Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
159/16.5T8BJA-A.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
ACORDO
DESPACHO
GRAVAÇÃO DA PROVA
GRAVAÇÃO DEFICIENTE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Embora dentro do princípio do dispositivo as partes possam, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, acordar na suspensão da instância, tal acordo estará sujeito a subsequente despacho judicial de confirmação/homologação, em que haverá que aferir dos pressupostos formais de tal acordo e se ocorre alguma circunstância excepcional que obsta à sua aceitação;
II – A deficiência/ininteligibilidade da gravação da prova constitui nulidade processual, que tem de ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada (n.º 4 do artigo 155.º do Código de Processo Civil);
III – Essa disponibilização às partes deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do acto/gravação;
IV – Contudo, a disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, consistindo na simples colocação, pela secretaria judicial, da referida gravação à disposição das partes para que estas possam obter cópia da mesma.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 159/16.5T8BJA-A.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
No âmbito do Proc. n.º 159/16.5T8BJA, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo do Trabalho de Beja – Juiz 1) e em que é Autor BB e CC, S.A., devidamente identificadas nos autos, procedeu-se em 14-09-2017 à audiência de julgamento, na qual estiveram presentes, além de outros, os exmos. mandatários das partes.
Finda a referida audiência de julgamento pela exma. julgadora a quo foi proferido o seguinte despacho, que foi notificado aos presentes:
«Oportunamente abra conclusão para prolação da sentença.
Notifique».

Em 24-10-2017 foi proferida sentença, na qual se respondeu à matéria de facto e se motivou a mesma, que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a integrar o Autor na categoria de técnico superior (nível 3) desde Março de 2012.

A Ré foi notificada da sentença, conforme certificação citius de 27-10-2017.

Em 02-11-2017 a Ré requereu a entrega à sua advogada de cópia em suporte digital da gravação da prova produzida em audiência, a fim de apresentar recurso da sentença; para o efeito a Ré enviou CD via CTT e requereu a sua devolução através de envelope selado para o efeito.

Em 28-11-2017 a Ré requereu, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância por um período de 5 dias, tendo no dia seguinte, ou seja, em 29-11-2017, nos termos do artigo 12.º, n.º 1, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, o exmo. mandatário do Autor declarado a sua adesão ao conteúdo de tal requerimento.

Em 30-11-2017 pela Ré foi apresentado o seguinte requerimento:
«Exmo. Sr. Juiz de Direito
CC, SA, Ré nos autos em referência que lhe move BB vem mui respeitosamente expor e requerer o seguinte:
1.º- Tendo a Ré iniciado a preparação das alegações de recurso de apelação, com impugnação da matéria de facto, procedeu, para esse efeito, à audição da cópia da gravação da audiência final disponibilizada pelo Tribunal.
2.º- Constatou então que os depoimentos das testemunhas em que iria basear a impugnação da matéria de facto - …, …, …, …, … e… - não são audíveis e/ou percetíveis na cópia da gravação facultada pelo Tribunal à Ré.
3.º- A impossibilidade de ouvir na íntegra e de forma percetível os depoimentos das testemunhas indicadas supra impede à Ré de dar cumprimento à norma vertida no n.º 2 do art.s 640.º do Código de Processo Civil, que impõe ao recorrente o ónus de "indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso", sob pena de imediata rejeição, nesta parte, do seu recurso.
4.º- Impedindo ainda que os mesmos possam ser reapreciados pelo Tribunal da Relação, ficando irremediavelmente prejudicada a finalidade legal pretendida com o recurso relativamente à reapreciação da prova gravada.
5.º- A impercetibilidade do registo magnético dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento consubstancia omissão de ato que a lei prescreve e que tem óbvia influência no exame e decisão da causa, uma vez que impede ou condiciona o cumprimento do art.º 640.ºdo Código de Processo Civil, vindo, por isso, a constituir uma nulidade secundária, de harmonia com o estatuído no artigo 195.º do mesmo diploma legal.
6.º- Esta situação consubstancia nulidade que acarreta a anulação dos atos subsequentes, maxime da douta sentença proferida, nulidade que aqui se argui para os devidos efeitos legais».

Em 04-12-2017, a Ré interpôs recurso da sentença.

Entretanto, o requerimento de suspensão da instância, bem como o apresentado pela Ré em 30-11-2017, supra transcrito, foi objecto do seguinte despacho, proferido pela exma. julgadora a quo em 06-12-2017:
«Pedido de suspensão do processo por acordo das partes: considerando o tempo entretanto decorrido sem que as partes tenham apresentado acordo e considerando igualmente a posição posteriormente assumida pelas mesmas no processo, julgo prejudicado tal pedido.
Notifique.
*
Nulidade da prova produzida em julgamento:
A ré vem arguir a nulidade da prova produzida em julgamento e consequentemente dos atos posteriores à mesma, por não serem audíveis/percetíveis os depoimentos prestados em sede de audiência pelas testemunhas …, …, …, …, … e….
O autor não se pronunciou sobre a nulidade invocada.
Cabe apreciar e decidir:
Para o efeito cumpre considerar a seguinte factualidade com relevo para a decisão a proferir:
Com relevo para a decisão do recurso, resultam dos autos os seguintes factos:
1 - A audiência final desdobrou-se numa única sessão, que teve lugar no dia 14.09.2017 (fls. 121-127);
2 - A sentença foi registada e notificada às partes no dia 27.10.2017 (fls. 137 a 142);
3 - No dia 02.11.2017, a ré requereu a entrega, à sua advogada, de cópia em suporte digital da gravação da prova produzida nos autos, a fim de apresentar recurso da sentença; para o efeito, a ré enviou CD via CTT e requereu a sua devolução através de envelope selado para o efeito (fls. 145-147).
4 - No dia 30.11.2016, a ré apresentou requerimento no qual invocou a deficiência da gravação da prova produzida em julgamento, e arguiu a nulidade dessa prova, nos termos do artigo 195.°, do Código de Processo Civil (fls. 158-161);
O n.º 3 do artigo 155.° do Código de Processo Civil estabelece que a gravação da audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares, obrigatória nos termos do n.º 1, deve ser disponibilizada às partes no prazo de 2 dias a contar do respetivo ato. Dispõe o n.º 4 do mesmo artigo que a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.
Importa saber a partir de quando se conta este último prazo.
Ora do que resulta do disposto no supra citado preceito legal é que a Secretaria, independentemente do requerimento das partes, disponibiliza às partes a gravação nos dois dias subsequentes à sua realização (competindo às partes o ónus de procederem ao seu levantamento) e seguem-se-lhe os dez dias para arguir a nulidade; se apenas a disponibilizar em 3 ou 4 ou noutro número de dias (por motivo imputável exclusivamente à secretaria e não porque as partes apenas requerem o envio do suporte digital após tal prazo), o prazo conta-se imediatamente a seguir; não o fazendo de todo, isto é, não disponibilizando a gravação, naturalmente o prazo dos dez dias para a arguição da invalidade só começa a contar da sua efectiva entrega, momento em que a parte, sem qualquer culpa, realmente lhe acede.
(…)
Revertendo ao caso dos autos, e considerando que os depoimentos em causa foram prestados na sessão de julgamento datada de 14.09.2017, a ré deveria ter diligenciado pela obtenção da gravação dos depoimentos prestados nessa sessão a partir desse dia e o mais tardar até ao dia 18 de setembro (2.ª feira), em requerimento para o efeito dirigido ao tribunal a quo.
Porém, apenas no dia 02.11.2018, após ser notificada da sentença, a ré requereu a entrega, à sua advogada, da gravação da prova produzida nos autos, e apenas no dia 30.11.2017 apresentou requerimento através do qual invocou a deficiência da gravação.
Em face do exposto resulta claro que, em qualquer destas datas, o prazo previsto no n.º 4 do artigo 155.° do Código de Processo Civil já tinha decorrido, com a consequente sanação da eventual nulidade decorrente de uma deficiente gravação. Assim sendo o tribunal indefere o requerimento apresentado pela ré em 30.11.2017 por manifestamente extemporâneo.
Sem custas atenta a simplicidade do incidente. Notifique.
*
Quanto ao recurso interposto constato que o mesmo deu entrada no segundo dia útil posterior ao termo do prazo sem que a ré tenha procedido ao pagamento da multa devida nos termos do disposto no artigo 139°, n.º 5, alínea b) do Código de Processo Civil.
Assim sendo deverá ser dado cumprimento ao disposto no n. ° 6 do mesmo preceito legal».

Inconformada com o referido despacho, a Ré dele interpôs recurso para este tribunal, tendo a terminar as alegações formulado as seguintes conclusões:
«A) Por requerimento datado de 28.11.2017, a Ré/ Recorrente requereu a suspensão da instância por acordo das partes, pelo período de cinco dias, ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 272.º do Código de Processo Civil, tendo tal requerimento sido também subscrito pelo Autor.
B) Ora, requerida a suspensão da instância ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 272.º do Código de Processo Civil, e sendo tal suspensão requerida por ambas as partes intervenientes no processo, a dita suspensão verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial, reportando a sua eficácia ao momento em que foi junto aos autos tal requerimento/ acordo de suspensão, pelo que, tendo tal requerimento de suspensão da instância dado entrada em juízo em 28.11.2017, a instância suspendeu-se nesse mesmo dia, de forma automática.
C) Ora, a Ré foi notificada da sentença proferida nos autos recorridos no dia 27.10.2017, podendo, ao abrigo do disposto nos números 1 e 3 do art.º 80.º do Código de Processo de Trabalho, apresentar recurso de apelação com reapreciação da prova gravada no prazo de 30 dias, ou seja, até ao dia 29.11.2017.
D) No entanto, tendo, em 28.11.2017, sido apresentado conjuntamente requerimento de suspensão da instância, pelo período de 5 dias, a suspensão da instância iniciou-se nesse mesmo dia, tendo cessado no dia 03.12.2017.
E) Atendendo a que os prazos judiciais não correm enquanto durar a suspensão da instância, e que a suspensão da instância só cessa quando tiver decorrido o prazo fixado, temos que, em 04.12.2017, a Ré ainda dispunha de um dia para apresentar o recurso de apelação com reapreciação da prova gravada.
F) Pelo que, tendo a Ré apresentado o recurso em juízo na já referida data de 04.12.2017, último dia do prazo para o fazer, conclui-se que a apresentação do dito recurso foi manifestamente tempestivo, não havendo lugar ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do art.º 139.º do Código de Processo Civil.
G) Face ao exposto, resulta que o despacho recorrido violou as disposições legais citadas supra, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que determine a tempestividade da apresentação do recurso, revogando a aplicação da multa á Ré/ Recorrente.
H) A Recorrente insurge-se, ainda, com a decisão que indeferiu o requerimento por si apresentado, que suscitou a nulidade da audiência de julgamento, porquanto se encontram impercetíveis os registos magnéticos dos depoimentos de várias testemunhas, depoimentos esses em que a aqui Recorrente iria basear a impugnação da matéria de facto.
I) A impercetibilidade do registo magnético dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento consubstancia omissão de ato que a lei prescreve e que tem óbvia influência no exame e decisão da causa, uma vez que impede ou condiciona o cumprimento do art.º 640.º do Código de Processo Civil, vindo, por isso, a constituir uma nulidade secundária, de harmonia com o estatuído no artigo 195.º do mesmo diploma legal.
J) O despacho recorrido procedeu a uma incorreta interpretação do disposto no art.º 155.º do Código de Processo Civil, determinando que, à data em que a Ré solicitou ao Tribunal a cópia das gravações (e, consequentemente, aquando da apresentação do requerimento de arguição da nulidade), o prazo para arguição da referida nulidade já se tinha esgotado.
É que o n.º 3 do art.º 155.º estabelece a obrigação do próprio Tribunal disponibilizar às partes, oficiosamente, e no prazo de dois dias contados do ato gravado, as gravações das audiências de julgamento, dispondo então a parte do prazo de 10 dias para poder invocar a falta ou deficiência da gravação (n.º 4), devendo estas disposições legais ser interpretadas de forma conjunta e sistemática.
L) Daqui decorre que, só quando o Tribunal cumpre as obrigações fixadas nesta disposição, é que terá a parte de apurar, no prazo de 10 dias após essa disponibilização, sobre a eventual falta ou deficiência da gravação – numa situação de igual obrigação de zelo e diligência.
M) Pelo que este prazo de 10 dias previsto no n.º 4 do art.º 155.º do Código de Processo Civil apenas será aplicável nos casos de cumprimento oficioso, pelo Tribunal, da obrigação preceituada no n.º 3 do mesmo art.º 155.º.
N) Ora, nos autos recorridos, o Tribunal não deu cumprimento à obrigação que lhe incumbia, por via da aplicação do já por demais referido n.º 3 do art.º 155.º. E, assim sendo, a parte não fica vinculada ao mencionado prazo de 10 dias, podendo invocar a todo o tempo, até ao termo do prazo para a apresentação do recurso, tal falta ou deficiência da gravação.
O) Assim, podendo a Ré apresentar recurso com reapreciação da prova gravada até 04.12.2017 podia, até essa altura, arguir a nulidade secundária decorrente da deficiente gravação da prova, pelo que, tendo essa nulidade sido arguida através de requerimento junto aos autos em 30.11.2017, foi manifestamente tempestivo.
P) Assim, mal esteve o despacho recorrido ao decidir pela extemporaneidade da arguição da nulidade em causa pela Ré/ Recorrente, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que, deferindo a arguição dessa nulidade, determine a repetição do julgamento, nos termos legais.
Q) Por todas as razões expostas, e convenha-se que são bastantes, afigura-se manifesto ser o despacho em crise passível de inexorável censura, impondo-se, por isso, que seja revogado e substituído por outro que, dando provimento ao presente recurso, determine a tempestividade da apresentação, pela Ré/ Recorrente, do recurso de apelação da sentença final, revogando a aplicação da multa, e que, antes de mais, defira a arguição da nulidade do julgamento, determinando a repetição do mesmo, pois só assim se fará a tão costumada JUSTIÇA!».

Não constando do sistema citius que tenham sido apresentadas contra-alegações, foi seguidamente, ainda na 1.ª instância, admitido o recurso interposto pela Ré, como de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Remetidos os autos neste tribunal, presentes à Exma. Procuradora-Geral Adjunta para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, neles emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual concluiu pela improcedência do recurso.

Elaborado projecto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal duas questões essenciais:
- saber se tendo as partes requerido, nos termos do n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil a suspensão da instância por 5 dias, esta operava automaticamente, sem necessidade de despacho judicial;
- se é tempestivo o requerimento apresentado pela Ré em 30-11-2017, a suscitar a imperceptibilidade do registo magnético dos depoimentos produzidos em audiência.
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se tem por reproduzida.

III. Fundamentação
1. Do requerimento de suspensão da instância e seu (eventual) reflexo na data de interposição do recurso da sentença final
Como já se deixou amplamente referido, foi remetida notificação da sentença à Ré, via citius, em 27-10-2017, pelo que face ao disposto no artigo 248.º do mesmo compêndio legal a mesma se considerou notificada em 30-10-2017: e sendo o prazo de interposição do recurso de 30 dias, face à impugnação da matéria de facto com reapreciação da prova gravada (artigo 80.º, n.º 1 e 3, do Código de Processo do Trabalho), o referido prazo terminaria em 29-11-2017.
Todavia, em 28-11-2017 as partes apresentaram requerimento de suspensão da instância, nos termos n.º 4 do artigo 272.º do Código de Processo Civil.
Ora, pergunta-se: teria tal requerimento a virtualidade de, por si só, ou seja, de forma automática e sem necessidade de despacho judicial, suspender de imediato a instância?
Vejamos.
Nos termos do referido n.º 4 do artigo 272.º, as partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.
Está em causa, pois, a suspensão da instância como consequência da iniciativa das partes, o que constitui uma manifestação do princípio do dispositivo, que, como é sabido, é um dos princípios basilares do processo civil: daí que seja permitido às partes a disponibilidade da instância.
Arrimando-se, no essencial, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-10-2015 (Proc. n.º 1229/14.0TBTVD-A.L1-8, disponível em www.dgsi.pt), a recorrente sustenta que tal suspensão deve operar automaticamente, sem necessidade de despacho.
Efectivamente, escreveu-se no referido acórdão:
«Comentando o artigo 272º do Código de Processo Civil, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, afirmam o seguinte: “ Resultando a suspensão da instância do acordo entre as partes, tem ela o seu início no dia em que é praticado o acto processual que a determina, isto é, no dia em que é junto aos autos o acordo de suspensão. É desde este momento que deve ser contado o período de paralisação do processo, e não, por exemplo, desde o dia em que as partes são notificadas do despacho do juiz que começa da junção do acordo”[].
Portanto, à semelhança do que prescreve o nº 3 do artigo 273º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância verifica-se automaticamente e sem necessidade de despacho judicial, ou seja, reporta a sua eficácia ao momento em que foi junto ao processo o acordo a que se refere o nº 4 do artigo 272º do Código de Processo Civil».
Contudo, outros elementos haverá que ponderar a tal respeito.
Desde logo, tal como resulta do artigo 6.º do Código de Processo Civil, ao juiz compete dirigir activamente o processo: nessa direcção activa não poderá deixar de se integrar a aferição da conformidade legal dos actos praticados no processo; veja-se, por exemplo, que a suspensão não pode exceder, na totalidade dos períodos, três meses e dela não pode resultar o adiamento da audiência final.
Por isso, como fazem notar Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 539), embora o acordo de suspensão da instância seja uma emanação do princípio do dispositivo e, por isso, o subsequente despacho do juiz seja meramente homologatório, «(…) tal não impede a excecional ocorrência do abuso do direito, se nomeadamente as partes requererem várias suspensões por curtos períodos, sem motivo justificado e com a consequência de assim impedirem o decurso do processo por período que, na prática, resulte consideravelmente superior aos três meses do n.º 4».
Ou seja, e dito de outro modo: embora dentro do princípio do dispositivo as partes possam acordar na suspensão da instância, tal acordo estará sujeito a subsequente despacho judicial de confirmação/homologação, em que haverá que aferir dos pressupostos formais de tal acordo e se ocorre alguma circunstância excepcional que obsta à sua aceitação.
É certo que se entende que havendo despacho de confirmação/homologação do acordo de suspensão da instância, os efeitos do mesmo devem retroagir à data do referido acordo de suspensão: todavia, o que se afigura de relevante é que se verifique despacho de confirmação/ homologação do acordo de suspensão da instância, já que o mesmo não pode operar sem a existência de qualquer despacho judicial que o confirme/homologue.
Note-se, ainda em defesa do entendimento que se deixou expresso sobre a necessidade de despacho que confirme o acordo de suspensão da instância, que em relação às situações de suspensão da instância com vista a que as partes resolvam o litígio por mediação, a lei – n.ºs 2 e 3, do artigo 273.º do Código de Processo Civil – expressamente prevê que tal suspensão da instância se verifica automaticamente e sem necessidade de despacho judicial: porém, já em relação à suspensão da instância por acordo, tout court, nada se dispõe na lei no sentido de tal suspensão se verificar automaticamente, sem necessidade de despacho judicial.
Deste modo, não tendo o referido acordo de suspensão da instância sido objecto de qualquer despacho de confirmação/homologação, não pode tal acordo relevar no prazo de interposição do recurso.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da tempestividade ou não do requerimento apresentado pela Ré a suscitar a imperceptibilidade do registo magnético dos depoimentos produzidos em audiência
A este respeito recorde-se que, tal como resulta do relatório supra:
(i) a audiência de julgamento teve lugar em 14-09-2017;
(ii) em 24-10-2017 foi proferida sentença;
(iii) foi remetida notificação da sentença à Ré em 27-10-2017, pelo que a mesma se considera notificada em 30-10-2017;
(iv) em 02-11-2017 a Ré requereu a entrega em suporte digital da gravação da prova produzida em audiência, a fim de apresentar recurso da sentença;
(v) em 30-11-2017 a Ré arguiu a nulidade decorrente da imperceptibilidade do registo magnético dos depoimentos.

A questão da inaudibilidade de depoimento(s), estando em causa a reapreciação da matéria de facto, configura nulidade processual, nos termos do artigo 195.º do Código de Processo Civil.
No âmbito do anterior regime processual, embora sendo uniforme o entendimento que a nulidade em causa devia ser arguida no prazo de 10 dias, verificava-se divergência jurisprudencial sobre o início da contagem de tal prazo.
Procurando resolver tais divergências interpretativas o actual Código de Processo Civil veio regular especificamente tal matéria.
Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 155.º, a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respectivo acto; e falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias, a contar do momento em que a gravação é disponibilizada (n.º 4 do mesmo artigo).
Como escreve Abrantes Geraldes Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 130), «[o] artigo 155º, nº 4 veio resolver as dificuldades, impondo à parte o ónus de invocação da irregularidade no prazo de 10 dias a contar da data em que lhe tenha sido disponibilizada a gravação (disponibilização que deve ocorrer no prazo de dois dias a contar do acto, nos termos do nº 3)
Assim, resulta dos referidos normativos legais, tal como se assinalou no despacho recorrido, que «(…) a Secretaria, independentemente do requerimento das partes, disponibiliza às partes a gravação nos dois dias subsequentes à sua realização (competindo às partes o ónus de procederem ao seu levantamento) e seguem-se-lhe os dez dias para arguir a nulidade; se apenas a disponibilizar em 3 ou 4 ou noutro número de dias (por motivo imputável exclusivamente à secretaria e não porque as partes apenas requerem o envio do suporte digital após tal prazo), o prazo conta-se imediatamente a seguir; não o fazendo de todo, isto é, não disponibilizando a gravação, naturalmente o prazo dos dez dias para a arguição da invalidade só começa a contar da sua efectiva entrega, momento em que a parte, sem qualquer culpa, realmente lhe acede».
Porém, sublinhe-se, a disponibilização pela secretaria que deve ocorrer no prazo de dois após a gravação não significa que a Secretaria, por sua iniciativa, tenha que remeter às partes a gravação: estas é que deverão diligenciar pelo levantamento de tal gravação.
Como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05-02-2015 (Proc. n.º 8/2013.6TCFUN.L1-2, disponível em www.dgsi.pt), também citado na decisão recorrida, «afronta a razão de ser da lei o entendimento de que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos fica dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final)».
Expressivo a tal respeito é também o que se escreveu no acórdão deste tribunal de 12-10-2017 (Proc. n.º 1382/14.2TBLLE-A.E1, disponível em www.dgsi.pt): «(…) em parte alguma a lei impõe que a secretaria realize a notificação referida pelo recorrente. Além de resolver as dúvidas que o regime anterior suscitava, foi intenção do legislador que o procedimento tendente à obtenção de cópia da gravação pelas partes seja o mais simples possível, sem necessidade de realização de qualquer notificação pela secretaria e tendo em vista garantir que algum problema que se verifique com a gravação seja resolvido com rapidez, no tribunal de primeira instância. Se fosse intenção do legislador que a secretaria notificasse as partes de que a gravação está disponível, certamente o teria estabelecido expressamente. Todavia, não é, manifestamente, isso que o n.º 3 do artigo 151.º faz.
Por outro lado, disponibilizar não é entregar o suporte digital da gravação às partes. Desde logo, porque, na língua portuguesa, estas duas palavras não são sinónimas. Disponibilizar é colocar algo à disposição de outrem, ainda que o terceiro assuma uma atitude de inércia e não aproveite tal disponibilidade. Entregar é mais que isso, é transferir algo para o poder, para as mãos de outrem. Na hermenêutica jurídica, tem de se partir do princípio de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Código Civil, artigo 9.º, n.º 3, in fine), pelo que o verbo “disponibilizar” deve ser interpretado em sentido próprio e não como sinónimo de “entregar”. A tese do recorrente parte do princípio de que o legislador não se exprimiu adequadamente, utilizando o verbo “disponibilizar” quando queria dizer “entregar”. Ora, tal desconformidade entre a intenção do legislador e a forma como este se exprimiu não está demonstrada. Pelo contrário, a ponderação do resultado a que conduziria a interpretação proposta pelo recorrente confirma que o legislador se exprimiu correctamente ao utilizar o verbo “disponibilizar”. Como bem nota a decisão recorrida, se a contagem do prazo fixado no n.º 4 do artigo 155.º do CPC só se iniciasse a partir da entrega da gravação à parte, tal início ficaria na dependência do arbítrio desta. Bastaria que a parte não solicitasse a entrega da gravação ou, fazendo-o, não diligenciasse, depois, no sentido de ir recebê-la, para que aquela contagem não se iniciasse. Dessa forma, ficaria, na prática, a parte com a possibilidade de invocar a falta ou deficiência da gravação quando lhe aprouvesse, até à interposição de recurso da sentença. Ora, não foi, seguramente, isto que o legislador quis ao estabelecer os apertados prazos que as normas que vimos analisando estabelecem. Convém, a propósito, lembrar novamente o disposto no citado artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil: O intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas. Atento o resultado a que conduz, a segunda tese que o recorrente propõe é tudo menos acertada.
Não se objecte com o argumento de que, na hipótese de a secretaria não disponibilizar (em sentido próprio) a gravação no prazo de dois dias a contar do acto, as partes ficariam injustamente penalizadas por verem comprimido o prazo para a reclamação prevista no n.º 4. Nessa hipótese, a parte terá o ónus de, através de requerimento dirigido ao juiz, suscitar a questão. Caso se confirme o incumprimento do prazo do n.º 3, o prazo do n.º 4 só começará a contar-se a partir do momento em que a secretaria passe a ter a gravação ao dispor das partes».
Este é, de resto, o entendimento que se também se colhe do Código de Processo Penal, que no seu artigo 101.º, n.º 3, estatui que sempre que for realizada gravação, o funcionário entrega no prazo de 48 horas uma cópia a qualquer sujeito processual «que a requeira e forneça ao tribunal o suporte técnico necessário»; e estabelecendo o artigo 363.º do mesmo compêndio legal que as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade, a qual deve ser arguida no prazo de 10 dias (artigo 105.º, n.º 1).
Nessa conformidade, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2014, de 03 de Julho de 2014 (DR, I série, n.º 183, de 23 de Setembro de 2014), fixou a seguinte jurisprudência: «A nulidade prevista no artigo 363.º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efetiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar–se sanada».
Regressando ao caso em apreciação e aplicando as regras processuais que se deixaram definidas, tendo havido lugar a audiência de julgamento em 14-09-2017, a Ré/recorrente deveria ter requerido a disponibilização de cópia da gravação no prazo de dois dias após a mesma, ou seja, até 18-09-2017 (considerando que os dias 16 e 17 foram sábado e domingo, respectivamente), dispondo então de 10 dias a contar da disponibilização para arguir a (eventual) irregularidade decorrente da deficiente gravação.
Contudo, apenas em 02-11-2017, já após ser notificada da sentença, veio requerer a entrega da gravação da prova: nesta data há muito que se mostrava ultrapassado o prazo de que dispunha para requerer a entrega da gravação; e tendo, subsequentemente, apenas em 30-11-2017 arguido a deficiência de gravação da prova, forçosamente que se mostrava ultrapassado o prazo de 10 dias de que dispunha para tal efeito.
Nesta conformidade, bem ajuizou a decisão recorrida ao julgar extemporâneo o requerimento apresentado pela Ré/recorrente em 30-11-2017 a arguir a nulidade decorrente de uma deficiente gravação, já que nessa data a mesma se tinha por sanada.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

3. Vencida no recurso, deverá a Ré/recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por CC, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela Ré/recorrente.

Évora, 12 de Setembro de 2018
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.