedido de enviar o solicitado ficheiro por correio eletrónico, visto verificar-se uma situação de justo impedimento para o enviar pelo Citius, uma vez que, ao enviar pelo mesmo sistema, poderia ocorrer o mesmo erro.
Mencionou ainda que competia ao tribunal a quo averiguar de quem era a culpa pela situação de ilegibilidade do requerimento, bem como fazer um esforço mínimo para ler o documento originariamente enviado via Citius, através das ferramentas informáticas que tem ao seu dispor.
Apreciemos.
Em primeiro lugar, importa atentar que o presente recurso se mostra interposto do despacho proferido em 24-02-2021[2], segundo o qual foi indeferido por extemporaneidade o requerimento apresentado em 22-02-2021, no qual se reclamava da conta e se solicitava o pagamento das custas em prestações no máximo legalmente permitido. Porém, da leitura das conclusões apresentadas, não se mostra invocada qualquer questão sobre a alegada extemporaneidade, fundamentação apresentada para tal indeferimento, pelo que não pode o tribunal ad quem, oficiosamente, apreciar tal questão.
Pelo contrário, nas mencionadas conclusões de recurso apenas se vem impugnar a fundamentação apresentada no despacho proferido em 03-09-2020, no qual se ordenou o desentranhamento e respetiva devolução do requerimento apresentado por email pelo mandatário do requerido, por não ter sido apresentado nos termos legais. No entender do requerido, tal fundamentação é ilegal por não ter em atenção o contexto em que esse requerimento por email foi enviado, sendo tal contexto enquadrável numa situação de justo impedimento.
Acontece, porém, que o despacho proferido em 03-09-2020 foi enviado para notificação à parte em 07-09-2020, considerando-se o mesmo notificado em 10-09-2020[3]. Ora, nos termos do art. 32.º, n.º 3, do RGPTC, tal despacho transitou em 25-09-2020, visto que o ora Apelante dele não interpôs recurso[4]. Não pode, por isso, neste momento, apesar de afirmar que se encontra a recorrer do despacho judicial proferido em 24-02-2021 vir, na realidade, recorrer do despacho judicial proferido em 03-09-2020, despacho esse já transitado há vários meses.
Deste modo, relativamente à questão invocada – saber se, naquela específica situação, podia ou não o mandatário do requerido enviar, por email, o requerimento –, por o despacho judicial que indeferiu o requerimento por email já ter transitado em julgado, tal questão não é passível de apreciação pelo tribunal ad quem.
Por fim, sempre se dirá que, ao lhe ter sido solicitado pela secretaria judicial novo envio do requerimento apresentado em 28-07-2020, por o mesmo não se revelar percetível, discordando dessa solicitação, designadamente por entender que tal requerimento era perfeitamente percetível, sempre poderia o Apelante, no prazo de 10 dias[5], ter reclamado de tal ato para o juiz, nos termos do n.º 5 do art. 157.º do Código de Processo Civil[6], pelo que não o tendo feito é porque concordou com a impercetibilidade de tal requerimento.
Assim, não tendo o Apelante nem reclamado da notificação efetuada pela secretaria judicial, nem recorrido do despacho judicial proferido em 03-09-2020, nem apresentado, no prazo de 10 dias, o referido requerimento através do Citius, não pode, agora, cerca de 5 meses depois, pretender alterar uma situação com a qual, no seu devido tempo, se conformou.
Pelo exposto, apenas nos resta concluir pela improcedência do presente recurso.
Sumário elaborado pela relatora (artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custa pelo Apelante (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 23 de setembro de 2021
Emília Ramos Costa (relatora)
Conceição Ferreira (vota em conformidade, nos termos do art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13-03)
Rui Machado e Moura


__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Conceição Ferreira; 2.º Adjunto: Rui Machado e Moura.
[2] Conforme expressamente consta do cabeçalho das alegações de recurso.
[3] Artigo 248.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC.
[4] Artigo 644.º, n.º 2, alínea g), do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 32.º, n.º 3, do RGPTC.
[5] Artigo 14.º, n.º 1, do RGPTC.
[6] Aplicável por força do artigo 33.º, n.º 1, do RGPTC.